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1. ESCRAVOS, ÍNDIOS E NEGROS

SEITAS ESPÍRITAS E AFROS

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ESCRAVOS, ÍNDIOS E NEGROS

Desde o século XV que os portugueses compravam escravos na África para levá-los para as colônias de Açores e Madeira, ilhas no Oceano Atlântico onde já se produzia açúcar. Quando Cabral chegou à costa da Bahia, havia milhões de índios no Brasil. Os índios que moravam no litoral, os portugueses os chamavam de tupis e de tapuias os que viviam no interior. Do início da colonização do Brasil, os portugueses preferiram escravizar os índios. O dominador impôs à força sua língua, seus costumes, sua religião. Os índios foram obrigados a trabalhar como animais. Despojados de tudo, humilhados e ofendidos até o fundo da alma, foram dizimados.

E foi assim por um século. Mas a partir do século XVII, os portugueses passaram a usar mais escravos africanos do que indígenas. O motivo dessa mudança foi o fato de que muitos índios morreram em decorrência das doenças que os europeus trouxeram da Europa (varíola, sarampo, gripe) e também porque foram escravizados, obrigados a trabalhar até não agüentar mais.

Já no século XVI, os portugueses detinham o monopólio do tráfico de escravos. Naquele momento, era praticamente o único povo europeu a conseguir cativos na África. Eles obtinham os escravos na faixa que ia da costa do Senegal, passando por Guiné-Bissau, Guiné até Serra Leoa. Essa parte da África ao norte da linha do Equador era conhecida como a formosa Guiné. De lá é que vieram os povos mandigas, nagôs, bantos e outros.

No século XVII, os escravos que chegaram ao Brasil vieram principalmente do Congo e de Angola. No século XVIII, os escravos que vieram para o Brasil eram

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originários da Costa do Ouro (ou da Mina), mais ou menos onde hoje estão Gana e Togo, Benin e Nigéria. Especialmente a Bahia recebeu escravos que vinham do Benin. No século XIX, a tendência era trazer os escravos para o Brasil diretamente das colônias portuguesas em Angola e Moçambique.

O fim da escravatura começou quando, em 4 de Setembro de 1850, o parlamento aprovou a Lei Euzébio de Queiroz que encerrou de vez o tráfico da África para o Brasil. Entretanto somente em 1888, com a Lei Áurea, o cativeiro foi suspenso. O Brasil ostenta o triste título de ter sido o último país do Continente a acabar com o escravismo.

No mapa baixo encontram-se as principais rotas de abastecimento de escravos para o porto do Rio de Janeiro entre 1750 e 1830. Repare a variedade de origens.

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1.1 SINCRETISMO RELIGIOSO

Os africanos que vieram para o Brasil pertenciam às diversas nações. Cada nação dessas tinha sua própria crença religiosa. Os estudiosos costumam dividir os negros vindos para o Brasil em dois grandes grupos: sudaneses e bantos. Os primeiros saíram do Dahomey, da Nigéria e do Sudão, predominando os yorubas ou nagôs e os gêges, e foram colocados nos mercados de escravos da Bahia e Sergipe. Os bantos vieram do Congo, de Angola, de Moçambique e foram levados para os mercados de Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, São Luiz do Maranhão e Pará e também para o da Bahia. A cultura sudanesa era superior a dos bantos e influiu profundamente sobre as outras.

Nunca tivemos, no Brasil, culturas africanas em estado de pureza. Desde o início, elas apresentaram-se bastante misturadas, não apenas entre si, mas também com culturas não africanas, como os índios e com estrangeiros, influenciando e sendo influenciados psicológica e socialmente. Aos poucos, as crenças religiosas dos escravos foram se misturando umas as outras e se adaptando ao Brasil. No final predominou o chamado culto nagô. 2 Repare que o culto nagô é uma forma tipicamente brasileira, ou seja, ele é resultado da mistura de várias culturas africanas com a cultura colonial.

Para a religião dos yorubas ou nagôs, existe uma divindade suprema no Universo, que gerou todas as coisas, chamada de Olorum (ou Olorung). Olorum só pode entrar em contato com os homens mediante divindades inferiores ou secundárias, chamadas orixás pelos nagôs e vodús pelos gêges. Esta divindade, não era objeto de culto direto, para se obter seu “favor”, somente por intermédio dos orixás que são os intermediários entre Olorum e os homens.

