Costa nova 200 Anos de História e Tradição

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Costa-Nova-do-Prado 200 Anos de História e Tradição Senos da Fonseca 2009


Senos da Fonseca Graus Académicos - Engenheiro Mecânico (U.P.) - Engenheiro Maquinista Naval. Carreira Profissional - C.P.C. (actual Portucel). - Metalurgia Casal: Director Técnico e Geral. - Alfenor Ltd.: Director Técnico. - Famel: Director Técnico. Ordem Engenheiros Fez parte do C.G da Ordem dos Engenheiros. Actividade Académica Leccionou na F.E.M.U.C. as Cadeiras de: - "Motores Alternativos" e - "Projecto".


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Dedicatória Um dia a Zeca pediu-me umas palavras para os 25 ANOS DO CASCI. Entreguei-lhas na manhã seguinte. Foi apenas adaptar o verbo, colando à Instituição as palavras que andei, sempre, para lhas dizer, mas que nunca disse, pois que entre nós a fraternidade não deixava tempo, nem espaço, para poesias. Deixo-as, hoje, aqui, como razão para oferecer ao CASCI o produto da edição deste Livro, em Homenagem a «Todos» os que a ajudaram (e ajudarem) a concretizar o sonho da sua vida. Nem a ilusão foi capaz de esbater Do nosso espírito, a pobreza dos afectos, E assim disfarçar o final da nossa utopia. Nem o egoísmo do conforto em que vivemos Nos levou a esquecer o drama dos que Lutavam com a vida, tentando, só e apenas, Sobreviver. Nem sequer hesitámos em deitar para trás, A cobardia de negar às almas infelizes, As migalhas com que fomos aliviando a sua dor… Nem lhes negámos a Solidariedade Para, ao menos, ressuscitar horas felizes em que Visionassem outro mundo… Nem nos ausentámos das durezas do mundo, Nem esquecemos a realidade trágica dos que, Nem exigir já sabiam…

S.F


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Avisado fica o leitor, que… O livro que vos deposito em mão não tem a pretensão de ser um álbum de um imaginário inerte (longínquo) que já passou; o livro tenta recuperar o imaginário, mais por palavras do que por imagens, inserindo-o no tempo e dando-lhe vida. Mas é certo que não é, também, exactamente, uma monografia, um registo alinhado de factos de um só «facto». Porque por vezes dei mais importância à história dos factos, que ao facto em si mesmo. Pretendi sublinhar, acima de tudo, que sem a Costa-Nova «nós» não éramos o que somos, ainda que já não sejamos, hoje, nem de perto nem de longe, o que já fomos, tal a perda de identidade consumada, provocada ou circunstancial, intencional ou não, pouco importa, agora e aqui, equacionar. A Costa-Nova, ela também, já não é o que era, fadada hoje para se mostrar mais para a fotografia, do que a alimentar-se da intimidade das suas gentes. Surgiu este livro na sequência – ou como consequência directa – do «Ensaio Monográfico». Ao aprofundar o historial de Ílhavo, apercebi-me da importância que a Costa-Nova terá desempenhado na formação, se assim o desejarem, da identidade do «ílhavo». Foi do seu areal que partiu a horda dos andarilhos sonhadores, calcorreadores infatigáveis da borda do mar, que foram por aí «abaixo», em passo safado, miudinho e bamboleante, na procura de pousio mais suave, menos avaro na espórtula. O sonho – instinto mais desenfreado que sentimento de razão (T.B.) – foi um íman suficientemente poderoso para fazer saltar aquelas gentes para quem os tacanhos limites da paisagem que lhes serviu de berço eram exíguos demais, para os manter aquietados e açamados, a lhes refrear a ânsia de se atirarem ao caminho. Era então ainda cedo para dar corpo a outra aventura. Que tinha a infinidade do mar como meta a descobrir para que se cumprisse o último dos capítulos de um fado que foi o de «saltitarmos» de oceano em oceano, de continente em continente, arrecadadores de culturas, observadores de rituais, universalizando-nos antes de outros quaisquer. O êxodo daquela primeira migração, porém, não empobreceria o recanto que sonhava afirmar-se


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6 como local cosmopolita.

Deixei-os, pois, (só) por uns tempos imbricados na árdua faina fora de portas, para me fixar a tentar perceber como teria sido que, de uma primeira correnteza de casebres que por aqui deixaram ficar, pardieiros toscos e alquebrados, alapados, especados na ondulação da duna que a brisa marítima foi construindo, parecendo perdidos do mundo, nasceria o agregado urbano, urbe pitoresca, sinuosa e caprichosa, que foi crescendo à borda de uma ria azul. Azul, esplendidamente azul, de onde soprava uma frescura que tomava conta do passante, contagiando-o, endrominando-o, convidando-o a fazer parte do cerimonial do louvor à natureza. Não tardei a perceber que teria sido mais por vontade própria que por exclusão (imposta) que se teria processado o acantonamento da classe piscatória numa língua exígua de terreno de ninguém, situada lá para sul, ao endireito das companhas da xávega. Enquanto isso, o norte do aglomerado, era pousio da população sazonal que fora chegando e marcando presença habitual, para folgar e se divertir no regalo do pitoresco, gentes, cultural e socialmente desligadas das outras gentes lá do sul, para quem a Costa-Nova era, tão só, um meio de sobrevivência, passando ao lado do folguedo, embiocadas a fazer de conta que não era com elas, como que aceitando «o nada» irremediável a que pareciam estar condenadas. E, assim, passo a passo, foto a foto, documento a documento, articulado jornalístico a referência livresca, fui descortinando e fixando os momentos em que a Costa-Nova ganhou dimensão, forma e estatuto de local atractivo, pretensiosamente cosmopolita, sem contudo afastar ou desqualificar – bem ao contrário – o deslumbrante banquete que era oferecido ao sensório do forasteiro, que, chegado, ficava absorto na contemplação de uma paisagem envolvente encharcada de luz, pulsante de vida. E que assim ficava rendido a uma ria trespassada pelo sol, polvilhada de velas enfunadas de moliceiros a cirandar, para lá e para cá a catar a ria à procura do húmus acalentador para dar viço e verdura aos campos da orla que na outra banda se debruçavam na laguna. E esta a se polvilhar de prata quando o sol se esconde, enternecido e meigo, lá para as bandas do mar infindo, e a lua vem, ronceiramente, no silêncio da recolha, substituir o astro-rei. Mas o bodo não se limita aos horizontes acanhados da ria. Ali ao lado, a Costa-Nova não se cansa de florear gentilezas. Tempo de a paisagem no mar contra atacar e deixar extasiado o incrédulo e esparvado saltarilho, a olhar o turbulento e arrebatador clímax da xávega: bois surrados com alguma ferocidade estramontada para lhes sacar as últimas forças; vozearia, escalracho desalmado de homens e mulherio carregados de salitre acudindo, aqui e ali, aonde são mais necessários. Mais um puxão para calar a rede ou para ensacar a mão na arrecadação do peixe que reluz no estertor, para o separar do mexoalho, numa azáfama desconforme por entre olheiros espantados a rodear a sacada, e que num repente dão por si envoltos no farfalho da vaga que lhes encharca sapatos, e respinga o cheviote de ver a Deus. Registei o tempo em que a Costa-Nova foi exaltada em fantasia romântica; vertidas em laudas e laudas de louvação, cantadas por uma imensidão de poetas (?!) que ensaiavam o estro a descrever a ria azul, as serranias lá longe, a água, e o céu que pareciam não ter existência real, tela por onde a cada momento passa um pincel molhado em tinta acabada de fazer (Saguncho) . A Costa-Nova assumia um papel preponderante de pousio benfazejo para as maleitas, panaceia para as moléstias provindas das canseiras do trabalho, quando não dos excessos do prazer. Um céu esplendoroso, continuidade de um mar azul infinito onde só o farfalho da onda destoa, tingindo-o de branco vaporoso, a produzir uma atmosfera fresca trazida na maresia salgada que penetra as profundezas humanas, alentando os anémicos, despertando os moles, e sustendo a melancolia dos cismáticos. (…) Tinha por isso matéria mais do que suficiente para, ainda que canhestra e de um modo desqualificado, fixar o retrato ao local, ou talvez e só, reter os tiques das gerações que o foram fazendo crescer, depois da


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debandada. Busquei em todo o lado impressões que me retratassem o essencial da mudança. Dei comigo a catar, ajoviado, notícia de janotas de sapatinho caiado de branco, calça afunilada, bordão encastrado a prata seguidos de mães de família actuosas em preservar dos conspícuos olhares as suas meninas, que, por detrás das sombrinhas do esconde-esconde, iam dardejando gulosas, embebedas de amor, promessas aos seus eleitos. Antevi eclesiásticos patuscos, libertos de peias, asceses ou êxtases, daqueles que regularmente botam «faladura» com o divino, em férias de prática cerimoniosa. Vasilhame argolado por cabeção que mais parecia aduela de pipa a segurar o esparrinhar do conteúdo, vinham nefandos a banhos para cuidar mais dos corpos viciosos, corroídos e puídos de surtidas sentimentais, e do bródio, do que para tratamento da alma. Sempre livres e abertos para aceder aos convites para um escorropicho de um bom Porto, néctar que mais parecia saído das vinhas abençoadas do Senhor! Pareceu-me entre ouvir gaiteiros, batedores de bombo ou tocadores de realejo, numa zanguizarra medonha enquanto a turba se passeava, de cá para lá, em procissão, ao longo do estreito carreiro onde batia a maré, pomposamente qualificado de marginal. Rebobinei, assim, o tempo. Desde o momento que abicado à praia, o Luis «da Bernarda» sentenciou: «e aqui vai ser a costa nova da fartura prometida», até ao dia em que surripiaram a ria, levando-a para longe, escondendo-a do olhar do passante. E então zanguei-me. Agarrei na «trouxa», rumei a norte e auto exclui-me. Aportei a local onde ninguém ousasse roubar-me a ria, aonde pela noitinha lhe posso oferecer, como vim ao mundo, o corpo a sentir a sua frescura. Para nela dissolver a embriaguez da saudade. E saborear em noites cálidas o nascer da lua cheia esparrinhando a serenidade prateada por uma ria onde o silêncio só é ofendido pelo pio de uma gaivina perdida, tresmalhada do bando. E foi aí, no silêncio das horas que são só minhas, que fui registando o sentir de um tempo sem retorno. (…) Daí para a frente (1970) recusei-me a dar mais notícia. A história, essa, acabou. Os clichés coloridos do que resta, registam de um modo redutor, mudo, apenas o que sobrou do passado. Por isso sem direito a História, mas tão só, a rodapé da mesma.

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200 Anos de Memórias da Costa-Nova-do-Prado A lingueta de areias lassas criada pelas correntes, que no mar, neste ponto do litoral, correm de Norte para Sul, foi, durante muitos anos, um pequeno enclave, «quase» se podendo considerar ser, então, terra de ninguém. Mesmo após a abertura da Barra, em 1808, a língua de areia que daqui se estendia até à Vagueira, ficou durante anos, mais exactamente até 1855, administrativamente incluída no Concelho de Ovar. Com a abertura da barra, estava impedida ou pelo menos muito dificultada, a tarefa de fiscalização dos juízes daquele concelho, muito embora, jurisdicionalmente, estivesse determinado que todos os «acontecimentos» por aqui verificados, devessem ser, obrigatoriamente, encaminhados para as autoridades concelhias de Ovar. As condições jurisdicionais, seja no plano civil, na jurisdição própria do aglomerado em formação como extensão do concelho de Ílhavo, seja no aspecto religioso da sua ligação à freguesia de S.Salvador (1856), só a partir daquela altura estiveram próximas de serem exercidas com eficiência, dada a proximidade geográfica aos órgãos que as exerciam. E desse modo, tornando-se compreensíveis aos olhos das populações. Até lá, e anteriormente à abertura da nova barra, a inexistência de vida por esta língua de areia não justificava mais do que o exarado numa placa colocada a norte do regueirão da Vagueira onde se podia ler: - “VAR”, assinalando desse modo o limite do concelho ovarino.

fig.1 - A formação dos cordões Litorais.



1 - DESCOBERTA DA «NOVA PRAIA»


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As Companhas de Ílhavo e de Aveiro trabalhavam à época na costa «velha» de S. Jacinto, ao enfiamento da Capela da Senhora das Areias. A abertura da nova Barra viria dificultar, em muito, a travessia dos pescadores e do restante pessoal das artes, dadas as fortes correntes de água que se fizeram sentir logo após a sua abertura, aquando da travessia do Forte Novo para a outra banda. Com a necessidade de o acesso ao local de pesca ser feito, por vezes, de madrugada  1, antecedendo o nascer do sol, a travessia rodeava-se de extrema perigosidade, muito especialmente se à correnteza das águas se viesse juntar a força do vento, condição muito habitual nesta zona, em determinados períodos do ano. Luís dos Santos Barreto  2 e seu irmão, José, procuraram então novas zonas de pesca. Enquanto o segundo rumou para sul, até à Costa de Lavos, o Luís varou ali bem perto, uma milha a sul, no areal deserto da costa. Impressionado pelo voo das gaivotas, que inquietas descreviam círculos apertados sobre os cardumes que boiavam, ali, no mar, no recesso da corrente que enrodilhava a sul da barra. Luís Barreto sentiu o arfar da vaga e foi-se a ela. E ainda que algumas nuvens sombrias se enrolassem ao largo a prenunciar fortes chuvadas (o que era de bom agoiro para a pesca), o certo é que as capturas foram desde a primeira hora excelentes, tão prodigiosamente fartas que nos primeiros lanços o arrais foi mesmo obrigado a perder muito peixe por não ter condições para proceder à sua salga.

fig.2 - Pescadores da Xávega (C.N.).

