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TEMAS CENTRAIS DA TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

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Qualquer seleção dos temas centrais da teologia do Novo Testamento será restrita. Isso porque, na verdade, o leque de assuntos pode ser apresentado com minúcias cada vez mais detalhadas. No entanto, alguns pontos são essenciais. Eles constituem a espinha dorsal do ensino dos apóstolos, a base da mensagem a ser proclamada pela Igreja. Atentar para esses temas centrais ajuda a nortear nossa pregação e nosso ensino.

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1.O MESSIAS

“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16.16). Esta é a verdade central do Novo Testamento. Jesus de Nazaré é o Messias prometido nas Escrituras Hebraicas. O fato é que ao tornar-se parte de seu nome (o mais correto seria “Jesus, o Cristo” ou ainda “Jesus, o Messias”) a riqueza teológica do termo perdeu-se. Cristo não era um segundo nome ou sobrenome de Jesus e sim o título que o identificava com toda uma herança teológica anterior.

Alguns afirmam que ele jamais disse ser o Messias diretamente. Isso não é verdade. Pelo menos duas vezes ele o disse abertamente (Jo 4.25, 26; Mc 14.61, 62). Além disso, usou constantemente termos e referências que deixavam bem claro que ele era o Messias (Filho do homem é uma delas, porque está ligado à Daniel 7.13, 14).

Ser o Messias, no contexto judaico do primeiro século significava ser o “Filho de Davi”, o rei prometido que haveria de estabelecer seu trono para sempre (2 Sm 7.13). Não poucas passagens dos profetas descreviam com detalhes o reino messiânico (Isaías 2; 11; 35). Como escreveu Otto Borchert:

O mundo judaico daquela época havia formado um quadro bem definido do Messias. Jesus tomou a concepção deles como alguém toma um molde vazio para

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enchê-lo com novo conteúdo. Era muito importante que uma nação toda estava anelando pelo Messias; de outra forma, o povo não teria capacidade para entender, de forma alguma, o que significava o advento de Jesus. Todavia, pela presciência de Deus, este anseio pelo Messias preparou, na mente dos homens, a idéia necessária à qual os novos conceitos podiam ser ligados. Podemos explicá-lo da seguinte forma: a esperança de um Messias que Israel acariciava, fez da nação um solo bem preparado, pronto para receber a semente. Mas a semente semeada nele não se conformou com as expectativas, e por fim, não cresceu a partir daquele terreno.3

Claro que aos poucos a figura de Jesus foi se chocando com as expectativas teológicas referentes ao Messias desenvolvidas no solo judaico. A grandeza política não fazia parte das características de Jesus e por esse motivo a nação como um todo teve dificuldades de identifica-lo com o Messias esperado. Ao final, naquele momento de sua história, a maior identificação de Jesus era com o servo de Isaías 61. Quando mais tarde ele cumpriu as profecias sobre o servo sofredor de Isaías 53, então o contraste entre as expectativas e a realidade trouxe rejeição completa. Não queriam um Messias que morre.

De fato, a crucificação tornou-se o ponto central do Evangelho (1 Co 2.2). Uma “teologia da cruz” se desenvolveu como meio pelo qual a fé possibilitava o acesso a Deus. Aquele rastro de sangue que começava na inferência de Gênesis 3.21, passava pelos umbrais da casa dos israelitas no Egito e depois se normatizava no Levítico, tinha no Messias crucificado sua plena realização.

Após o Messias que morre seus seguidores tiveram um Messias que ressuscita. Isso foi impactante, porque então a ideia da ressurreição que não passava de uma vaga ideia marcada para o fim dos tempos tornava-se real na pessoal do próprio Messias. Mais tarde foi fácil para o apóstolo Pedro fazer a conexão entre o Messias, filho de Davi e a ressurreição dos mortos, apropriando-se do Salmo 16 (Veja Atos 2.24-32).