Os orixás em ordem de importância cultural são:

1) Obatalá ou Orixalá (“o grande orixá”, o maior de todos) ou simplesmente Oxalá, como se diz no Brasil. Simboliza as energias produtivas da natureza e tem por isso, um caráter bissexual. É representado por meio de conchas, limo

2. No Brasil, deram o nome de nagôs ao grupo de africanos que vieram de uma região onde hoje está a Nigéria, e que falavam o idioma yoruba.

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verde, dentro de um círculo de chumbo. Seus enfeites são brancos e o dia do culto, no Brasil é sexta-feira. Sacrificam-lhe cabras e pombos.

2) Xangô é outro orixá muito poderoso. Personifica a força dos raios. Seu fetiche é a “pedra do raio” ou o meteorito que é cultuado em meio de contas brancas e vermelhas principalmente nas quartas-feiras. Oferecem-lhe como sacrifícios o galo e o carneiro.3

3) Exu (nagô) representa as potências contrárias ao homem. Não se faz nenhum trabalho sem antes fazer o despacho de Exu, caso contrário ele atrapalha tudo. Seu fetiche é uma massa de barro com uma cabeça onde os olhos e a boca são representados por conchas incrustadas ou fragmentos de ferro. Pertencem-lhe os primeiros dias das festas e as segundas-feiras. Na África exigia sacrifícios humanos. No Brasil contenta-se com o bode, o galo e o cão.

4) Ogun é o orixá das lutas e das guerras. Seu fetiche é um fragmento de ferro e carrega consigo apetrechos bélicos (espada, foice, pá, enxada, etc.). O galo e o carneiro são seus alimentos preferidos.

5) Yemanjá é o orixá das águas. Tem como fetiche uma pedra marinha. Também yansan saiu da água e é o orixá dos ventos e das tempestades e mulher de Xangô.

6) Oxossi é o deus dos caçadores, representado por um arco atravessado de flecha. Festejam-no às quintas-feiras.

7) Xapanan ou Omolu é o orixá da varíola. Gosta de galo e do bode, mas aceita também milho com azeite de dendê. Não pode ser festejado no terreiro com outros orixás, tendo seu altar isolado numa cabana.

3. A palavra francesa fétiche vem do português feitiço (e ambas do latim factitius: coisa feita). De modo geral o fetiche é um objeto material (árvore, monte, mar, fragmentos de madeira, seixos, conchas, etc.) preparado em cerimônia especial simbolizando uma divindade.

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No livro O Folclore Negro do Brasil, Artur Ramos, resume assim o mito africano da origem dos deuses: “Pode-se dizer que é com o casamento de Obatalá (ou Oxalá), o céu, com Odudua, a Terra, que se iniciam as peripécias místicas dos deuses africanos da Costa dos Escravos. Destes consórcios nasceram Aganju, a terra, e Yemanjá, a água. Como nas velhas mitologias, aqui também, terra e água se unem, Yemanjá desposa o seu irmão Aganju e tem um filho, Orungan. Orungan, o Édipo africano, representante de um motivo universal, apaixonou-se por sua mãe, que procura fugir-lhe aos ímpetos arrebatados. Mas Orungan não pode renunciar àquela paixão incoercível. Aproveita-se, certo dia, da ausência de Aganju, o pai e decide-se a violentar Yemanjá. Esta foge e põe-se a correr, perseguida por Orungan. Lá este quase a alcança - quando Yemanjá cai ao chão, de costas. E morre. Então começa o seu corpo a dilatar-se e dos enormes seios brotam duas correntes d’água que se reúnem adiante até formar um grande lago. E do ventre desmesurado, que se rompe, nascem os seguintes deuses: Dada, deus dos vegetais; Xangô, deus do trovão; Ogun, deus do ferro e da guerra; Olokun, deus do mar; Oloxá, deusa dos lagos; Oyá, deusa do rio Niger; Oxun, deusa do rio Oxun; Oba, deusa do rio Oba; Orixá Okô, deusa da agricultura; Oxossi, deus dos caçadores; Oké, deus dos montes; Ajê Xalunga, deus da riqueza; Xapanan, deus da varíola; Orun, o sol; Oxu, a lua”.4

