SE TE SEM TEM E EM
Aos colegas de curso por partilhar angústias mas também conhecimento e alegrias. Aos professores e coordenadores, pela dedicação e conhecimento de cada um. À todos aqueles que dividiram comigo este momento, compartilhando suas opiniões, críticas e conhecimento sobre o assunto (mesmo na mesa do bar). Por todos os artigos, fotos e reportagens enviadas a mim que pudessem contribuir para este trabalho. Foram muitos os que enriqueceram o meu conhecimento e o conteúdo desta pesquisa. Em especial, ao Professor Mestre Doutor Ricardo Luís Silva, pela grande paciência, e por sempre me deixar em cima do muro com suas indagações intrigantes e proveitosas. À Professora Marcella Ocke pelo convite no evento OCUPA LAR, pela oportunidade e apoio. Aos amigos pela compreensão e paciência, em especial à Luana Pedrosa, companheira de muros, Rodrigo Antônio, Hugo Martins e Fiona Platt, pelos almoços e chocolates. À Bruna Finimundi pelas palavras otimistas, força e carinho. À Isabella Rozzino, Alysson Bruno, Gabriel Lúcio, Bruna Branco, Daniela Gabriel, Aline Lie, Andrea Lemos, Ana Letícia Medeiros, Joseph Garity, Youjin Shin e Anyi Zi por acompanharem esse processo (mesmo que á distância). E à minha família, pelo apoio durante todo o curso.
OBRIGADA
RESUMO O muro não é só a parede dura que protege e limita o território. Pode ser qualquer obstáculo ou fronteira. Aquilo ou alguém restrito, guardado, fechado e limitado. Este trabalho introduz e reconhece o muro, em sua esfera simbólica e física, partindo da percepção, memória e identidade do andarilho contemporâneo na metrópole e as mudanças sociais, econômicas, políticas e espaciais desta. A partir de então, o muro é repensado, reutilizado e desnaturalizado.
Aline de Camargo Barros Orientador: Professor Mestre Doutor Ricardo Luís Silva
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Santo Amaro como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo 2016
MUROS SE TE SEM TEM E EM
RUMOS
CONSIDERAÇÕES AO LEITOR
Este projeto foi pensado como uma coletânea: é composto por esse material base, a coleção Setenta |ser| muros, o livro Rastros de Rumos e a Murografia. O material base introduz o muro em seu sentido simbólico e físico, descreve seus diversos caráteres de acordo com as mudanças de espaço e tempo e percepções do indivíduo na cidade contemporânea, introduzindo, enfim, o método de pesquisa e o projeto a ser apresentado. A coleção Setenta |ser| muros apresenta setenta categorias dos muros encontrados durante as minhas perambulações na cidade de São Paulo e as possibilidades de reconhecimento e caracterização dos muros da cidade. As perambulações e levantamentos são representados por treze mapas guias, a Murografia. Por fim, o livro Rastros de Rumos apresenta três maneiras de reconhecimento, apropriação e experimentação dos muros de São Paulo, de maneira a desnaturaliza-los e reconstruí-los em um diferente aspecto. Sugiro ao leitor seguir tal ordem de leitura entre os quatro produtos para uma melhor interpretação, porém, também é possível variar entre os materiais apresentados nesta coletânea, seguindo as vontades e interpretações de cada um. É importante enfatizar que esse trabalho tem base em um processo etnográfico, e está sempre em constante atualização. Assim, caracteriza-se evidentemente como uma produção ainda em processo, talvez nunca completa. Dessa maneira, o leitor é convidado a seguir a interpretação de acordo com suas próprias vontades e interesses, como também é capaz de participar das produções, tornar-se um andarilho a atualizar os muros da cidade com base nos guias e categorias aqui apresentados, e repensar as diferentes maneiras de reproduzir e reconstruir os muros da cidade.
SUMÁRIO 6
Murodentidade | definições Murologia | condicionante tipos de muros oculto: corpo e território físico: incomum e comum
Primórdios | a origem o caráter agressivo o verdadeiro caráter Muromorfose | a evolução o domínio Contemporâneos | metrópole me (do) trópole o muro como escudo o muro e o outro
9 - 13 14 - 22
25 - 28 29 - 34 35 - 46
Em cima do muro Entre o muro | de dentro de fora
Ser os muros | método rumos Setenta (ser) muros | categorias Setenta (ver) muros | registros murografia Rastros de Rumos
49 50 - 56
59 - 63 64 65 - 69 70 - 71 72 73 - 76
INTRO DUÇÃO
direto à rua. Ou até mesmo os subúrbios americanos, com casas ainda maiores e abertas para a sua vizinhança, mas talvez distante e, portanto, murada do centro da cidade.
manifestação de pluralidade cultural e social pertencentes ao espaço público e seu cotidiano, como também, limita as percepções e sensações do andarilho na cidade.
Como uma estudante de arquitetura, viver o espaço, sair e retornar como uma estrangeira, permitiu uma nova visão e questionamentos da cidade onde vivo. As complexidades e as mudanças da metrópole refletem na nossa maneira de construir, ver e sentir o espaço, como também o modo que nos relacionamos com os outros ao nosso redor. Com minha experiência de intercâmbio pelos Estados Unidos e viagens pelo Brasil, tive oportunidade de experimentar diferentes culturas e realidades urbanas. Mas principalmente, ser estrangeira provocou diversos estranhamentos ao voltar para a minha cidade, São Paulo. Uma cidade com grande potencial cultural e social, porém, também é onde o medo, a vigilância e as barreiras limitam o habitante.
Viver em São Paulo é conviver, atravessar e construir muros. A cidade, um cenário onde todos pertencem e constroem juntos, onde a diversidade e a cultura social se manifestam, tor-
Porque, então, construímos muros e quais os seus significados e consequências na cidade murada? Esta pergunta nos leva a outro questionamento: existem diferentes muros ou eles
Morar em São Paulo muitas vezes significa estar rodeado por muros e grades, câmeras de segurança, carros de policiamento percorrendo as ruas, barreiras hostis, às vezes despercebidos e outras vezes dispensáveis. Diferentemente, por exemplo, dos centros urbanos americanos e europeus, onde os edifícios são por si só a parede que protege o espaço, tendo o acesso
Subúrbios americanos: abertos à vizinhança mas isolados do centro.
Imagem 3 | Appearences | Claire&Max
As paredes dos próprios edifícios na cidade já exercem a função de muro, garantindo proteção e territorialidade. Imagens 1 e 2 | subúrbio em Cul-del-Sac, MA, EUA.
na-se enclausurada. A metrópole é rodeada por muros maciços, de diferentes cores e materiais, decorados ou camuflados, ou muros invisíveis de distâncias seguras e preconceitos fundamentados. Seja qual for o tipo de muro, rejeita os que estão do lado de fora, e isola aqueles do lado de dentro. O muro, que até então parece inútil ou neutro, barra toda e qualquer
mudam de acordo com o homem? Quais são os muros encontrados pela metrópole e como podemos repensá-los de forma que a cidade murada crie aberturas para diferentes usos, interações e identidades no espaço público? Partindo das percepções do andarilho contemporâneo na cidade de São Paulo, pretendo reconhecer, classificar e desnaturalizar os muros,
6
Muros sĂŁo urros. Muros sĂŁo murros, sĂŁo muito burros! Todos os muros deviam se envergonhar, pois, se os muros pudessem ensinar alguma coisa, desistiriam-se. Bonassi, Para que servem os muros
Mur O
S I. Esse capítulo irá introduzir o muro, suas definições e características e determinar os diferentes tipos de muro considerados neste trabalho.
MURODENTIDADE
MURO
DEFESA de.fe.sa
*
1 Parede forte que veda ou protege um recinto ou separa um lugar de outro; 2 Murada; 3 Defesa; 4 Lugar cerrado, para resguardar colmeias. Acepção 1. Muro de separação: motivo que separou ou malquistou duas pessoas.
INDI DIVI
pro.te.ção sf (lat protectione)
(ê) sf (lat defensa)
mu.ro sm (lat muru)
DIST DUA
PROTEÇÃO
1 Ação de defender ou de defender-se. 2 Tudo o que serve para defender. 3 Resistência a um ataque. 4 Sustentação do que é impugnado ou contestado. 5 Contestação ou impugnação do que é acusado. 8 Impedimento, proibição. 9 Preservativo, proteção, resguardo. 11 Esp Sexteto defensivo de um quadro de futebol.
TERRITÓRIO HOMEM MEDO OPRESSÃO LIMITE
PROTEGE PRESERVA ESCONDE CONFINA SEGREGA
1 Ato ou efeito de proteger. 2 Abrigo, amparo, auxílio, socorro. 3 Esforços em favor do aumento ou progresso de alguma coisa. 4 Cuidado que se toma na fortuna ou nos interesses de alguém.
FECHADO NATURAL VIGILANTE DURO ALTO
BARREIRA
DIVISA
bar.rei.ra sf (barra+eira)
di.vi.sa sf (lat divisa)
1 Estacada feita além do muro da fortificação; 2 Corte de terras no leito das vias férreas; 4 Dificuldade, embaraço, estorvo, impedimento, obstáculo; Alvo, ponto; (...) B. social, Sociol: designação de todo elemento cultural distintivo, que possa dificultar ou impossibilitar o acesso a um grupo ou a uma camada social.
1 Sentença ou frase que exprime a ideia ou sentimento predominante de alguém, o nome de um partido etc.; emblema. 2 Insígnia. 3Geogr Linha divisória entre dois países, zonas administrativas, ou propriedades. 4 Sinal que divide; marco. 5 Mil Distintivo de pano, indicativo da posição hierárquica das praças. 6 Heráld Pensamento característico expresso em poucas palavras.
ÂNSIA LIDADE VIDUO DIDO
LIMITE
li.mi.te sm (lat limite)
1 Linha ou ponto divisório entre determinada extensão superficial ou terreno e o espaço superficial ou terreno adjacente; linha de demarcação. 2 Ponto ou linha terminal além dos quais cessa a continuidade. 3 Fronteira natural que separa um país de outro. 5 Extremo, fim, termo. 7 Alcance máximo ou mais distante de um esforço. 8 Ponto máximo que qualquer coisa não pode ou não deve ultrapassar.
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Comecemos entendendo os muros como construções reais ou simbólicas, mas sempre sólidas e poderosas (SCHWARCZ, 2016). É um obstáculo que limita e também cerca. Podem ser barreiras invisíveis aos olhos, como a simples distância entre os homens e as espécies ou as diferenças entre pensamentos e dimensões ocultas que moldam o espaço (HALL, 2005); as distâncias dos lotes ou as fronteiras abstratas determinadas pelos homens; um limite natural do espaço, como o fim de um penhasco, onde não podemos ir além. O muro também pode ser um limite físico, duramente palpável, como o corpo humano e suas construções. Junto com o muro nasce uma primeira consequência que parece óbvia mas é a partir dela que é definido o seu caráter: a separação entre o que está dentro e o que está fora. Para o bem ou para o mal, o muro cria a dualidade entre o “eu” e “eles”, o “nós” e os “outros”, a divisa. Não há quem fique em cima do muro. Há de se escolher um lado. É um paradoxo que exclui uma parte, mas une e fortalece a identidade da outra, no seu interior.
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Em seguida, portanto, o muro foi capaz de cumprir sua principal tarefa: a de defender e proteger o território e o homem. Neste caso, o muro foi o grande defensor da espécie humana. De um lado, encontrou-se exposto e
resistente aos ataques dolorosos e as terríveis ameaças à vida do homem. Tornou-se maciço, alto, vigilante. Um esconderijo, um socorro. Acolheu e abrigou, gerou a morada, onde o homem pôde viver e se reproduzir em paz e com segurança, sem se preocupar com os perigos da vida (SCHULZ, 1976 apud NESBITT, 2006). O muro é sobrevivência.
MURO
2
mu.ro sm (lat mure) desus
Rato. “Ai de mim!”, disse o rato, – “o mundo vai ficando dia a dia mais estreito”. – “Outrora, tão grande era que ganhei medo e corri, corri até que finalmente fiquei contente por ver aparecerem muros de ambos os lados do horizonte, mas estes altos muros correm tão rapidamente um ao encontro do outro que eis-me já no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei cair”. “– Mas o que tens a fazer é mudar de direção”, disse o gato, devorando-o. Kafka – Fábula Curta
O muro cria a dialética entre os espaços, separando-os, mas também cria a sua própria dialética, a boa e a ruim, onde o homem é protegido pelo muro, porém, também torna-se refém de um de seus lados (SCHWARCZ, 2016). Quando a segregação entre
raça, gênero, religião, ideologias e culturas torna-se incontestável é que o muro revela seu lado devastador. Assim como os ratos que vivem com suas colônias em espaços estreitos e isolados, o homem, ao confinar-se entre os muros, corta qualquer tipo de laço afetivo com o mundo exterior e cultiva ainda mais o medo daquele que está do lado de fora, o desconhecido. Quanto a este último, sente-se oprimido e marginalizado por não pertencer ao lado de dentro do muro. Além disso, as cloacas urbanas (HALL, 2005) que vão surgindo através destes isolamentos murados geram mais barreiras físicas no espaço público, o homem mata sua própria liberdade construindo o muro. Os muros são como vírus, multiplicam-se, não são nem mais questionados, perdem sua essência e o medo constrói eles cada vez mais altos. Essas barreiras começam a tornar-se incômodas, privam o andarilho de perder-se pela cidade, perceber o espaço e entende-lo (CARERI, 2003), de maneira a prejudicar a identificação do sujeito no território. O homem constrói sua própria ratoeira, anda entre muros, torna-se confuso, perdido e afunilado como o rato que não sabe para onde fugir e acaba morrendo. Morre como as percepções do indivíduo, como a vida libertária e ativa no espaço público, este cada vez mais encarcerado e vazio.
A ordem de construir muros revelou uma ordem de construir muros com aberturas. Assim surgiu a coluna, como uma onda maquinal de construir aquilo que se abre e aquilo que não se abre.
Um ritmo de aberturas foi determinado pelo próprio muro, que não deixou de ser muro, e passou a ser uma sequência de colunas e vãos. Essas realizações não são encontradas na natureza. Elas surgem da misteriosa faculdade que o homem tem de expressar as maravilhas da alma que requerem ser expressas. Kahn - Conversa com estudantes
Mas não devemos nos esquecer que o muro é arquitetura. Em sua conversa com os estudantes (BELL; LERUP, 2002), Kahn introduz o muro como elemento primordial da arquitetura. O homem, com suas distâncias e valores, é por si só um ser murado, e a expressão humana é o muro no espaço. Quando o homem, diante à sociedade, torna-se exposto ao outro, ao que
está do lado de fora, ele reconstrói o seu espaço de maneira coletiva. O muro é então aberto e permeável, vira a parede, então coluna e nasce a arquitetura. Logo, o muro nada mais é a expressão física do homem e sua dimensão oculta, ou seja, a gênesis da construção. Para maioria de nós, o design é invisível. Até que falhe. Aliás, a ambição secreta do design é
tornar-se invisível, de ser introduzido na cultura, absorvido no cenário. A ordem máxima de sucesso no design é de atingir ubiquidade, tornar-se banal. Eles não são mais considerados anormais. São chatos, e até tediosos. (MAU; LEONARD, 2004, P. 3-8).
É um design de sucesso! O muro é tão comum em nosso meio que tornou-se banal, barreira invisível, usa e abusa das tecnologias defensivas, mas ainda assim é tedioso e sem importância. É uma superfície com forma e conteúdo, matéria e material, sentidos e finalidades. Muros são planejados, são descritos, são orçados. Muro de alvenaria, muro de taipa, muro enfeitado, muro
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de mármore, muro alto, muro genérico, muro pré fabricado, muro concreto, muro nos presídios, muro de ferro, muro cego, muro preconceituoso, muro de lamento... (SCHWARCZ, 2016) A diversidade de muros é tão maior quanto a diversidade social. Afinal, o muro é a exteriorização da dimensão oculta do homem (HALL, 2005). Logo, traduz-se como uma proteção que carrega significado, identidade, história e memória, (KEHL, 2016) acompanhando o desenvolvimento humano, desde as cidades primitivas até as contemporâneas.
DUALIDADE du.a.li.da.de sf (lat dualitate)
Caráter daquilo que é dual ou duplo.
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Transito entre dois lados De um lado Eu gosto de opostos Exponho o meu modo Me mostro Adriana Calcanhotto - Esquadros
Mas acima de tudo, o muro é uma dualidade. É o ponto central que divide dois lados, tudo está entre ele, de um lado ou de outro, para o bem ou para o mal. O muro é simbólico, mas também é físico. O muro é necessário, mas também é obstáculo, é natureza e arquitetura. O muro é muro mas também é indivíduo. O muro é forasteiro sem rumo mas também é estático. Nesse caminho, os muros sempre ficam em cima do muro, são burros, não tem juízo, não se endireitam, não orientam. Só confundem e são desocupados, não seguem ninguém, não tem para onde ir, só vão, multiplicam-se, sem rumos.
MURO
LOGIA
CONDICIONANTE E, afinal, de quais muros estamos falando? Para responder essa pergunta é necessário responder outra questão: Muros para quem?
