«Bateiras» lagunares. Classificação. Quanto a nós a abordagem que nos parecer ser mais correcta será : As «bateiras» produzidas na laguna poderão dividir-se em duas grandes categorias : 1-«Bateiras» da borda ou «bateiras» de mar. 2- «Bateiras» de águas interiores
Assim: 1 – «Bateiras» de Mar. Dentro destas registemos o «chinchorro» ,a «ílhava » e a «esguicha».
1-1-Chinchorro. É uma bateira de bica, como todas as que labutaram na borda do mar. Foi um dos tipos que laborou no interior da Laguna antes (e depois) de ter laborado na borda do mar1. Dentro deste tipo teremos de considerar a bateira usada entre S. Jacinto e Espinho, que teria o comprimento de aproximadamente 11 metros, trabalhando com arte do «chinchorro», e ou da «mugiganga». A bôca teria cerca de 2,50 m, sendo estruturada com 20/21 cavernas. O pontal, aprox.0,7 0,90 m(podendo ter falca).Tratava-se de uma bem lançada bateira, de bica muito erguida, numa pretensa capacidade para abordar a vaga. Foi deste tipo que derivou o actual «chinchorro» ainda visível, hoje, na Torreira, com 8-9 metros2.
«Chinchorro na Praia»
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Por razões que explicámos exaustivamente no livro» Embarcações Que Tiveram Berço na Laguna». Em regra os actuais têm, por razões, de licenciamento 8m,8,80m ou 8,90 m de comprimento.
de comprimento , 2,18 m de boca ,0,64 a 0,70 m de pontal .Com 13 cavernas(os de 8m) e 14 (os de 8,90m), a que voltaremos adiante.
«Chinchorro» de mar O pescador Jacinto Brandão referiu-nos recordar-se dos « barcos» de onze metros na borda (ou mais),mas não sabe quanto, feitos com o mesmo material dos barcos do mar(tabuado e cavernas). Recorda que nesses bateirões apenas a roda de ré era mais elevada por razões de prender o cabo (mão da barca) no arribar da rede.
1-2 – «ílhava» – tal como descrito
p 77a101 do livro «Embarcações Que Tiveram Berço na
Laguna». Nota: sobre esta embarcação já depois da feitura do livro fomos encontrando material, totalmente inédito, que utilizaremos em breve.
1-3 – «esguicha»– Há muito poucas
referências a este tipo de «bateirão». Deverá ter tido
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a sua origem no canal de Mira , e poderá ter sido utilizada quando a barra esteve perto daquele local. É uma bateira de bicas muito curvadas para o interior, com comprimento e boca, idênticos às anteriores. Este «bateirão» foi depois reduzido para dimensões bem menores, dando origem a uma pequena bateira erveira que sobrevive, ainda, nas águas da barrinha de Mira.
«bateira» da Barrinha. 3
Já antes de 1122 navios de comércio entravam na foz do Mondego – «Livro de Testamentos de Santa Cruz».
Esta pequena bateira fusiforme (que poderá ser considerada de interior, de bica) tem as seguintes características actualmente: Comp – 5,80m Boca – 1,40 m Pontal – 0,40 m Número de cavernas -9 (0,05x0,04 m) Dist. entre centros de cavernas -0,50m
Forcados proa e ré, sem castelo.
2- Bateiras interiores
Dividimo-las em três grandes grupos: 2-1 – Caçadeira 2-2 – De Bica 2-2-1 – Chinchorro, 2-2-2 – Labrega, 2-2-3 - Erveiras 2-3 – Outras
DOIS GRANDES TIPOS DE BATEIRAS
2-1 – Caçadeiras Abrange um numero notável de embarcações tipo «bateira»,destinadas para toda uma série muito variada de utilizações. Por isso a sua dimensão variava conforme a utilização. Caçadeira é, assim, todo o tipo de bateira (variando entre os 5 e os 8 m) que não tem bica. A coberta da proa desenvolve-se curvada (com diferentes curvaturas conforme a utilização) e sai para fora terminando em bico saliente, matando a tábua da bica da proa.
«Caçadeiras de pesca» Utilizada inicialmente para o fim que o seu nome indica (caça na ria)4 a curvatura do castelo era menor para dar mais ângulo de visão, muito mais rasteira. Utilizada para a pesca (chincha por exemplo) a curvatura é já bem maior.
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Estamos em crer que este tipo de bateira terá sido a ultima a aparecer na Laguna.
Caçadeira « Chincha) Variando, o seu comprimento pode atingir os 8 metros de comprimento ( e ou mais)5. A boca nas bateiras mais antigas, não excedia o 1,60 m(para 7/8 m de comprimento). A distância entre centros de caverna, em todo o tipo destas bateiras (e restantes)-um princípio característico da construção naval lagunar - é de 0,44/0,45m podendo chegar aos 0,55m6. O pontal variava entre 0,70 e 0,90, com ou sem falca.