Não há dúvida de que o testemunho de sua ressurreição tinha um significado profundo. Basta ler a anunciação desse fato no livro de Atos ou a grande exposição do apóstolo Paulo em 1 Coríntios 15 ou as inúmeras referências à ressurreição no livro do Apocalipse. Tratava-se de um evento histórico de tamanha grandeza que

3 BORCHERT, Otto. O Jesus Histórico. São Paulo: Vida Nova, 1985

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alterava todas as perspectivas da história e do futuro. “Do ponto de vista causal, a ressurreição não tem haver com outros eventos históricos. Além do mais, a ressurreição de Cristo não é a restauração de um indivíduo morto à vida, mas o surgimento de um novo tipo de vida – a vida da ressurreição”4

E então, após sua ascensão esse Messias reina dos céus, da direita do Pai, até o tempo em que voltará para restaurar todas as coisas (At 2.33-35; 3.21). É dessa forma que toda visão do Messias vai se modificando. Não mais um simples Messias judaico, para um reino judaico, naquela ocasião histórica. Eles continuam tentando entender a relação entre o Messias e seu papel com respeito a Israel (At 1.6, 7). Todavia, o compromisso de anuncia-lo agora para todos os povos como único salvador torna-se a grande tarefa, cuja conclusão trará a consumação dos séculos (At 1.8; Mt 28.18-20).

Há uma transferência gradativa da figura do Messias do solo judaico para o não judaico. Essa transferência se dá diante de Deus quando a parede que separava os dois grupos é rompida (Ef 2.11-19). Todavia, ela vai acontecendo na prática quando o Messias é rejeitado pelos judeus para quem ele primeiramente veio e vai sendo aceitos pelos não judeus (Jo 1.11, 12). O livro de Atos vai registrando transferência (At 19.810; 28.23-28), conforme já havia sido indicado pelo próprio Jesus (Mt 21.43)

Dessa forma, o Messias, conceito exclusivamente judaico é rejeitado ao menos parcialmente pelos judeus e se torna o Salvador para os demais povos da terra que nem sempre conseguiram apreender tudo o que está relacionado ao termo.

2. A SALVAÇÃO PELA GRAÇA

O conceito mais comum da palavra “graça” é “o favor imerecido de Deus” – em outras palavras, muito embora fôssemos pecadores, merecedores do julgamento, Deus olhou para nós com amor e nos perdoou. Isso, no entanto, é somente a metade do seu significado

Karis – graça – é uma das grandes palavras do Novo Testamento e que constitui elemento central de sua teologia. Embora grandes discussões sobre a graça e seu contraste com a Lei ocupam boa parte dos escritos paulinos, ela não é exclusiva

4 LADD, George. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: JUERP, 1985, p.29

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de suas obras. É fácil perceber que mesmo no Concílio de Jerusalém, um acontecimento com total contexto judaico, a questão da salvação pela graça recebeu o devido destaque. Foi Pedro quem primeiro se pronunciou e expressou a fé da Igreja Primitiva na salvação pela graça de Deus somente (At 15.7-11). Ainda que graça seja mais difícil de definir precisamente do que de aceitar, a verdade é que assim como a Lei ocupava o papel preponderante entre o judeu e Deus, a graça é o grande elemento que une os cristãos a Deus. Tratava-se de uma profunda revelação no que diz respeito ao relacionamento entre o homem e Deus.

De certo modo, o grande dilema israelita era como relacionar-se com Deus de modo aceitável, visto sua santa lei ser quebrada constantemente. Os mais justos dentre eles ainda eram grandes pecadores. E essa situação tornava-se ainda mais complicado com a inclusão dos gentios. Inclui-los por meio de um código que sequer os judeus conseguiam suportar era entrar por uma experiência já vista como fracassada.

Então, a graça, a bondade imerecida de Deus, passa a ser enfatizada. É pela graça que somos restaurados e salvos (Ef 2.1-10). Esse foi o tema central da reforma. E por esse motivo que a epístola aos Romanos se torna a obra essencial no resgate soteriológico, pois é nela que o pecado, a justificação e a reconciliação do homem com Deus ser explicado em termos de graça.