1 A chegada de madrugada, era feita no sentido de assumir o direito de primazia. A primeira Companha a ir para o mar, tinha direito a escolher o pesqueiro.   2 Ou Luís «da Bernarda», alcunha vinda de sua Mãe, Ti Bernarda «a Victória» - Cunha, Cons. José Ferreira da.



2 - TOPÓNIMO


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Desde sempre se discutiu a origem do topónimo. Quanto a Costa-Nova, não há qualquer dúvida, por contraponto a «Costa Velha», a de S. Jacinto. Mas porquê Costa-Nova-do-Prado? Dois séculos passados de iniciada a labuta exsudada do galefenho a investir contra as crostas arenosas e sáfaras, da Maluca, pertinaz a revolver-lhes as entranhas para lhes adoçar o ventre a fim de lhes conferir qualidades maternais para gerar vida, seriam certamente já no início do Séc.XIX, visíveis, terrenos de onde romperia o «viço» de uma prometida fertilidade. Toda essa extensão a perder de vista, planura longínqua, estreme, onde se descortinavam, ali e acolá alapados na duna, um ou outro casebre de foreiro, era já um verdadeiro prado de verdura, tenra e fresca, a despontar nas quintas dos Gramatas.

fig.4 - Pescadeiras (C.N.).

fig.3 - Os campos já esverdeavam.


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Estas lonjuras eram obrigatoriamente atravessadas nas idas e vindas «pelas levas» de pessoal para a labuta no novo local de pesca. Que necessariamente lhes não poderiam ser indiferentes, impressionadas com o navegar diário em mar tão verde, tão quieto, tão doce para a vista como doce para o pé descalço, e já tão cheio de vida prometedora. Certamente que esta paisagem diariamente cruzada pelos passantes do areal, lhes despertaria o êxtase, quando em dias primaveris sorviam em golfadas o fresco perfume que dela ressumava, ao tempo que lhes encarniçava o olhar espreguiçado sobre a imensidão verde, a perder de vista. Teria pois lembrado àqueles primeiros andarilhos - pescadores descalços e em mangas de camisa, pescadeiras asseadonas e trabuqueiras, de pernas lestas e cinta bamboleante, aos almocreves escanchapernas a tocar as pilecas que naqueles areais nem precisavam de ferraduras - apadrinhar o novo pesqueiro na pia baptismal, juntando o“do-Prado”, à designação da nova costa então «achada», para desse modo melhor ser identificada e distinguida da anterior velha costa, conhecida como a da Sr.ª das Areias. E assim se ficou a designar o que é hoje um maravilhoso pousio, delícia assombrosa para o olhar que resta subjugado aos cambiantes cromáticos de larguezas benfazejas, que nos endrominam os sentidos antes de a eles nos acostumarmos. Picardia pródiga da natureza impossível de ser descrita, apenas e só pelas palavras, a quem na pia baptismal deram as mãos aqueles seus primeiros demiurgos, para a crismarem de COSTA-NOVA-DO-PRADO.

fig.5 - Costa-Nova início Séc. XX.


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3 - ARTE DE XÁVEGA


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A circunstância que deu origem à Costa-Nova-do-Prado. A Costa-Nova teve pois a sua origem quando as artes de Xávega assentaram arraiais, tralhas e embarcações, na beirada da costa, varando o mar a sul da nova barra, aberta em 1808. Nasceu, assim, há duzentos anos; tantos quantos leva aquela embocadura feita pelo génio do homem a permitir, diariamente, que o mar se espraie e descanse na extensão lagunar, nela adormeça, e logo desperte para ir deambular lá para os longes de todo o mundo. Quer por razão de acesso ao pessoal e animais, quer por razões de escoamento do pescado, a costa de S. Jacinto onde desde há muito as referidas «artes grandes» se vinham praticando, era, até ali, de fácil acesso por simples atravessamento de um braço da ria. Encurralado e aquietado, havia séculos que as suas águas eram praticamente paradas. Com a abertura da nova barra, a facilidade viraria dificuldade extrema, e ou até, obstáculo intransponível.

fig.6 - Plano da Ria, junto à nova Barra (comportas).

A arte de Xávega, oriunda da xábéga catalã, terá sido trazida para esta zona do litoral aveirense pelos galegos, gentes que assiduamente e desde os tempos que remontam à fixação das comunidades no litoral, sempre mantiveram regular contacto com os portos da região norte. Muito especialmente no período áureo do tráfico intenso do sal produzido na laguna (Séc.XV / XVI), de que chegaram a deter o monopólio do transporte, e da sua comercialização  1.

Também designada por NOVA ARTE ou, como acima referido, simplesmente ARTE GRANDE, o termo enxávegas é-nos, contudo, já referenciado no Séc.XV, pois já então o Infante D. Henrique cobrava imposto sobre as referidas enxávegas que vinham de Castela. Mas o que esta arte teve de singular nesta zona de mar desabrigado, e por isso de vaga descabelada e puxada, foi a utilização para a sua prática de uma singular e desafiadora embarcação - o «Meia-Lua» -, produto da arte naval lagunar que teve as suas raízes numa prática antiquíssima  2, e que desde muito cedo se impôs pela soberba e genial adequação dos barcos saídos das mãos das suas mestranças, à especificidade do meio onde iriam desempenhar a sua tarefa. Afeiçoados ao fim pretendido: no caso do «xávega», o ser suficientemente possante para galgar a pancada do mar e levar a pesada rede até pousio bem longe   1 Na Galiza foi estabelecida uma rede de armazéns - alfolias - para dar cumprimento ao monopólio do comércio de sal estabelecido por Filipe II - Amorim, Inês, in «Aveiro e a sua Provedoria no Séc. XVIII (1690-1814)», pp.361   2 Na expedição a Ceuta é referenciada uma frota de Naus e Barcas, construída e aparelhada em Aveiro.


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da costa (cerca de 2 milhas mar adentro, senão até mais). Mas desafiador na forma, para, «ousado» e «atrevido», às vezes «demente», se atirar ao mar trepando e tombando na rebentação, saltitando lesto de vaga em vaga, como que obedecendo à exaltação e ao alarido dos que nele vão embarcados, a que se junta o tumulto dos que ficam na praia a olhá-lo, especados, embriagados pela exaltação daqueles irredutíveis intimoratos rompendo o mar à má cara. A Xávega era (e é, porque ainda hoje é praticada) uma arte do tipo varredoura, advindo esta tipologia do modo como a rede arrasta pelo fundo plano da plataforma costeira (por efeito das pandas  3 fixadas no prume  4), levando a bocada do saco (a coada) aberta para dar entrada ao cardume de peixe, por efeito do levantamento da sua parte superior, a corche, onde se fixa a cortiçada  5. Provavelmente este tipo de arte terá sido utilizado, desde tempos muito remotos em outros pontos do país; pelo menos em 1443, temos já conhecimento da palavra enxauega.  6

fig.7 - O Xávega encabritado na vaga.

Sabemos que este tipo de pesca foi trazido no reinado de Filipe II, da Catalunha para a Galiza, dada a abundância da sardinha que se constatou existir na costa noroeste da Península. E daí trazida, como referimos, para a costa de Aveiro, no Séc.XVIII.

A crise instalada na laguna vinha já dos fins do Séc.XVII, consequência do facto das águas se verem impossibilitadas de renovação por mau posicionamento da ligação ao mar  7. Esta ligação, situada muito a sul, tornava o canal muito longo, inviabilizando o efeito das marés que só se fazia sentir muito próximo da abertura, sendo praticamente nulo no interior da ria. No Inverno, os caudais engrossados dos rios não tinham escoamento, provocando uma diminuição drástica da salinidade das águas; no Verão, perante continuados assoreamentos das línguas de areia, o efeito era muito idêntico. Em todas as circunstâncias as águas apodreciam no interior lagunar. Esta estagnação das águas levou ao seu inquinamento, com a consequente destruição de toda a fauna piscícola; inclusivamente destruiu toda a produção de moliços, e até acabou com a produção do sal, pois   3 Pandas eram pequenas malhas cerâmicas, feitas de barro, com cerca de oito centímetros de diâmetro, tendo dois furos para a sua fixação à rede. Mais tarde substituídas pelas chumbadas.   4 Parte inferior da bocada do saco.   5 Cortiçada, assim era designado o conjunto de peças de cortiça, de forma trapezoidal, fixadas na tralha superior, produzindo o efeito de abertura (bocada) do saco da rede.   6 «Determinação para o apuramento dos mareantes para a vintena do mar em vários lugares, entre os quais Aveiro e Verdemilho» - in, Colectânea de Documentos Históricos «Milenário de Aveiro», pp.189   7 A ideia que deu origem ao actual posicionamento da Barra, era a de que a mesma não deveria situar-se para baixo do paralelo das gafanhas.


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que este não só era fraco na qualidade (sal negro), como, mesmo o que era produzido  8, era-o em muito baixa quantidade, derivado da impossibilidade de se conseguirem índices de salsugem  9 adequados para a sua produção. Os tempos foram então de miséria e de morte; pestilências propagaram-se às populações, cobrindo de luto a região lagunar. Dizimando-as, elegendo as suas vítimas de entre os mais novos e os mais velhos, sem que a saúde pública conseguisse fazer, fosse o que fosse, para estancar as terríficas e pavorosas pandemias. Para lhes pôr cobro não bastavam recomendações de higiene, impossíveis de cumprir dadas as condições primárias, de habitação e vivência, destas gentes, de recursos muito limitados. Não se colocou outra alternativa ao homem da laguna, pescador ou não pescador, que a de saltar com os seus bateirões para a beira do mar, para aí se dedicar às artes, utilizando a «arte pequena do chinchorro», pequena rede varredora já utilizada nas águas interiores, e que apenas poderia ser lançada no dobrar da pancada do mar, limitação imposta pela pequena posse das embarcações usadas na faina: - as «ílhavas» e os «chinchorros». Nesse período em que se pescou com o «chinchorro», a rede, de pequena dimensão, era alada (para terra), ligando o reçoeiro (ou rossoeiro) e o cabo de mão da barca, ao cinto dos pescadores, que lenta e penosamente, num esforço desarcado, a iam fazendo subir até a pousar no areal da praia. Em 1773 um facto viria alterar profundamente este estado de coisas. De Languedoc, França, apresentou-se em Ovar um tal Mijoulle (acompanhado de um grupo de catalães) que se dizia ser conhecedor de uma nova técnica de conservação da sardinha, assegurando poder mantê-la por muito mais tempo em condições de utilização. Mijoulle instalou uma unidade de salga (então designada por fábrica do estrangeiro) em Ovar, e, perante os bons resultados obtidos, logo a sua técnica se começou a espalhar pelos locais de pesca vizinhos. Mijoulle viria a atingir uma posição destacada no meio, chegando a ser nomeado vice-cônsul do seu País, no porto de Aveiro, com todas as regalias materiais daí advindas. E chegará a ser recomendado pelo poder Central junto da vereação de Aveiro, louvado por Pina Manique, que então afirmou recomendar o francês, pela pronta extracção das pescarias que muitas vezes se perdia pelas praias por falta de compradores. D. José irá mesmo proibir a importação de sardinha vinda da Galiza, pois que a apanhada e conservada na nossa costa, era, já então, suficiente para a procura verificada. O segredo de Mijoulle - que chegou a ser rendeiro dos oitavos do «distrito» da Sr.ª das Areias - acabou por ser conhecido  10. E a nova tecnologia de salga banalizou-se por todos os locais onde se praticavam as artes, tendo chegado a correr a versão, na altura, que as unidades fabris do francês teriam sido objecto de espionagem com a finalidade de lhe roubar o segredo. E que técnica era essa?! A sardinha depois de ser esventrada e após lhe ser retirada a cabeça era de seguida metida em tinas (ou dornas), com água e sal suficientes para que se produzisse uma salmoira, aí permanecendo o tempo adequado para seguidamente ser prensada, e de seguida empilhada em barricas, borrifada de sal, acondicionada para suportar longos períodos até ser consumida. Da salmoira era extraído o sil, óleo utilizado para iluminação, e que misturado com o zarcão servia para impregnar a madeira utilizada na construção dos palheiros, conferindo-lhe um tom ocre e funcionando como um óptimo conservante.   8 Quando as águas se não renovavam, o grau de salinidade era baixo, e o sal produzido era preto.   9 Salsugem era o grau de salinidade da água. Para fazer Sal ela deveria atingir 7,5º à entrada da marinha, podendo subir por evaporações sucessivas, até aos 25º.   10 AMORIM, P Aires de, in «Da Arte de Xávega de Ovar a Mira», (ed. CMO)


26 fig.8 - ÂŤmeia-luasÂť na duna.