Caçadeira de 8 m em reparação
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Encontrámos uma caçadeira, no cais de Pardilhó, com o mesmo comprimento de uma «mercantela».
Esta distância é função da utilização. Se for uma bateira actual, com motor, a distância é a mais curta. Antigamente, só para utilização de remos o normal era 0,50/0,55 m.
Caçadeira (com falca) reparada pelo Mestre Felisberto .
comp. -7m – (11/12) cavernas boca - entre 1,60 (fina )e 1,80m pontal-0,60/0,90 dep.falca A «caçadeira» de menores dimensões(cerca de 5m) era utilizada para uso particular para passeio. Nota: não nos parece correcto usar a terminologia «bateira de passeio»; usadas para…. Isso sim .Era o mesmo que dizer «dóris de passeio»). A caçadeira de 5m de comprimento, tinha pouco mais de 1,0/1,15 m de boca. O seu pontal era de 0,30m. A caçadeira mais antiga que encontrámos em toda a laguna(Sandra Miguel), está na «Bestida» e tem o aspecto como abaixo:
Caçadeira (7/1,70/0,60 m) Hoje a «caçadeira» é, de longe, a bateira mais difundida na Laguna(a «labrega» desapareceu e apenas há meia dúzia de «chinchorros» na zona da torreira)
2-2-1- Chinchorro Versão reduzida do bateirão da borda do mar, atrás referido.
Modelo «chinchorro» Esta bateira é construída actualmente com as seguintes características:
comp. – variável entre 8/8,90 m boca – 2,18 m(variando com o comp) pontal - 0,70 a 0,90 m(falca) nº cavernas – 13/ 14 –8m e 15/17 -9m
«chinchorros» no Douro, no sável ou marmota (início sec.XX).
«chinchorros» actuais na Torreira É uma bateira muito elegante de proa, que hoje recebe pintura pictórica de cores muito vivas que lhe realçam as linhas muito lançadas.
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«chinchorro»
Quando embarca a arte da «chincha» é acompanhada por outra bateira mais pequena («caçadeira» com um tripulante).Na caçadeira fica com o «calão» enquanto é dado o cerco(volta). Se o «chinchorro» leva sete companheiros, estes alam a arte. Se leva seis, o tripulante da caçadeira passa para a embarcação mãe.
2-2-2 - Labrega – Esta bateira que poderia alcançar os 9-9,15 m era muito utilizada no centro lagunar com diversos tipos de artes : chincha, mujeira, e ou chinchorro. Era uma bateira de «bica»8, contudo não tão lançada, alta e esguia, como era o «chinchorro». Para as artes do botirão, salto e solheira, faziam-se bateiras menores de aprox. 8 m e 1,70m boca .
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Notar a diferença de lançamento da proa relativamente às «caçadeiras».
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Sem golfiões.
Última «labrega» da Laguna
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Na Costa Nova poderíamos ainda apreciar um destes exemplares, há poucos anos(final Séc.XX), ainda toda embreada , com o nome de «Preta».
Uma perfeita Labrega (8m ?) De onde lhe veio o nome? Certamente da sua primeira utilização ter estado ligada ao à lavra. Teria nascido para o lado da Murtosa? Com algumas probabilidades, diríamos que sim.
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Percorremos a Laguna e só encontrámos a da fig. acima, e o esqueleto de uma outra.
«labrega» em Peniche. Na Costa Nova, era um tipo de bateira muito utilizada por murtoseiros, que para ali vinham trabalhar com artes sedentárias (salto, solheira etc.), fazendo dela casa e local de reparo de redes. Colocavam, para protecção dos ventos, e chuva uma espécie de anteparo, na antepara do castelo de proa, mais parecendo uma barbatana dorsal de um peixe, e aí se abrigavam. O castelo era o local onde guardavam roupas e utensílios para comerem as frugais refeições (?). comp. - 8m boca - variável entre 1,70 a 1,80 m pontal- variável entre 0,50/0,60m nº cavernas - variável entre 13/14 (a «labrega» da imagem tem 8m de comp.1,70 m de boca, pontal– 0,60m, sendo estruturada com 13 cavernas). 2-2-3 –Erveiras Dentro destras temos:
2-2-3-1 – A «mercantela» 2-2-3-2 – A «bateira erveira de Canelas» 2-2-3-3 – A «patacha»
2-2-3-1 – A «mercantela»
Tratava-se de uma bateira de linhas praticamente decalcadas do «mercantel», de menor deslocamento: comp-13 a 14,40 m boca-2,60 m nº de cavernas 23/24 desloc. – 1.5 ton. Diferia basicamente do «mercantel»,e por isso não deveria ser enquadrada nas barcas, por não ter «bordo» nem «draga» apertadas no extremo do braço da caverna. Na «mercantela» a «draga» é apenas uma «sarreta» como existente nas bateiras (passando por baixo do traste). Assim quando se deslocava à vara, tinha duas tábuas, que montavam interiormente chamada «tábuas das tostes de correr», permitindo à tripulação caminhar ao longo da borda, empurrando a vara. Carregava 1,5 ton. e movia-se à vela envergando uma vela quadrangular(do tipo do mercantel) com 15 a 20 m2.