Todavia, é importante entender a graça divina dentro do contexto em que a doutrina é desenvolvida. Podemos pensar em uma permissividade flácida por parte de Deus, onde ele tolera tudo o que o ser humano faça por meio de sua graça. Nada mais enganoso.

“Devemos evitar certo mal-entendido. Graça não significa que Deus é de coração tão magnânimo que abranda a penalidade ou desiste dum justo juízo.

Sendo Deus o Soberano perfeito do universo, ele não pode tratar indulgentemente o assunto do pecado pois isso depreciaria sua perfeita santidade e justiça. A graça de Deus aos pecadores revela-se no fato de que ele mesmo pela expiação de Cristo, pagou toda a pena do pecado. Por conseguinte, ele pode justamente perdoar o pecado sem levar em conta os merecimentos ou não merecimentos. Os pecadores

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são perdoados, não porque Deus seja benigno para desculpar os pecados deles, mas porque existe redenção mediante o sangue de Cristo. (Rom. 3:24; Efés. 1:6.)”5

O Novo Testamento não limita o papel da graça ao evento da salvação, quando o pecador é perdoado e jutificado diante de Deus. Na verdade, a graça permeia toda a relação do homem com Deus, incluindo sua capacitação para o serviço, pois os dons também são dons da graça (Rm 12.6). A nossa própria identidade no Reino de Deus é produto dessa graça (1 Co 15.10). Esta dispensação, este presente período, é chamado de “dispensação da graça” (Ef 3.2). Essa graça se manifestou com poder de salvar a toda a humanidade (Tt 2.11). Qualquer pessoa no mundo tem essa graça disponível. Basta apropriar-se dela pela fé.

Como escreveu Robert Louis Stevenson : “Nada existe, a não ser a graça de Deus. Andamos sobre ela; nós a respiramos; vivemos e morremos por ela; ela forma os eixos e os encaixes do universo”. Essa percepção é fruto da teologia da graça presente no Novo Testamento. É inegável que foi essa teologia a responsável pela Reforma Protestante. O resgate desse tema pelos reformadores é uma das principais causas do avanço do Evangelho no mundo.

3. O PAPEL DA IGREJA

O papel da Igreja também se destaca na teologia do Novo Testamento. É curioso observar que a palavra só é usada nos Evangelhos em duas ocasiões – Mt 16.18 e 18.17. Não há outras referências. Todavia, do livro de Atos até o Apocalipse a igreja não é só citada, ela se torna elemento predominante.

Na teologia paulina a Igreja aparece como elemento de destaque. Nenhum outro autor desenvolver tanto o tema quanto ele. Seu grande desafio era relacionar o Israel étnico com a Igreja, assim como teve de relacionar a lei com a graça, as promessas messiânicas com a presente era. Isso ele fará na Epístola aos Efésios, destacando dois pontos: a) O fim da parede de separação (Efésios 2.11-19). Nesta porção ele se dirige aos irmãos na cidade de Éfeso explicando a salvação em termos históricos e étnicos, enfatizando o antes e o depois. No antes temos Israel detendo todos os

5 PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p. 152

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benefícios espirituais: conhecimento de Deus, leis, promessa, esperança messiânica. Enquanto isso os não judeus ignoravam todas essas coisas. No momento seguinte, ele apresenta Cristo como aquele que quebrou a parede de separação, possibilitando aos não judeus desfrutas de todas as bênçãos das quais estavam anteriormente alienados. Como resultado surge o “novo homem”, isto é, a nova comunidade dos salvos. “O que Paulo está mencionando na realidade, não é um “novo homem” mas, sim, uma “nova raça humana”, unida por Jesus Cristo na sua própria pessoa”.6

b)A Igreja como um elemento novo no plano de Deus (Efésios 3.1-

11). Basta ler o Antigo Testamento, com destaque para os Salmos, para perceber o interesse de Deus em salvar os gentios. Entretanto, o que o apóstolo está destacando nesta passagem não é simplesmente a salvação dos não judeus. Ele fala de ambos formando um único corpo, co-herdeiros e participantes da mesma promessa. Os judeus, sempre se viram como a peça principal, incomparável nos planos divinos. Agora estava sendo mostrado que Deus não fazia distinção e que ambos tinham os mesmos direitos em Cristo. Na verdade, boa parte da teologia paulina repousava na igualdade de todos em Cristo, sem distinção de sexo, posição social ou mesmo etnia (Gl 3.28). A Igreja, no entanto, fundia judeus e gentios de um modo como a teologia judaica jamais podia imaginar. Em Cristo, eles estavam no mesmo Corpo e desfrutavam das mesmas expectativas.