Esta pesquisa tem como condicionante estudar os muros a partir das percepções e visões do andarilho contemporâneo na cidade. O andarilho é o pedestre, aquele do lado de fora,
porque, apenas anda, vive e sente. Só conhece espaços de destinos, na eterna e lenta vagância de todos os dias. (JACQUES, 2008). É errante, pratica as errâncias urbanas que consistem no direito e na busca de se perder. Para se perder, ele não necessariamente precisa estar em um território desconhecido. Até mesmo em lugares habituais, o errante procura desorien-
Nossos corpos e movimentos estão em constante interação com o ambiente; o mundo e a individualidade humana se redefinem um ao outro constantemente. A percepção do corpo e a imagem do mundo se tornam uma experiência existencial contínua; não há corpo separado de seu domicílio no espaço, não há espaço desvinculado da imagem insconciente de nossa identidade pessoal perceptiva. (PALLASMA, 2011, p.38)
exposto, protegido pelo seu anonimato. Ele perambula pela cidade, forasteiro, nômade, vagueia como uma prática natural da existência humana (CARERI, 2003). Também é chamado de “selvagem”*, desloca-se sem ter
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*1º colóquio internacional ICHT 2016 – “Imaginário: construir e habitar a terra. Cidades “inteligentes” e poéticas urbanas” assistido no dia 17/03/2016 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
na-se um homem lento. Não necessariamente em “sua absoluta e objetiva temporalidade” (JACQUES, 2008), e sim em seu espírito errante. São os homens lentos, como dizia Milton Santos, que podem melhor ver, apreender e perceber a cidade e o mundo, indo além de suas fabulações puramente imagéticas. (JACQUES, 2008)
Meu corpo é o verdadeiro umbigo do meu mundo, não no sentido do ponto de vista da perspectiva central, mas como próprio local de referência, memória, imaginação e integração.
(PALLASMA, 2011, p.11) It’s walking, too, which makes the internal frontiers of the city evident; by identifying it, reveals the zone.
(CARERI, 2003, p.15)
tar-se, conhecer diferente mundos e referências e, logo, se reorienta. Nesse estado efêmero de desorientação espacial, o indivíduo aguça todos os seus possíveis sentidos, possibilitando novas percepções sensoriais, conhecimento e atualização do território. Por conhecer o espaço de maneira errante, o andarilho também muda a noção do tempo (CARERI, 2003), tor-
A lentidão refere-se a relativa subjetividade do andarilho, na qual ele apreende a percepção do espaço que vai além da representação visual e sim multissensorial. O errante resiste e nega os ritmos cada vez mais velozes impostos pela contemporaneidade afim de perceber e compreender o espaço, como também as suas próprias sensações, memória e identidade e o indivíduos ao seu redor, que
parte do cotidiano e das interações urbanas. Ao andar lentamente, conhece a ti mesmo, os outros e o território. Como meio de percepção do espaço, o andarilho usa seu único e poderoso instrumento: o seu corpo. É andando com seu corpo que o errante conhece a cidade, e suas fronteiras tornam-se cada vez mais evidentes. As errâncias urbanas resultam em diferentes corpografias urbanas, uma forma corporal de psicogeografia, “um tipo de cartografia realizada no corpo, ou seja, a memória urbana inscrita no corpo” (JACQUES, 2008). É o registro de sua experiência da cidade vivida ao andar, que fica inscrita mas também configura o corpo de quem a experimenta. Eu me experimento na cidade; a cidade existe por meio da minha experiência corporal. A cidade e meu corpo se complementam e se definem. Eu moro na cidade, e a cidade mora em mim. (PALLASMA, 2011, p.38)
O errante experimenta a cidade de forma corporal, a modifica e é modificado, ou seja, assim como a cidade é incorporada ao indivíduo, este também, é incorporado à experiência urbana. O errar pela cidade, portanto, é a contaminação ou a relação entre o próprio corpo físico e a cidade. A contaminação corporal leva a uma incorporação, ou seja, uma
ação imanente ligada à materialidade física, corporal, que contrasta com uma pretensa busca contemporânea do virtual, imaterial, incorporal. (JACQUES, 2008)
Logo, a cidade deixa de ser um simples cenário do cotidiano no momento em que ela é experimentada e incorporada, sobrevivendo e resistindo dentro do corpo de quem a pratica. Aquele que vive e experimenta o seu território é capaz de perceber as mudanças contemporâneas e suas espetacularizações. O andarilho reconhece os modos de construção da burguesia ou qualquer limite imposto (CARERI, 2003), uma vez que guarda em sua memória a cidade antes vivida, sem espetáculos. O errante, que sempre vagou continuamente, com liberdade, encontra interruptos fragmentos da cidade contemporânea, as construções desconexas, algumas inacabadas, e os diferentes grupos étnicos, ideologias e tradições. Os espetáculos, nesse caso, são obstáculos que interagem com o andarilho mas também desorientam e oprimem a sua liberdade de errar. Espetáculos que segregam, incomodam, confundem, são verdadeiros muros. Assim, as barreiras urbanas, os espetáculos contemporâneos, corrompem a identificação do indivíduo com a cidade. O errante já não se identifica mais na
cidade burguesa, das construções do espetáculo e torna-se uma forma de resistência à contemporaneidade. Os muros, assim como a cidade, também são incorporados pela corpografia do errante, uma vez que ele os vivencia e experimenta-os em suas perambulações sem rumo. Logo, a contaminação está feita: o indivíduo torna-se murado e o muro torna-se o indivíduo. Ao longo da dessa pesquisa, a relação entre o muro e o indivíduo é relembrada constantemente com base na personificação do muro, cada vez mais sem rumo, e a descrição do homem murado ou o andarilho contemporâneo, cada vez mais estático. Portanto, é a partir do andarilhocontemporâneo, exposto, que vivência e incorpora a cidade murada e suas infinitas fronteiras, reconhece a ti mesmo e os outros do lado de fora, que esta pesquisa se determina. Partindo desta condicionante e baseando-se em um método de pesquisa etnográfico pela cidade de São Paulo, foram identificados vários tipos de muros, tanto em sua dimensão oculta quanto física.
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TIPOS DE
MURO O muro oculto consiste na dimensão oculta do homem que reflete na construção do território. A dimensão oculta é a distância natural entre os
espaçamento dos muros ocultos também é um fenômeno global. As fronteiras territoriais demarcadas pelos homens separam os povos e nações de forma que ajudam a compreender melhor o mundo onde vivem, na pretensão de organizar e controlar, logo, proteger seu território em todas suas dimensões.
OCULTO
rugas de asfalto, as árvores contínuas e alinhadas, os postes, as escadas, as linhas pintadas no chão e os automóveis são alguns exemplos de muros físicos informais. Não são necessariamente muros como paredes ou muradas construídas, mas sim, muros como barreira e dificuldade ao andari-
FÍSICO formais
informais
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indivíduos, baseada em suas percepções e valores culturais. Essa distância é considerada um obstáculo, um limite de espaço entre uma pessoa e outra para que elas se sintam protegidas e confortáveis. Esse espaçamento reflete na construção do território, determinando a densidade populacional, as zonas espaciais e o desenho do tecido urbano. Não apenas isso, o
Já o muro físico é o muro palpável, visível e perceptível aos olhos e é sub classificado em duas vertentes: o muro físico informal e o muro físico formal. Os muros físicos informais são aqueles considerados como obstáculos e limites para o andarilho na cidade. O corpo humano por exemplo, é por si só um muro, um obstáculo no espaço. Os cones, as tachas ou tarta-
lho, ora o protegendo, ora o dividindo, atrapalhando e confundindo. Por fim, o muro físico formal, é o muro propriamente dito, na origem de sua palavra. Paredes fortes e contínuas, que trazem consigo uma história e variam em suas diversas características estéticas, materiais e formais.
OCULTO CORPO Segundo Edward T. Hall (2005), todos os seres vivos preservam uma distância entre eles para conviver e sobreviver. Essa distância funciona como uma capa invisível que envolve o organismo de cada um, como um fator natural e instintivo do homem, que se define a partir do campo das percepções. O contato físico, o calor do corpo, o tom da voz, o hálito e até a o comportamento corporal são sensações capazes de invadir a bolha de cada indivíduo. [...] a sensibilidade dos receptores - o faro, a visão, o tato ou uma combinação deles - determina a distância de que os indivíduos precisam para poder viver e continuar a cumprir o ciclo reprodutivo. (HALL, Edward, 2005, p.23).
Assim, as sensações do homem murado é que determinam a distância segura e confortável para com os outros. Hall denomina como bolhas invisíveis essas formas de proteção que variam em seu tamanho de acordo com a percepção do nosso corpo aos perigos e ameaças à nossa existência. O autor explica alguns exemplos com animais selvagens que permitem que um ser humano ou um potencial inimigo se aproxime até uma
determinada distância antes de fugir ou atacar. Assim são os homens com seus muros ocultos, de maiores distâncias quando percebem uma ameaça, ou distâncias menores e intimas quando se sentem confortáveis. Há quatro tipos de distâncias possíveis que variam de acordo com a maneira que as pessoas se sentem em relação umas ás outras (HALL, 2005). A primeira é a distância íntima, onde há envolvimento físico de ambas as pessoas ou elas estão muito próximas. É a distância de praticar amor ou luta, como uma mãe com um filho ou um casal apaixonado. A segunda distância é a distância pessoal, varia de cinquenta a oitenta centímetros até um metro e vinte. Essa distância é aquela que Hall denomina de bolha invisível, a distância protetora entre seres da mesma espécie. Por exemplo, o distanciamento entre as pessoas em um vagão do trem, ou ao andar na rua. Quando o vagão encontra-se lotado ou pessoas se esbarram na rua, a distância pessoal é invadida, causando estresse e desconforto . A terceira é a distância social, de um metro e vinte a três metros e meio, tem caráter formal, normalmente usada em locais de trabalho. E, por fim, a distância publica, de três metros e meio a sete e meio ou mais, uma ação de fuga ou de defesa do inimigo, onde o outro é percebido bastante pequeno e é visto em um cenário, normalmente usada com
as figuras públicas. Tais distâncias não são apenas determinadas pela percepção do indivíduo. Além de seu sistema sensorial e as sensações de conforto e intimidade, a dimensão oculta também leva em conta os fatores ambientais, as diferentes personalidades dos indivíduos e, principalmente, o meio cultural em que estão inseridos, suas ideias, valores e preconceitos concebidos durante a vida do meio social. (HALL, 2005) As diferentes distâncias ocultas determinadas pelo meio cultural ficam claras quando dois indivíduos de nações diferentes se encontram. Enquanto, por exemplo, os latino-americanos tem uma cultura muito mais calorosa entre eles, os ingleses são mais preservados e frios, mantêm maiores distâncias entre eles. Esse choque cultural dado pela dimensão oculta também é visto na maneira que é construída as moradas. Enquanto os japoneses projetam espaços pequenos e flexíveis, pela dimensão dos tatames, os americanos constroem casas enormes em seus subúrbios como uma forma de qualidade de vida. A dimensão oculta influenciada pelo meio cultural também é a distância entre as ideias, valores e tradições. Culturas divididas em castas, culturas em guerra pela sua religião, culturas homo fóbicas, conservadoras, liberais,
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anarquistas, comunistas, vegetarianos e carnívoros. Os diferentes estilos, maneiras de se relacionar, de se vestir, de se portar, por exemplo, também determinam o muro oculto. É a distância definida a partir de um silêncio, de uma ordem, de uma ideologia, das opiniões absurdas e contrárias, dos lamentos, das tradições. Muros abstratos e subjetivos que carregam cul-
distâncias instintivas corporais, seja elas determinadas por nossa sensibilidade ou meio cultural, são exteriorizadas. Os muros físicos de hoje, por exemplo, têm sua razão de ser grande parte pelo medo e preconceitos sociais, que advêm da dimensão oculta da nossa sociedade contemporânea.
variável, com diferentes distâncias, símbolo de sobrevivência, que protege de qualquer dano corporal e espiritual, permitindo ao ser humano (murado) se reproduzir e se manter.
Imagem 6 | Acerca do espaço | Grupo Zona de Interferência | distâncias como muros invisíveis
Imagem 5 | Divisor | Lygia Clark | distâncias como muros invisíveis Imagem 1 | Stick dance | Oskar Schlemmer.
Imagem 2 | Ballet triadico | Oskar Schlemmer.
Exemplos de bolhas invisíveis.
Imagem 3 | Ilustração Imagem 4 | O passeio aquáParangolés | Helio tico |grupo de pesquisa de Oiticica. estrutura eventual Imagem figurativa | bolhas invisíveis:distâncias e rupturas
50cm 1.5m
turas e experiências. Portanto, o muro oculto exige uma melhor compreensão da dimensão oculta de cada um, suas percepções, vivências e valores da cultura e ambiente em que estão inseridos.
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É importante lembrar que o muro oculto determina a existência dos muros físicos. O muro físico, parede e murada, é construído quando nossas
O muro, portanto, tem sua origem na bolha invisível de cada indivíduo. São as distâncias que separam indivíduos de indivíduos ou povos de povos. Esse muro é concedido apenas ao espírito, em sua dimensão oculta e verdadeiramente sensorial. O muro oculto é sustentado na proxêmica, na qual baseia-se nas teorias e observações inter-relacionadas do uso do espaço pelo ser humano (HALL, 2005). É um muro
Sua sensibilidade à necessidade de manter-se fora das zonas olfativas e térmicas (as zonas em que dá para sentir o cheiro do hálito e o calor do corpo de outra pessoa) e seu impulso de recuar para obter mais espaço no qual verbalizar o grande pensamento indicam alguns dos mecanismos inconscientes de percepção e de fixação de distâncias. (HALL, 2005, p.120)
TERRITÓRIO O muro humano constrói o seu território, também murado. Todos os homens, assim como todos os animais, têm a necessidade de distribuição no espaço e buscam um território, um lugar ao qual pertencem (HALL, 2005). O homem murado experimenta, orienta-se, identifica-se com o
A distância pessoal, o muro humano e oculto, é um fator de organização social e espacial do território. O mesmo distanciamento que o indivíduo tem ao redor do seu corpo, as bolhas invisíveis, servem de instrumentos na construção do seu habitar. A hipótese por trás do sistema de
distância, e outro. (HALL, Edward, 2005, p.115).
A territorialidade torna-se o muro oculto em uma escala mais ampla. O território, portanto, é organizado a partir de espaçamentos que defendem o espaço identificado e garantem segurança como também sustentam, geram e protegem o homem.
Imagens 7 e 8
As distâncias necessárias entre as diferentes espécies determinamo territrório de cada uma delas, garantindo sua sobreviência.
Imagem 11 | Espaço Xavante Maria Carolina Y. Rodrigues
Imagens 9 e 10 | Praias | Alex Maclean
O homem murado constrói seu território também murado, de distâncias necessárias para sua sobrevivência.
espaço e, assim, o habita. Torna a sua presença permanente, assenta-se e cria o seu território. A territorialidade é quando a presença do homem sensível dá sentido ao espaço com sua identidade, dominando-o e habitando-o.
Imagem 12 | São Paulo | Cássio Vasconcelos
Exemplo de organização espacial: distância entre as famílias indígenas e grande São Paulo. Enquanto o primeiro é pouco denso, e há maior distância entre as ocas e um espaço central para reunir a tribo, no segundo há aglomeração urbana e menor distância entre moradias e indivíduos.
classificação proxêmica é a seguinte: está na natureza dos animais, inclusive do homem, apresentar o comportamento que chamamos de territorialidade. Ao fazer isso, usam os sentidos para distinguir entre um espaço, ou
Contudo, uma das funções mais importantes da territorialidade é o espaçamento adequado, que protege de esgotamento de recursos o ambiente do qual a espécie depende para viver. (HALL, Edward, 2005, p.12).
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O indivíduo murado mantém seu habitar em uma distância segura do habitar do outro, para que possam se comunicar e conviver de maneira harmoniosa e saudável, de acordo com a distância necessária de suas bolhas invisíveis. Quanto mais denso é um território, por exemplo, menor é o espaçamento entre uma habitação e outra, assim, menor é a distância ou muro oculto entre os indivíduos, invadindo o distanciamento necessário e perturbando a integridade física e moral do outro, gerando estresse. Um território menos denso, com mais espaçamento entre os indivíduos, é um espaço menos agressivo, onde os homens mantêm maior distância entre si e convivem com mais harmonia.
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O espaçamento no território determina o controle populacional necessário para a sociedade conviver e viver em equilíbrio. Além disso, o espaçamento não só favorece a sobrevivência do homem em meio social, como também garante sua proteção. Assim, o território espaçado, ou murado, surge como uma forma de lidar com estresse fisiológico de viver em grandes grupos. A distância entre as pessoas e moradias é necessária para acalmar e amenizar conflitos, para permitir uma melhor comunicação entre os indivíduos, tanto para a convivência quanto para avisos de possíveis ameaças inimigas, protegendo assim seu povo e assegurando sua
reprodução e procriação. Assim como na distância individual, a cultura de um povo também é um fator essencial para organizar o território. A cultura condiciona os diferentes mundos sensoriais e níveis de organização de cada povo. Assim, o muro oculto na escala urbana e social é sustentado na infracultura, um comportamento em níveis organizacionais subjacentes à cultura, que faz parte do sistema de classificação da proxêmica e seus diferentes níveis de relacionamento. A disposição de povoados, cidadezinhas, grandes cidades e da região rural intermediária não é aleatória; ela segue um plano que muda com o tempo e a cultura. (HALL, Edward, 2005, p.130).
O homem global começa a criar espaçamentos, divisões até mesmo imaginárias para organizar, dominar e orientar-se no território. Os indivíduos e nações globalizados se deparam com um mundo cheio de pluralidade, diferentes povos, culturas e distâncias. Os homens murados, então, traçam fronteiras naturais, amplas mas em um campo neutro entre si, invisíveis aos olhos mas demarcadas na escala mundial (CARERI, 2003). É uma forma de ordenar o espaço afim de dominá-lo e encontrar-se nele, ou até mesmo
controlar toda a diversidade e grandeza do território que se deparam. É aquele que divide o estrangeiro do habitante, o norte do sul, os municípios, os estados, os continentes e as linhas equatoriais, os chamados muros GEÓGRAFOS (Setenta |ser| muros).