No culto, gegê-nagôs dos sudaneses, os terreiros são considerados templos. No Brasil, eles eram escondidos nas matas, escondidos em zonas de difícil acesso. Na África seus templos são em lugares públicos e abertos. No terreiro são preparados os fetiches, iniciadas as filhas-de-santo, celebrados os cultos comuns e as grandes festas. Os sacerdotes yorubanos (ou nagôs) chamam-se babalaôs, ou ababaloalôs, ou babalorixás. Além deles também existem as mães-de-santo, a yalorixá, coisa que na África é proibido.

O culto dos bantos devido a possuir uma cultura inferior, sofreu forte influência dos cultos gegê-nagôs dos sudaneses. A divindade principal dos bantos era Zambi, na Angola, e Zambi Ampungo no Congo. O grão-sacerdote dos cultos bantos chamava-se Quimbanda (ou Ki-mbanda) – médico, adivinho e feiticeiro. Do mesmo

4. Citado por KLOPPENBURG, B. A Umbanda no Brasil. São Paulo: Editora Vozes, 1961, p.13.

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radical mbanda vem também a palavra Umbanda, que pode significar o feiticeiro ou sacerdote ou também o local do rito.

O lugar do culto banto, como também o é para os sudaneses, é conhecido por terreiro, entretanto muito mais simples que o dos sudaneses.

O que distingue o culto banto dos nagôs é o culto aos antepassados. Os babalorixás sudaneses entram em transe e incorporam os orixás; mas os sacerdotes bantos são tomados de espíritos familiares ou de antepassados. São os “pretos velhos”, guias espirituais, que dirigem as cerimônias.

Foto de um navio Negreiro do Brasil. Repare nos canhões. Além do tráfico, o navio poderia praticar a pirataria.

1.2 QUEM SÃO OS ORIXÁS

De acordo com o Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros de Olga Cacciatore, os orixás são divindades intermediárias entre Olorum (o deus supremo) e os homens. Na África eram cerca de 600 − para o Brasil vieram talvez uns 50, que estão reduzidos a 16 no Candomblé, dos quais só 8 passaram para Umbanda. Muitos deles são antigos reis, rainhas ou heróis divinizados, os quais representam as vibrações das forças elementares da natureza − raios, trovões, tempestades, água; atividades econômicas, como caça e agricultura; e ainda os grandes ceifadores de vidas, as doenças epidêmicas, como a varíola, etc.

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1.3 OS ORIXÁS E O SINCRETISMO

Segundo o Dicionário Aurélio, sincretismo é a “amálgama de doutrinas ou concepções heterogêneas” ou “fusão de elementos culturais diferentes, ou até antagônicos, em um só elemento, continuando perceptíveis alguns sinais originários”. Assim, o sincretismo religioso existente entre os escravos, terá um aspecto significante nos cultos afros.

O fetichismo africano sofreu influência do espiritismo, das religiões indígenas e, sobretudo do catolicismo. O africano trouxe de sua terra as suas crenças e, aqui no Brasil foram obrigadas a aceitar outra religião, o catolicismo. Externamente aceitavam a “nova religião” imposta pelos seus senhores, mas intimamente continuavam com suas crenças e práticas. Ele incorporou o catolicismo ao seu sistema mítico-religioso, transformando-se assim, o fetichismo numa vasta religião politeísta, onde os orixás foram amalgamados com os santos da nova religião que lhe foi imposta.

Muitos dos orixás nos cultos afros encontrarão no catolicismo um santo “correspondente”, por exemplo:

Exu – diabo Iemanjá - Nossa Senhora Ogum - São Jorge Iansã - Santa Bárbara Iemanjá - Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Oxóssi - São Sebastião Oxalá - Jesus Cristo - Senhor do Bonfim Omulú - São Lázaro Ossain - São Benedito Oxumaré - São Bartolomeu Xangô - São Jerônimo

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Também presentes nos cultos afro-brasileiros estão espíritos que representam diversos tipos de humanos falecidos, tais como: caboclos (índios), pretos velhos (escravos), crianças, marinheiros, boiadeiros, ciganos, etc.

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