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1. PERSPECTIVA PANÔRAMICA DO NOVO TESTAMENTO

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PERSPECTIVA PANÔRAMICA DO NOVO TESTAMENTO

Assim como o Antigo Testamento, o Novo apresenta uma grande variabilidade de autores, situações e formas literárias. Temos pelo menos nove autores, que escreverão em um período de décadas, dirigindo-se a públicos diferentes para tratar de questões diferentes. Abordam história, sermões, epístolas, exortações, respostas, parábolas, visões e profecias.

O produto dessa obra não nasce como resultado de reflexão planejada que visa produzir best sellers como é o caso dos livros modernos. Nasceu de necessidades imediatas e bem concretas, em resposta a problemas e questionamentos surgidos em comunidades com características bastante distintas e para atender demandas bem reais. Trata-se de uma literatura bastante prática, que lida com indivíduos concretos em situações cotidianas. Nunca foi uma obra planejada como o foram os grandes clássicos.

Ainda assim o resultado no Novo Testamento é um todo coerente, com uma teologia única, onde pontos aparentemente conflitantes na verdade são revelações complementares que trazem clareza quando agrupados devidamente.

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De certa forma, há uma estruturação semelhante na organização dos livros que precisa ser levada em conta. Se nos livros da Antiga Aliança a Lei e os profetas se destacam, no Novo temos o Evangelho de Cristo e os escritos dos apóstolos. Os Evangelhos chegaram mesmo a ser entendidos como a Nova Lei, como a Lei de Cristo. O Evangelho de Mateus, como seu longo Sermão do Monte no início, foi visto de algum modo como o contraponto mosaico. Apóstolos e profetas são tidos como os lançadores dos fundamentos. Apesar da enorme diferença de extensão, o livro de Atos faz paralelo com os livros históricos e serve de ponte entre os Evangelhos e as epístolas, assim como os livros históricos do Antigo Testamento elucidam o papel dos profetas. Da mesma forma, ainda que a extensão dos profetas exceda imensamente o conteúdo do Apocalipse, este último condensa de forma magnífica o conteúdo profético do Antigo Testamento.

É nessa perspectiva que podemos e devemos olhar o conteúdo do Novo Testamento, aceitando uma abordagem conservadora e reconhecendo a plena credibilidade de seus documentos. A partir disso podemos desenvolver a teologia neotestamentaria de modo seguro e claro.

5. A NECESSIDADE E ANÚNCIO DA REVELAÇÃO NEOTESTAMENTÁRIA

É importante lembrar que durante o período em que os acontecimentos narrados no que chamamos de Novo Testamento estavam ocorrendo, nada havia sido escrito. Os primeiros documentos foram as cartas e só depois vieram as narrativas dos Evangelhos e do livro de Atos. Nesse período, os livros do Antigo Testamento eram a base e na grande maioria das vezes eram esses livros que eram chamados de “Escrituras” (Ex. João 5.39). Tudo o que havia era uma “teologia oral”, da qual temos alguns pontos apresentados principalmente nos sermões do livro de Atos. Todavia, um conteúdo revelado já havia sido anunciado pelo próprio Jesus.

Ao dizer “Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora” (João 16.12), Jesus estava mostrando que o período de seu ministério não havia esclarecido todos os pontos necessários. De fato, ainda que a revelação anterior não havia se tornado completamente sem valor, a encarnação, morte e ressurreição de Cristo mudariam tudo na relação entre Deus, o universo e o homem. Afinal, o

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Filho encarnara e redimira a humanidade.

Como a teologia anterior, a teologia que estava para vir não nasceria como mera reflexão de pensadores filosóficos meditando sobre os problemas do mundo e da existência humana. Nasceria das necessidades concretas da nova comunidade dos salvos, fossem essas necessidades da própria comunidade ou das pessoas a quem ela foi encarregada de ministrar.