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As tripas e as cabeças, retiradas, eram juntas aos caranguejos, os pilados, formando o escasso. Fertilizante de grande qualidade era adicionado ao moliço «adoçando-o» com o tempero do sol, vindo a constituir o remédio adequado para as maleitas das terras gafas, lagunares. Assim ajudando o lavrador a transformá-las nos viçosos campos de pão, verdejantes, milagre da pertinácia da intervenção humana sobre a paisagem no despontar de imensas planuras expostas ao odor da maresia que as refresca e alenta, enquanto as vai esgodando. Pretende-se que a arte de xávega tenha sido só iniciada aquando da chegada de Mijoulle à região. Não será totalmente correcto: aquele francês chegou, como dito acima, em 1773. Ora há referências, sem margem para dúvidas, que em 1751, 1764 e 1765, existiriam, já, Companhas a pescar em S Jacinto. Certamente utilizando técnicas de salga mais rudimentares (o escorchado). Quadro I COMPANHAS REFERIDAS NOS LIVROS DE NOTÁRIO DE AVEIRO Ano Mês Nome Nº Hms Origem Destino 1751 6 ---19 Aveiro Costa 1761 1 Barga 21 Aveiro Rio Douro 1763 1 ---27 Aveiro Nazaré 1764 1 Enxada 38 Aveiro Costa 1764 4 ---29 Aveiro/Ílhavo Nazaré 1765 4 ---25 Aveiro Nazaré 1765 5 Enxada 38 Aveiro Costa 1766 1 ---22 Aveiro/Ílhavo S.Jacinto/Torreira 1766 8 Enxada 38 Aveiro Costa 1767 3 Branco 27 Aveiro/Ílhavo NªSªAreias/Costa 1769 4 Mantas 12 Aveiro/Ílhavo Toda Costa 1771 11 Tamanca 12 Esgueira S.Jacinto/Costa 1772 1 ---31 Aveiro Costa 1774 5 Enxada 43 Aveiro Costa 1792 6 Companha Nova 9 Ílhavo Costa 1798 1 Enxada 62 Aveiro Costa 1801 5 Enxada ---Aveiro S.Jacinto Fonte :ADA, Aveiro, ANTT-DP pag 510, Amorim, Inês in «Aveiro e a Sua Provedoria no Séc.XVIII».

Anos ------3 ---3 3 ------------3 1 ----------------

A Companha de José Simões Estriga, de Ílhavo, já ali pescava em 1766, bem como a de Manuel da Cruz Patacão. Então, parece-nos correcto apontar que na costa de S. Jacinto, a pesca da Xávega é anterior a 1751 pelo menos - e que, portanto, esta costa que ia de Ovar a S.Jacinto, teria sido, provavelmente, a primeira a praticá-la com o «meia-lua». Em 1774 é referido que um arrais de Ílhavo teria sido contratado para a pesca no Algarve, tendo sido acompanhado por toda a Companha. Ali, a arte de Xávega era praticada usando um tipo de barcas - chamadas lanchas - completamente diferentes dos «meia-lua»; longas de quilha, casco redondo, tomando designações variadas conforme o local em que praticava a arte: calão, ilhe  11 etc   12 Do mapa abaixo, pode ser extraída uma noção do que teria representado a arte de Xávega. Significativa da sua importância como geradora do intenso e brusco povoamento que teria provocado na CostaNova, conferindo-lhe dimensão, e dando-lhe suporte sustentado para o seu crescimento, ao contribuir   11 Para este assunto, consultar Ana Maria Lopes, in «Vocabulário Marítimo Português», ed. Coimbra 1975   12 E ainda SILVA, A A Baldaque in «O Estado das Pescas em Portugal», – Lisboa 1891


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para o despontar de novas actividades. Sendo certo que estas por sua vez acarretaram novas necessidades, assim se gerando o ciclo de desenvolvimento que transformou aquele local, num dos mais afamados e referenciados da orla costeira portuguesa.

fig.9- As «artes grandes».

Em termos directos, o mapa abaixo dá-nos uma ideia da dimensão da colónia piscatória envolvida, directa e contratualmente, nas artes de pesca na beira do mar, em finais do Séc.XIX e primeiro terço, do Séc.XX. Quadro II Mapa Evolutivo da Xávega / Costa-Nova Ano 1837 1866 1890 1925 1937

Nº Comp 6 8 5 18 10

Nº barcos 16 10 42 -

Nº Pescadores 636 600 475 1192

Em 1935 é apenas registada a existência de duas Companhas: a da Srª da Saúde e a de Stº Amaro  13. A estes pescadores directamente inscritos no rol das Companhas, juntava-se todo um magote de gentes para o desempenho de actividades complementares ao exercício da pesca; abogueiros, ajudantes, tocadores, escolhedores, salgadores, redeiros e encascadores  14, mestres de calafate, e outros. E ainda aqueles que faziam chegar o produto ao mercado; mercanteis, almocreves, peixeiros e peixeiras etc.

13 Resende, P.J.V. in «Monografia da Gafanha», 2ª ed,1944, pp178   14 Pessoal cuja função consistia em preparar a infusão de casca de salgueiro (ou pinheiro manso), onde se mergulhavam as redes, que ficavam com o tom arroxeado, conferindo-lhe óptima conservação e maior resistência.


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fig.10 – Remendando a «arte».

Números estimados, fazem prever que cerca do ano de 1900, a população que girava em volta das Companhas se aproximava dos 1.500 indivíduos, número considerável se admitirmos que no mesmo ano se avaliava em 2.500 almas, o total de habitantes no agregado urbano. Em 1900 referenciam-se os seguintes valores para as capturas de pescado, levadas a cabo na Costa-Nova (Quadro III): Era uma correnteza diária de gentes necessitando de tudo o que fosse básico para a sua manutenção. A que se viria juntar a provocada pela população sazonal, justificando a necessidade de instalar no povoado um diversificado tipo de tendas comerciais, especialmente de vendeiros do ramo do pasto. E neste, muito em particular, os dedicados ao fornecimento de vinho, mercancia que se transaccionava em elevadíssimas quantidades, no local, como era habitual nas colónias de pesca, para reconforto da alma ou para esquecimento da desdita, e que tinha a virtude de ungir os cofres municipais com um elevadíssimo e utilíssimo arrecadamento do imposto de sisa  15.

15 Sisa era, naquele tempo, o imposto que recaia sobre todas as transações de produtos produzidos fora do concelho.


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31 Quadro III Capturas

Espécies

VALOR CAPTURAS 1900 Ria

Costa

Sardinha Peixe Chato Robalos Caranguejos Berbigão Camarão Diversos

32:692$000 42$000 2:490$000 2:318$000 125$000 $540

942$500 185$450 2:537$710

Receitas 32:692$000 42$000 2:490$226 2:318$000 1:067$500 185$990 2:537$710 41:333$426

Totais Despesas

37:559$798

Quadro IV Distribuição das espécies

2,56%

0,10%

5,98%

5,57%

0,44% 6,09%

79,23%

Sardinhas — 79,23% Peixe Chato — 0,10% Robalos — 5,98% Caranguejos — 5,57% Berbigão — 2,56% Camarão — 0,44% Diversos — 6,09%

Rapidamente muitos dos pescadores - por falta de afoiteza, ou por gosto individualista, ou ainda pela idade -, voltaram-se para a ria, que se mostraria de novo, logo que permitida a renovação das suas águas, farta e rica, pródiga no repovoamento das espécies piscícolas. Em 1900 são (já) registadas capturas levadas a efeito na ria que ascendem a 3.665$676 (três milhões, seiscentos e sessenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e seis réis). Curioso é que desde logo, a apanha de bivalves concorreu com importante fig.11 - Uma «Chincha». fatia para o referido valor, oficialmente (!) registado (porque já então a fuga ao imposto sobre o pescado era prática habitual, que nascia e crescia com estas gentes, muito facilitada pelas condições de laboração).


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fig.12 – No intervalo da maré.

Foi Manuel Firmino  16 quem experimentou, nas suas companhas, em S. Jacinto, o puxar da rede pelos soberbos animais, atando-os pelo chicote ao cabo do alar de redes, e assim, deste modo, retirando ao «homem» essa tarefa extenuante  17. Desde logo a experiência foi positiva pelo que se generalizou em toda a área costeira que ia de Espinho à Figueira da Foz. Os animais habituados a entesteferrar com o areão, foram capazes de entrar mar adentro até ao joelho, parecendo não entojar com a vaga. Até ali, a rede era puxada por pessoal contratado para o efeito que se vinha juntar ao pessoal que tinha ido ao mar, num arraial de gentes em vozearia de trovejo, a alar a rede, feito em sofrido e penoso arrastar. A um cinto (?) largueirão que envergavam à cinta, cingido por alças, era fixa uma ponta de cabo - o chicote - que ia enlaçar por detrás, ora no reçoeiro, ora no cabo da mão. Dobrados ao esforço lá iam, duna acima duna abaixo, até depositarem a sacada no areal. Era um trabalho fatigante, descomedido, quase alucinante e muito demorado. Por isso se revelaria muito positiva a experiência de levar os bois à beira-mar para o desemfig.13 – Uma «Labrega». penho de tal tarefa, aplanando o fardo de tão exaustiva faina.   16 Manuel Firmino (Almeida Maia,1824) foi regedor de Avanca com 19 anos; fundou o jornal «Campeão das Provincias», foi Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, e esteve na Câmara Constitucional. Organizou as Companhas de pesca, em S.Jacinto.   17 Este alar ocupava pescadores, mulheres e até crianças, que ao compasso do rufar compassado do tambor, iam puxando (alando) a rede para fora do mar.


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fig.14 - «Pica» ?

Na Costa-Nova, havia a facilidade em levar os animais às Companhas. E porque das galefenhas era fácil carrear alimento, que ali sendo farto permitia mantê-los em abegoarias a recomporem forças entre lanços. A sua utilização foi pois simultânea à instalação das Companhas, logo que varadas nesta zona do litoral. E para recolher os animais, construíram-se na beira-mar grandes barracões, suficientemente espaçosos para os albergar, mas e também para enceleirar pastagem para seu sustento. A chegada de bois conduzidos pelos rústicos lavradores, à borda do mar, veio dar um tom de ruralização ao areal, como aliás o notou e expressou, Miguel Unamuno, quando por aqui passou e registou o ardego nas suas «Viagens por Portugal».

fig.15 - A «lavra» do mar.

O lavrador deixou-se cativar por aqueles terrenos - o mar - onde se colhe sem ser preciso semear. Revolvidas as areias, esquentado o seu interior pelo escasso, depositada a semente, havia tempo para esperar que o


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fig.16 - O «boi» chegou à borda.

fig.17 - O «tocador» das juntas.

pão medrasse. O chamamento à borda foi, pois, irrecusável. Muitos viram no mar o complemento para engorda do magro pecúlio familiar, pretensão que perseguiam desde que os seus ancestrais tinham vindo lá das gândaras, dispostos a construírem uma nova terra de oportunidades. O rústico, habituado a dar fundura ao rego, a fazê-lo e a refazê-lo, a recompor as suas vertentes sempre que desmoronadas, ganhou coragem e foi lavrar o mar, mas agora sem o arado, acorrendo à borda na esperança de juntar um pouco mais ao rendimento da leira que tinha deixado entregue aos cuidados da mulher. Aquela vinda à borda teve, ainda, outro efeito. O lavrador viraria pescador da borda. Inicialmente estes rústicos vieram com os animais, servindo-lhes de tocadores, no aproveitamento dos intervalos da lavra. Mas depois, quando o pessoal começou a ser escasso na Companha, o lavrador - gafanhão não hesitou em dar o braço ao remo do «meia-lua», saltando-lhe para o bojo, fincando bem os pés nas recoveiras  18, aventurando-se com ele mar adentro. Primeiro, sem ainda lhe apanhar o jeito, botou a mão ao cambão  19enquanto rezadeiro orava pelo seu destino naquele mar inquieto. Mas logo percebendo que remar é tão só como afundar o enxadão no ventre da areia e logo o levantar para o voltar a enterrar uns fig.18 - O «meia-lua» passada a pancada do mar. passos avante, foi rápido e ágil enlaçando a mão ao punho do remo maião  20. E mais tarde, até, desfraldilhando a arte no cadenciar da saída do reçoeiro, à falta de outros maiores que tinham já debandado para outras paragens mais promissoras.   18 Pranchas aonde os remadores de pé, fazem apoio.   19 Cabo fixado ao remo, à sua proa, que permite ajudar a impulsioná-lo.   20 No «meia-lua» de 4 remos, o maião é o segundo remo a contar da proa, e o que requer mais força.


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Porque em verdade, em fins de 800  21, já os «ílhavos» teriam, de há muito, iniciado a migração pelo litoral abaixo  22.Partiram em procura de novos pousios, envolvendo-se numa verdadeira aventura mitológica, produto da irrequietude daquelas gentes, em atitude que lhes era peculiar e as levaria a escrever páginas brilhantes de uma história singular, e até grandiosa, numa migração interna com lugar relevante na história sociológica do nosso País. Levaram com elas a esperança, mas e também uma vontade indomável de vencer, um querer mais forte que o mar que os atraía. E guardados na sacola da viagem, bem aferrados, os hábitos, os costumes  23, e até os tiques, culturais e religiosos. Com eles ciosamente fechados a sete chaves, resistiram a uma aculturação exterior, preservando a sua identidade e singularidade, levando a que perdurassem gravados traços indeléveis e referenciais da sua específica e proeminente cultura marítima no historial das regiões por onde assentaram arraiais, de que passaram a fazer parte, incontornável de citação honrosa.

fig.19 - Ruralização da Beira-mar.

21 E até em 1771 são já presentes na Costa da Caparica os arrais de Ílhavo, Joaquim Pedro e José Rapaz, iniciadores do povoamento da Caparica.   22 No «Periódico dos Pobres», Porto de 1855, referia-se em meados do Séc. XIX, a ida de uma grande quantidade de pescadores de Ovar e Ílhavo, para Lisboa, acabada a safra no litoral. E no «Campeão de Aveiro», noticiava-se que quase todos os pescadores, de Ovar e Ílhavo, «têm ido» para Lisboa.   23 “a vida, é toda a vida intensa dos pescadores do Norte, transportada para este rincão do sul; nele se reproduzem os costumes, todos os processos de pesca daquela região» - FERREIRA, Manuel de Agro in «Costa da Caparica-Terra de Pescadores».