Por meio de figuras, como Noiva, Corpo e Templo, o Novo Testamento manifesta a natureza da Igreja e seu papel, muito além das disputas étnicas que os judaizantes procuravam acirrar. Longe de ser um grupo étnico a desfrutar de uma aliança exclusiva, essa nova comunidade, esse “novo homem” era multi étnico. Visto o forte contraste entre judeus e não judeus que até ali fora fomentado, essa nova posição abria a porta para um tipo de comunidade muito menos restrita e muito mais ampla. Esse fato concreto, de etnias diversas fazerem parte desse Corpo, foi também fator que obrigou a uma revisão teológica com respeito aos gentios. E graças a isso a Igreja pode manifestar sua verdadeira e múltipla natureza sem tornar-se uma mera continuação de judaísmo nacionalizado e nacionalizante.

6 STOTT, John. A mensagem de Efésios. São Paulo: ABU, 1987, p. 68

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Israel tinha a missão de obediência, assim como a Igreja, além da obediência, tinha a missão proclamadora. Desde a ressurreição que o objetivo desse novo Corpo era levar as verdades reveladas até os confins da terra. A grandeza de sua posição se refletia na grandeza da tarefa (1 Rs 2.9).

4. A NOVA ALIANÇA

O quarto tema a ser desenvolvido será a Nova Aliança. Essa era uma promessa presente nos profetas (Jr 31.31-34) e que ficou claramente estabelecida quando Jesus instituiu a Ceia (Mt 26.27, 28). Um ponto sobre essa nova aliança que tendemos a esquecer é que ela foi estabelecida com a casa de Israel, e não com os gentios primeiramente. Todos os presentes na Ceia eram judeus e durante um tempo os convertidos eram quase exclusivamente judeus. Eles desfrutaram na Nova Aliança. Todavia, com a queda da parede de separação e a integração dos gentios em um mesmo Corpo, conduziu os efeitos da aliança a todos os povos.

Em 2 Coríntios 3 Paulo discorre longamente sobre os contrastes entre a Antiga e a Nova Aliança. Embora não esteja claro quais elementos se alteram entre as duas alianças, não resta dúvida de que algo novo teve lugar. E essa mudança não era simplesmente a inclusão dos gentios, mas um novo relacionamento com Deus tinha início.

O autor da epístola aos Hebreus, sem sombra de dúvida expôs de modo rico o contraste. O autor provavelmente era judeu, talvez um levita, e contrastou diversos pontos entre a Antiga e a Nova Aliança. Baseada na Lei e não na graça, no Espírito e não na mera regulamentação, essa nova aliança destacava sua ação no interior, muito mais do que no exterior. Era exatamente esse ponto destacado em Jeremias 31.33, 34 e Ezequiel 36.26-28. A nova aliança desfrutava de uma interioridade que até então não havia sido experimentada.

A palavra chave da Epístola aos Hebreus é “superior” e “superior aliança” (Hb 8.6) é uma expressão abordada que destaca diversos pontos nos quais a nova aliança era superior a anterior.

Esse tema foi essencial para a libertação do Evangelho das limitações judaicas. Compreendamos que muito da estreiteza do pensamento judaico era fruto da insis-

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tência divina para que ele permanecesse puro e incontaminado diante das nações. Um forte cativeiro cultura precisou ser quebrado para que a mensagem chegasse aos gentios. Eles estavam tão enraizados em suas tradições e nos privilégios desfrutados em sua aliança que se recusaram a se desconectar. Tanto Paulo quanto o autor de Hebreus tiveram papeis importantes na aceitação de uma nova aliança firmada em melhores promessas e condições. Caso contrário a igreja não passaria de uma mera seita judacia.