O indivíduo é murado, vive e convive com suas distâncias. Os indivíduos juntos constroem um território murado, determinado por distâncias exatas, espaçamentos necessários que ordenam a cidade. Os muros ocultos se espalham pelo mundo: criam fronteiras entre nações, oceanos, oriente e ocidente, Estados e bairros.
F INFORMAIS O muro físico informal é o obstáculo para o andarilho na cidade. Ele é muro por ser uma barreira ou limite que o errante, aquele que vaga pela cidade sem chegadas, apenas com destinos, encontra ao longo de sua perambulação. Ora protege, ora divide, ora atrapalha e ora confunde. É físico pois é
espaço, um limite como a montanha que tem seu fim e não podemos ultrapassar. Assim são com os rios e córregos na cidade, intransponíveis. Até mesmo as tachas, tartarugas de asfalto ou as linhas pintadas no chão, obstáculos mínimos, quase que imperceptíveis, mas que muram o andarilho na cidade.
FORMAIS O muro físico formal é aquele definido por paredes fortes e contínuas, mura-
Imagem figurativa | possíveis muros físicos informais
palpável, visível e real. É informal uma vez que não é necessariamente uma parede contínua, uma murada como o muro propriamente dito, apesar de alguns aparentarem serem bem similares... O homem, os cones, as tachas ou tartarugas de asfalto, as árvores contínuas e alinhadas, por exemplo, são por si só um muro, um obstáculo no
Ele varia infinitamente em sua forma e material, mas nunca em seu conteúdo. Muro de arame, de taipa, de ferro, água areia cimento, enraizados, furados, falhados. Cegos, surdos, medrosos, dentuços, tortos, verde, amarelo e rosa. A dualidade do muro também reflete em sua aparência. É alto e baixo; maquiado, pichado, famoso mas também é pálido, irrelevante, desnecessário, hostil e chato mas também acolhedor e protetor, barulhento mas também silencioso, ás
Imagem figurativa | muros físicos formais e suas características
das, que dividem, separam. Esse é o muro conhecido por todos, que todos acompanham e encaram no cotidiano da cidade de São Paulo. Mas é um muro tão comum que multiplica-se, como uma epidemia, quando percebemos, já está em toda parte. Muitas pessoas o descreve como o muro duro, alto e cinza, mas desconhecem suas diversas características.
vezes abandonado, em reforma ou decorado. O que poucos se lembram é que é um muro antigo. Nasceu junto com a espécie humana, enfrentou batalhas, guerras mundiais e ataques no Oriente Médio, ouviu lamentos, atravessou muralhas, fez de tudo para esconder a fragilidade social e as condições precárias das cidades modernas. O muro tem uma história de vida...
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A VIDA DO
MURO II. Este capítulo descreve o muro físico desde seu surgimento até os tempos atuais e recapitula alguns momentos em que o muro foi marcante na história, com seus diferentes significados e consequências na vida do indivíduo e nas dinâmicas urbanas.
PRI MÓRDIOS
A ORIGEM Houve uma época em que todos os homens eram nômades, viviam peregrinando livremente (CARERI, 2003). Até então, as terras não pertenciam a ninguém, eram meros espaços, ou seja, “uma organização tridimensional dos elementos que formam um lugar” (SCHULZ, 1976 apud NESBITT, 2006, p.443). O lugar surge quando o espírito do homem identifica-se naquele espaço. Segundo o conceito romano de genius loci, todo ser independente possui um espírito guardião que rege a vida das pessoas e dos lugares. A identificação de um homem com o território é quando esse espírito sente que pertence àquele espaço. Ou seja, o andarilho, aquele que peregrina e usa o seu corpo como testemunha do espaço, incorporando-o, identifica-se com o espaço a partir de suas percepções, inteiramente subjetivas e espirituais, a do genius loci, “A arquitetura torna clara a localização da existência dos homens [...]” (SCHULZ, 1976 apud NESBITT, 2006, p.443). Assim, o lugar não significa apenas uma localização mas sim um estado de espírito do homem, no qual a sua identidade e a sua existência pertencem ao território. O lugar é onde o homem é. Assim que o homem assenta-se junto com seus semelhantes, começam a surgir pequenos grupos familiares que
interagem entre si e organizam seu espaço. A partir dessa convivência, o homem descobre um jeito de cercar e criar muros ao redor do seu território, acomodando-se de acordo com suas distâncias pessoais (HALL, 2005). A necessidade de cercar o espaço surge primeiramente para proteger e demarcar o território identidade do homem. Logo, surgem as muradas dos primeiros povos, a origem da arquitetura, que ergue-se para proteger não só o corpo físico do indivíduo como também seu espírito, a sua identidade. O seu habitar é também a sua identidade e é onde ele deve estar em paz e protegido (SCHULZ, 1976 apud NESBITT, 2006), livre de quaisquer ameaças. O muro é construído como forma de concretizar o genius loci, diferenciar o lugar do espaço e protegê-lo. Uma das primeiras formas que o homem criou para marcar seu território foi o Menhir (CARERI, 2003). O Menhir surge no período Neolítico (12 mil a 4 mil anos a.C.) e consistiam em grandes pedras posicionadas na vertical e plantadas no chão. Tinham muitos significados como demarcar os lugares onde heróis morreram, onde foi encontrado água ou para marcar o território de uma vila, suas fronteiras e linhas de propriedade
(CARERI, 2003). Nessa época também já haviam registros de cidades inteiramente muradas na Ásia, principalmente na China, Egito e Índia (NEWITZ, 2016). Portanto, os primeiros muros eram sagrados, religiosos, míticos e cósmicos e representavam o homem em si. O indivíduo mura o seu território identidade e reconhece a importância da localizaçãp onde vive. Para ele “não existia outro lugar afora além do seu próprio território cercado, no qual ele era vinculado espiritualmente” (HARVEY, 2003, p.214), vivia e valorizava o seu território de maneira que o homem e a natureza fossem inseparáveis.
O CARÁTER AGRESSIVO Os muros são constantemente vinculados ao caráter militar das primeiras ocupações. Eles protegem tanto da destruição física, do nosso corpo, quanto territorial, de uma região significativa para identidade do homem. Como diria Edward Hall (2005), os homens criam extensões do seu corpo: o telefone é a extensão da voz, o computador é a extensão do cérebro, o carro é a extensão das pernas. O muro, neste caso, seria a extensão do corpo, do muro oculto ou bolha invisível, que protege tudo aquilo de importante para a sobrevivência e reprodução do homem. Assim sendo, o muro protege o corpo, seus seme-
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lhantes e seu território, e pode visto como a expressão física medo: medo instintivo da morte espécie e, consequentemente, tomada do território identidade.
ser do da da
Porém o muro revela-se como uma estratégia. Haviam duas grandes ame-
Menhir men = “pedra” hir = “larga”
ções. Para evitar as enchentes dentro das cidades, as ocupações localizavam-se sob plataformas, normalmente de doze metros de altura, como taludes, que não só protegiam da água do rio como também defendiam o território, o que nos leva à segunda ameaça nas cidades primitivas.
para separar e demarcar o território identidade do resto do mundo, porém eles unem ainda mais aqueles do lado de dentro, fortalecendo a identidade da comunidade.
Os muros viveram tempos de guerra, de luta por território e poder entre os impérios, desde o tempo Neolítico. A
“O muro fez bem ao homem. Com sua matéria e com sua força, ele o protegeu contra a destruição.”
A ereção de um menhir representa a primeira transformação física da paisagem de um estado natural a um estado artificial. (CARERI, 2003, P.53)
Kahn - conversa com estudantes
Imagem 1 esq.| menhir de Dol, em Champ Dolent | 9.5 m de altura e 80 toneladas. Imagem 2 direita | família de menhires, La Coruña, Espanha.
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Imagem 3 |Jerichó, às margens do Rio Jordão.
Imagem 4 | Nippur, antiga Mesopotânea | pedras gravadas com o contorno e delimitação do território.
ameaça vinha dos homens que permaneciam do lado de fora do muro, eram inimigos externos que queriam tomar e dominar seu território, seu povo e sua cultura, abrigados e ISOLADOS (Setenta |ser| muros) no lado de dentro.
aças nas cidades primitivas: a natureza e o homem.A primeira era inteiramente ligada à implantação dos primeiros assentamentos. Ao escolher seu território, o homem optou por lugares próximos de rios que pudessem usufruir tanto para beber sua água quanto para atividades econômicas de auto subsistência*, as planta-
O VERDADEIRO CARÁTER
*Aula ministrada porJudith K. De Jong por no dia 27/ 08/2014 no curso de Teoria da Arquitetura I na Universidade de Illinois de Chicago.
Ao nascer, o muro divide um lado do outro, são paradoxos: foram feitos
Imagem 5 | Pirâmide de Cholula, México | uma plataforma muro para proteger das possível enchentes e demonstrar poder.
[...] Logo, a propriedade básica dos lugares criados pelo homem é a concentração e o cercamento. Os lugares são literalmente ‘interiores’, o que significa dizer que ‘reúnem’ o que é conhecido. (SCHULZ, 1976 apud NESBITT, 2006, p.448)
Os indivíduos ISOLADOS (Setenta |ser| muros) tornam-se mais unidos, mais iguais, enquanto os do lado de
fora são os desconhecidos, logo, os possíveis inimigos. Em outras palavras, é evidente a fronteira entre as nações e seus territórios. Os grupos com mais afinidades reúnem-se, reconhecem e criam um espaço em comum. Enquanto os diferentes, inimigos, ficam do lado de fora.
cionais, conflitos e invasões, cruzadas etc” (HARVEY, 2003, p.220), porém, a identidade de seu povo era a base para a organização social, política, econômica e religiosa dentro dos feudos. Todos compartilhavam de um mesmo sentimento de identificação e memória com o território, o genius
Img 12 | Muralha da China, séc. 11aC. Img 6 | Milão
Img 7 | Constantinopla
Img 10 | Lucca, Itália
Img 13 | Muralha da India, séc. 15.
Img 11 | Palmano- Img 16 | Toledo, Espanha. va, Itália
Segundo David Harvey (2003), essa identidade é a base para o desenvolvimento urbano, o controle e empoderamento de qualquer ordem social. “A ordem feudal tinha seus conflitos de classe, disputa sobre direitos, instabilidades ecológicas e pressões popula-
Img 14 | Hadrian Wall, Norte da Inglaterra. Img 15 | York, Inglaterra.
Img 8 | Rep. Florentina
Mapas das cidades medievais, século 15-16, onde o isolamento é proteção e identidade.
Img 9 | Erbil, Iraque
ram para servir mais os propósitos sociais que militares. Eles protegeram a identidade comum de um povo e asseguraram a sobrevivência, o desenvolvimento e a organização do indivíduo na esfera pública. Os muros manifestam o poder da espécie humana e se desenvolvem a partir das
Img 17 | Dubrovnik, Croácia, séc.10. Img 18 | London Walls, Imagem 19 | Ilhas Aran, RU, império romano. Baía de Galway
loci. Sentiam-se parte de um todo, entendiam as regras e normas regidas no interior das muralhas, e as seguiam pois tinham um sentido existencial para aquela comunidade. Portanto, os muros primitivos nasce-
relações sociais do homem e sua dimensão oculta no espaço e tempo em que vivem.
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MURO Se antes, em sua origem, os muros surgiram para marcar, organizar, proteger e apoderar o território identidade de um povo, ele, agora, altera sua razão de ser. Com a nova dimensão de espaço e tempo que moldam as relações sociais, baseadas em relações de poder e domínio uns sobre os outros, as trocas de mercadorias, o valor da terra, a monetarização e o capitalismo, começam a surgir grupos sociais e instituições hierarquizadas e heterogêneas. O muro, então, revela-se um instrumento de poder e domínio opressivo. O outro”, aquele de fora, agora torna-se mais próximo e o muro surge não só como uma maneira de privacidade e distâncias ocultas entre os indivíduos, como também uma proteção contra aquele que pode tirar sua terra e sua ordem ou classe social. Assim, para entendermos esse novo caráter do muro no território, precisamos entender primeiros as mudanças nas relações sociais, vinculadas ao processo de produção e dimensão de espaço e tempo (HARVEY, 1996).
MORFOSE
AEVOL A REVOLUÇÃO DOMÉSTICA Como explicado anteriormente, o muro fortalece a identidade daqueles no seu interior, porém, ele muda seu propósito quando a vida se organiza além dos feudos. A cidade, para além dos muros feudais, começa a se formar a partir dos espaços de encontro onde as famílias se reuniam e retornavam periodicamente (KEHL, 2016). As muradas feudais encontravam-se superlotadas, invadidas e muitas já haviam perdido o seu sentido. O homem, então, constrói casas permanentes e plantações auto sustentáveis nesses espaços de encontro, onde pratica diferentes atividades que exigem uma multiplicidade de lugares (HARVEY, 1996, p.228). O corpo começa a participar de uma esfera pública, com grupos familiares de diversos lugares interagindo entre si. O muro, então, decidiu domesticar o homem no meio social. Neste caso, a barreira surge para separar o território em zonas, de acordo com as atividades feitas pelo indivíduo, preservando o corpo e os semelhantes, a distância pessoal entre os outros necessária para sua sobrevivência, orientando-o em seu território. O muro proporciona o que Shulz (NESBITT; SHULZ, 2006) denomina de revolução doméstica, ou
U Ç Ã
O
seja, quando se forma a vizinhança e o sentido de privacidade entre os vizinhos, o limite do terreno de cada um. A separação entre o “nós” e “eles” torna-se bem mais próxima do cotidiano e não apenas entre o inimigo externo. Os homens já não são mais nômades livres, tudo é domesticado pelo muro, separando o território em zonas e o indivíduo do vizinho. O muro organiza e possibilita a existência da cidade.
A NOVA DIMENSÃO DE ESPAÇO E TEMPO Essa revolução doméstica estabeleceu uma nova dimensão de espaço e tempo para o homem (HARVEY, 1996). O espaço, nesse caso, refere-se a construção do território em sua relação entre o público e privado. Já o tempo refere-se às práticas de construção do espaço baseadas no imaginário, na memória e identidade coletiva, ou a dimensão oculta para Hall (2005). O tempo também é fundamentado nas formas materiais, sociais e institucionais (HARVEY, 1996, p306). Portanto, o espaço tempo constitui a organização econômica, política, cultural e social e é totalmente ligada com a produção do corpo, representando os sentidos e percepções, os indivíduos e a diversidade pública. Em outras palavras, o espaço tempo tem
de ser concretizado de forma que represente o genius loci ou a dimensão oculta de cada um no todo, ao contrário, o lugar perde sua identidade (SCHULZ, 1980; HARVEY, 1996). [...] o espaço e tempo, uma vez que são definidos, são meios primordiais para o indivíduo identificar objetos, pessoas, relações, processos e eventos. Localização e fronteiras são importantes, se não vitais atributos para definir os objetos, eventos e relacionamentos existentes no mundo ao redor de nós. (HARVEY, 1996, p264)
O espaço tempo, ao representar o genius loci, é o meio em que cada indivíduo reconhece a cidade e seus componentes. É preciso reconhecer seu espaço, estar localizado e determinar fronteiras, a partir da sua identidade e memória no tempo para organizar nossas relações culturais, econômicas e políticas, ou seja, a maneira de viver em esfera pública. A própria sociedade escolhe o espaço tempo de forma que define os seus princípios, a maneira de se relacionar e seus valores, baseado no genius loci de cada um. É, portanto, o homem que escolhe o espaço e o tempo que irá viver. A ordem feudal é um bom exemplo de espaço e tempo que representava a identidade de seu povo. A domesticação do homem e o desenvolvimento de suas atividades
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econômicas moldam a nova dimensão de espaço tempo sob a lógica de dominação e opressão e de forma não igualitária (HARVEY, 1996). As diferentes ordens sociais que foram surgindo e interagindo entre si nos primeiros assentamentos domesticados tinham suas plantações e suas terras, de início, auto subsistentes. A medida que a população foi crescendo, começaram a surgir relações de trocas de materiais ou aluguel de terra entre esses grupos sociais. A pratica mercantil fica cada vez mais intensa e mais ampla. Logo, torna-se evidente que “o valor da terra é fonte vital do poder militar e econômico” (HARVEY, 1996, p.239), uma vez que ao possuir a terra, o indivíduo sobrevive, gera mercadoria e ganha mais poder, influência e domínio sob os outros e o espaço.
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Naturalmente, surgem as moedas, “forma de troca com real valor entre os indivíduos” (HARVEY, 1996, p237). A moeda é também um símbolo de poder social, ou seja, aquele que acumula capital tem o controle sobre algo que converte-se no controle sobre as pessoas e da organização do território (HARVEY, 1996). O espaço e tempo passa a ser compreendido a partir da busca por acúmulo de capital, redefinindo as relações sociais, agora baseadas no domínio, poder, competição e individualismo. Os grupos sociais domesticados começam a competir entre si na qualidade de seus produtos
e de sua terra ou até mesmo na localização onde vivem, incentivando mais práticas pessoais e permeando o individualismo. A escolha do novo espaço e tempo não aconteceu de maneira inocente, uma vez que se “baseiam em práticas e relações de poder e dominação entre grupos e instituições” (HARVEY, 1996, p265). Começam a surgir diferentes instituições, grupos e subgrupos na espécie humana, cada um com seu valor. O inimigo muda seu aspecto: agora ele está muito mais próximo, pode ser o vizinho, o diferente, o “outro” ou qualquer um que não só pode prejudicar o bem físico e moral do homem como também pode dominar a terra e tomar o capital, impossibilitando o domínio e o poder sob a sociedade e o espaço.
A CONSEQUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO Os grupos sociais fragmentados de interesse que compõe a nova realidade do espaço e tempo determinam a construção do território. A terra, como valor primordial de acúmulo de capital e domínio, é valorizada e disputada pelo homem. O espaço começa a ser moldado de acordo com os interesses dos grupos de poder. “Dito isso de outra maneira, toda luta para reconstruir relações de poder é uma batalha para reorganizar as bases espaciais destas” (HARVEY, 2003,
p217). Logo, as transformações no espaço não são neutras nem tampouco inocentes e sim baseadas nas práticas de domínio e controle social. Aliás, o espaço torna-se vital para governar, normalmente de forma opressiva, a maneira que a vida deve ser vivida. Em outras palavras, contradições espaciais expressam conflitos entre interesses socias e políticos e reforça: é apenas no espaço que tais conflitos são efetivamente praticados, e assim feitos, eles se tornam contradições do espaço. (LEFEBVRE, 1991 apud HARVEY, 2003, p273)
A partir dessa nova ordem social, constrói-se um novo cenário: os espaços são reorganizados e os muros crescem e multiplicam-se cada vez mais. Os muros físicos são as expressões desse cenário de lutas e interesses, divisões sociais e muros ocultos cada vez mais marcantes. A barreira física fragmenta o território de uma sociedade dividida entre seus muros ocultos: entre os grupos que dominam e os grupos que obedecem. O muro é construído por aqueles que tem mais poder, a chamada burguesia do século 18, aqueles que necessitam proteger seu território para assegurar seus bens e sua influência na ordem social. Ou seja, o muro determina onde as pessoas devem ou não ir, podem ou não morar, como devem
viver a partir dos interesses da classe dominante. O muro é exclusividade social, é status (CALDEIRA, 1999).
O DOMÍNI
Os muros invisíveis, como as fronteiras entre nações e povos também surgem nesse momento. Quando o homem desenvolve grande interesse em entender o espaço geográfico em que está inserido, o mundo em sua unidade, para orientar-se e dominá-lo, comercializando seus produtos pelo mundo afora, determinam os muros fronteiriços.
O desenvolvimento das práticas mercantis e conhecimentos tecnológicos foram se aprimorando e a sociedade determina viver em um espaço e tempo baseado no Capitalismo. Sempre à procura de acúmulo de capital, o homem desenvolve novas tecnologias, faz a máquina, constrói as indústrias, elabora uma produção de materiais em série, o fordismo, o taylorismo... Produz mais e vende mais, estimula o prazer do consumo, procura a inovação a todo momento, especula, aliena e cria espetáculos supérfluos e efêmeros.
A principal causa do muro, portanto, deixa de ser a proteção do território identidade, do genius loci do homem, e seu sentido de poder passa a ser ainda mais significante: conquista um caráter de dominação, repressão e controle, status, baseado nas relações sociais do capitalismo. O muro não poderia pedir por um habitat mais perfeito, de fragmentações, disputas e tensões, e, assim, se espalham pelo mundo, entre nações, grupos e famílias da comunidade, e até mesmo no próprio indivíduo. A dimensão oculta do homem aumenta, ou seja, há maior distância entre os indivíduos, mais individualistas e competitivos. O homem torna-se mais murado e privado diante da vivência de um espaço e tempo baseado em lutas de domínio e poder.
MURO DE DOMÍNIO
O espaço e tempo mudam continuamente de acordo com a lógica capitalista e processo de urbanização. O tempo torna-se mais valorizado, é nele que se produz o produto e o capital, é trabalho, é dinheiro. Acelera-se a velocidade de produção, das pessoas, de informação, de bens, tudo circula de maneira mais rápida. Enquanto a elite industrial usa mais o seu tempo com o lazer e gastando o seu capital, o grupo de trabalhadores usam o seu tempo para produzir o capital da elite. Já o espaço torna-se superlotado e mais fragmentado em diferentes grupos. Acontece a urbanização, as pessoas do campo migram para as cidades em busca de trabalho
e dinheiro. As cidades, cada vez mais cheias e sem infraestrutura e espaço suficiente para abrigar as pessoas, desenvolvem-se de forma desorganizada e fica difícil conseguir uma parcela de terra no meio urbano, pois a terra tem valor ainda mais alto. “O domínio do espaço sempre foi um aspecto vital da luta de classes (e interclasse)” (HARVEY, 2003, p212). Assim, os grupos com poder e capital possuem mais território e em lugares mais privilegiados na cidade, normalmente lugares mais afastados do centro urbano, onde se tinha a ideia de segurança, qualidade e liberdade. Enquanto os trabalhadores pobres de capital não garantem território algum, vivem em condições precárias, alguns não possuem território próprio, outros vivem em aglomerados urbanos ou cortiços. Se por um a superpopulação do capitalismo sugere um certo otimismo, ela também evidencia e fortalece a divisão de classes, a desigualdade entre grupos, a segregação de um muro tanto simbólico quanto físico que os separa e garante controle da elite. O prazer do consumo, a felicidade material e até mesmo o modernismo baseado na beleza, nos direitos iguais e na organização do território, aflora um certo otimismo na sociedade. A superpopulação na cidade é vista como oferta de mão de obra e consumo. Porém, os benefícios gerados vol-
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tam-se apenas à elite, grupo social que tem capital e, portanto, domínio e controle sob a ordem social e as condições no espaço. Enquanto a mão de obra trabalhadora é a que mais sofre com a escassez de terra e capital, é vista como marginal, sem direito algum, oprimida e explorada pela elite (ARAVECCHIA; CASTRO, 2016). A classe trabalhadora é uma ameaça à elite. Nesse contexo surgem as prisões, os muros que prendem e confinam os indesejáveis, aqueles considerados inimigos da ordem social, onde se exclui o lixo humano afim de neutraliza-lo (BAUMAN, 2005).
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Portanto, o muro divide a sociedade em classes sociais. De um lado a elite dominante, do outro, os trabalhadores oprimidos. Ambas as classes lutam pelo acúmulo de capital, a elite quer mais poder, enquanto os trabalhadores demandam por mais direitos para que assim possam adquirir mais capital. A opressão e a tensão permeiam o espaço. O muro simbólico entre a luta de classes constrói o muro físico que segrega o território, organizando-o de acordo com os grupos e seus interesses. Ou seja, o capitalismo produz uma sociedade heterogênea que constrói um território hegemônico, baseado nas lutas e tensões dos interesses sociais. O muro divide o centro da periferia, a elite e o trabalhador. A elite america-
na, por exemplo, procura espaços cada vez mais afastados do centro para constuir seus subúrbios, longedas indústrias e a classe trabalhadora, em busca de maior qualidade de vida e lazer, a utopia de uma vida perfeita, longe da sujeira, poluição, violência e dos “marginais”.
MURO DE VALOR Como ferramenta de domínio e poder de um grupo social sobre outro, constrói-se um muro de valores, baseado em preconceitos e ideais da classe dominante. Sempre que “a sociedade é regrada pela classe dominante, a classe subordinada experimenta alguma forma material, política, econômica e social de repressão” (HARVEY, 1996, p149). Essa repressão é baseada em preconceitos e valores da classe dominante. Os grupos mais poderosos marginalizam “o outro” com argumentos e propósitos morais e os grupos sociais são oprimidos pelo seu gênero, sua raça e cor. "(...) O entrelaçamento de discriminação racial, de gênero, questões geográficas e de classe cria todos os tipos de complexidades que tornam obrigatório para vários conjuntos de opressões a serem abordados." (HARVEY, 1996, p108)
Reprimir, segregar e dominar “o outro” agora tem uma base sólida: os valores morais e éticos da classe
dominante. O muro torna-se uma questão moral, um preconceito, uma ordem, um silêncio, uma arma poderosa de domínio e repressão. Separa o branco do preto, o homossexual do heterossexual, o sagrado do mundano, os “indesejáveis da raça pura”. O muro separa a Alemanha, as nações, o capitalismo do comunismo, a américa do norte e a américa do sul. Esse é um muro que atormenta a sociedade, espalha dor e revolta, é a expressão de poder que o homem constrói na tentativa de controlar a natureza e a raça humana, criando hierarquias, superioridades de privilégio e poder contra os inferiores marginalizados e delinquentes. Os “brancos” construíram diversos muros para separar os “pretos”, considerados diferentes, inferiores, sem qualquer direito. O fascismo e o nazismo são responsáveis pelos muros de valor de grande sucesso. São muros de doutrinas políticas autoritárias, que tem como fundamento organizar a massa e engrandecer a nação e sua identidade. [...] Ao fazê-lo, foi capaz de apelar para certos mitos de uma comunidade hierarquicamente organizada, mas mesmo assim participativa e exclusiva, com uma clara identidade e estreitos vínculos sociais, repleta dos seus próprios mitos de origem e de onipotência. (HARVEY, 2003, p41)
A nação, nesse caso, é considerada superior a todas as outras, que deve e é capaz de dominar o mundo. No nazismo de Hitler, por exemplo, o Estado, poder central, identifica o seu poder com a identidade da nação. Esse Estado define normas, garante
sivo e disciplinar violento, uma vez que separa dos outros povos, considerados inferiores, de raça desigual. “O desejo de uma unidade no discurso gera fronteiras, dicotomias e exclusão” (YOUNG, 1900; HARVEY, 1996, p311). De um lado, preserva-se a raça supe-
germânica. Um muro de tirania, que domina e impõe ideais, maneiras de viver e quem devemos ser, mas, principalmente, um muro que não aceita as diferenças. (DIFERENTÃO, Setenta |ser| muros).
CENTRO
URBANO RURAL RICO
SUBÚRBIOS
POBRE
ARIANOS | NÃO ARIANOS
CAPITALISMO COMUNISMO
NORTE SUL
PRETO | BRANCO
privilégios e proteção ao seu povo e fortalece a sua identidade tão intensamente que acredita ser superior a todas as outras nações. Constroem o muro que, como na era medieval, protege e unifica a nação identidade mas que também é um mecanismo repres-
rior germânica, com seu domínio e poder, do outro, exclui e extermina a raça inferior, os judeus, homossexuais, doentes, deficientes, prostitutas, pobres, sem teto, criminosos, e todos os outros grupos sociais que não pertenciam e ameaçavam a identidade
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CONTEMPORÂNEO O muro ainda é o mesmo: protege e limita o território, a dimensão do indivíduo e diferentes grupos sociais, demonstra o suposto poder e domínio do homem com a natureza ou do homem com o próprio homem, exclui e marginaliza o que está de fora e une e protege o que está de dentro. Eles crescem com a cidade, espalham-se como as epidemias do mundo contemporâneo. O tempo passa cada vez mais rápido, os espaços ficam mais aglomerados e conectados, virtualmente globalizados, mas também muito mais segregados, individualistas, inseguros e medrosos. O muro, então, adiciona o medo em sua composição material, é perfurado
por balas e torna-se tecnologicamente eletrificado. É um escudo de proteção, é um elemento comum e automaticamente construído nos aglomerados de edificações que sobrepõe a cidade. É o produto e produtor do medo, violência e segregação. O muro é um projeto sem razão, apenas é, deve ser. Torna-se tão comum que perde seu sentido (genius loci). Assim como as pessoas no mundo contemporâneo, há tantos muros mas poucos com identidade. O que, afinal, está entre os muros? São pessoas, valores, medo, preconceitos?
M ETRÓPOLE O processo de urbanização no início do século vinte gera os aglomerados urbanos nas cidades, que só cresceram com o decorrer do tempo: as famílias aumentam, ocupam mais espaço e a arquitetura constrói e sobrepõe mais espetáculos. Essa superpopulação e a grande densidade nas cidades, diminui a distância natural do homem, o seu muro invisível que determina o espaço necessário para se viver em paz e de reproduzir. Como já vimos, todos os animais apresentam uma necessidade mínima de espaço, sem a qual é impossível sobreviver. Esse é o “espaço crítico” do organismo. Quando a população cresce tanto que o espaço crítico deixa de estar disponível, desenvolve-se uma “situação crítica”. (HALL, 2005, p.20)
A territorialidade, segundo Hall (2005), fornece os limites dos quais dentro tudo pode acontecer: determina lugares para brincar e aprender ou esconderijos seguros. Porém, uma vez que o território superlota e a densidade aumenta, é necessária uma adaptação de um novo estilo de vida para o homem moderno, no qual suas distâncias pessoais naturais diminuem e
as interações se intensificam, podendo gerar estresse e perturbações nas percepções e nos comportamentos, a chamada “situação crítica”. Além disso, o desenvolvimento das cidades, sua velocidade, tecnologia e intensa circulação de pessoas, informação e dinheiro no sistema capitalista produz um cenário ainda mais aglomerado e caótico. A diversidade social cresce, as diferentes ideias, estilos e valores começam a moldar a sociedade em subgrupos e a cidade fragmenta-se cada vez mais. A tecnologia e seus infinitos meios de comunicação apresentam um mundo virtual sem fronteiras, que sabe de nossos desejos, está a todo momento nos atualizando e notificando, adicionando amigos desconhecidos, vizinhanças virtuais, sem pausas e sem muros. O indivíduo contemporâneo, portanto, se vê obrigado a conviver mais próximo de pessoas tão diferentes de si, perturbando-se ainda mais. A distância entre o “outro”, agora totalmente distinto, é menor por conta dos espaços lotados das cidades e da dimensão virtual dos tempos modernos. A vizinhança está mais presente e a privacidade mais violada. Enquanto a parede é levantada para disfarçar a
distância entre você e o seu vizinho, o muro oculto entre vocês é invadido, já é possível ouvir a briga do vizinho, julgar se o jardim dele é mais verde que o seu....
MENOS DISTÂNCIA, MAIS MUROS Ao mesmo tempo que a aglomeração urbana tornou os indivíduos tão próximos, diminuindo o muro oculto entre eles, também os deixou distantes: multiplicou e aumentou a altura dos nossos muros físicos. As distâncias entre os homens diminuem, perturbando cada vez mais o indivíduo contemporâneo. Como legitima defesa, por conta de tamanha abertura, os homens constroem mais paredes, mais muros físicos como abrigo e proteção, poder e domínio, mas, principalmente como fuga do medo e da aglomeração que assolam as cidades atuais (HALL, 2005). Assim, “as propriedades de confinar um espaço, típicas de uma fronteira, são determinadas por suas aberturas” (NESBITT, 2006, p451). Derrubar o muro oculto, a aproximação e convivência com os biótipos desconhecidos, de diferentes culturas (HALL, 2005), abre uma vida cheia de oportunidades e diversidades, o indivíduo se vê desprotegido e cria mais muros físicos. Muros que acompanham a tecnologia moderna, cercas elétricas, mais paredes vigilantes, verdadeiras coaclas, como deno-
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mina Hall (2005), na cidade selvagem. A cidade contemporânea é definida por seus muros. O modo de ser de uma fronteira depende de sua articulação formal, que está novamente relacionada
Junto à minha rua havia um bosque Que um muro alto proibia Lá todo balão caia, toda maçã nascia E o dono do bosque nem via Do lado de lá tanta aventura E eu a espreitar na noite escura A dedilhar essa modinha A felicidade morava tão vizinha Que, de tolo, até pensei que fosse minha [...] Até Pensei - Chico Buarque de Hollanda, 1968
físicos da cidade se espalham, segregam e isolam grupos, atrapalham a liberdade do andarilho que vaga sem rumo, que vivencia e incorpora a cidade, ou melhor, os muros. Tudo torna-se muro, os carros, as vias, os cones, até o rio virou muro! O homem
Imagem 3 | Bernauer Strasse, Berlim | muro memória.
Imagem 1 e 2 | Muro no campus da Univerdade de Illinois, Chicago, 1982 | A construção removeu parte da comunidade italiana que lá morava anteriormente.
Muros que sobrevivem até hoje mas sofrem ameaça dos espetáculos contemporâneos, como a especulação ou o turismo. Imagem 4 | Muro das Lamentações, Jerusalém | muro sagrado.
A vizinhança e a modinha dos muros...
com a maneira pela qual ela foi “construída”. [...] as fronteiras laterais, ou paredes, que contribuem decisivamente para determinar o carácter do ambiente urbano. (NESBITT, 2006, p451)
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gual”, quando acreditamos “rumar para a liberdade e para um mundo mais justo” nos deparamos com um obstáculo (BRUM, 2016). A segregação aumenta, os muros também, chegam a ser tantos que perdem sua identidade, mudos, sem essência, sem
A espaço urbano passa a ser reconhecido pelos seus muros. Os limites
murado se depara com fronteiras a cada momento. A arquitetura é uma máquina de muros: “As torres já não estão juntas; separam-se de modo a que não interajam. A densidade isolada é o ideal” (KOOLHAAS, 2010, p43). “São muitas as armadilhas muradas em um país tão barbaramente desi-
por que, sem razão. Alguns muros ainda falam: muros de lamento, de patrimônio, de memória, de razão. Carregam em si um valor e identidade cultural e social. Mas logo são também dominados pelo espetáculo contemporâneo, são pontos turísticos ou de especulação.