4 - ENCLAVE


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«Arribados» à praia em local um pouco mais a norte onde um século mais tarde se instalaria a que foi chamada, Quinta do Cravo, posta a notícia a circular, a boa nova correu mais rápida do que o vento. Logo novos grupos de pescadores se virão juntar aos que primeiro ali tinham desembarcado; num curtíssimo lapso de tempo, Luís Barreto - ou Luís da «Bernarda» - terá por camaradas os arrais José Fernandes Batata da Companha do Salvador,; Marçalo Francisco Capote da Companha dos Capotes, e Manuel Fernandes Bagão da Companha do Galo. Em S.Jacinto só ficaram as Companhas da Enxada e a da Canária. E foi assim que de imediato cerca de um milhar de deslocados procuraram pousio, para si, famílias, e para a tralha das artes, no areal deserto em frente à Maluca, assentando arraiais na lingueta que o mar tinha engordado e que o vento consolidara, e dera forma. Desde logo se iniciaram os trabalhos de construção dos armazéns para guarda dos apetrechos de pesca e pernoita dos pescadores. Por entre as dunas onde despontavam a medo, os braços verdes e túmidos do «chorão» a rodear a flor amarela brotada do seu figo, ou descorçoados, tímidos e acinzentados carneirinhos perfumados, em local mais achegado à beira da ria, começaram a surgir, para sul, uns pequenos palheiros, pouco mais altos que uma pessoa, assentes em estacaria enterrada e com tabuado fixo nos prumos. Poderiam ser cobertos de tabuado e colmo, ou, como aconteceu mais tarde, de telha vã. Dispersos ao deus dará após autorização do Arrais e consentimento da Câmara, eram erguidos na condição de, a qualquer momento, poderem ser postos abaixo. Tinham em norma três a oito metros de frente, e quatro a seis de fundo.

fig.20 - A «Xávega».

Eram simples tugúrios que mais pareciam vindos da origem do mundo, pardieiros que pouco mais abrigavam que corcova da duna do areal. Nas noites arrastadiças de invernia, o zunzunar do vento a entrar pelas frinchas, fazia tilintar os canecos de esmalte pendurados no padial da lareira. Aqui e ali, despontavam outros palheiros, mas de maior dimensão, para onde se levaram os tanques e as «dornas» para a salga do peixe. O negócio da venda e distribuição deste pertencia a gentes de Aveiro e de Águeda (e interior). Tratava-se dos mercantis  1 que «geriam» os grupos de «almocreves», verdadeiras companhias de transporte, a quem era remetida a tarefa de fazer chegar o peixe, lá para o interior do país, para as beiras profundas. Peixe do último lanço da tarde era lavado e escorchado para ao outro dia de manhã ser vendido em Águeda, Viseu, Tondela, etc. Junto das Companhas, José Luís Barreto - o patriarca da Costa-Nova - tornado negociante de peixe, mas e também importador de sardinha de Lisboa, e que mais tarde abriria negócio de aprestos de pesca, em Aveiro, edificou o seu «palheiro»  2, ali ao lado, a norte do local onde hoje se situa a «casa referida como sendo de José Estêvão»  3, anteriormente propriedade de Manuel de Moura Marinho  4, negociante de peixe, de Viseu.

1 Também chamados mercantéis.   2 Termo que deriva do facto de estes incipientes abrigos, serem, inicialmente, cobertos de junco.   3   Para este assunto consultar www.senosfonseca.com   4   CUNHA, Cons. José Ferreira da in «Subsídios para a História da Ílhavo, Gafanha e Costa-Nova».


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A norte desta apenas existia o palheiro do Padre José Bernardo de Sousa. Outros palheiros começaram, entretanto, a alapar-se por ali à volta: foi o caso do de Manuel da Maia Vieira, Capitão-mor, chefe das Ordenanças e Juiz Ordinário de Ílhavo, do de José Ferreira Félix, Sargento-mor, Tenente das Milícias e Vereador da Câmara de Ílhavo, do de José Gomes dos Santos, o «Rigueira», feitor do Capitão-mor e o de João de Azevedo Júnior, feitor do Sargento-mor. Neste primeiro fig.21 - Palheiro «dito» de José Estêvão. agregado, o palheiro situado mais a sul era o referido, pertença de Manuel Marinho, limitando o núcleo fundador, que se dispersava todo para norte. Inicialmente os primeiros banhistas - começados a chegar a partir de 1822 -, ocuparam os pisos de areia dos palheiros de salga, cobrindo-os com esteiras onde alinhavam as trouxas, por ali pernoitando depois de terminada a lufa-lufa da entrega do peixe, finda a azáfama do dia. A vinda a banhos, prática que a Realeza inspirara, tornara-se moda nos meados do Séc.XIX, fazendo acorrer à beira-mar uma burguesia com posses e tempo, suficientes, para se entregar à prática de lazer e à recolha das virtudes que se descobriam existir no mergulho do corpo, nas águas frias do oceano. Parece terem sido os clérigos, quem, aqui, na Costa-Nova, inauguraram a nova moda, procurando a praia para revigorar o corpo - antes que a alma se «fosse» …- escoando os dias nas brequefestas dos panelos da caldeirada bem regada por néctar bairradino, longe, esquecidos, do esparto do serviço espiritual.


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5- INTEGRAÇÃO NO CONCELHO DE ÍLHAVO


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A praia iria progredir e crescer. De ano para ano atrairá um sempre maior número de banhistas que se vieram misturar à azáfama das Companhas. Administrativamente o local foi, finalmente, integrado no Concelho de Ílhavo por decreto de 24 de Outubro de 1855  1; e logo depois por portaria de 10 Setembro de 1856 passaria à jurisdição espiritual da Freguesia de S. Salvador, de Ílhavo. No «Ensaio Monográfico»  2 tivemos a oportunidade de esclarecer o facto: Por decreto de 21 de Março de 1835 (completado pelo decreto de 18 de Julho desse mesmo ano) foi o lugar da Gafanha (ou Gafenha ou Galafenha) desanexado de Vagos, e anexado ao Concelho de Ílhavo. Sublinhe-se que quanto a freguesias, a anexação só se concretizou, mais tarde, pelo decreto de 31 de Dezembro de 1853. Dadas as imprecisões que a extensão por onde estavam disseminados os casais de foreiros, sentiu-se a necessidade de impor limites que definissem as parcelas fig.22 - Palheiros do início. a integrar. O que aconteceu pelo decreto de 24 de Outubro de 1855   3, onde se determinou que “nos terrenos em que ainda não está fixada a divisão entre este concelho de Ílhavo e o de Vagos, ficará sendo a divisória, a linha tirada da foz do ribeiro dos Cardais, na direcção nascente para poente, até ao mar; ficando para Ílhavo o terreno ao norte, e para Vagos o terreno a Sul”. Uma portaria seguinte, de 10 de Setembro de 1856, transferiria para os párocos de Ílhavo, a “jurisdição espiritual da Costa-Nova”. E foi então que Ílhavo se adornou com a melhor jóia que a prodigiosa natureza lhe concedeu. Chegados mais à borda «os ílhavos» sentiram a sereia que lhes cantava, «a canção do mar»  4 - “poética e sublime manifestação de influência, de magia e sortilégio do Oceano, na alma em devaneio e sempre romântica da nossa Terra”  5, a que os «ilhavos» não resistiriam, partindo por essa costa, abaixo, em procura de novos pousios. E assim se cumpriria a diáspora dos «ílhavos» no litoral português.

1 Decreto de Rodrigo da Fonseca Magalhães e Frederico Guilherme da Silva Ferreira, respectivamente Ministro do Reino e da Justiça, do Ministério Regenerador.   2 «Énsaio Monográfico-Ilhavo séc.X –séc.XX-pp336   3 Decreto de Rodrigo Fonseca Magalhães e Frederico Guilherme da Silva Ferreira, respectivamente Ministro do Reino e Ministro da Justiça que, para efeitos administrativos e judiciais, mandou unir o julgado de Estarreja, (neste incluída a freguesia de Santa Maria da Murtosa e a costa da Torreira) ao julgado de Aveiro; e neste, integrar a freguesia do Espírito Santo de Vera Cruz e a costa de S. Jacinto ; e ao julgado de ILHAVO - e neste à freguesia de S. Salvador - a Costa-Nova-do-Prado.   4 Fonseca, Senos in «Guilhermino Ramalheira- O Discurso da Paixão».   5 Ramalheira,Guilhermino in «A Canção do Mar».



5- ESTRADAS


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Costa-Nova / Aveiro e Ílhavo / Costa-Nova De entre os factores que tiveram grande importância para o desenvolvimento da Costa-Nova, sobressaem as ligações rodoviárias que se estabeleceram, primeiro com Aveiro, em 1855, e logo depois continuadas através das pontes no Forte da Barra: - a da «Duas Águas» construída em 1861  1 e a da Cambeia construída em 1865. Posteriormente foi levada a cabo a ligação de Ílhavo à Mota da Srª da Maluca, em 1900, aí se estabelecendo uma carreira regular de barcas da passagem.

fig.23 – Construção da «ponte das Duas Águas».

fig.24 – «Ponte das Duas Águas» (ainda sobre pilares).   1 Esta ponte, também conhecida por «Ponte das Duas Águas», foi de novo construída em madeira, em 1934.


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fig.25 - Estrada Ílhavo-Mota.

Estas ligações trouxeram uma verdadeira explosão à procura de terrenos para edificação, o que obrigaria a C.M.I. à necessidade de elaborar posturas para a resolução de litígios que foram grassando, e de tomar algumas medidas de controlo das concessões de terrenos para instalação de palheiros. Ora a primeira das ligações referidas (a Aveiro) só foi possível, graças à intervenção política de José Estêvão. Em atenção a esses relevantes serviços, a C.M.I. concederia por aforamento, a José Estêvão, em 1860, todo o areal que ia da Costa-Nova à Barra e compreendido entre o mar e a ria  2, pela módica quantia de 1$250 réis/ano. A segunda daquelas ligações (a Ílhavo), iniciada em 1893, passaria por diversas dificuldades, arrastando-se a sua conclusão durante alguns anos. Tomada a decisão de avançar com a ligação logo que foi construída na Gafanha de Aquém, a ponte de Juncal Ancho (1865) - também esta por influência de José Estêvão  3- a estrada seguiu um percurso praticamente paralelo ao caminho pedonal até ai existente, vindo a situar-se um pouco a norte daquele. A construção seria interrompida em 1895, quando da anexação de Ílhavo, por Aveiro. Durante o referido período, praticamente nada foi construído (para além de uns escas  2 No Doc. do Anexo 9, pp.479 do «Ensaio Monográfico de Ílhavo - Séc.X - Séc.XX», é transcrito este aforamento.   3 Chegou a ser questionada - e objecto de polémica - a questão de saber se a influência teria sido de José Estêvão ou de Manuel Firmino.


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sos 1.200 m). E será em 1898, após a desanexação, que a C.M.I. por proposta do Dr. Moura  4, decidiu contrair um empréstimo  5 no valor de 1.400$000 réis para a terminar, tal a percepção que se tinha da sua importância, e, por isso, a urgência em a construir. Os direitos da passagem da barca que se calculavam poderem vir a atingir os 400$000/500$000 réis, eram - entendia o proponente -, suficientes para a amortização do empréstimo. E ainda suficientes para acorrer a um ou outro melhoramento (mercado, início de arruamentos, etc.) de que havia necessidade, e era urgente iniciar, para conferir ao agregado um princípio de textura urbana, já que para lá dos palheiros, nada mais existia, pese embora que o povoado, ainda que incipiente, estava a crescer em ritmo acelerado. Em 1900, como referimos acima, a ligação ficaria pronta. Esta estrada viraria uma autêntica levada por onde diariamente corria em magotes, um grosso caudal de gentana. Ainda o sol não despertara lá para as bandas da serra e já um povoléu de pescadores, pescadeiras, moços e ajudantes, se metia ao caminho em alegre palanfrório, a galrichar, percorrendo a passo miúdo, saltitante e lépido, a légua que lhes permitia embarcar na passagem para a outra banda. De tarde, ou já noite, no regresso, se a maré botava tardia, em grupo ou isolados desfilava todo um ror de afadigados e pressurosos passantes que se fig.26 - Licença concedida para construir um misturava na estrada, par a par, com a correnteza de apressados Palheiro. Fonte: A.C.M.I. – Livro de Sessões 1836-1840 jericos, que seguiam derreados, com os alforges e canastros a abarrotar de sardinha ainda vivinha, que até parecia desejosa de ouvir elogios quando chegada à mesa dos desquebrados beirões, ávidos de tão ditosa e paladosa vitualha, ansiando por a verem fumegar en-

fig.27 - Mapa de 1902 onde se pode apreciar o traçado do «Caminho Velho» e a «nova ligação ao Farol». (Arq. A.P.A)   4 Médico de «Partido», em Ílhavo.   5 Este empréstimo foi feito pelo Dr. Manuel da Rocha Madail, a uma taxa de 5%.