5. O FUTURO

Não podemos questionar que o elemento futurístico é muito presente em toda a Bíblia. Desde o seu princípio revelações sobre eventos futuros faziam parte de sua narrativa. No capítulo 15 do livro de Gênesis, por exemplo, enquanto Deus fazia sua aliança com Abraão, ele foi fazendo uma descrição dos acontecimentos vindouros, incluindo sua escravidão no Egito, o tempo dessa escravidão, a saída e as condições dessa saída. E esse é apenas um exemplo entre os milhares. A partir dai todos os livros de alguma forma incluirão predições sobre os povos, Israel ou o Messias.

No Novo Testamento essa característica preditiva continuou abundante e intensa. Jesus fez diversas predições sobre coisas que envolvia diretamente a ele e seus discípulos. Também fez predições ao estilo dos profetas como vemos em seu famoso sermão profético de Mateus 24 e textos relacionados. Da mesma forma Paulo, Pedro e João fizeram declarações cujas realizações se dariam em tempos futuros. Quem pensa que somente no livro do Apocalipse temos o elemento preditivo, engana-se. Está presente em quase todos os livros, inclusive na breve epístola de Judas.

Esse elemento escatológico adquire primeiramente uma nova perspectiva porque agora está sendo desenvolvida à partir da realidade da vinda do Messias. Sua morte e ressurreição compõe o plano de salvação presente, mas também apresenta elementos que envolvem o futuro de seus seguidores e do próprio cosmo. Em Cristo Jesus o futuro já se tornou presente. Quando Marta menciona a ressurreição de seu irmão Lázaro no último dia, Jesus prontamente diz que Ele é a ressurreição e a vida. (João 11.25). Nele o futuro tem início. Jesus é o maior nome que se possa pronunciar não só neste mundo, mas também no vindouro.

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Além disso, temas pouco mencionados no Antigo Testamento, como é o caso da ressurreição, só se torna plenamente ou pelo menos amplamente compreendido com os escritos apostólicos como vemos em 1 Coríntios 15. O Dia do Senhor pintado com cores bem fortes pelos profetas, ganha uma nova dimensão na exposição das visões apocalípticas do apóstolo João. Tudo o que se apresentava de modo raso no Antigo Testamento agora vem a plena luz no Novo.

OLAM HAZET E OLAM HABA

Olam Hazet e o Olam Haba são expressões hebraicas que resumem a visão escatológica como um todo. Nem sempre percebemos o quanto esses elementos presentes na escatologia judaica, influenciaram a escatologia do Novo Testamento. A influência platônica no cristianismo acabou por gerar uma escatologia “em cima/ embaixo” na mente da Igreja. A escatologia bíblica, em verdade, se divide entre este século e o século vindouro.

“Olam Haze” significa o mundo cotidiano em que vivemos. O mundo que possui seus altos e baixos, doença e saúde e uma miríade de imperfeições. O “Olam” aparece com os sábios judeus do período do Segundo Templo e eles distinguem dois tipos distintos de olam: Olam Haze (este mundo) versus Olam Habá (“o mundo que está por vir” ou “mundo vindouro”).

Essa ideia está presente no discurso de Jesus e também no discurso de Paulo, bem como no autor da Epístola aos Hebreus:

• Nem neste mundo, nem no futuro (Mateus 12.32) • Neste mundo e no mundo vindouro (Lucas 18.30) • Dignos de alcançar o mundo vindouro (Lucas 20.35) • Não só neste século (era), mas também no futuro (Efésios 1.21) • Não foi aos anjos que sujeitou o mundo vindouro (Hebreus 2 • Experimentaram os poderes do mundo vindouro (Hebreus 6.4,5)

A teologia judaica sustenta que o mundo/olam se formou alguns milhares de anos atrás. O tempo entre a queda de Adão e a vinda do Messias pode ser chama-

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do de OlamHazet - este mundo - que passará e que deve ser substituído pelo Olam Haba - o mundo vindouro do futuro. É ponto crucial da escatologia judaica. Devido à revelação neotestamentária e tudo mais que ela envolve, a escatologia cristã se torna mais complexa e completa. Ainda assim esses dois conceitos permanecem úteis para o desenvolvimento de nossos conceitos escatológicos.