ME
TRÓPOLE
Na metrópole contemporânea o espaço e tempo tornam-se instáveis, mudam a todo momento em torno das forças sociais (HARVEY, 2003). Os capitalistas estão sempre cirando novas necessidades para os outros, procuram novos mercados, novas fontes de matéria prima, uma nova força de tralho e mão de obra local mais vantajosa e o movimento geográfico do capital e do trabalho revoluciona periodicamente a divisão territorial e internacional do trabalho [...] (HARVEY, 2003, p103)
Assim, a contemporaneidade é construída sob a efemeridade, tudo é excesso e supérfluo, redundante (HARVEY, 2003), tudo líquido e orgânico sob o contraditório e o confuso (BAUMAN, 2009). O espaço é alterado constantemente sob a tensão da luta de classes, o pessimismo das crises econômicas, o desemprego, escassez de recurso e violência na cidade. A tecnologia trouxe a informação, a conexão com o mundo todo em tempo real, onde as informações e inovações aparecem a cada momento, mas logo são esquecidas. Uma sociedade tão aberta e tão conectada, mas insegura e desamparada (BAUMAN, 2009). A diversidade de grupos e subgrupos sociais tornam-se infinitas
e miscigenadas, mas o individualismo e a competitividade do mercado capitalista assombram a realidade sócio-política. Assim, o contemporâneo é traduzido como uma “força revolucionária e destrutiva em sua própria história. A única coisa segura sobre a modernidade é a insegurança” (HARVEY, 2003, p103). A vida torna-se insegura e vulnerável para o homem que se dizia tão poderoso nos tempos industriais. As constantes mudanças induzem à ideia de que a vida social poderia ser organizada de outra maneira (HARVEY, 2003). Mas também é “a insegurança do presente e a incerteza do futuro que criam e alimentam o mais aterrador e insuportável de nossos medos” (BAUMAN, 2009, p167). Insegurança e incerteza nascem de um sentimento de impotência, no qual não estamos mais no controle, em grupo ou sozinhos, dos assuntos de nossas comunidades ou no controle dos assuntos do planeta. (BAUMAN, 2009, p167)
Segundo Bauman (2009), a insegurança é quando percebemos que não temos o domínio de nada nem de ninguém, todos estão em perigo e nada do que os outros façam ou possam
fazer nos deixa seguros (BAUMAN, 2008). As “relações humanas não são mais espaços de certeza, conforto espiritual tranquilidade e sim fonte de ansiedade”(BAUMAN, 2008), tudo é arriscado e perigoso. Já o medo é a incerteza, o desconhecido, “nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito – do que pode e do que não pode – para fazê-la parar ou enfrenta-la, se cessá-la estiver além do nosso alcance” (BAUMAN, 2008, p8). É quando nos vemos sem saída ou como se defender com sucesso se o perigo se realizar, “não temos confiança nas defesas disponíveis ou ameaças da natureza”, somos impotentes até mesmo das ameaças imaginadas e consideradas realistas (BAUMAN, 2008). É quando percebemos que a vida é muito frágil e a natureza muito poderosa. O medo é necessário para proteger o nosso corpo, porém o medo na globalização aglomerada torna-se pânico (BAUMAN, 2009). É aquele pavor quando não sabemos quais medidas tomar para evitar os danos ao nosso corpo, nossa sobrevivência e nosso território, propriedade ou ordem social, ou seja, temor de perder o poder e o domínio da terra, que não apenas representa o genius loci, a identidade, mas também é um bem de valor, de capital, social, político, econômico e cultural. Esse mesmo medo é nomeado por
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Bauman (2008) como medo derivado, aquele que orienta comportamentos e são dificilmente superados, “quer que haja ou não uma ameaça imediata” (BAUMAN, 2008, p9), é uma estrutura mental estável. Uma pessoa que tenha interiorizado uma visão de mundo que inclua a insegurança e a vulnerabilidade recorrerá rotineiramente, mesmo na ausência de ameaça genuína, às reações adequadas a um encontro imediato com o perigo; o “medo derivado” adquire a capacidade de autopropulsão. (BAUMAN, 2008, p9)
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Ou seja, o medo derivado guia as expectativas e os comportamentos, e nos induz ao isolamento, consequentemente, à construção de um território murado e segregado. “Sartre acreditava que nós somos muito mais livres do que acreditamos”, a todo momento somos livres para se comportar como bem entendemos. “Sempre pensamos na liberdade como algo fácil de ser levado, mas revela-se aterrorizador” (CAIN, 2016), temos medo das consequências de nossas escolhas, do que podemos encontrar no caminho, o futuro desconhecido. Os muros então são construídos para nos proteger, uma fuga dos nossos medos e responsabilidades. Eles formam “um espaço que se transforma em depósito dos problemas da
globalização” (BAUMAN, 2009, p35), com muros de medo e preconceitos, coaclas (HALL, 2005) físicas e comportamentais, defesa, poder e descriminação com inimigo da própria cidade (BAUMAN, 2008). "Não há nada a temer senão o medo" (SCHWARCZ apud WIN WENDERS, 2016), este sim é poderoso o suficiente para construir muros de violência e descriminalização.
A VIOLÊNCIA A violência e o medo combinam-se a processos de mudança social das cidades contemporâneas, gerando novas formas de segregação espacial e discriminação social. (CALDEIRA, 1999, p9)
Como vimos, desde a domesticação do homem, o muro sempre impôs a desigualdade. O homem por si só é murado e a exteriorização do muro oculto de cada um é uma cidade com divisões: os diferentes sentidos, grupos sociais, culturas, qualidade e produção do espaço são dados fragmentados desde sua origem. Por exemplo, no imaginário urbano da “cidade legitima” (BURDETT, 2011), desde os tempos industriais, sempre houve essa dicotomia entre os pobres e os ricos, o trabalhador na precariedade e legalidade vive nas periferias, enquanto a classe média alta, com poder de terra vive nas áreas com mais qualidade e infraestrutura nas cidades. (BURDETT, 2011).
No livro Medo e Confiança na cidade, Bauman (2009) explica essa nova divisão no mundo contemporâneo. De um lado, encontramos aqueles de redes locais fragmentárias, normalmente de base étnica, nos quais tem a sua identidade como recurso de defesa na vida. São condenados a permanecer no lugar, logo, tem suas atenções voltadas para questões locais, a cidade é onde tudo acontece. Do outro lado, estão os globais, aqueles com grandes redes de troca e poder aquisitivo, internacionais. Estes não se identificam com o lugar onde moram, tem interesses em outros locais. Mas é justamente a elite global que tem o poder de escolher o seu território na cidade, que determina onde é bom ou ruim para se viver e que toma o direito de excluir e marginalizar os grupos locais. Os globais são aqueles que constroem a ordem no espaço e tempo, ou seja, definem a condição em que tudo se encontra em seu espaço adequado executa suas funções apropriadas. O espaço é ordenado pela norma, não universal, que cria o conceito de excluídos e o direito de estabelece-los “fora dos limites”, marginalizados na cidade. A metrópole, portanto, é o campo de batalha dessas duas forças, onde elas se encontram e lutam (BAUMAN, 2009). As fronteiras e muros estão sempre se atualizando na efemeridade do con-
temporâneo e marca a cidade com violência e repressão entre uns e outros. Fica claro que a violência urbana, em especial, em São Paulo, é sintoma das variáveis socioeconômicas e da urbanização acelerada e desigual. Essa desigualdade é mais evidente ao analisarmos as taxas de criminalidade na cidade de São paulo e entendermos quais são os crimes predominantes e quem são as reais vítimas. Em seu livro, Teresa Caldeira (1999) faz uma longa e detalhada análise das estatísticas de ciminalidade na cidade de São Paulo dos anos 70 aos 90. Ela divide o crime em dois tipos: o crime contra a pessoa e o crime contra a propriedade. O primeiro refere-se às lesões corporais, violência física, sequestro e, principalmente, homicídio culposo, que acontece em sua maioria com pobres, homens e jovens e em bairros afastados do centro, ou seja, com os “marginais” oprimidos e excluídos da ordem social, vítimas da segregação, da ausência do Estado, de uma educação falha, do analfabetismo, do tráfego de drogas e de armas e de chacinas policiais. O segundo tipo de crime é o crime contra propriedade, ou seja, o furto, roubo, latrocínio contra o patrimônio, que contecem em bairros de classe mais alta. Um estudo recente feito pelo Núcleo de Estudos de Desigualdade
e Assistência Social indica que no município de São Paulo as maiores taxas de crimes contra a propriedade estão nos bairros de classe média e alta, enquanto as maiores taxas de homicídio estão nos distritos mais pobres da cidade. (1995; CALDEIRA, 1999, p115)
Ao analisarmos o gráfico de Taxa de crimes ao longo dos anos 1973-1996 na Região metropolitana de São Paulo e comparando com o processo urbanao da cidade, fica ainda mais evidente que a violência e a segregação são companheiras.
uma mudança no nível de crimes contra a propriedade já tinham crescido consideravelmente durante 1978 (22,14%) e 1979 (16,99%), mas nessa época a taxa por 100 mil habitantes (1.187) era metade do que seria a partir de meados dos anos 80. (CALDEIRA, 1999, p115)
Nos anos 80, quando a taxa de crimes contra a propriedade foi marcante, São Paulo enfrentava um crescimento econômico e urbanização, ou seja, a violência e o crime também acompanharam o crescimento da cidade*. O muro que separa os grupos, discrimina, oprime, marginaliza, também é o mesmo muro que gera a violência, eles crescem juntos, e diante dessa violência o muro do medo cresce ainda mais, como um ciclo viciante. As pessoas se sentem vulneráveis na cidade não podem confiar em ninguém, nem ao menos no Estado e sua segurança. O Estado e as instituições de segurança mostram- se ineficazes, produtores de mais violência e perdem sua credibilidade.
CALDEIRA, 1999, p114.
No período considerado, o crime contra a propriedade alcançou seu nível mais alto em 1994 (2.339 crimes por 100 mil habitantes). No entanto, os anos que marcaram
Para piorar, carecemos das ferramentas que poderiam permitir que nossa política se elevasse ao nível em que o poder já se estabeleceu, possibilitando-nos, assim, recaptu*Palestra Inquietudes urbanas - cidade, segregação, violência, Centro Maria Antônia, São Paulo, 11/04/2016
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em que o poder já se estabeleceu, possibilitando-nos, assim, recapturar e recuperar o controle sobre as forças que moldam nossa condição compartilhada, e portanto redefinir o espectro de nossas opções assim como traçar os limites de nossa liberdade de escolha: o tipo de controle que atualmente escapou – ou foi tirado – de nossas mãos. (BAUMAN, 2009, p167)
Seguindo políticas públicas excludentes, as normas definidas pela elite global, o Estado mostra-se incapaz de cumprir seu dever de protetor das ameaças à existência dos cidadãos (BAUMAN, 2009). Não há nenhuma lei ou infraestrutura que chegue nos bairros marginalizados e vulneráveis, o Estado encontra-se ausente. Além disso as instituições mostram-se frágeis e geram desconfiança e insegurança à população: as falhas do sistema carcerário e a justiça ineficiente. Como se não bastasse, o as instituições de segurança propagam ainda mais violência seguindo a cultura da violência e repressão. A polícia já não é mais sinônimo de ordem e sim opressão, chacinas, divergências. A violência, portanto, torna-se o sustento, a moralidade e a resposta à uma sociedade injusta, onde a segurança já não é mais vista como um direito do cidadão, o direito de viver sem medo. 41
A FALA DO CRIME É o pânico da contemporaneidade, a
violência mas, principalmente, a fala do crime que constrói os muros medrosos e marginais, os muros que criam proibições e distâncias, restringe o movimento entre os diferentes baseado nos preconceitos, estereótipos, simplificações e ambiguidades. Não apenas a ignorância e a marginalização de certos grupos, mas também a fala do crime, a aterrorizarão (muitas vezes por meio da mídia), reforça ainda mais esses muros dos medos e das diferenças, que divide a cidade em forças supostamente do bem e do mal. De fato, quem já vivenciou a violência é atingido pelo pânico da cidade e dos outros. Porém, ao contar sua experiência ou a experiência de criminalidade dos outros, ou seja, a fala do crime, tende a dramatizar e simplificar a história baseandose em seus preconceitos, julgamentos e seus temores. “As narrativas de crime elaboram preconceitos e tentam eliminar ambiguidades” (CALDEIRA, 1999, p28). Assim, o falar do crime estereotipa o criminoso, cria estriótipos e divide a sociade entre os bons e ruins. A fala do crime torna-se um argumento para a segregação, preconceito e isolamento. Aqueles de nós que podem arcar com isso se fortificam contra perigos visíveis ou invisíveis, atuais ou previstos, conhecidos ou ainda não, dispersos, mas ubíquos, desintoxicando o interior de nossos corpos e
lares, trancando-nos atrás de muros, cercando os acessos a nossas residências com câmaras de TV, contratando guardas armados, dirigindo veículos blindados ou tendo aulas de artes marciais. (BAUMAN, 2009, p186)
O imaginário coletivo da nossa cidade, portanto, os bons e os ruins, os espaços seguros e perigosos se dão grande parte pela fala e construção na imaginação, e não pela vivência do indivíduo na cidade. Por exemplo, a mídia, a política em suas propagandas esperançosas, e quase toda a comunicação de massa expõe o crime, de maneira a aterrorizar a população a imaginar uma cidade extremamente violenta e maligna. Quem vivencia o crime rompe com a cidade, teme e a evita, se mura, mas ao falar do crime, fortalece e marca ainda mais essa barreira e de forma simplista e generalista. A cidade passa a ser vivida e ser entendida a partir do medo do crime e das histórias de temor, onde a imaginação e supostas hipóteses de crime aumenta ainda mais o medo. “Erigimos nossa estrutura na imaginação antes de a erigirmos na realidade” (MARX, 1967, p.178 apud HARVEY, 2003, p309). É a fala do crime que determina o muro como parede de segurança, proteção, e liberdade em seu interior, isolando ainda mais o homem murado e esvaziando a cidade segregada.
o MURO como O medo é algo comum na cidade contemporânea, o estado de emergência na qual os moradores vivem e é incessante a busca por segurança e o mínimo de controle no caos da metrópole (BAUMAN, 2009). O medo busca
ESCUDO
única saída: marcar e construir as suas próprias muralhas, garantir toda tecnologia, a mesma que nos deixa mais inseguros sobre a efemeridade e amplitude da vida. Pagam por aparatos de segurança e policiamento privado
Nas grandes cidades do pequeno dia-a-dia. O medo nos leva a tudo, sobretudo a fantasia Muros e grades Engenheiros do Hawaii
algum tipo de alívio, e passa a certeza de que “é possível obter segurança completa” (BAUMAN, 2009, p15), tentamos domar a modernidade líquida tornamos o medo tolerável e a luta contra ele uma tarefa para a vida inteira. Como resultado da descrença na mudança social e nas instituições de poder e a aceitação do medo como um fator comum na nossa cidade, a solução para a segurança aponta uma
Então erguemos muros que nos dão a garantia De que morreremos cheios de uma vida tão vazia
que ele é necessário para se viver e conviver em segurança. Criamos as coaclas, as próprias jaulas para nos isolarmos da cidade selvagem, como se o medo fosse natural e necessário, nem ao menos nos indagamos e fingimos esquecer que os muros físicos podem ser facilmente pulados e os muros ocultos frequentemente queOs muros e as grades nos protegem de quase tudo, mas o quase tudo quase sempre é quase nada. E nada nos protege de uma vida sem sentido.
As grades do condomínio São para trazer proteção Mas também trazem a dúvida Se é você que está nessa prisão A minha Alma - O rappa
que controlam e vigiam tudo e todos do lado de fora, barrando os inimigos públicos. Ou seja, o problema público tenta ser sanado com soluções privadas, domesticamos o medo selvagem. O muro contemporâneo é uma cultura, uma tradição, um senso comum de
brados na diversidade urbana. Só demarcamos mais divisões na ilusão de controlar os perigos e ameaças da modernidade. [...] o edifício que uma geração após outra constrói é sinistro, já que sua estrutura é para garantir a seguran-
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ça que os homens não podem obter. Quanto mais sistematicamente o planejam, menos conseguem respirar dentro dele. Quando mais tentam erigi-lo sem emendas, mais inevitavelmente ele se transforma num calabouço... Como esse medo também deseja eliminar (as) inseguranças inerentes à existência característica das criaturas, o refúgio é uma obra de auto-ilusão. (KRAKAUER apud BAUMAN, 2005, p65)
O muro, mais uma vez, impõe o suposto domínio do homem sobre a natureza e a humanidade. Um produto do homem que é vendido no mercado imobiliário ou nas propagandas políticas como um escudo de segurança dos medos, uma garantia de liberdade, sobrevivência e ordem em seu interior. O medo é visto como um produto no capitalismo, e o muro é a sua consequência.