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fig.28 - O desembarcadouro do lado da Costa-Nova.

fig.29 - Peixeiro.

tre as brasas, a exalar um precioso odor. Era tal o movimento de pessoas e animais, e incertos os horários, que desde logo se percebeu da necessidade de abrir balcão, ali no final da estrada, nas imediações da mota da barca da passagem, para aí dessedentar os viandantes e lhes aconchegar os estômagos mais esgalfos, com um caldo de conduto, ou com um escabeche, em reparo urgente de corpos afadigados. E acomodados, libertos dos maus humores, o repasto conferia-lhes apetite para a dureza da jorna, apenas interrompida num breve espaço de tempo, o estritamente suficiente para recobro de ânimo capaz de se atirar ao estirão que se seguiria. Ao lado da tasca abriu portas, também, uma «loja», para descanso e refastelamento dos rucilhos, esfalfados com o trotear das esguelhadas veredas serranas, concedendo-lhes tempo de repouso para o exercício superior da arte de asnear, pois que sendo burros, não o eram tanto que não sentissem no corpo - e quem sabe se na alma! - quão dura era esta vida de sardinheiro. Sempre para cá e para lá, num desaforo, a jornadear por terras serranas esquarrosas, sem tempo para se ajeitarem com as suas burricas, que, deixadas lá na serra em trabalhos menos esfalfantes, folgadas do corpo e do


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vício, estavam prontas a recebê-los de «pernas abertas» (aqui, mais tersa não pode ser a imagem). Por cima da «loja» havia um celeiro de palha extreme, amplo dormitório comunitário a servir de albergue em noites de descambada invernia, daquelas em que mais parece que todas as guerras deste mundo emigraram lá para cima. E durante esses trabucos da natureza, mais acautelado será a um pobre passante interromper jorna e esperar que os santos se ponham de acordo. Noites em que o troar dos canhões terrenos era substituído pelo ribombar infernal do entre choque das negras e convulsas nuvens em escarapela, atiradas umas contra as outras pela trabuzana desarcada. Noites em que o céu se escarcalha deixando passar em jorro as bátegas de água, que batidas pelo vento fustigam o viandante desprevenido, sem tempo para se espirar e acolher, a tecto condigno. Mais aconselhado era ficar com um caldinho de feijocas que a «ti Norta», boa apousante, fornecia a troco de umas bilhas de azeite lá da serra. Ou de um fumeiro emprazado, bem regado, finado com um mata bicho de rija e agreste cachaça, daquela que entibece o espírito e o liberta das agruras da vida, a preparar o corpo para uma ressega noitada. Mais tarde se chamaria a esta venda, «A Bruxa». Adiante contaremos porquê.

fig.30 - Peixeira.



7- PRIMEIRO AGREGADO URBANO


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fig.31 - Os palheiros em volta da «concha».

O agregado urbano assumiu desde o início a sua característica notória, ao desenhar-se como uma linha de palheiros debruçados sobre a concha que a ria, ali, caprichosamente, tinha desenhado, dispostos na sua borda em correnteza circundante. Fila de casebres sombrios, monótonos na cor e nas formas, construídos ao sabor dos altos e baixos das dunas, dispostos para norte e para sul da mota das barcas da carreira. (que até 1932 se situou frente, ao que é hoje, café Atlântida), respeitando o alinhamento que lhe era dado pelo desenho da borda do preia-mar, que lhes beijava a soleira. Toda a actividade piscatória foi, por via desse desenvolvimento, afugentada, empuxada lá para o sul, para detrás de um palheirão que parecia ser - e foi-o durante muito tempo - o «fim da linha».

fig.32 - Primeira Mota das Barcas.


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fig.33 - O palheirão de salga no local onde viria a ser edificada a Casa «Pinto Basto».

Por detrás deste palheirão, à medida que o agregado crescia, foram-se, naquela área, fixar vários armazéns de tratamento de peixe, na frente dos quais ancoravam os botirões da chincha. Eram embarcações dos pescadores que pela idade, ou por aproveitamento dos intervalos da xávega, mau tempo ou defeso, procuravam na laguna, em actividade menos perigosa e esgalamida, a captura de peixe variado - a caldeirada que depois vendiam com facilidade directamente aos mercantéis, ou no mercado avulso. Pela duna, naqueles palheiritos alapados nas suas corcovas, casebres rudimentares que em alguns casos mais pareciam cortelhas para guardar animais, foram-se acolhendo, ao seu abrigo, os familiares daqueles pescadores da beira-ria. fig.34 - Os armazéns de salga a Sul, e os «chinchorros».


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fig.35 - O sul da Costa-Nova.

As mulheres e o rapazio que não tinha utilização na Ria, ora davam uma ajuda na chincha, ou se ocupavam nos armazéns de salga. Eram gentes que se não diferenciavam em nada dos pescadores das Companhas, exteriorizando o mesmo tipo de viver e sofrer, alardeando os mesmos hábitos e iguais costumes, pois eram gentes da mesma gente. Dispersos por aqui e ali, acantonados no extremo sul do povoado, dali praticamente só saíam em dias de festa, ou para ir à Capela em visita diária, prometida ao orago.

fig.36 - Vendeiras.

fig.37 - Preparando a caldeirada no Bico.


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fig.38 – A Costa-Nova vista do Sul.

fig.39 - O largo foi construído a poente deste local.

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Consolidado o arruamento que vinha terminar ali junto ao palheirão, logo se percebeu - e reclamou -, a necessidade de ser criado um espaço para descarrego das tralhas (pipos, lenha, redes, vinho, etc.). Que fosse suficientemente amplo para permitir que as carroças, que começaram a servir de alternativa às barcas - até ali a única via de acesso para fazer chegar, o necessário e o indispensável, à vida na Costa-Nova - dessem a volta. A Câmara de Ílhavo então presidida pelo Dr. António Cerveira, no intuito de criar o citado terrado público, levou a cabo a expropriação litigiosa  1 de um palheirão em ruínas, da firma Bastos & Bastos (pertença da Companha da Srª da Saúde), sito a poente do arruamento, libertando desse modo um espaço amplo, desimpedido, precisamente o mesmo que mais tarde, em 1933, viria a ser escolhido para a implantação do mercado da Praia (que aí funcionaria até aos finais do Séc.XX). A primeira ligação da marginal, em direcção do mar, foi levada a cabo, a sul, após a expropriação de uns terrenos à Sr.ª Pauseira, permitindo desse modo o acesso à Lomba, e logo dali, às Companhas. Até princípios do Séc.XX não existiu em todo o aglomerado urbano qualquer tipo de iluminação pública, nocturna  2. Tal benfeitoria só viria a acontecer na segunda década do referido século, como referiremos em particular, adiante.

fig.40 - Costa-Nova em 1920.

A água doce, essencial à urbe, era retirada de poços abertos na areia. A uma determinada profundidade era fácil, dada a capacidade filtrante do terreno, obtê-la em condições satisfatórias, quer em qualidade quer em

1 Em 10/5/1899 o povo de Ílhavo foi convocado pela C.M.I, para decidir sobre a expropriação.   2 Em 1935 foi autorizado o prolongamento da linha de alta tensão, que passando à Barra, alimentava a Costa-Nova. Anteriormente, a partir de 1926, tinham sido instalados candeeiros a querosene.


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quantidade. De facto, estranhamente, a determinada profundidade, variável de local para local, existiam na Costa-Nova veios de água doce de assinalável qualidade e frescura, contrariados por outros de sabor salobro, impróprios para qualquer tipo de utilização. Só na década de trinta do Séc.XX, se viria a erigir um fontanário na praceta Arrais Ançã .

fig.41 - Os primeiros candeeiros na Costa-Nova.


62 fig.42 - Costa-Nova (anos 20).

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8- A PRESENÇA DE JOSÉ ESTÊVÃO


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José Estêvão tinha uma predilecção muito especial por esta praia para onde vinha descansar de uma tumultuosa actividade parlamentar. Era no recolhimento do seu quarto que sentia entrar a brisa fresca do norte e lhe chegava o sussurro do mar que rebentava e espraiava de encontro às dunas da costa  1; aí recuperava forças, ânimo, e lastro para a palavra fluente, corajosa, firme e torrencial de tribuno insigne - o maior! - da história pátria. E era aqui - na Costa-Nova - que José Estêvão aquietava o seu temperamento e o seu feitio combativo, o credo da sua fé, e repousava a sua brava condição de soldado da liberdade, como nos disse seu filho, Conselheiro Luís Magalhães. Hoje, a sua estátua na Assembleia da República, homenageia o bravo que sob a metralha, na linha da frente, no cerco Miguelista de Porto, continuou bravamente, sem recuar, a descarregar o arcabuz sobre os corifeus sitiadores, a ponto, conta-se, de até chamuscar as suas barbas. E relembra o insigne parlamentar - o mais ilustre desta pátria como nos disse Camilo - que do alto da tribuna jorrou das mais límpidas, certeiras, desassombradas e cristalinas palavras, sublinhadas pelo gesto acusador, impiedosamente dirigido aos inimigos da liberdade constitucional, assim fazendo jus às duas medalhas de «Torre e Espada» que o Imperador lhe pregou ao peito.

fig.43 - O seroar naquele tempo (Família Pinto Basto).

Ora este José Estêvão passava, aqui, na Costa-Nova, regularmente, largas temporadas na companhia de sua esposa, D. Rita Moura Miranda, para quem teria comprado (1840) o palheiro que fora pertença do comerciante Manuel Marinho, mercantil de sardinha, rico proprietário que em Aveiro tinha uma outra mansão, ali na Rua M. Sacramento (Rua Direita), que mais tarde veio a ser pertença da família «Rebocho». O Tribuno tinha o hábito de receber no seu palheiro, em que introduzira algumas melhorias depois de o adquirir - se bem que muito diferente do actual - muitos dos seus amigos, figuras gradas da política e das letras, locais e nacionais.   1 Magalhães, Luís in «José Estêvão - Discursos Parlamentares», ed. Câmara Municipal de Aveiro.


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Seroavam, habitual e familiarmente consigo, os Mourões, os Alcoforados, os Visconde de Almeidinha, o Arcebispo Bilhano, o José Ferreira, os Pinto Basto, os Regalas. E muitos outros por ali passavam. Vindos de Lisboa para o visitar, estiveram na sua casa muitos dos seus amigos e correligionários: Mendes Leite, Freitas de Oliveira, Sebastião Lima e Agostinho Pinheiro, que por aqui demoraram para desfrutar com José Estevão as habituais visitas diárias às Companhas de xávega, cujos arrais, o politico conhecia pelos nomes próprios (ou alcunhas), e a quem, tantas vezes, concederia auxilio. Fosse o simples amparo humano em momentos de infortúnio - que nesta labuta eram vulgares -, fosse solidariedade política, intercedendo junto do Governo, e até da Coroa, para obter os costumados privilégios que habitualmente eram choramingados - e por norma concedidos - a esta gente. Ou ainda apoio jurídico de brilhante e impulsivo advogado que não desdenhava envergar a toga e ir à barra dos tribunais, enfeitá-la com a sua brilhante oratória para defender estas humildes criaturas, por vezes alvo fig.44 - Velha família de pescador. de amofinação ou até espoliadas dos seus direitos. Que muitas vezes nem se expressavam em lei, pois mais não eram que baseados na tradição consuetudinária. Frequentemente o tribuno embarcava para a outra margem para a quinta da Joana Maluca de quem era muito próximo, para lhe render visita. Com ele levava os seus convidados, que Joana recebia com o apreço e a alegria de uma briosa e esmerada anfitriã. Singular mulher de forte arcabouço, faladura varonil, desembaraçada, muito expressiva, a verdadeira matriarca da Gafanha da Encarnação, Joana fazia gala em bem receber o político e seus amigos, organizando para o efeito opíparas jantaradas.


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fig.45 - Lavagem e embarque da Sardinha.

Findas as vitualhas, era costume refastelarem-se nas espreguiçadeiras colocadas sob o vasto telheiro da quinta dos Gramatas, entretidos na conversa enquanto saboreavam longos charutos de que Joana era, estimável e insaciável, fumadora. Chalaceavam ao tempo em que deixavam correr o olhar contemplando a ria a agasalhar-se num imenso cobertor de neblina rasteira, enquanto o sol, enorme disco de fogo se esgueirava em fim de tarde por detrás dos palheirinhos, na outra banda, desenhando-lhes os contornos no vermelhão afogueado que ia tingindo o céu. E logo surgia a lua por detrás das serranias a esparramar o prateado sobre a ria, reflectido nas tainhas que em saltos encabritados se atiravam, imolando-se, contra os saltadouros. Estas armadilhas montadas pelos pescadores ribeirinhos tinham a forma de caracol, para onde as taínhas entravam, mas já não saíam. Findo o dia, era tempo de desmoirar a barca para, bem dispostos e faladores, bem aconchegados, voltarem à Costa-Nova ainda a horas de se recolherem ao conforto do palheiro do anfitrião, para seroar em locutório animado, em retempero das fadigas da jorna gastronómica. Destas presenças e andanças, destas incursões marialvas, faziam de «búzio» os jornais e revistas da época, locais e nacionais. A Costa-Nova começaria em meados do Séc.XIX a ter estatuto, referenciada pelo charme e autenticidade da sua paisagem, e, ainda, pela rusticidade do perfil humano que lhe dava vida. Elogiada pela bondade da sua natureza geográfica, encravada entre uma ria povoada por centenas de embarcações com longos pentes amarrados à borda, a catá-la, à procura de moliço, e o mar, onde na borda os bois investiam por ele adentro, penetrando-o até a água lhes fustigar o ventre, numa participação activa na faina piscatória, transmitindo a sensação estranha de ruralidade ao areal inerte.



9- RETRATO (Final Séc.XIX)


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Nos meados do século não havia, ainda então, qualquer arruamento digno desse nome que conferisse um carácter urbano ao aglomerado de construções. Existia, tão só, um simples carreiro que contornava a enseada, e que sendo um pouco mais consistente que os areais que o rodeavam, se interpunha entre os palheiros das tendas, e a ria. Carreiro que nas marés vivas era totalmente submergido, mas que apesar disso, definia, ainda que toscamente, uma linha de crescimento mais ou menos respeitada, pois era ao longo dele que as toscas e incipientes habitações se iam alinhando.

fig.46 - Marés vivas.