6. A FORMAÇÃO DAS CATEGORIAS DISTINTAS DOS LIVROS

Nas palavras do próprio Jesus é fácil perceber as categorias distintas do conteúdo revelado que serviria como base primária para desenvolver uma teologia.

a) As palavras e atos de Jesus

Não poucas vezes nós vemos que os discípulos não compreenderam as palavras de Jesus e muitos dos acontecimentos que rodearam a sua vida (Ex. João 12.16). Ficou evidente que apenas posteriormente eles foram capazes de relacionar aquilo que havia sido revelado no Antigo Testamento com aquilo que Jesus disse, fez e com eventos de sua vida. Lucas 24.44, 45 é uma clara demonstração desse fato. Ao longo da caminhada desses discípulos, o Paracletos, foi não apenas lembrando sobre as coisas que Jesus havia dito, como também foi lhes dando uma compreensão plena.

“Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito”. (Jo 14.26).

Não podemos duvidar que os Evangelhos foram o cumprimento dessa promessa de Jesus e uma realização do ministério do Espírito. Claro que a memorização era uma prática comum entre os judeus. Basta ver com que facilidade Pedro cita inúmeras passagens do Antigo Testamento em seus sermões. Todavia, o conteúdo dos Evangelhos não era mera lembrança resultante de um treinamento mnemônico. Era fruto das lembranças trazidas pelo próprio Paracletos para aqueles escritores. Como já dissemos, essas lembranças estavam repletas de significação teológi-

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ca. Seria o material a ser interpretado pelas epístolas na compreensão e exposição do plano de salvação.

Um ponto a ser destacado é que apesar da sublimidade da ética de Jesus, todo o peso teológico cai sobre os eventos de sua vida, muito mais do que seus ensinamentos. Se pensarmos no Sermão do Monte, temos ali concentrado os ensinos morais do Senhor, que somados às inúmeras parábolas fornecem farto material ético.

No entanto, quando lemos os sermões em Atos dos Apóstolos e as epístolas, temos poucas referencias significativas aos seus ensinos. Como discussão teológica ao estilo epistolar, a salvação não está ligada ao que ele disse e nem mesmo ao que ele fez (isto é, os milagres). A salvação está ligada ao fato dele tornar-se homem como nós (2 Co 8.9;1 Jo 1.1-3); ao fato dele ter morrido na cruz pelos nossos pecados (1 Co 15.3) e ao fato dele ter ressuscitado dentre os mortos. (Rm 8.34).

Ainda assim, seus ensinos e milagres impactaram e mudaram o mundo, mesmo que nunca tenham sido visto como elemento central na narrativa do Novo Testamento.

b)A compreensão e dimensão dos acontecimentos envolvendo o Messias

Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido... (João 16.13)

Não é difícil, ao lermos as epístolas, percebermos quanto conhecimento teológico é transmitido através delas. A riqueza de revelação ali presente mostra que de fato Jesus não havia dito tudo o que era necessário sobre os propósitos eternos de Deus. Ou pelo menos não havia dito de forma suficientemente clara para a comunidade dos salvos que se formaria.

Não é apenas nas epístolas paulinas, mas em todas elas, uma maior clareza da salvação é apresentada. A vida de Cristo é interpretada diante dos acontecimentos do Antigo Testamento. A nova vida trazida por Ele é explicada. Uma ética baseada em princípios diferentes estava sendo entregue. Tudo isso foi um claro cumprimen-

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to daquilo que Jesus disse que seria o ministério do Espírito Santo. Ele estava revelando através dos apóstolos como revelara através dos profetas e demais autores do Antigo Testamento.

Ao todo temos treze epístolas das mãos do apóstolo Paulo e mais oito outras. Inúmeros assuntos são nelas abordados, alguns de natureza bastante prática e imediata. Outros revelam explicações profundas sobre o plano divino cumprido em Cristo Jesus. De fato, alguns assuntos que se relacionam com a salvação dos gentios, a graça e não a lei como meio de salvação e a missão da igreja foram assuntos desenvolvidos sobre os quais Jesus pouco ou nada falou.