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Enquanto a proteção pessoal se tornou um grande ponto de venda, talvez o maior, nas estratégias de marketing de mercadorias de consumo, a garantia da “lei e ordem”, cada vez mais confinada à promessa de proteção pessoal, se tornou um grande ponto de venda, talvez o maior, tanto nos manifestos políticos quanto nas campanhas eleitorais – ao mesmo tempo em que as ameaças à segurança pessoal foram promovidas á posição de grande
triunfo [...] (BAUMAN, 2005, p188)
Os muros, assim, aparecem como barreiras incompetentes, pois não enfrentam o medo, e sim fogem dele. São disfarces que surgem na busca pela nossa segurança, inexistente no mundo líquido (BAUMAN, 2008). Ao contrário, os muros só alimentam ainda mais o medo. É dividindo o bem do mal, o seguro do inseguro, a ordem do selvagem que é evidenciado essa fronteira. Uma tentativa falha de segurança, a própria contradição do mundo globalizante: fronteiras não são traçadas com objetivo de separar diferenças, justamente porque se demarcam as fronteiras é que, de repente, as diferenças emergem, que nos tornamos conscientes delas. “Melhor dizendo, vamos em busca de diferenças justamente para legitimar as fronteiras.” (BAUMAN, 2009, p75) Procuramos as diferenças para justificar nossas fronteiras, assim, os muros dos medos só geram mais medo e ainda, descriminalização com o outro.
o MURO e o Poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos crimes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos fazê-lo) na constância e na regularidade da solidariedade humana [...] (BAUMAN, 2009, p16)
O medo, a violência e a segregação sugere que todos são diferentes e são ameaças a nossa integridade corporal e espiritual. “O outro é o intruso, aquele que, se entrar, vai tirar dela alguma coisa. Se a tocar, vai contaminá-la. Se a enxergar, vai ameaçá-la” (BRUM, 2016), e não há nada que o “outro” possa fazer que possa sanar essa desconfiança. Exortados, instados e pressionados diariamente a perseguirem seus próprios interesses e satisfações, e a só se preocuparem com os interesses e satisfações dos outros na medida em que afetem os seus, os indivíduos modernos acreditam que os outros à sua volta são guiados por motivos igualmente egoístas – e
portanto não podem esperar deles uma compaixão e solidariedade mais desinteressadas do que eles próprios são aconselhados, treinados e dispostos a oferecer. [...] Numa espécie de círculo vicioso, ela exacerba, por sua vez, a fragilidade crônica dos vínculos humanos e aumenta os temores que essa fragilidade tende a gerar. (BAUMAN, 2009, p172)
Esse medo de se misturar com pluralidade do mundo globalizado, Bauman (2009) nomeia de Mixofobia. O medo do outro, “extrangeiro”, imprevisível que oferece risco, dano, derrota, ou ameaça de tomar sua ordem social. A mixofobia não tem fim, quanto mais nos isolamos por conta dela, mais ela aparece. A uniformidade do espaço social, sublinhada e acentuada pelo isolamento espacial dos moradores, diminui a tolerância à diferença; e multiplica, assim, as ocasiões de reação mixofóbica, fazendo a vida na cidade parecer mais ‘propensa ao perigo’ e, portanto, mais angustiante, em vez de mostra-la mais segura e, portanto, mais fácil e divertida. (BAUMAN, 2009, p50)
O muro aqui não é apenas a barreira física imposta, mas também a comportamental, de ideias e preconceitos, que sugere um isolamento e a indiferença com o outro, que é, bem ou mal,
um semelhante. (KEHL, 2016). A dificuldade de olhar e conviver com aquele do lado de fora, consequentemente, o descriminaliza, estereotipa, faz do outro um estranho e o conhece apenas por julgamentos pessoais. Marginalizamos o outro, o reprimimos ou não o queremos enxergar, determinamos quem é bom ou ruim, válidos e inválidos a partir de nossos valores, preconceitos e gostos pessoais (BAUMAN, 2005). E é subindo os muros que as diferenças tornam-se claras. A divisão rompe qualquer tipo de humanidade que ainda resta de um lado com o outro. “A fronteira não é aquilo em que uma coisa termina, mas como já sabiam os gregos, a fronteira é aquilo de onde algo começa a se fazer presente.” (HEIDEGGER apud HARVEY, 2003) O do “outro lado” é cada vez mais um desconhecido, estrangeiro (BAUMAN, 2009), logo, um inimigo imprevisto. Assim surge mais insegurança e mais medo do que pode se encontrar lá fora. “Uma sociedade de muros sempre vai precisar forjar monstros do lado de fora para seguir justificando seus privilégios e mantendo-os intactos” (BRUM, 2016). Portanto, se por um lado o muro contemporâneo é uma resposta à procura incessante por segurança e domínio, também pode significar um elemento que gera mais medo e segregação.
OS VERDADEIROS MARGINAIS Esses “os outros” tem classe, ordem, tamanho, gênero e documento. A indiferença e descriminalização afeta grupos sociais específicos (CALDEIRA, 1999). “O capitalismo não inventou ‘o outro’, mas por certo fez uso dele e o promoveu sob formas dotadas de um alto grau de estruturação” (HARVEY, 2003, p101).
“O crime tem seus eufemismos, e nós temos medo de falar que referimos a pretos e pobres” (HARVEY, 1996, p.293) e com a diversidade contemporânea, também nos referimos às mulheres, homossexuais, transexuais, religiosos, estrangeiros ou todos aqueles que fogem dos padrões impostos pelo capitalismo e seu consumo, ou pelas ideias elitizadas, conservadoras, etc. São esses grupos marginalizados que experimentam o muro da repressão, do preconceito e da ignorância, que estereotipam e simplificam sua imagem. Muros que os excluem, os colocam na margem social e espacial, o rejeitam ou até mesmo os prendem, encarceram, desqualificam e os invalidam. Muros mudos, sem canal de comunicação, onde os excluídos não têm voz. [...] a exclusão tende a ser uma via de mão única. É pouco provável que se reconstruam as pontes quei-
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madas no passado. E são justamente a irrevogabilidade desse “despejo” e as escassas possibilidades de recorrer contra essa sentença que transformam os excluídos de hoje em “classes perigosas”. (BAUMAN, 2009, p23)
“não são encarados como reeducados, restituídas a comunidade” (BAUMAN, 2009, p24). Os criminosos, por exemplo, prisioneiros fichados que são eternamente enjaulados tanto simbolicamente como espacialmente, “são definitivamente afastadas para as
Todos aqueles considerados diferentes aos padrões, são murados e, consequentemente, se muram. Os marginalizados são considerados “parasitas intrusos”(BAUMAN, 2005, p55) e o pior, encaram a si mesmo desse modo, consideram-se errados e poucos tem
Img 8 acima | muro na Cisjordânia, Israel. Divide os palestinos dos judeus. Img 9 direita | muro divide favela de conjunto residencial, São Paulo, 1992.
Img 5, 6 e 7 | muro na fronteira entre Estados Unidos e México barra os imigrantes ilegais no território americano.
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Uma vez excluídos, sempre excluídos. “As pessoas marginalizadas estão em uma situação em que é impossível ganhar” (BAUMAN, 2005, p55): suas condições sociais são indefinidas, redundantes ao ponto de vista da produção material e intelectual. Excluídos
Img 10 | muro em Santa Fé, México.
Img 11 muro em Lima, Peru.
margens, [...] e mantidos a distância da comunidade respeitosa das leis” (BAUMAN, 2009, p24); as mulheres que são ensinadas a serem muradas em suas casas; os homossexuais que são oprimidos, julgados e ensinados a não “sair para fora do” muro.
consciência do seus direitos e liberdades diante da sociedade e seu espaço, são pocos que tem a coragem de quebrar o muro...
Tapar os ouvidos com cera ou chumbo derretido. .......Construir uma fortaleza de aço blindado em volta de si. .......O próprio corpo produzir uma resina que feche os poros, .......Como o própolis faz nas fendas dos favos de mel.
A vida bandida é sem futuro. Sua cara fica branca desse lado do muro.
Waly Salomão
Diário de um detento - Racionais
Imagem 12| Complexo Carandiru. muro carcerário que afasta definitivamente aquele que entra dentro dele.
NÃO ENTRARÃO JAMAIS
MUROS DE MORTE separa pessoas
MUROS DE PODER
NÃO SAIRÃO JAMAIS
domina território
MUROS MARGINAIS exclui os outros
MUROS PRISIONEIROS aprisiona indesejáveis
MUROS POLÍTICOS divide ideias
Imagem 13 | Muro de Brasília, 2016, divide os pró e contra ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Não adianta querer, tem que ser, tem que pá, O mundo é diferente da ponte pra cá! Não adianta querer ser, tem que ter para trocar, O mundo é diferente da ponte pra cá! Da ponte pra cá - Racionais
“Os outros”, os “estranhos”tem nome e grupo específico. Selecionamos com nossos preconceitos e julgamentos quem deve ou não ter seus direitos garantidos.
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A VIDA
Quais são as desvantagens da identidade e, inversamente, quais as vantagens da vacuidade? E se esta homogenização aparentemente acidental - e geralmente deplorada - fosse um processo intensional, um movimento consciente de distanciamento da diferença e aproximação da semelhança? KOOLHAAS, 2010, p31.
MURADA III. E como é a vida na cidade murada? Paredes duras, fronteiras de ideias que barram os indivíduos por toda a parte mas também os unem. O muro sempre vê dois lados e se contradiz: defende os isolados, mas encara a cidade vazia.
O muro é a dualidade, o paradoxo. É físico mas é simbólico, é necessário mas também é barreira, é bom e ruim, é neutro mas também é opressor. Quanto mais o conhece mais se desconhece: representa identidade, união mas também exclusão, imprecisão e confusão. Os muros são feitos para dividir, mas acabam unificando em seu interior. “Quanto mais poderosa for a identidade, mais nos aprisiona” (KOOLHAAS, 2010, p32).
EM CIMA DO MURO
Como bem sabemos, as cercas têm dois lados. Dividem um espaço antes uniforme em “dentro” e “fora”, mas o que é “dentro” para quem está de um lado da cerca é “fora” para quem está do outro. Os moradores dos condomínios mantem-se fora da desconcertante, perturbadora e vagamente ameaçadora – por ser turbulenta e confusa – vida urbana, para se colocarem “dentro” de um oásis de tranquilidade e segurança. Contudo, justamente por isso, mantêm todos os demais fora dos lugares decentes e seguros, e estão absolutamente decididos a conservar e defender com unhas e dentes esse padrão; tratam de manter os outros nas mesmas ruas desoladas que pretendem deixar do lado de fora, sem ligar para o preço que isso tem. (BAUMAN, 2009, p39)
R E U N E
MURO
HOMEM
D I V I D E
Uma coisa é certa, os muros definem o nosso comportamento como indivíduos, nos tornamos indivíduos ainda mais murados, porém, mais unidos a uma identidade protegida dentro deles. No relacionamento entre o homem e a dimensão cultural, o homem e seu ambiente participam na moldagem um do outro. O homem está agora na posição de realmente criar o mundo total em que vive, a que os etólogos se referem como seu biótipo. Ao criar esse mundo, ele está de fato determinado que tipo de organismo virá a ser. (HALL, 2005, p5)
E N T R E M U R O
DE
DENTRO
As coaclas, segundo Hall (2005), ou os guetos, na visão de Bauman (2005), geram duas principais resultantes: a identidade dentro dos muros e o medo do que pode se encontrar fora deles. A tendência a retirar-se dos espaços públicos para refugiar-se em
Há dois tipos de isolamento urbano, aqueles que são voluntários (BAUMAN, 2005), buscam por segurança e são vítimas do marketing capitalista, ou os involuntários, os que são excluídos e marginalizados sem opção. Seja qual for a motivação, os excluídos evitam o que está de fora e valorizam o que está de dentro, aqueles que vivem dentro deles se auto sustentam, são muros que criam cidades isoladas.
presos ao espaço e tempo. Eles organizam o espaço tentando dominar a insegurança e as diferenças da cidade contemporânea (HARVEY, 2003), buscam “pelo paraíso perdido (e jamais achado)” (BRUM, 2016), onde os outros, grupos específicos e descriminalizados são ameaças e devem ser afastados. O capitalismo, claro, vende esse muro
O processo de espetacularização parece estar diretamente “É outra realidade, última oportunidade Vem correndo!” * “Esqueça o mundo lá fora
relacionado a uma diminuição tanto da participação cidadã quanto da própria experiência corporal das cidades enquanto prática cotidiana, estética ou artística no mundo contemporâneo. (JACQUES, 2008)
e fuja para cá!”
A venda da segurança dentro das coaclas. O muro é um produto do mercado, uma arquitetura que garante vida longa e feliz.
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ilhas de “uniformidade” acaba se transformando no maior obstáculo para viver com a diferença, e, desse modo, enfraquece os diálogos e os pactos. Com o passar do tempo, a exposição à diferença transformase em fator decisivo para uma convivência feliz, fazendo secar as raízes urbanas do medo. (BAUMAN, 2009, p71)
ESPECULAÇÃO MURALHA Os guetos voluntários, segundo Bauman, são o “resultado da vontade de defender a própria segurança procurando somente a companhia de semelhantes e afastando os estrangeiros” (BAUMAN, 2005, p85). São muros que defendem e isolam os globais, tampouco preocupado com os problemas locais mas que estão
do medo e do preconceito. A construção da cidade está nas mãos da elite construtora, individualistas, murados, arquitetos ou o mercado imobiliário que “estão sempre levantando e derrubando coisas”*. Para eles, o muro é visto como uma uma estratégia de marketing, o colocam em propagan*Trechos do do curta Em Exposição | Jaime Lauriano
das ilusórias como a “arquitetura da segurança”, o muro que “limpa o bairro”, o muro da “vida feliz” (KENDZIOR, 2014). O mercado cria um significado para o muro da exclusão e o torna natural. Logo, o muro gentrifica o espaço, joga a “sujeira” que havia ali para um novo local e constroi a imagem de um lugar perfeito a se morar (KENDZIOR, 2014). Os especuladores escolhem normalmente áreas carentes, uma terra sem “glamour” e converte como objeto de renovação urbana, cheia de significado e ilusão, promessas de lberdade e segurança e prazer na vida contemporânea. “Renovam os escombros” através da remoção dos seus residentes originais, e não assumem a responsabilidade do seu descolamento (KENDZIOR, 2014). Demolem o sentido do lugar, o seu genius loci e a sua memória e constroem muros com significados supérfluos, enganoso, utópico, verdadeiros espetáculos contemporâneos. “Parece óbvio que os folhetos dos agentes imobiliários e os hábitos dos moradores ressaltem antes a primeira palavra - ‘murada’ - e não a segunda ‘comunidade’.” (BAUMAN, 2009, p62). Não se importam com as pessoas que ali moravam nem tampouco com as que irão morar. Essas são vetadas, divididas, segregadas, incomunicáveis. Excluem-se no interior da
muralha, “pequenas fortalezas no interior” (BAUMAN, 2009, p43). Condomínios fechados onde não necessariamente o indivíduo se identifica com o território, o genius loci, mas que é capaz de, pelo menos, viver uma vida segura e em paz, principalmente durante a noite, quando sua confiança é depositada inteiramente nos muros medrosos e vigilantes. Quanto mais nos separamos de nossas vizinhanças imediatas, mais confiança depositamos na vigilância do ambiente. [...] Existem, em muitas áreas urbanas, um pouco no mundo todo, casas construídas para proteger seus habitantes, e não para integrá-los nas comunidades ás quais pertencem. (BAUMAN, 2009, p25)
Esses grupos já não conhecem mais a cidade fora dos muros, evitam a rua e os desconhecidos nela, “a cidade é uma paisagem do outro lado do vidro, uma paisagem que ela espia mas não toca. O fora, o lado exterior, é uma ameaça” (BRUM, 2016). Migram com o carro |murado| de condomínio para condomínio, instituições, lazeres enclausurados. Os muros constroem uma cidade, as piscinas, os clubes, os playgrounds, os restaurantes, lojas e cinemas, torna-se a nova realidade pública e mascaram o que há de fora deles. De vez em quando as muralhas se abrem para visitas, em períodos determinados, abrem a “porta lateral ou dos fundos para desempenhar ser-
viços e manter a ilusão da paisagem intacta (grama aparada, árvores podadas, ruas e casas limpas etc)” (BRUM, 2016). Assim, a especulação cria uma cidade paralela dentro de seus muros, com infinitas opções de laser, a falsa ilusão de segurança e liberdade. São, na realidade, muros que aprisionam aqueles em seu interior e abandonam e carecem o espaço público, evitando cada vez mais que o homem (murado) deixe de participar da esfera pública, social e urbana e, portanto, realizar seus direitos como cidadão. Mas “o muro mais difícil de derrubar é aquele que protege o privilégio de não precisar pensar nos privilégios” (BRUM, 2016). Muros de ideias e preconceitos, disfarçados de argumentos que se isolam voluntariamente para descriminar e oprimir todos aqueles considerados diferentes, estranhos, vírus dos valores culturais e morais. Os religiosos contra a transexual, o muro dos ateus com os religiosos, o muro de direita e esquerda, bom e ruim, branco preto, cada um desses grupos “defendem seus muros, se isolam, tornando-os propriedades do seu condomínio” (BRUM, 2016), unificando e marcando sua identidade, ordem e território no meio social. 52
MUROS INVOLUNTÁRIOS São pessoas que foram removidas de seu território identidade, vítimas do espetáculo contemporâneo. Grupos que viviam em lugares sem cercas, com uma memória e identidade, conheciam a todos e valorizavam o seu espaço, mas os muros eventualmente cresceram, e eles foram remo-
As preocupações daqueles que lá vivem são locais, mas não necessariamente de identificam com o território, uma vez que foram forçados a se mudar para lá. Mesmo assim, a identidade da comunidade nos guetos involuntários é mais forte que nos guetos voluntários. Mesmo com as desavenças e lutas internas, os guetos murados compartilham um único e podero-
Há, porém, vários indícios que a comunidade marginalizada tenta quebrar os muros que o cercam, usam a arte para se apropriar de espaços e evidenciar a descriminação. Alguns moradores do gueto tentam ser ouvidos usando os próprios muros que excluem para criar voz, picham, pintam, escrevem, assinam seu nome, deixam sua marca na cidade que os
como quebrar os muros
?
Imagem 1 | Cidade murada de Kowloon, Hong Kong, 1993 Imagem 2 | Favela do Morro da Dona Marta, Rio de Janeiro
Img 3 | Programa Minha Casa Minha Vida, interior de São Paulo.