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Quando chegada a lua plena, a água roçava e até batia nos degraus dos palheiros, que empoleirados na duna se julgavam longe da invasão da maré. Nivelado o trilho, como as habitações tivessem sido construídas ao sabor do ondulado das lombas do areal, seguindo as suas formas, deu-se que uns estariam mais abaixo, e outros mais acima.

fig.47 - A zona das «vendas».

Daí a necessidade de se construírem terraços - que ainda hoje perduram! - a diferentes níveis, com a finalidade de possibilitar acesso, dos palheiros ao caminho público.

Em 1873, João Maria Garcia abriria uma sala de teatro para entretenimento dos veraneantes, o que no tempo estava muito em moda  1. Na sessão de apresentação toda a high life da praia compareceu, fazendo deste acto o primeiro dos muitos que se iriam seguir, na intenção de criar uma motivação que rompesse com o simples ócio, transformando estas zonas de lazer em locais privilegiados de promoção das preocupações culturais - e recreativas - que começavam a emergir ao tempo, fazendo parte do cardápio de escolhas das elites oriundas de uma pequena burguesia desejosa de se afirmar nos salões.

fig.48 - Os terraços.

Muitos outros botequins foram abrindo as suas portas. Debruçados sobre a laguna, serviam de locais por onde se ocupava o lazer no intervalo das banhocas, a mirar as deambulações ronceiras dos moliceiros que enfeitados com as cores vivas dos seus ramalhetes deslizavam sobre as águas da ria, que de tão mansas reflectiam, qual espelho, a paleta de cores que aquelas embarcações exibiam nos seus costados. E a voz de comando do «vai à forcada», dada pelo arrais ao moço, parecia ganhar eco no ar leve do dia reslumbrante.   1 Almeida Garret já os referia em 1843, a trabalharem no areal da Póvoa do Varzim - AMORIM, Sandra in «Vencer o mar; ganhar a terra», ed. Câmara Municipal da Póvoa do Varzim.


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fig.49 - «Matola».

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76 fig.50 - Costa-Nova - 1911.

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9.1- Capela de S.Pedro

fig.51 - Capela da N.ª Sr.ª da Saúde.

Enquanto uns se divertiam, outros davam expressão ao sentimento de fé. Muito intenso na classe piscatória, o transcendente e a glória às alturas, eram necessários para submissão e aceitação de destino tão acre. Por isso o pescador tinha uma prática, quase diária, dessa exaltação devota.


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Assim que varavam e se alapavam em novo pousio de pesca, era sua primeira preocupação, depois de instalados, a da construção de uma pequena Capela laborada em tabuado surripiado nas redondezas, coberta a caniço. Palheiro acachapado, era por norma tão exíguo que mais parecia apropriado para lá meter o Menino e a Família, do que albergue para S.Pedro e seus devotos, que o eram toda aquela gente das Companhas, a que se juntavam mais uns achegados, convidados pelo hausto da maresia a evocar protecção e boas pescarias, para o grupo. Na Costa-Nova terá sido o frade «jerónimo», Frei Pachão, quem, em 1822, ergueu uma dessas Capelinhas. Que embora tosca, serviria para deixar o santinho e os crentes ao abrigo do fustigo da nortada, o suficiente para emblecar aquela gente no cascabulho das palavras da fé, ditadas pelas matinas em sermonário diário, tonitruante e ameaçador, para lembrar que a protecção deveria ter tornas adequadas na largueza do dízimo. Ainda o sol se não erguera e já a sineta bimbalhava, estrídula, a chamar à oração toda a Companha, que em cordão humano marcava presença, a atear o lume vivo da crença.

fig.52- Acta do pedido feito à Câmara, para construção da Capela.

Só mais tarde, em 28 de Outubro de 1889, foi decidido construir no areal, ali logo abaixo da «Lomba», em situação estrategicamente escolhida para servir pescadores e veraneantes, «a capelinha branca» de culto à Nª. Sr.ª da Saúde, com compostura e dimensão, suficientes, para o tagaté à alma, em serena cruzada evangélica. No sentido nascente-poente, já o referimos anteriormente, não havia, até ao Séc.XX, qualquer arruamento digno desse nome. Pretendendo aceder à corcova da lomba, para de lá se observar a paisagem, era preciso subir ladeiros, pequenas e tortuosas congostas de chão de areia lassa, sujas pelo escasso, mal cheirosas, fétidas do pez vertido, enfeitadas por peixotas dos cações ou de raias estripadas, postas a torrar ao sol para gáudio de um ou outro pardalito que nelas depenicavam, esfomeados e glutões.



10- COSTA-NOVA princípio Séc.XX (1900-1940)


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10.1- Alterações do Agregado Urbano Com o início do novo século, e mesmo perante as dificuldades de um país a viver numa verdadeira turbulência politica, que de convulsão em convulsão social levava a augurar uma mudança radical do regime, para breve, estes lugares de lazer afirmaram-se. Estava definitivamente adquirido o hábito do gozo campestre, ou o dos banhos, mezinha em moda para tratamento das moléstias dos humores que se iam acumulando ao longo do ano, desde que o bolso do paciente suportasse o dispêndio de tal receituário.

fig.53 - Marginal no início Séc.XX.


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84 fig.54 - A Costa-Nova (inĂ­cio SĂŠc. XX).

fig.52 - A paisagem.


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Às vigílias, às noitadas, aos abusos emocionais próprios de um tempo de convulsão onde se discutiam ideias novas que pretendiam - nem sempre com modos cordiais - dar um novo rumo ao País, juntavam-se os excessos das tomadas de posição na catrefa de ideologias importadas, que logo eram dadas a conhecer de um modo apaixonado, por vezes conturbado. Um ror de vezes dentro de salas enfumaradas ou nos clubes entre jogatina e diversão até altas horas. Todo este fervilhar de vida corroía o ânimo, depauperava o sistema nervoso, e enfezava o corpo. O País parecia ser dos tristes, dos ensimesmados, dos cismáticos e choramingas. Nada melhor para mudar esta paisagem humana, que lhes incutir a ideia da benfeitoria que era o ir a banhos, para a praia, ou a ares, para o campo, quando não a águas para as estâncias termais para uma recomposição interior. Ir para o campo e ou aproveitar as águas medicinais, eram assim prescrições do receituário do tempo; ficavam contudo dispendiosas às nossas gentes. Para estas, o ir para a praia e mergulhar nas águas frias do mar e desse modo encontrar recobro, aqui, à porta, saía muito mais em conta. E sendo chic! - dando estatuto de high life - tinha ainda uma grande vantagem: se o pecúlio não desse para suportar o preço de estadia em uma das muitas pensões que começavam a pulular pela Costa-Nova, instaladas nas redondezas da mota da barca da passage, sempre se poderia ir e vir, diariamente, num simples, agradável e muito convivial e galhofeiro passeio, feito em bicicleta - e até a pé -, pela estrada que ligava o centro da Vila à Costa-Nova. Num exercício que em si mesmo era já parte integrante do receituário, complemento da mezinha milagreira. Muito embora o ir a banhos fosse, para muitos, apenas um motivo acessório - por vezes simbólico do tratamento preceituado, o que se pretendia, no ror das vezes, era, afinal e tão só, o divertimento para descontracção do espírito corroído pela cisma. Fosse a do próprio ou a de quem com ele compartilhasse da vivência enfadonha.

fig.55 - A paisagem lagunar


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fig.56 - A Costa-Nova, e a antiga mota das barcas (início Séc. XX).

A Costa-Nova, em 1900, para os que vinham de fora, desconhecedores do bulício que ia na mesma, tinha, ainda no início do novo século, um aspecto de urbe velha, algo desolador, correnteza de palheiros escuros sem fundo, sem perspectiva, à beira-ria especados, parecendo amparados uns nos outros, encostados beiral com beiral. Valia, pois e só, o deslumbre da paisagem natural. Dizia o Bispo Trindade Salgueiro, quando vinha para o seu palheiro, o «paquete»: - Tão linda é a Costa-Nova - acampamento ligeiro e garrido, erguido entre o céu e o azul do mar, o azul da ria, o azul do céu. Mas para os que estivessem de dentro, e procurassem melhor, havia nela, uma vida em início, já buliçosa, viva. Uma subida à lomba para daí dar um olhar fundo, a observar ainda que de longe a azáfama das Companhas, era sustento e regalo, interiores. Um bordo até lá ao norte, seguido de uma popada em direcção ao sul, a bordejar a ria, com atracação obrigatória na Praça para dois dedos de conversa, era o bastante para um recém-chegado imbricar o desejo de aqui ficar. Rapidamente a urbe evoluiria.

fig.57 - O «Paquete» refúgio de Trindade Salgueiro.

Nos primeiros decénios do Séc.XX a distribuição do agregado urbano estava já definido: - à beira-ria, com a água a beijar-lhe os pés, alongava-se um cordão de palheiros de


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madeira já ocupados pelos proprietários com as suas vendas; na lomba começava a surgir um novo pólo de crescimento urbano, iniciando uma diversificação na tipologia do casario, aqui mais variado, menos monótono que na frente ribeirinha, pois a construção em alvenaria começaria a se generalizar, embora a grande maioria das edificações fosse ainda de madeira, de tabuado. Praticamente todos (?) os palheiros situados à borda tinham um sobrado - normalmente destinado a fig.58 - O areal frente ao «Coração da Praia». aluguer - exibindo, a grande maioria deles, o tom ocre do sil (óleo de peixe misturado com zarcão). Mas se atentarmos em fotos do tempo, notamos que alguns já se apresentam em tons claros, algo envergonhados do destoo, mas já expondo o seu tabuado às riscas, brancas e escuras, embora não tão cromáticas como o virão a ser na segunda metade do Séc.XX. Iriam ser os percursores dos risquinhas que no Séc.XX se viriam a tornar o ex-libris da Praia, exibindo as riscas estereotipadas, em intensos e contrastantes tons de um cromatismo muito forte, muito vivo, muito apelativo a registo de clichés.

fig.59 – Costa-Nova na preia-mar.


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fig.60 - O início da «Boa-Vista». A nascente uma única casa.

Na correnteza que se postava para norte da casa «Pinto Basto», seguindo até ao Bico, e por onde pululavam as tendas de comércio, o aspecto exterior dos alçados dos palheiros, e até a sua divisão interior, eram muito idênticos.

fig.61 - Os primeiros palheiros já com cor clara (cerca 1930).

Na marginal as edificações tinham, em norma, o rés-dochão a que se acedia por uma porta ao centro, ladeada por duas janelas de guilhotina, aos vidrinhos, e um primeiro andar (chamado sobrado) com varanda de balaústres, suspensa, pendurada do beiral e enquadrada por duas janelas, também elas de guilhotina e


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90 aos vidrinhos. O beiral saía cerca de um metro da empena, sendo embelezado por cachorros, que mais não eram que o prolongamento das vigas de suporte do telhado, que lhe davam consistência e amparo. Era forrado interiormente por tabuado. Alguns beirais, no seu frontal, eram enfeitados com entabuladuras de fino recorte - as grinaldas  1- que lhes conferiam uma certa individualidade e graça. O tabuado de capa e camisa, dispunha-se no alçado, na vertical, enquanto nos laterais era disposto horizontalmente, por razões de equilíbrio (travamento) estrutural.

fig.62 - Costa-Nova início Séc. XX.

Os novos palheiros, inicialmente pousados sobre o areal, sem outra fundação que não fosse uma estacaria verde cravada na areia e pedra, e que era envolta em sal para não apodrecer, começaram a incluir uma caixa de ventilação debaixo do tabuado, com cerca de 0,50 metros, com a finalidade de evitar o apodrecimento rápido do mesmo; o referido tabuado era apoiado em vigas de madeira, escoradas em fiadas de adobes deitados, a servir de fundação. De uma maneira geral, os palheiros da referida zona - a que poderíamos chamar nobre (apenas para os distinguir da zona dos tugúrios) -, tinham corredor ao meio, e incluíam cozinha no piso inferior e no sobrado, pois que este era habitualmente alugado a veraneantes  2. A tendinha das necessidades era exterior, deitando para uma fossa rota.

Fig.63 - Palheiros de sobrado.   1 Ouvimos diversas nomenclaturas para designar estes enfeites. De entre outras a do Arq.Óscar Graça que lhes atribui a designação «rendas do beiral», «zona dos tímpanos»   2 Em 1936 dava-se conta que um sobrado de um palheiro era alugado por 600$00 mês.


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91 Fig.64 - Palheiros com Grinaldas.


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fig.65 – Costa-Nova (início Séc.XX).

fig.66 - Costa-Nova (anos 20).