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Bateira «mercantela» na Malhada (dealbar Séc.XX).
Era muito utilizada para transporte de peixe e especialmente, escasso. E também nas ervagens. Sobre esta bateira recolhi o depoimento que chegou a ser utilizada na boca da barra na apanha de caranguejo, utilizando o sarilho. Já no Séc.XX foram construídas, equipadas com draga e bordo(podendo assim ser designadas por «barcas mercantelas»).
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Notar o lançamento da proa de acordo com os «mercantéis» da época.
Um dos últimos exemplares «mercantela»11 Uma das suas utilizações mais referenciada era na apanha do berbigão (e outros bivalves). Para isso era equipada com um sarilho a vante conforme se pode apreciar no modelo:
Bateira «mercantela» 12-berbigoeira.
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A «mercantela» que se vê, tem dragas e bordo e portanto deve ser considerada «barca». Reparar no pormenor identificador: sem bordo nem draga.
Julgamos necessário clarificar duas informações dadas por D.José de Castro (e depois reproduzidas até à exaustão por vários autores) : a «mercantela» aparelhava com o leme tipo «mercantel», e não do tipo «moliceiro», como D. José mostra13. E mais: não conseguimos encontrar ninguém (construtores e velhos tripulantes) que admitissem a mesma estar equipada com remos. Movia-se à vara ou à vela. 2-2-3-2 – A «bateira erveira» de Canelas
D. José referiu um certa embarcação como sendo a bateira erveira de Canelas. Logo todos copiaram a referência. E até no Museu de Ílhavo lá está a «famigerada» bateira erveira de Canelas. Não, não é nada disso. O que está no Museu é um Matola ( perfeito ).É pois uma «barca». E a verdade é que a primitiva «bateira erveira» de Canelas existiu. Exibo-a na p.124 do Livro «Embarcações Que Tiveram Berço na Laguna». Resultante de uma investigação cuidada, ouvindo o próprio construtor Manuel Pires, filho de um outro construtor, Arnaldo Pires, aquele clarifica o que sempre admitimos: a «bateira erveira» é a mostrada na fig abaixo de que fez muitas. Eram mais baratas que os «matolas» diz-nos. A embarcação que levaram para o Museu era uma barca, um «Matola», mais exactamente, como nos refere, confirmando o que já sabíamos. E explica o mestre que chegou a avisar do erro, mas (disse) ….tinham lido em qualquer parte. Ora é profundamente estranho, para não dizer outra coisa, que sendo o «matola» uma embarcação do Canal de Mira e do Canal do Boco, estes sim ligados às gentes de Ílhavo, a barca exposta no Museu esteja com o nome incorrecto (levando a confundir «bateira erveira de Canelas» com o «matola». Erro que urge corrigir a nosso ver, pois compete-nos guardar correctamente o nosso património, próximo. Adiante…
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Laranjeira,Lamy em «A Ria de Aveiro –Barcos e Artes de Pesca» reproduz D.João,e induz o leitor no que para nós é evidente lapso.
O «matola» do MMI
«matola» construído em Canelas
Pormenor do castelo embreado e coberto
Matola (Setembro 2011)
Visitamos no Seixo de Mira, o Mestre Gadelha, e confirmámos: o «matola» de Canelas é igual aos que faz. As suas características são Matola de 9,30m comp. – 9,30m boca-2,00 m pontal – 0,60m cavernas - 14 + 1º e 2ºgolfião de ré –(0,12x0,06)
deslocação -1,5 ton. draga - 0,10x0.06 bordo - 0,12x0,055 tem entremesa e cagarete leme tipo Moliceiro com «chança» o varão da escota(quando o tem ) é fixado na 1ª
caverna.