Img 4 | Cape Town, Africa.
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vidos, relocados, ou esquecidos para zonas afastadas, onde o Estado é ausente. Crescem os bairros isolados e vulneráveis, murados por não terem opção. Não tem voz alguma, ninguém os ouve, estão tão distantes da metrópole que criam sua própria cidade interna, se auto sustentam, tudo acontece lá dentro.
Queda do muro de Berlim | rap, funk, música | grafite, pichação | parada gay | marcha para Jesus | rolezinhos nos shoppings...
so sentimento: a marginalização. São considerados o problema da sociedade, o furo no muro, e acreditam assim ser. Sentem-se tão afastados pela descriminalização e distância da metrópole que desenvolvem uma personalidade marginal em comum (ARAVECCHIA; CASTRO, 2016).
esquece. Outros exaltam a voz, usam a música, a roupa, se unem e martelam contra o muro dos preconceitos. Em geral, a arte e a cultura são ferramentas que tentam quebrar os próprios muros culturais, preconceituosos e físicos, e requer força e luta diária para quebrar cada tijolo.
DE Enquanto as cidades dentro dos muros contemporâneos são projetadas e experimentadas, a cidade de todos está morrendo. O muro encara todo dia um espaço público doente. A cidade fora dos muros é vista como a selva heterogênea, o caos violento de medo e tensão (HARVEY, 1996), pluralidade sem controle algum e, por não ter controle, é uma ameaça ao domínio e à ordem humana. No relacionamento entre o homem e a dimensão cultural, o homem e seu ambiente participam na moldagem um do outro. O homem está agora na posição de realmente criar o mundo total em que vive, a que os etólogos se referem como seu biótipo. Ao criar esse mundo, ele está de fato determinado que tipo de organismo virá a ser. (HALL, 2006, p5)
Segundo Hall (2005), a identidade humana pressupõe a identidade do lugar. Espaços mais murados resultam em homens mais murados. O homem esquece que é na cidade que ele se identifica, “é na cidade que o homem comum se reconhece. A cidade é sua história, sua testemunha, sua referência cotidiana” (KEHL, 2016), é onde o homem encontra seu genius loci e compartilha com os seus semelhan-
tes. Assim, muro é a máscara hostil que vestimos para não enxergamos os outros, a diversidade da cidade, uma vez que aquele do lado de fora é visto como adversário (BAUMAN, 2009). A pluralidade, a vida coletiva cotidiana, toda sua história e memória deixam de ser um importante vínculo social do homem em sua esfera pública por conta do medo e descriminação do mundo contemporâneo. Ou seja, o muro nega e limita toda a diversidade humana e não reconhece a identidade no outro, o genius loci e a dimensão oculta do espaço compartilhado por todos. A cidade deixa de ser um espaço de encontro e democrático e perde seu sentido primordial: de auto realização do homem. A cidade, espaço que deveria ser aberto e acessível a todos, com diversidade de usos, densidade e uso contínuo, torna-se um espaço vazio, inseguro, sem vida pública urbana, abandonado, inacessível e segregado. O homem não mais ali se identifica, evita seus semelhantes e se isola a procura de segurança e identidade. Os espaços públicos das cidades modernas promovem interações entre pessoas que são forçadas a confrontar seus anonimatos e os dos outros com base na cidadania e assim a reconhecer e respeitar os diretos iguais do outro. (CALDEI-
RA, 1999, p307)
Quanto mais o homem evita o “outro”, mais desconhecido e temido este se torna e mais difícil será entender e respeitar seus direitos. Logo, o muro interfere na democracia e no direito de cidadão em usufruir, reconhecer e se apropriar do espaço público pertencente a todos. O problema, porém, é que, com a insegurança, estão destinadas a desaparecer das ruas da cidade a espontaneidade, a flexibilidade, a capacidade de surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos os atrativos da vida urbana. A alternativa à insegurança não é a beatitude da tranquilidade, mas a maldição do tédio. (BAUMAN, 2009, p68)
Os muros não são apenas divisores hostis mas também espetáculos da vida contemporânea, tornam-se tediosos, afetam a circulação, a liberdade do andarilho e acabam com os atrativos da cidade. A construção do espaço é estritamente vinculada com a existência humana. Deve ser fonte de segurança e identidade para os indivíduos (HARVEY, 2003) como também “reforça a realidade e identidade pessoal” (PALLASMA, 2011, p11). Para Pallasma (2011), a arquitetura e o espaço são vivenciados, fornecendo as bases para percepção, experimentação e compreensão do mundo, ou
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seja, o muro não é apenas um elemento arquitetônico mas também é metafísico e existencial, uma vez que ativa todos os sentidos do corpo humano, inclusive sua memória, fortalecendo sua identidade. Toda experiência comovente com a arquitetura é multissensorial; as características de espaço, matéria e escala são medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz,
homem (HARVEY, 1996). Koolhaas (2010) diria que todo produto contemporâneo estraga a identidade, o histórico e o contexto real e cria o genérico, o espaço-lixo. O espaço lixo é o produto da modernização, todo excesso de construções sem identidade, “Construímos mais do que todas as gerações anteriores juntas, mas de certo modo não nos registramos nas mesmas escalas” (KOOLHAAS, 2010,
Da esquerda para a direita: Imagem 1 | Running Fence | Christo e Jeanne Claude | Muros infinitos Imagem 2 | Tilted Arc | Richard Serra | Muro barreira Imagem 3 | Exodus | Rem Koolhaas | Muro em eterna renovação.
pele, lingua, esqueleto e músculos. A arquitetura reforça a experiência existencial, nossa sensação de pertencer ao mundo, e essa é essencialmente uma experiência de reforço da identidade pessoal. (PALLASMA, 2011, p39)
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Em contraponto, a contemporaneidade não visa mais a experiência humana e existencial e histórica em suas construções e sim o acúmulo de capital e o domínio e poder do
estato social. para o espetáculo contemporâneo. Muros tão fixos mas tão multáveis e disseminados que confundem cada vez mais o espaço e o homem e matam sua identidade e valor, “Quanto mais indeterminada é a cidade, mais específico é o seu espaço-lixo;" (KOOLHAAS, 2010, p96). Os espetáculos murados se multiplicam sem razão, formam um “emara-
Da esquerda para a direita: Imagem 4 | Daniel Senise | Barreiras caóticas e amontoadas Imagem 5 | Cenário de Gordon Craig | Muros que escondem e encurralam Imagem 6 | cena do filme O Iluminado | Cidade labirinto
p70). O muro é produzido em massa e domina toda a cidade. Assim como em Exodus (1997), onde é traçado uma barreira no meio da cidade de Londres, em São Paulo também vivemos essa realidade. Todos os dias nos deparamos com muros, se reinventando com diferentes formas e materiais um mais original que o outro, onde os vizinhos comparam seus muros como um
nhado de confusão”, “mosaico ininterrupto do permanentemente desconexo” (KOOLHAAS, 2010, p72). É como um labirinto, nos perdemos no meio de tantos muros, “[...] faz-nos não ter certeza do lugar onde estamos, oculta para onde vamos e anula o lugar onde estávamos.” (KOOLHAAS, 2010, p90). Tão confuso que não se pode perceber e, portanto, não se pode recordar, é um espaço sem memória, sem identidade. Não só a quantidade de muros,
mas também suas diferentes características reforçam o caos na cidade murada. A cidade enclausurada é confusa e indeterminada, não tem memória, não tem identidade, não tem forma, perde seu sentido existencial e metafísico e, assim, priva as sensações do andarilho e enjaula sua liberdade (HALL, 2005). A cidade, antes espaço de se perder, onde “o homem comum pode se entregar ao fluxo dos dias, desapegando de si” (KEHL, 2016), agora impõe seus obstáculos contemporâneos, barreiras visíveis e ocultas, andar como o errante agora torna-se quase impossível. A redução da ação urbana, ou seja, o empobrecimento da experiência urbana pelo espetáculo leva a uma perda da corporeidade, os espaços urbanos se tornam simples cenários, sem corpo, espaços desencarnados. Os novos espaços públicos contemporâneos, cada vez mais privatizados ou não apropriados, nos levam a repensar as relações entre urbanismo e corpo, entre o corpo urbano e o corpo do cidadão. (JACQUES, 2008)
O espaço público deixa de ser cinestésico, não ativa mais a memória e identidade do indivíduo e, o corpo que a experimenta, é apenas uma casca (HALL, 2005), não sente, é oco.
O homem desaparece no meio dos espetáculos murados, não interage, suas relações e comportamentos se enclausuram como o espaço e ele perde o seu direito de liberdade de andar sem rumo, mas também o direito de liberdade na cidade, um bem comum urbano (HARVEY, 2003). Nesse caso, a liberdade não é só ter acesso aos recursos urbanos mas também mudar a nós mesmos, a maneira que experimentamos e vivemos o corpo no espaço, a liberdade de refazer a nós mesmos e nossos direitos humanos em esfera pública. Os muros barram essa liberdade, o indivíduo sente não mais pertencer aquele território, não ter o direito de usá-lo da forma que gostaria, não tem o espaço como seu e torna-se insatisfeito com ele. Os espetáculos o iludem e não vive, experimenta e cuida da cidade como ela devia ser, uma parte de sua identidade. Logo, a rua morre, torna-se cada vez mais murada de fronteiras físicas e ocultas entre uns e outros. Os muros que foram levantados vendidos e projetados para sanar o medo da morte, agora matam a cidade democrática, a memória e identidade de cada indivíduo e geram ainda mais medo e insegurança em uma cidade vazia. O muro de Sartre, em O muro (2015), também pode representar a morte metafórica de nossas cidades. O muro
da guerra representava o confinamento e o encarceramento dos prisioneiros condenamos a sentença de morte. Ele era parede fria e dura, como os fascistas, como a guerra e, principalmente, como a morte. Era aonde os sentenciados eram fuzilados e morriam. Porém o muro de Sartre também representa a morte da identidade humana e do seu território. Diante do muro, ou seja, diante da morte, o personagem, Pablo, se dá conta da banalidade da vida. Percebe que a vida não tem mais sentido e valor, a morte é a única certeza e a encara, não vê razão em sua existência e sua identidade. Nesse momento, tive a impressão de que teria toda a vida pela frente, e pensei: “É uma grande mentira.” (SARTRE, 2015, p20)
Assim como Pablo de Sartre ou o rato de Kafka, o andarilho que anda ao lado do muro se depara com sua morte: a morte ao sair do muro, onde enfrenta a cidade selvagem e arrisca a morte física; ou ao se isolar, construindo mais muros opressores e supérfluos e matando a sua própria identidade e a do território. O homem é encurralado entre sua própria obra, e percebe que o muro é maior que ele, a criatura se transformou em criador, cria sua própria ratoeira, está confinado, sem identidade, sem valor. 56
MU RO S
RU MO S IV. Esse capítulo descreve a metodologia dessa pesquisa, baseada em um processo etnográfico, e as produções deste, com objetivo de reconhecer e repensar os muros da cidade de São Paulo.
MUROS SER
PROCESSO MURADO um método Para o andarilho o muro não é apenas uma parede dura de concreto, um limite do território ou uma proteção, é o seu companheiro na cidade, é ele mesmo. Os muros fazem parte da cidade selvagem, não tem por que, não tem identidade, são fragmentos remendados. Eles lidam com os indivíduos, também selvagens, errantes que perambulam sem rumo, experimentam a cidade e seus muros e os incorpora. Assim, o muro e o andarilho se identificam, tornam-se um só único elemento, o selvagem é parte da paisagem: o muro é o andarilho sem rumo, e o andarilho é o muro estático. Logo, a própria experiência urbana é a experiência corporal da cidade (JACQUES, 2008), o muro revela-se uma arquitetura multissensorial (PALLASMA, 2011). Entender e conhecer os muros da cidade é, consequentemente, entender o seu significado inconsciente por meio dos múltiplos sentidos do corpo daquele que experimenta livremente a cidade enclausurada. (PALLASMA, 2011, p63). Partindo dessa condicionante, torneime o errante na cidade murada afim de reconhecer os muros. Eles deixaram de ser um simples cenário urbano e foram incorporados em mim e minhas percepções; foram identificados: eu vivi como o muro vive, em sua
dimensão oculta e simbólica, física e estrutural. Foi preciso “quebrar o meu próprio muro”, defrontar-me com o diferente, o outro, afastar-me do meu território conhecido e de minha bolha invisível, para experimentar os muros afora, entender seu cotidiano e compreendê-los melhor.
EU SOU
SOBRE MUROS
Tomar uma distância daqui que constitui o seu “eu” é o primeiro passo. Não nos damos conta ainda de como este momento é fundador, pois é nesse distanciamento de si que se criará a relação com aqueles que são ainda desconhecidos e se tornarão suficientemente próximos, um dia, para que um conhecimento nasça desse encontro. (AGIER, 2015, p19)
Foi com o olhar de um estrangeiro (AGIER,2015), me perdendo e me reencontrando, que me aproximei dos muros, e os compreendi a partir da convivência com o seu cotidiano, seus costumes e relações pessoais. Estudar os muros foi entender as pessoas que com ele se relacionam e como se relacionam, foi descobrir novas percepções e pontos de vista: experimentar
experimentar o muro como o andarilho, perceber e ver a cidade como o muro vê, metamorfosear o muro como pessoas. Os muros de São Paulo são o principal objeto de estudo, e o meu corpo uma ferramenta de trabalho. Para entender esta pesquisa, portanto, é preciso entender essa nova forma de estudar o espaço, baseada na experimentação e incorporação do campo e seu cotidiano. O campo traduz-se como o encontro das redes de acontecimentos, relações pessoais, costumes, ações e a passagem do tempo. É o campo que dá as respostas e guia esse projeto de pesquisa, ou seja, é a partir da minha vivência e experiência com os muros e suas relações no cotidiano que eu os compreendi em seus diversos sentidos e pensei em suas possibilidades. A este processo, chamemos de processo etnográfico, quando o espaço e sua vivência oferecem e guiam o estudo. O processo etnográfico pode ser considerado uma resistência aos métodos urbanísticos e seus tradicionais diagnósticos. Enquanto o etnógrafo perde-se com seu corpo, experimenta o campo e suas relações cotidianas, exprime as referências mais subjetivas e singulares vivenciadas, o urbanista orienta-se, é encadernado, usa referências universais e projeta o espetacularizado e o espetacularizante (JA-
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CQUES, 2008). O etnógrafo está interessado nas práticas, nas relações, nas vivências, nos diferentes pontos de vista; o urbanista interessa-se pelas representações, projeções, planificações e estuda o objeto de cima, pelos mapas e plantas técnicas (AGIER, 2015). O etnógrafo é o desvio da lógica espetacular do urbanismo e, tampouco, deve ser confundido com o antropólogo (AGIER, 2015). O antropólogo estuda a partir de um contexto mais empírico e com interpretações diretas, referências contextuais do seu presente momento vivenciado, ele generaliza. O etnógrafo depende do outro, de viver a vida do dia-a-dia, seus costumes e relações até então desconhecidas. No processo etnográfico é preciso se inserir na realidade estudada, observar mas também participar dela, e descrever sua experimentação, muito mais subjetiva.
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Assim, perambular pela cidade de São Paulo e seus bairros murados, registrar os muros e conviver com eles são partes importantes, se não primordiais, neste trabalho de pesquisa. O meu viver na cidade tornou-se observar e registrar os muros. Além disso, também questionei e ouvi outras pessoas e suas definições e compreensões de muro, na tentativa de entender o “outro” que experimenta e conhece o muro de forma diferente de
mim. Foi a partir deste processo que minha compreensão de muro se ampliou, tanto em suas dimensões físicas quanto simbólicas, entendendo suas diferentes características e consequências ao homem murado. É um processo que se dá por si só incompleto, uma vez que o etnógrafo está sempre experimentando e atualizando seu objeto de estudo. Convido, portanto, o leitor a tornar-se um andarilho contemporâneo pela cidade murada, reconhecer e registrar seus muros de acordo com os guias, as possibilidades e os rumos que aqui apresento para os muros de São Paulo.
PERCEPÇÕES | IMPRESSÕES Ao iniciar minhas perambulações pela cidade cheguei a uma conclusão primordial: os muros em São Paulo eram infinitos e incontáveis. Haviam muitos obstáculos que podiam ser considerados muros para o homem murado: o cone, a escada na calçada, o grito alto do vendedor que invade o nosso muro invisível das percepções. Além disso, havia uma variedade imensa dos muros físicos, no seu verdadeiro sentido da palavra: muros altos, baixos, furados, brancos, falhados, tortos, verdes, coloridos... Esses muros se contradiziam a todo momento, ora eram irônicos, companheiros aliados, ora eram incômodos e opressores. Além disso, os muros
revelam seguir uma dinâmica, mudavam a cada momento, junto com a cidade contemporânea. Alguns muros surgem de um dia para o outro, são pintados, duplicados, replicados, remendados, confundidos. Eles também variam de acordo com o dia e hora: no almoço todos querem sentar nele, é um amigo, um apoio moral; alguns o ignoram, não ligam mesmo ou não se dão conta de que o muro está ao seu lado. Mas de noite, o muro é totalmente esquecido, abandonado dorme no breu da cidade enquanto todos depositam a confiança nele para que defenda seus lares. Eles também mudam conforme seus bairros: em zonas de classe alta são mais poderosos e defensores, decorados e vaidosos, barreiras cada vez mais altas e ruas cada vez mais vazias, muralhas que bloqueiam a vida urbana. Em bairros mais humildes os muros são menores, mas as ruas mais cheias e diversas. Assim, um único muro pode ser muitas coisas ao mesmo tempo. Há os muros simbólicos e ocultos, muros de marginalização; muros de pessoas; muros improvisados. Em um determinado momento da minha pesquisa, eu mesma já era um muro: um andarilho lento que limitava o caminho do outro, um muro oculto e minha bolha invisível, registrando muros e reconhecendo-os a todo momento.