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10.2- As primeiras construções em alvenaria O custo da madeira e principalmente a sua manutenção, acabaria por tornar mais fácil a construção em alvenaria, com a utilização de adobes de que havia fartura de produção nos barreiros de Ílhavo e arredores. Interiormente era utilizada uma técnica de construção de argamassa com ripado chamado «chamel». A primeira construção  1 do agregado urbano, executada em alvenaria, que tinha uma dimensão exagerada e até um pouco chocante, terá aparecido no final do Séc.XIX. Outras se seguiriam, interpondo-se entre os palheiros de tabuado. De entre elas a mais notável, virá a ser a que, ao sul, se dispôs no sentido nascente poente, pertença de Alberto Pinto Basto. Que como anteriormente referimos, veio substituir o palheirão de salga que naquele local estava implantado com a mesma orientação. A sua posição perpendicular ao aglomerado urbano pa- fig.67 - Pensão Astória. recia pretender opor-se a qualquer crescimento da praia ribeirinha, para sul, barrando olhares e até a passagem, pois ali vinha embater o caminho que ligava a Costa-Nova à Barra (1866)  2. Construção polémica, só possível pelo ascendente político do proprietário. Mas o seu aparecimento iria alimentar uma outra polémica, muito referenciada na época, já que o pequeno palacete se viria a tornar, rapidamente, o centro de reunião das elites mais abastadas, a nata da society em gozo de férias, provocando uma certa debandada dos notáveis, das festas da Assembleia, até ali o centro do divertimento que albergava todas as camadas sociais. Para os salões daquela avantajada casa, trespassou-se o sarabandear louco das nádegas mais escorchadas da praia. Por detrás das suas paredes servia-se chá em baixela de filete dourado, V.A., ou vertia-se champanhe francês em taças acristaladas da mesma origem. A norte, no salão Arrais Ançã, aconchegava-se uma mais prosaica pequena burguesia, em diversão mais variada e próxima, mas não menos ruidosa. Eles, bebericando um ou outro tinto bairradino por caneco de esmalte, embornalando umas folarengas fatias vindas de Vale d’Ílhavo; elas, debruçadas nas limonadas servidas em plebeus púcaros alavários, refresco sempre útil para arrefecer dos jucundos amorosos e a desse jeito bem suportar o fig.68 - Palheiros no Sul. abafadiço do salão.

1 Numa viagem pela borda em que o «ti Ricoca» na sua bateira Senhora da Saúde, levava consigo o doutor Moura, partidista (médico de partido) em Ílhavo, e o Sr. Mesquita, de Aveiro, perante a surpresa do doutor à primeira casa de alvenaria avistada da ria, o Ricoca informou: - Saiba Vossa senhoria, senhor doitor, que o palácio é de um brasileiro de Tràz-os-Montes, lá pró pé de Sangalhos… (Dinis Gomes, in «O Ilhavense» de 4/8/1935)   2 Após a construção desta estrada surge na Câmara (27/06/1899) uma petição que solicitava a expropriação do palheiro da firma Bastos & Bastos para se abrir um largo onde se pudessem descarregar tralhas, lenhas, colchões etc. Ficava no final da mesma e teria dado origem ao largo onde mais tarde se construiu o mercado.


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fig.69 - Zona a Sul. «Malhada» de moliço.

fig.70 - Lingueta a sul (cerca 1920).

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Fig.71 - Lavagem do peixe à borda (década de 30).

Mais tarde, no edifício Pinto Basto, viria a ser instalada a Pensão «Astória»  3, gerida por Ana dos Santos Figueiredo, a que se seguiu a «Marisqueira», do galego Otero. Empurrados e acantonados lá para o sul, por detrás da casa «Pinto Basto», por ali se foram concentrando os palheirões de salga e comércio do peixe, ladeados por uns tugúrios muito simples, muito toscos, uns desconjuntados palheiros distribuídos no areal sem obedecer a qualquer tipo de alinhamento, agregados como se fossem ilhas. Por vezes com uma única porta brochada a óleo e zarcão, e um postigo espreitando no alçado. A deixar entrar luz para o interior, onde na mor das vezes, apenas havia uma cozinha (com uma pedra de 1x1metro para a lareira) e um quarto onde se estirava toda a família. Outras vezes todo o refúgio se resumia a uma única divisão onde se consumia toda a vida familiar. Esta simplicidade extrema estava em consonância com a pobreza das famílias que abrigavam, gentes muito simples e humildes, sem outras aspirações ou desejos que não os da sobrevivência ao sabor da prodigalidade ou da avareza, incertas, concedidas pela natureza. Pelo areal que rodeava as toscas habitações, viam-se, dependuradas a secar, estendais de roupas, suestes e redes, misturadas com raias e cações a crestar ao sol; na borda, podia-se encontrar escaço amontoado, à espera de ser misturado com o moliço que ali se vinha descarregar destinado às glebas do sul, que no início do novo século começaram a receber o esforço do homem na tentativa de as tornar terras de pão. Por detrás do referido edifício «Pinto Basto», no seu resguardo, ficava o fundeadouro, o mar da palha dos chinchorros, onde um ou outro moliceiro fazia a sua mota de descarrego das ervagens. Mesmo defronte do referido prédio, do lado nascente, foi construída uma lingueta, local onde se embarcava o peixe nos «mercantéis», depois de o lavar e tratar.   3 O edifício da Família Pinto Basto com a saída deste para África, abandonando o cargo que tinha na Câmara Municipal, terá sido vendido a alguém ligado ao Hotel «Astória», de Coimbra, daqui advindo o nome da Pensão.


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10.3 - Primeiro arruamento em direcção ao mar Já no terceiro decénio (1934) foi, finalmente, aberto um arruamento que saindo do mercado, subia à Lomba, e daí dava acesso ao «caminho das Companhas» com os seus barracões à beira-mar. Na mesma altura, fez-se a ligação do «Bico», ao mar. Em 1907, a Companha da Sr.ª da Encarnação pediria autorização para construir uma linha férrea que ligasse a Costa-Nova à praia da Barra, com o fim de melhorar o escoamento de peixe para o mercado de Aveiro. Pedido que dizia, ter feito ao Governo e que estaria em vias de concessão. Era uma petição que já vinha de há fig.72 - Os Palheirões das Companhas. muito. De facto, já em 1895 teria sido concessionada a Francisco Castello Branco uma licença para uma linha férrea que ligasse o Farol ao extremo do Concelho, e que continuasse até Mira, projecto que nunca passou do papel, pois apenas foi construído o troço para vagonetes, entre a Quinta do Inglês e a Vagueira. Há referências de que também perto de Mira foram encontradas linhas férreas. De notar que até 1915 a barca da passagem foi explorada por conta da Câmara. Logo nos primeiros passos do povoamento, aquando da ocupação do areal deserto daquela nesga de costa, o serviço de carreto de uma margem para a outra, de pessoas e tralhas, foi feito a expensas das Companhas, em enviadas, tendo passado a serviço público em meados do Séc.XIX. E assim continuaria até 1915. fig.73 - A primeira mota da barca da passagem.

A partir daí, e até 1918, aquele serviço seria concessionado a particulares, passando a ser feito em barcas mercantéis  4. Descortina-se, todavia, que sem grandes resultados, pois que no referido ano voltaria a ser solicitado que o mesmo retornasse para encargo camarário.

fig.74 - Pedido para a «barca» passar novamente para a posse da Câmara. (acta 1918)   4 Em 1935 havia 8 (oito) barcas «da passage», propriedade de: João Cirino, Manuel Cirino, António Cirino, Tomaz Figueiredo, Manuel Cova e Joaquim Ameixa. Cada passageiro pagava 2$50; se levasse um acompanhante, este pagaria 1$00.


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fig.75 - O primeiro candeeiro.

Foi com a importância recolhida dessa exploração, que atingia um valor de cerca de 500.000 réis/ano, que a Câmara suportou a despesa da iluminação a querosene, por dois candeeiros colocados em 1907 nas imediações da Mota, reivindicação que vinha de há muito a ser solicitada pela população. E terá sido ainda desta receita, que sairia o capital que permitiu amortizar o empréstimo feito para terminar a estrada que ligava, Ílhavo à Mota da Gafanha. E seria tão positiva a sua exploração, que com parte da receita provinda da mesma, adicionada às taxas cobradas no mercado, permitiria instalar, em 1904, o estradão de tabuado que ia da lomba até ao mar, numa extensão de 600 metros, para uso dos banhistas. Este estradão, colocado na lomba, ao endireito da mota das barcas, foi alvo de reclamação por parte dos moradores do norte, que entendiam que ele deveria situar-se mais para o «centro do povoado».


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10.4- A primeira ligação por camioneta a Aveiro

fig.76 - As primeiras camionetas.

Em 1905 foi inaugurada a primeira carreira de camioneta com acesso à Costa-Nova, ligando-a a Aveiro. Naturalmente que esta facilidade melhorou substancialmente a possibilidade de acesso à praia, o transporte de pessoas e tralhas, fazendo com que a frequência da mesma sofresse um aumento notório. Entretanto, a «quinta do Farol», de Luís Magalhães, iria ser dividida em duas, em 1922: Uma parte, a do norte, foi vendida a Marques da Costa (170 000$00); a outra parte foi entregue aos dois foreiros que lá trabalhavam desde a sua fundação. Teria sido este Marques da Costa quem, em nome da Companhia das Lezírias, solicitou à Câmara de Ílhavo o aforamento de toda a zona compreendida entre a ria e o mar, desde a Barra até Vagos, à excepção da Costa-Nova. Uma imensidão. Intenção que não foi por diante.


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fig.77 - Camioneta já no início do Séc.XX.

Em 1914, o empresário António Pericão pede para instalar, a norte da Costa-Nova, uma fábrica de guano. Felizmente, por razões óbvias, o projecto que teria efeitos catastróficos sobre a qualidade da praia, foi liminarmente reprovado.


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fig.78 - Por detrás da ponte em início, pode observar-se a «Quinta de Luís Magalhães».

fig.79 - Pedido de aforamento de Marques da Costa à C.M.I. (19/06/1922).

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10.5- A barca da passagem foi concedida aos murtoseiros Em 1926, levantar-se-ia uma intensa polémica derivada do facto da barca da passagem ter sido concessionada, também, aos murtoseiros, decisão agravada por o facto de lhes ter, ainda sido concedido o monopólio do transporte do peixe entre as duas margens. Tal permissão ter-lhes-ia sido atribuída pelo Capitão do Porto de Aveiro, Comte. Tavares da Silva  5, oriundo daquelas bandas, lá do norte da Laguna. Tal facto, considerado gravoso para os naturais, originaria uma verdadeira revolução, levando a que a Câmara de Ílhavo apresentasse uma petição a Lisboa no sentido de tais direitos serem entregues à Misericórdia de Ílhavo.

fig.80 -O arrais da barca da «passage».

fig.81 - Moliceiros na Costa-Nova.   5 Que substituiu o Com. Rocha e Cunha


102 fig.82 - Costa-Nova no início do Séc. XX (cerca anos 30).

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10.6- Criação da Comissão de Turismo A década de 20-30, do novo século, teria feito sentir a necessidade de se encontrar um novo rumo para o agregado urbano, até ali a nascer e a desenvolver-se um pouco sem regras, dum modo anárquico, para desse modo fazer um melhor aproveitamento das condições naturais, locais, que era praticamente tudo quanto até ali lhe dava carácter e forma; sente-se, pois, necessidade de levar a cabo uma intervenção profunda, para lhe desenhar um perfil urbano minimamente atractivo: criar arruamentos transversais facilitando os acessos, proceder a alinhamentos das construções existentes, procurar resolver a grave questão da iluminação e tornar mais atractivo o seu centro cívico, dando-lhe um aspecto moderno. Antevistas as potencialidades da Costa-Nova (e até da Barra), no sector do lazer, é constituída em 1929 uma Comissão de Turismo com a finalidade de estabelecer as bases de uma programação que as dinamizasse. São nomeados os Drs. Emanuel Rebocho e José Rito, para presidente e vice-presidente da referida Comissão.

fig.83 - Grupo na «Astória».

Na praia, nas cercanias da mota das barcas, viriam a instalar-se várias pensões de entre as quais se referem: «Astória»  6, «Zé das Hortas», «Azevedo», «Rafeiro», «Quintino», «Flor da Lomba», «Malaca» e outras.

No local onde mais tarde viria a fixar-se o restaurante «A Marisqueira», funcionou o café «Central»; perto deste, a norte, o «Coração da Praia» de Amadeu Telles, de todos o mais famoso e concorrido ponto de reunião dos veraneantes, local para onde convergia a fina-flor do veraneio. Em 1929 «O Ilhavense» relatava a abertura da época balnear, informando “que a Dona Maria da Conceição abria as portas do Hotel Coração da Praia e o Amadeu, abria as portas da Assembleia”.

fig.84 - Costa-Nova no início do Séc.XX.

fig.85 - Envelope da «Pensão Malaca».

6 No inicio do Séc.XX , os preços praticados na pensão eram: diárias completas 18$00 a 20$00; jantares 11$00; pequenos almoços 2$50; camas 5$00.(em «O ilhavense de Agosto 1935)


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10.7- Abertura de alargamento da marginal. Em 1930, sendo presidente Diniz Gomes, delibera-se, finalmente, abrir a estrada que ia do palheiro de Luís Magalhães, ao edifício de Alberto Pinto Basto, até ali uma estreita e desalinhada vereda; e logo de seguida é tomada a iniciativa de construir um arruamento paralelo a esta marginal, na Lomba.

fig.86 - Acta da C.M.I. de 30/08/1930 (decidindo sobre a marginal).

Tal arruamento tinha sido delineado na Câmara  7 do Dr. Cerveira, em 1898, tendo-se reservado uma faixa de 18m para construção, a poente, devendo ficar a seu lado um espaço de 8m para uma estrada, «a fazer». Ao novo arruamento deu-se o nome de Boa-Vista (só mais tarde, em meados do século, esta designação passaria a Avenida da Bela-Vista). De imediato alguns dos proprietários dos palheiros da beira-ria se propuseram adquirir os areais das traseiras que confrontavam com o referido arruamento, a nascente; a poente os terrenos são loteados e postos à venda pela Câmara, verificando-se uma verdadeira corrida aos mesmos. Constata-se um facto: nesta nova zona de edificação os adquirentes já não são, só e apenas gentes de Ílhavo e suas redondezas, pois muitos compradores são de fora do Concelho, especialmente de Aveiro e Águeda. Este movimento de vendas de terrenos, pela Câmara, estendeu-se aos terrenos sitos a norte do agregado urbano, na zona do «Bico». Aqui, as concessões dadas pela Câmara de Aveiro durante a anexação do Concelho, levantariam fortes problemas com o alinhamento que foi necessário levar a cabo, posteriormente, para a finalização da estrada marginal  8. No sul da praia, os areais que iam até à Vagueira, foram-se vendendo ou aforando, loteados em glebas (com frente de 100 metros e com 200 metros de fundo), com a ideia de transformar aqueles terrenos arenosos em terras férteis, como as da Gafanha; são referidos os aforamentos a Alberto P. Basto, Eduardo Leitão, Jacinto Pata e Dr. Júlio Calixto, entre outros. fig.87 - Rua da Boa-Vista.