Totalmente embreado . Mas fizeram-se «matolas maiores, em Mira,diz-nos o mestre Gadelha: Matola 13 m comp. –13m boca -2,60m nº cavernas –16/17 A construção deste tipo de barca foi trazida do Seixo de Mira. O Pai Arnaldo trabalhou com os mestres Rato e Garrido (Salreu). As únicas diferenças que encontrámos entre o Matola de Canelas e o do Seixo é que o Matola de Canelas tem o primeiro golfião de ré saliente do bordo. E ainda o facto de estas embarcações serem cobertas no castelo e na parte superior do bordo e draga, por casca de arroz espalhada sobre o breu. E ainda decorada na bica de proa(talvez esta um pouco mais elegante, jeito de mestre que aprendeu nas estaleiros de construtores de moliceiros do norte da laguna) por círculos cheios da mesma casca. Entretanto, com o Mestre Pires, confirmámos a verdadeira «bateira erveira» de Canelas, cujo modelo reproduzimos na imagem abaixo14.
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Não deixa de ser estranho que também nesta bateira(?)erveira, seja rematada por draga e bordo.
A verdadeira «bateira erveira» de Canelas De menor capacidade (cerca 1 Ton. de deslocamento), é mais barata, tendo as seguintes características comp – variável entre 9,30m e 10,15 m boca – 1,90 m nº cavernas –12/14
2-3 Outras É perfeitamente entendível que todas as bateiras, poderiam, numa ou outra ocasião, ser utilizadas para apanha e transporte de ervagens, como nos sugere a foto abaixo («caçadeira»).
«caçadeira» nas ervagens Contudo houve tipos de embarcações específicas para tal utilização:
2--3-1 – A Chata ou Patacha. Embarcação muito simples, rudimentar, provavelmente das primeiras a atravessar os rios, muito antes da formação da laguna. De extremidades aguçadas, fusiforme, com uma bancada a meio que fixava a curvatura da tábua do costado, era movida exclusivamente à vara. Servia especificamente para travessia de rios ou na pateira. A sua utilização desceu até Canelas, Salreu e arredores.
As suas características são muito variáveis, mas podemos referir como tamanho mais utilizado, o seguinte: comp. 4,40 m(muito variável) pontal -0,30m (
‘’
boca – 1,40 m (
‘’
) )
cavernas15 – 9 a 11. deslocação – cerca de 400 Kg.
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Poderiam não ter braços, sendo apenas aplicadas no fundo como reforço.
2-3-2 – A«ladra»
Trata-se de uma pequena bateira semelhante ao tipo esguicha, de bicas dobradas para o interior, proa e ré similares, sem castelo de proa, movendo-se exclusivamente à vara, tendo todo o exterior embreado. Era executada em madeira muito fina e leve, o que lhe permitia uma excelente mobilidade. Vinha rebocada pelos moliceiros «matolas». E de noite, silenciosamente, à vara, com ela faziam-se surtidas às terras ribeirinhas. Tinha uma boca excessiva, por isso parecendo muito gorda, comparada com a finura dos bicos da proa e ré. Mestre Pires recorda que, rapazito, veio varias vezes reparar algumas, à Malhada, em Ílhavo. Destinava-se ao transporte de ervagens e animais. Dada a sua côr negra, e ao facto de apenas se mover muito silenciosamente, à vara, era usada para fins furtivos. Daí advém a sua designação. Oriunda do Canal de Mira, chegou a ser utilizada no Canal de Ovar, esporadicamente, ou nos veiros estreitos a recolher ervagens.
Características
comp – 4,25 m boca – 1,25 m pontal – 0,40 m nº de cavernas – 8
«ladra» no MMI
Interior da «ladra» As linhas muito simples e empíricas, rústicas, quase artesanais, parecem querer significar que este tipo de bateira, derivada (?) da «esguicha», é muito provável, ser, também, uma das embarcações pioneiras lagunares.
2-4 – A «bateira marinhoa» Aparece citada por Lamy Laranjeira. Procurámos elucidar-nos, mas certo é que ninguém se recorda ou consegue identificar a referida embarcação.. Ora lendo atentamente José de Castro deparamo-nos com uma foto que classifica como «marinhoa». Vejamos a mesma
: «marinhoa» grav. nº 163 (José de Castro) Lamy Laranjeira esboça mesmo um alçado. A curvatura da roda da popa (ré na gíria) foge totalmente ás linhas lagunares.
Podemos no mínimo dizer: a embarcação de Castro é uma «caçadeira» (7m?).Isso é evidente. A de Lamy é uma embarcação de «bica»(sem castelo?). A haver um tipo de embarcação erveira, designada por «marinhoa», não será difícil concluir que ela terá nascido no que habitualmente se chama a zona das marinhas, entre Estarreja e Murtosa. Terá sido(?)pois, uma bateira local(não um tipo). Preferimos deixar em aberto e esclarecer ainda melhor, tentar encontrar referências.
Isto é pois o que numa visita muita rápida, tipo guião de algo que talvez mereça ser trabalhado, nos apraz de momento referir. Pode assim ser corrigido ou alterado o que fomos repentinamente obrigados a elaborar, produto de uma informação complementar. SF (Out 2011)