Escatologia nada mais é do que o mundo vindouro em contraste com o mundo presente, o estado caído do agora com o estado glorioso de amanhã. Tudo o mais são apenas etapas que levam a esse fim. Dentro do esquema criação-queda-redenção, o período marcado pela queda nada mais é do que um parêntese em meio do qual se inseriu o poder curador da cruz de Cristo. Todos os acontecimentos positivos e negativos do OlamHaze não são definitivos. O anticristo, a grande tribulação, o arrebatamento, o reino messiânico e outros são episódios que culminam com a destruição definitiva do mal, tendo na destruição da morte o momento final (1Co 15.26). Então terá início o “dia eterno ou dia da eternidade” (2Pd 3.18) cuja definição precisa nos escapa totalmente.

Olhando com esse olhar simples desses dois pontos escatológicos, o presente século e o século vindouro resumimos toda a escatologia. O caminho da redenção eterna e cósmica começa na chamada de Abraão, consuma-se na encarnação, morte e ressurreição de Cristo. Por fim, é concretizada em sua parousia que dará início ao Holam Haba, o mundo vindouro, a eternidade quando tudo será como sempre deveria ter sido.

Não poderíamos pensar em uma obra mais adequada para fechar, não apenas o cânon do Novo Testamento, mas toda a Escritura. Ele é por natureza um livro escatológico e seu desfecho não é apenas o desfecho de um livro, mas a conclusão da história do universo e da história da salvação. Em sua conclusão, um novo universo é criado após a completa destruição do universo então existente. Uma nova ordem de coisas é estabelecido e o mal não mais faz parte do cosmo. O livro se encerra com uma advertência aos seus leitores da brevidade das coisas nele descritos e uma ordem para que o seu conteúdo não seja modificado. A vinda de Cristo está breve para determinar todas essas coisas. Nada seria mais viável do que essa conclusão e essas advertências.

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CONCLUSÃO

Avançar sem perder o que há de positivo em nossa herança é o grande desafio humano. Tendemos a rejeitar tudo diante do novo, mesmo aquilo que seja extremamente positivo. Conservar não é algo em que pensamos quando surge a possibilidade de renovar. O Novo Testamento consegue confirmar toda a herança da revelação anterior, reinterpreta-la à luz da revelação do Messias, enquanto avança trazendo o novo e colocando o futuro à luz de toda essa revelação. A teologia do Novo Testamento não é um corpo estranho colocado à luz do Antigo. É seu complemento inevitável. Os dois não se tornam opostos, apesar dos paradoxos apresentados. Eles se tornam entrelaçados de um modo complementar todo especial.

Sendo assim, temos nas páginas do Novo Testamento registro histórico e desenvolvimento de reflexões. Esses documentos se encaixam como a mão à luva e se projetam sobre o pensamento dos séculos formando uma unidade multifocal, onde os temas recorrentes aos vários autores se estabelecem como um único bloco. Podemos encerrar esta introdução com uma citação de George Ladd:

“... toda a evidência do Novo Testamento converge para um único ponto: que, na pessoa de Jesus, Deus revelou-se a si mesmo, objetivando a salvação do homem. O método crítico tem revelado de modo bem claro, a unidade viva dos documentos do Novo Testamento. O historiador é compelido a afirmar que tanto a unidade como o caráter único dessa reivindicação são históricos. Esta reivindicação, se bem que ocorra na história, transcende a história, pois exige do historiador o que ele não pode fornecer como historiador: um juízo teológico de significado último”07

7 LADD, Op. Cit. pp. 19, 20

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