RUMOS RUMOS ru.mo sm (gr rhómbos)
3 Caminho. 4 Direção, orientação. 6 Norma de proceder; método. R. de vida: modo de vida; ocupação, ofício, profissão. Cortar no rumo de, Reg (São Paulo): dirigir-se para. Pôr no rumo: colocar na direção que deve seguir; dispor, orientar. Tomar rumo: a) achar rumo; dirigir-se ou navegar para um lugar; b) encontrar emprego ou ocupação; c) endireitar, tomar juízo.
Os muros são personagens na cidade, de diferentes tipos, características e história. Se multiplicam sem fronteiras, apenas as impõem. Não tem rumos, mas os delimita. É o puro paradoxo e contradição das diversidades sociais. O muro é, enfim, um produto do homem murado, ou seja, o homem medroso que quer sobreviver, dominar e demarcar seu espaço. Como resultado, o muro só constrói mais muro e medo, sejam eles ocultos ou invisíveis, as cidades muradas estão vazias, sem pessoas e sem valor. Os homens estão enclausurados e enjaulados, perderam sua liberdade e sua identidade no território, não mais os conhece e não se preocupam com isso, são isolados de indiferença.
reformulação e eficiência das políticas públicas e democráticas que regem nossas cidades, os direitos de cada cidadão, o policiamento e o sistema judiciário e carcerário. Os muros envolvem muitas questões, aliás, demoli-los talvez não seria um rumo tão inteligente. Eles são a fuga de um medo assolado pela produção do espaço e tempo, do homem e suas dimensões sociais, políticas e econômicas. O muro é apenas um produto do homem e suas complexidades. Acabar com eles não acabaria com as diferenças e os conflitos sociais e, portanto, ainda não contribuiria para a identificação do homem em seu território e cidades mais democráticas e “vivas”.
Um dos possíveis rumos do muro seria sua auto destruição. Demolir o muro, construir uma cidade sem fronteiras, talvez, finalmente democrática. Seria necessário muita força e ferramenta, seja por meios culturais e artísticos de uma parte da população, ou por uma
Além disso, depois de estudar seu contexto e reconhecer os muros pela cidade de São Paulo, a única certeza é a sua dualidade. Ao mesmo tempo que eles podem oprimir, aprisionar e reprimir com um caráter violento e drástico o homem e o espaço, ele
também é necessário, afinal, ele demarca a distância crítica para a sobrevivência do homem (HALL, 2005). Os muros físicos no espaço são a exteriorização dos muros ocultos individuais de cada homem. Um mundo sem fronteiras seria um mundo caótico, mais inseguro e selvagem do que o mundo virtual revela ser hoje em dia. Nesse caso, os muros são necessários pois asseguram certa privacidade e organização essencialmente necessários para convívio, sobrevivência e vitalidade corporal e espiritual do homem e seus semelhantes. Assim, para se definir um rumo aos muros a pergunta não é porque os muros são construídos, mas sim porque os muros são construídos do jeito que são? É possível construir muros sem segregar, matar e oprimir o homem, sua identidade e a cidade? Seguindo o dualismo do muro, será que ele não pode ser pensado como elemento que minimize o próprio medo que o constrói? Dessa maneira, o muro pode ser repensado como uma estrutura para uma cidade mais ativa, mais aberta à pluralidade. Que o muro seja menos um limite e mais um ponto de parada, de interação e acolhimento, uma atrativo para o andarilho na cidade. Que se pense em muros sensoriais, que o andarilho interaja e se identifique a partir de suas percepções e memória,
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“é importante que os meios de experimentar, criar e manter lugares significativos não sejam perdidos.” (HALL, 2005, p314). Nesse sentido, o muro torna-se uma arquitetura reativa, um espaço permeável, uma construção diacrónica, onde o objeto não é acabado, está em constante mudança ao longo do tempo conforme os seus usuários. Deve-se pensar em muros que gostem dos homens, de maneira que a comunidade local possa experimentar os muros com suas emoções, fortalecendo a sua identidade, o TRANSPORTAR ISOLAR ESCALAR REPENSAR QUEBRAR CLASSIFICAR DIVIDIR DESAPARECER COLOCAR CONSTRUIR
Esse é o primeiro passo para quebrar muros ocultos, de ideias e preconceitos, diminuir as distâncias de estranhamentos entre uns e outros, criar laços afetivos e “não apenas falar do outro mas sim falar com o outro” (KENDZIOR, 2016). Pensar no muro como estrutura que crie possibilidades de
PINTAR FURAR PENSAR NUMERAR SUBSTITUIR ESQUECER MAPEAR DERRETER SER PENSAR DESGASTAR PROJETAR ACOMPANHAR RACHAR VENDER LEVANTAR MATAR ESPECULAR MUDAR DEFORMAR (DES)NATURALIZAR CATALOGAR MODIFICAR LEMBRAR REFORMAR TRANSFORMAR SENTIR INVENTAR ACABAR SUBIR
genius loci e um significado do espaço, o principal potencial de mudança da arquitetura.
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da cidade. É onde a mixofilia (BAUMAN, 2009) se manifesta, a pluralidade é vista como um atrativo e um benefício para o homem, sua identidade e o espaço coletivo.
Que o muro tome um rumo de maneira a proporcionar mais espaços de permanência na cidade, onde podemos conhecer e ouvir o outro, antes visto como uma ameaça. Assim, os muros tornam-se estruturas que abrigam diferentes usos, mais interações entre os indivíduos e criam experiências criativas desde os pequenos detalhes do cotidiano até a identidade
M U R O S
MÓVEIS INVISIVEIS POBRES RICOS DIAS NOITES NATURAIS LEGAIS CHATOS ALTOS
cebido com outro sentido, provocando estranhamento de maneira a gerar uma reflexão sobre essa barreira, pensando-a de forma a otimizar seus usos para uma maior liberdade e identificação do indivíduo na cidade, logo, de uma cidade mais democrática e justa. Afim de seguir tal rumo, explico aqui três itens que indicam meus caminhos nessa pesquisa. O primeiro é o Setenta |ser| muros, que categoriza e reconhece os muros da cidade como personagens, ajudando em uma melhor
MERCENÁRIOS BAIXOS ANTIGOS ILHAS GRINGOS PROBLEMAS CABINES CALOR PREGUIÇOSOS SOLUÇÕES CAIXAS MORTOS CLÁSSICOS PINTADOS LIXOS TRISTES NOVOS BARULHENTOS ESQUINAS TRATADOS ESTILOSOS HUMANOS CHUVA PÁLIDOS DECORADOS FAMOSOS SOL DOENTES LIMPOS PERDIDOS LABIRINTOS INFLÁVEIS RECUADOS CORPOS CONFUSOS VENDEDORES VAZIOS CHÃOS (DES)NECESSÁRIOS TURISTAS
interação pode ajudar em uma sociedade menos segregada, que um olhe o outro sem discriminação ou suspeita e, consequentemente, diminuia o medo de uma cidade selvagem, identificando-se e, por fim, havendo mais liberdade ao usar e experimentar o espaço público no seu dia-a-dia. Entre tantas as possibilidades, esse é o rumo que o muro segue neste trabalho, onde ao invês de ser demolido, ele é repensado e desnaturalizado, ou seja, tirado do seu estado natural, con-
VIGIAS MEDROSOS COLORIDOS BREGAS TÍMIDOS COMUNS PONTUDOS REDONDOS ANIMAIS FELIZES
compreensão deles durante a minhas andanças por São Paulo. O segundo é o Setenta |ver| muros, onde explico a Murografia, mapas das minhas andanças etnográficas, e os diferentes registros dos muros. Por fim, o Rastros de Rumos, o qual exploro três diferentes possibilidades de repensar a cidade murada e desnaturalizar alguns muros afim de otimilizar a identidade do andarilho e o espaço público.
setenta ser
VENDE-SE
muros
Há, enfim, infinitos muros, sejam ocultos ou simbólicos. É, portanto, preciso ter total compreensão dos muros antes de repênsá-los e tomar seus rumos. Para esse processo de reconhecimento do objeto de estudo, pratiquei as andanças etnográficas e categorizei os muros identificados. Foram levantadas setenta categorias possíveis para os muros de São Paulo, levando em conta suas diversas características, a maneira em que se relacionam com o entorno e até as suas dinâmicas no espaço e no tempo. Assim, um único muro pode ter mais de uma categoria ao mesmo tempo (dia e noite, bairros nobres e bairros escassos, etc). Como os indivíduos na cidade, há diversos muros espalhados no nosso território, e cada um deles tem uma história, uma razão, uma personalidade, um estilo, são diferentes entre si.
70
X
Levando em conta essa humanização dos muros, a sua incorporação com o andarilho contemporâneo na cidade e a minha identificação com eles durante esse processo de pesquisa, os muros são personificados. Ou seja, os muros aqui levantados devem ser vistos como personagens que vivem na cidade.
Quais são seus traços, sua aparência, sua cultura, sua presença, seu caráter? Assim sendo, Setenta (ser) muros: quando o setenta = tentar/se tenta ser muros Os setenta muros tentam ser andarilhos, ou os andarilhos tentam ser muros, se metamorfoseam, não tem rumos, são dinâmicos, são diversos. A coleção Setenta (ser) muros é composta por 70 categorias explicativas e não há ordem de leitura, estão misturadas, assim como os muros na cidade. Cada categoria é representada por um diagrama que irá ajudar não só na sua identificação simbólica como também nos mapas produzidos durante as perambulações (ver Murografia). É importante enfatizar que esse processo é um processo incompleto, pois, como dito, há diversos muros e eles mudam de acordo com a dinâmica urbana, ou seja, a cada perambulação é possível encontrar um novo muro e, assim, uma nova categoria e uma nova atualização do objeto.
setenta ver
muros
REGISTROS Considerando todas as formas de muros e as diferentes sensações incorporadas pelo andarilho, o registro de cada muro não é um processo aleatório. É necessário compreende-lo e catalogá-lo para então registrá-lo da melhor maneira. Ou seja, cada muro, assim como o indivíduo, é único e tem uma maneira de ser representado. Explorei tais representações afim de transpassar as multi sensações que o muro proporciona ao andarilho contemporâneo na cidade. Assim, as formas de registros são variadas e é possível identificar que eles mudam ao longo das minhas perambulações, de maneira que vou descobrindo o muro e a melhor forma de representa-lo conforme eu andava mais ao seu lado. Os registros podem ser encontrados no blog (alinecamargobarros.wix.com/muros) ou entre as páginas dos materiais desta coletânea.
IMAGENS Cada muro tem seu jeito de ser registrado, assim, as fotografias foram exploradas em vários aspectos.
Panorâmicas: muros e a escala do indivíduo
VIDEOS Os vídeos capturaram o barulho do muro, (BARULHENTO, Setenta |ser| muros), como também registram o infinito da cidade murada. Maioria dos vídeos foram feitos no carro, quando se percebe a cidade em alta velocidade, e é possível passar pelos muros que acompanham nosso caminho. Para assisti-los, acesse: alinecamargobarros.wix.com/muros
66 Fotos X movimento.
MAMUSKA - o muro dentro do muro A boneca russa Mamuska já é por si só um ser murado, que se esconde dentro de outro semelhante a si. Uma mamuska maior esconde a outra menor e assim por diante. A ideia de usar a boneca nos registros veio como uma brincadeira com diferentes escalas e o muro, ou seja, a ideia de ocupar e usar o muro de maneiras e proporções variadas.
Nem sempre o registro acontecia durante as perambulações, alguns eram fotografados no carro ou na cobertura de um prédio.
Realssando os muros nas imagens.
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GRAVURAS Com um papel vegetal e um giz vermelho, coletei as diferentes texturas dos muros que considerei mais intrigantes em sua materialidade, forma e superfície.
ESPECULAÇÕES Tirar o muro, mudar o muro, substituir o muro, usar o muro...especulações feitas a partir do registros como forma de repensar diferentes possibilidades no muro.
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M13 M11
M10
MUROGRAFIA
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M4 M3
M2 Mapear é também produzir um discurso 69
(HARVEY, 1996)
M1
Com bases no processo etnográfico, para levantar e compreender melhor os muros determinei a cidade de São Paulo como região de estudo. Procurei perambular principalmente em zonas já mais consolidadas, como o centro tradicional, e também em áreas da zona sul, por uma questão pessoal, lugar onde eu mais convivo, moro e estudo e, principalmente, de onde surgiu grande parte da minha motivação para estudar o tema muros. Os mapas de minhas errâncias surgiram como primeiro produto da minha pesquisa etnográfica, chamei-os aqui de Murografia. Cada mapa tem traçado os caminhos que percorri e os muros relevantes que encontrei, numerados e catalogados. É interessante levar em conta o processo e percepções subjetivas, assim, em cada mapa há um trecho de minhas percepções e impressões durante a minha perambulação em determinada região. São no total treze mapas que lozalizam os muros e sua predominância mas, principalmente, convidam o leitor perder-se pelos muros na cidade e atualizar seus significados no espaço público.
Ras troS VENDE-SE
de
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RU MOS
X
A partir do reconhecimento dos muros da cidade, sua categorização e compreensão, é possível repensar diferentes maneiras de projetar e se utilizar as paredes duras construídas pela cidade e como isso pode mudar a nossa maneira de viver e ver o espaço público. No decorrer desta pesquisa, experimentei três diferentes rumos que o muro poderiam tomar, chamo eles de Rastros de Rumos. O primeiro rastro de rumo chama-se Rastro Experimental; o segundo, Rastro de um Relato; e o terceiro, Rastro Projetual. O primeiro consiste em uma intervenção efemêra em um dos muros próximos ao Centro Universitário Senac Santo Amaro, realizado para o evento OCUPA LAR - Laboratório de Arquitetura Responsável, da Extensão Univeristária ministrada pela professora Marcella Ocke. A experiência levou a construção de uma estrutura parasita ao muro já existente, proporcionando uma outra percepção de sua geometria, materialidade, forma e, principalmente, uso e interação. O segundo rastro consiste na narrativa de uma suposta cidade de muros, a cidade de Muur, onde os muros são a 71
RASTRO EXPERIMENTAL
RASTRO DE UM RELATO
RASTRO PROJETUAL
principal morada dos indivíduos, mudando a maneira na qual vivem, usam o espaço público e privado e se relacionam entre si. Essa narrativa foi um exercício para traduzir as andanças pela cidade e introduzir diferentes maneiras de se viver com os muros. É portanto, uma alegoria da cidade murada e uma experimentação na representação gráfica, que se mantêm também no Rastro Projetual, quase como uma continuação paralela do relato alegórico. Por fim, o Rastro Projetual consiste em experimentações com três diferentes muros reconhecidos e categorizados durante as minhas andanças pela cidade. Os muros escolhidos têm diferentes categorias, localizações e dividem espaços essencialmente distintos. Após reconhecê-los e categoriza-los, eles são repensados e desnaturalizados de maneira a experimentar formas, materiais e implantações variadas, afim de otimizar e estimular apropriações e interações entre os homens murados. Como dito, o Rastro Projetual também pode ser interpretado como uma continuação paralela da alegoria relatada no Rastro de um Relato, cabe ao leitor interpretar e vivenciar a cidade murada.
CONSIDERAÇÕES Por fim, este trabalho de conclusão de curso consiste em uma longa coletânea a respeito dos muros e os limites urbanos reconhecidos, apropriados e experimentados pelo andarilho contemporâneo na cidade. A partir de um método etnográfica, os muros passam a ser tudo aquilo que limita e barra, variando em seus tipos, características e localizações. Passa a ser não apenas a parede física, mas também a distância oculta que rodeia cada indivíduo, bolha invisível que sustenta a convivência e sobrevivência do homem. Porém, andar e categorizar os muros neste trabalho evidenciou ainda mais o impacto que estes causam na vida pública urbana e na interação entre os indivíduos. É um limite que se apresenta como uma imposição, um domí-
nio, uma ordem. A cidade torna-se monôtona, com muros pálidos e opacos. O homem (murado) perde sua identidade na cidade, não mais a sente, não mais a vive. Sem identidade, as ruas tornam-se vazias, mesmo cheias, sem identidade e ainda mais temidas. Assim, o muro mostra sua dualidade: ao mesmo tempo que oprime, reprime e limita, também é necessário para vitalidade humana e organização do espaço. Mostra-se um elemento notável na cidade, afinal, é ele que cria a possibilidade de existência da vida urbana. Porém, até que ponto os muros são salutáveis e propícios para o homem e a vida pública? Quando e por que os muros tornam-se opressores e dominadores para o andarilho e seu espaço?
Desta maneira, assumindo a necessidade do muro e seu impacto no espaço público, este trabalho apresentou uma forma de reconhecer e experimentar os muros e da cidade murada. Resta saber, então, se a cidade e seus habitantes estão preparados e dispostos a repensar e se apropiar dos limites urbanos, de forma a otimizar a vida e a identidade no espaço público. Seriam os indivíduos capazes de assumirem os muros como estruturas “vivas” na cidade? Como seria a vida pública, os costumes e as relações em uma metrópole de muros apropriados e desnaturalizados? Serão os muros capazes de otimizar e sanar o próprio medo que os constrói? Ou, melhor, será que o homem murado está disposto a se expor?
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