Outro assunto que se tornou central foi a morte do Messias, um ponto que soava muito estranho aos ouvidos dos judeus do primeiro século. Sua teologia messiânica deixava de lado passagens como Isaías 53 ou Salmo 22, pois um Messias que morre não lhes era agradável mediante sua condição política e social opressiva.

c) O futuro interpretado à luz da revelação do Messias

Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir. (João 16.13)

O terceiro ponto com o qual precisamos lidar é o conteúdo escatológico do Novo Testamento. Nesse momento só conseguimos lembrar do livro do Apocalipse, onde essa escatologia está presente em cada linha. Todavia, a escatologia do Novo Testamento não está resumida a esse último livro. Como aconteceu com o Antigo Testamento, o elemento preditivo está presente em cada um dos livros.

Claro que essa escatologia se distingue em diversos pontos daquela presente no Antigo Testamento. Não há mais uma escatologia imediatista, voltada para o destino das nações ao redor, embora em Ágabo vamos encontrar um profeta com predições semelhantes, no caso, a fome no Império. Mas a grande maioria se volta para o retorno do Senhor e todas as consequências e detalhes a ela ligados.

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Autores como Paulo, Pedro, Tiago, João (nas epístolas) e mesmo Judas trouxeram elementos escatológicos em seus escritos. Embora a perspectiva fosse outra, não há uma rejeição das previsões encontradas nos profetas. Pelo contrário, eles continuam sendo a base da esperança (2 Pd 1.19).

Dessa forma, o conteúdo histórico, a interpretação teológica dos fatos históricos e o futuro resultante deles, foi predito por Jesus como parte da tarefa do Paracletos. E ele inspirou homens diversos, em situações diversas, bem concretas e através disso completou a revelação que haveria de ser dada aos homens.

Não podemos negar que os Evangelhos contem ensinos e profecias. As epístolas relembram, ainda que em pequena quantidade, palavras e feitos de Jesus. As epístolas também possuem grande quantidade de material escatológico. E o próprio Apocalipse não está isento de imagens que se encaixam perfeitamente aos ensinos epistolares e do próprio Jesus.

E então, o Espírito completara esse aspecto de seu ministério, fazendo lembrar as coisas que Jesus dissera sob uma nova luz. Ensinara aquilo que Jesus ainda não poderia ter dito aos seus discípulos judeus, presos a inúmeras tradições e tabus. E por fim, o Espírito também sancionou boa parte das profecias do Antigo Testamento, interpretando-as à luz da vinda do Messias e refletindo aspectos muito especiais agora sob a salvação que se manifestara em Cristo Jesus. Essa é a matéria prima à partir da qual a Teologia do Novo Testamento deve ser desenvolvida.

d) O uso do conteúdo revelado

O labor teológico será feito utilizando-se de quatro elementos: Escrituras, razão, tradição e experiência. Claro que as Escrituras são a base de qualquer coisa que seja digna do título de teologia cristã. Todavia, a teologia envolve boa dose de raciocínio, se desenvolve à partir de esforços anteriores e não se constrói à parte da vida e das experiências do próprio teólogo. Tudo isso sancionado por aquilo que já nos foi dado através do próprio cânon.

É bom lembrar que ter todos os documentos do Novo Testamento reunidos em um único livro foi um privilégio gozado em sua plenitude apenas por teólogos à partir do terceiro ou quarto século. Antes disso, os livros estavam espalhados e nem

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sempre os grandes apologistas e polemistas dispunham de todos eles à mão. Ainda assim, é muito fácil perceber o apreço dos escritores pós apostólicos, que viam nesses escritos o mesmo valor visto nas Escrituras do Antigo Testamento. Mesmo que limitados em ferramentas para desenvolver o conhecimento teológico, nem por isso o abordavam de modo indevido.

Sendo assim, tudo aquilo que pode ser descrito como teologia do Novo Testamento, desde os primórdios da Igreja até nossos dias, precisa ter como base o que foi revelado através desses livros.

Temos assim dois conjuntos de livros, divinamente inspirados, regra de fé e prática para aqueles que desejam estar dentro do plano de Deus. Lado a lado eles são as ferramentas da boa e maravilhosa teologia cristã.

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