7 Reunião de 27/06/1898.   8 Como o refere a acta de 1898 (7/11) - C.M.I.


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fig.88 - A Boa-Vista e as suas casas em alvenaria.

Na venda dos terrenos destinados a construção incluíam-se algumas disposições curiosas. Os terrenos eram vendidos mas os proprietários não os poderiam, por sua vez, vender a terceiros, sendo obrigados

fig.89 - Acta da C.M.I., de 1898, proibindo alienação de terrenos.


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a construir  9. Só depois, então, poderiam transaccionar a propriedade. Esta alienação intensa de terrenos (aforamentos, cedências e outras) tornou-se uma fonte de rendimento para os cofres da Câmara que assim começou a planear uma série de melhoramentos na praia, canalizando para esta zona concelhia, anualmente, uma fatia importante do erário camarário, já que a mesma era vital para o desenvolvimento do Concelho. A Câmara de Diniz Gomes mete mãos à obra: a marginal é alargada. Para norte, na zona onde grandes proprietários tinham as suas mansões (Taveira, Henriqueta Maia e outros) são definidos novos alinhamentos (que passam a ser dados pela Direcção de Estradas) abrindo caminho para a modernidade da Costa-Nova. Em 1934 será feita a ligação da Marginal, a norte, com a Boa-Vista. Seria neste arruamento que em 1930 foi criado o lugar para a primeira Escola Primária do lugar.

fig.90 - Alienação de glebas ao sul da Costa-Nova (1913).

9 Expresso na acta de 1898/11/7 da C.M.I


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10.8- Instalação do Mercado a Sul O largo da velha praceta, local onde funcionou o primeiro Mercado, ligado pelas escadinhas à Lomba (1929), é alindado com o busto do heróico Arrais Ançã, já então ícone da praia; com a ocupação do local, irá nascer um novo Mercado que se foi situar no terreiro em frente do prédio «Pinto Basto».Limitado a sul, pela ligação da marginal com a Boa-Vista, e que virá a ser inaugurado em 1934. fig.91 - Praceta Arrais Ançã.

fig.92 - Praceta Arrais Ançã.


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fig.93 - O mercado antigo.

10.9 - A Esplanada A mota da barca da passagem é deslocada do seu primitivo local, para Sul, postando-se em frente da nova praceta «Arrais Ançã».

fig.94 - A «Mota» nova.


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Com vantagens evidentes: para lá de aproximar o local do desembarque, do Mercado, melhorava-se o acesso às Companhas que passava, agora, a ser mais directo; mas o certo é que a nova posição da atracação das barcas (mota), facilitava aos barqueiros o bordo da Gafanha à Costa-Nova, quase sempre feito com os ventos predominantes de NW. Mais ainda: - a mudança teria a sua justificação dado o propósito de construir a Esplanada, pelo que era imperioso retirar do primitivo embarcadouro para a Maluca, o local das cargas e descargas. Assim, naquele local onde se situava a primitiva mota, será levado a cabo um arranjo urbanístico (1932), interessante, criando uma centralidade urbana à Praia, cujo desenho sem ser inovador era bonito e espectacular. Sendo um decalque do existente em outras praias do litoral, próximas das grandes urbes, a Esplanada tinha contudo a particularidade de se debruçar sobre a ria, permitindo momentos de indescritível paz interior no desfrutar da beleza da paisagem lagunar e da vida que nela fervilhava. E por ali ficou até meados do séc.XX, servindo de ponto de encontro de gerações, local privilegiado de devaneio, miradouro de regalo para os sentidos enrestados, inebriados com tanto enleio na natureza que aqui foi pródiga em demasia. Ponto de veraneio, passeio público obrigatório, num passa para lá e vem para cá num chuchurreio de grupos em animado brincalhar, a Esplanada, bem iluminada, era a imagem da Costa-Nova moderna, com pretensões de se inserir no roteiro dos locais de lazer que se iam afirmando ao longo do litoral português.

fig.95 - Ainda a nova «Mota».


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fig.96 - A mota das barcas depois de mudada para sul.

fig.97 - A Esplanada, passeio público, debruçada sobre a ria (1934).

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fig.98 - Vista da Esplanada.

fig.99 - A Esplanada vista da Ria

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10.10- A quinta do «Cravo» Desde 1933 que Manuel Cravo Júnior, habitual licitante da cobrança de impostos indirectos no Concelho (só o do vinho lhe rendia 72 200$00, valor notável) iniciou um processo para que lhe fosse atribuído o aforamento de uma extensa área, situada a norte do agregado urbano, e onde pretenderia implantar - dizia - uma exploração agrícola. Sem ter sequer iniciado a mesma, pede logo o acrescento de uma outra faixa de terreno contígua confrontando com a anterior, e que a norte confinava com o arruamento que ia da «casa Taveira» em direcção ao mar. O aforamento tinha o valor de 50$00 /ano.

10.11- O posto de telégrafo e telefones Era notória e vital a necessidade da existência, na Costa-Nova, de um meio de comunicação, célere, com o exterior. Reclamava-se, para tal fim, uma estação telegráfica e de telefones. Era urgente resolver a questão dos correios, pois a vinda diária, a Ílhavo, de um carteiro para levantar a correspondência, não satisfazia; e até o pequeno pormenor da venda de selos se levantou. Considerava-se ser fundamental para quem vinha de férias, ter possibilidade de contactos, rápidos e expeditos, com o exterior, facilidade que o progresso das comunicações começava a estender por todo o País, vindo ao encontro das novas necessidades do tempo. Em 1936 a Câmara solicita - e é-lhe concedido - o estabelecimento de um posto de correio, telefone e telégrafo, na Praia, tendo para o efeito cedido a casa, para a instalação do mesmo. Plenamente justificada a iniciativa dos serviços públicos, no encontrar de resposta para um problema insistentemente posto por habitantes e veraneantes, porquanto no ano anterior, Amadeu Telles que efectuava esse serviço no seu «Coração da Praia», recusara continuar o mesmo, obrigando a deslocar a venda de selos para a pensão «Azevedo».

10.12 - Salas de Cinema Em 1939, a firma Vizinhos & Filhos, inaugurará um salão cinema na Av. da Bela-Vista, a que deu o nome de Cine-Avenida. Já anteriormente, esta firma tinha feito exibições de «sonoro» no Salão Rafeiro, sito por detrás da pensão com o mesmo nome. Seria posteriormente nesse local, que viria a ser construído o Cine Bela-Vista, iniciativa do empreendedor António Félix (1943). A Costa-Nova, adquire, pois e definitivamente, até meados da década de 40, a sua estrutura urbana, que se manterá praticamente imutável ao longo dos anos. Um ou outro arranjo, mas nada que lhe mude, estruturalmente, a forma e o desenvolvimento, isto apesar de projectos, alguns de evidente delírio que felizmente não passaram do papel. fig.100 - Uma imagem do que foi o Cine-Avenida.


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11- RETRATO SOCIAL (1900-1940)


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11.1- A primeira geração A presença, na Costa-Nova, no final do século, de figuras de topo do panorama social, político e cultural do País, largamente noticiada nos jornais da época, entre outros Eça de Queiroz, Antero de Quental, António Feijó, Alberto Oliveira, Arcebispo Bilhano, Calixto Ferraz, Eduardo Mourão, José Maria Ançã, Samuel Maia, e da escritora D. Antónia do Prado, visitas assíduas do Cons. Luís Magalhães, despertaria a atenção para o local - que Eça  1 dizia ser um dos mais deliciosos pontos do Globo - conferindo-lhe lugar de relevo de entre os centros de lazer que então se afirmavam, um pouco por todo o litoral norte. A Costa-Nova assumir-se-ia como local privilegiado, fig.101 - Uma nova burguesia. preferido pelas elites, locais e distritais, para encontro anual com os espíritos letrados da época, numa espécie de vernissage cosmopolita. Os abastados proprietários, os comerciantes, os físicos, os boticários, os políticos locais, os grandes lavradores e os clérigos, vinham com as famílias para a praia - ou para aqui as enviavam, rendendo-lhes visita semanal - para gozo dos banhos.

fig.102 - O «eucalipto»2 (marco de referência histórico).   1 Para melhor conhecer a estadia de Eça, na Costa-Nova, ver «Palheiro de José Estêvão» in www.senosfonseca.com   2   Este eucalipto serve como grande referência à datação das fotografias (antes e depois de 1920).


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fig.103- Grupo do final Séc.XIX.

Mas não eram apenas as elites concelhias locais; de fora, das redondezas, especialmente de Aveiro e Águeda, chegavam barcas carregadas com utensílios, géneros, colchões, vinho, lenha e outros, e nelas embarcadas vinham as famílias ávidas de tomar, senão os banhos gélidos, pelo menos usufruir dos banhos de iodo do mar. Localmente uma nova burguesia culta afirmava-se com aspirações já muito ousadas. Dela faziam parte, entre outros, João Carlos, Teodoro Craveiro, Viriato Teles, João Quininha, Diniz Gomes, Victor Quaresma, Eduardo Craveiro, Artur Razoilo, José Guerra, José Paradela, Américo Teles, José Guerra; António Redondo, Evangelista Ramalheira, Guilhermino Ramalheira, Artur Sacramento, Manuel Ramalheira, José Craveiro, David Rocha, João Telles (Saguncho), Manuel Guerra, Manuel Mano, Manuel Marta. Do lado feminino despontavam muitas flores que cirandavam em volta desta elite, oferecendo a beleza estonteante e provocante às chispas abrasadoras provindas de olhares, que muito embora conspícuos, eram desafiadores.

fig.104 - «Açucenas» na beira-mar.


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fig.105 - Imagens da Costa-Nova (1926).

Eram muitas as mais mimosas, as mais belas e mais sedutoras. Ressaíam: a Rosinha Vieira, a Lourdes Chuva, a Dadinha Lé, a Benilde Lau, a Felicidade Mano, a Ermenegilda Picado, a Rosa Chuvas, a Berta Ramalheira, a Soledade Violante, a Maria Adelaide, a Beatriz dos Santos e muitas - muitas (!) outras -, pois se houve matéria em que terra de Ílhavo foi pródiga, terá sido no ramalhete farto de beldades femininas que nele foi gerado.

11.2- Geração de vinte /trinta Logo se seguiu a geração de vinte, importante grupo que fez a ponte com a geração anterior, e que desta recolheu o bulício, mas que alargou o leque de relacionamento, já que muitos que a ela pertenciam, ou que a ela se juntavam, frequentavam ou tinham terminado, os estudos universitários nas grandes cidades. Com eles traziam colegas ou simplesmente amigos, o que dava nova vida ao aglomerado urbano, gerando novas amizades, fortalecendo laços que perdurariam vida fora, pois que construídos num ambiente de grande descontracção e de grande intensidade emocional, tornavamse fortes e duradouros. A estes grupos de folgança estudantil, vinham-se juntar os funcionários públicos (autarquia, tribunais, notariado, etc), recriando um círculo de vivência muito amplo que conferia inusitada animação ao local, e conduzia a novas pretensões de exigência de um novo e mais adequado perfil urbano para a Costa-Nova. Nessa altura estava a praia já definitivamente incluída na rota sazonal da ocupação dos tempos de lazer, o que era importante, à medida que, definitiva e inexoravelmente, a actividade piscatória na borda diminuía de importância e dimensão  3.

fig.106 - Passeio de barca.

fig.107 - Geração de 30.

3 A partir de 1912 com o aparecimento dos «cercos americanos», a Xávega começou a desaparecer do litoral português.


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fig.108 – Ainda a geração de 30.

Salientavam-se neste «grupo»: o Manel Grilo, o António Salgueiro, o Eduardo Craveiro, o Manuel Balseiro, o Frederico de Moura, o Amadeu Cachim, o Manuel Fonseca, os Ramalheiras, o Ângelo e o Paulo, o João Senos, os Ventura, João e Manuel Ventura, os «Piorros», o Mário Graça, o Victor Regala e muitos - muitos! -, outros. Tinham estes rapazes, para lá do veraneio errante, o desboiçar encontro com alma gémea, na missão árdua e não menos ardilosa, de barganhar, no bom sentido, um bom partido. Não só porque a presença das meninas de boas famílias não podia deixar de ser atracção natural, lógica, e presumível, mas porque para lá disso era interessante, pois que as ninfas, formosas umas, outras não tanto, eram contudo, de um modo geral, herdeiras das novas e já sólidas fortunas dos seus progenitores, condição que, se os olhos não viam, as bocas apregoavam. Elas procuravam um letrado; eles um bom amparo para começo de vida.


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11.3- O Banho Nos primeiros decénios do Séc. XX, o banho do mar para os mais novos tinha chamada madrugadora; por volta das seis da manhã, ou até antes, se a maré madrugava. Findo o banho era encargo dos banheiros (ti Ricoca, Galante, Pardal e João Grande)  4 dar um cheirinho de bagaço (às vezes uma zurrapa) aos banhistas, para que estes aquecessem. Às nove horas começava o banho dos maiores, dos peraltas; a rapaziada, ainda ao tempo enfarpelados, casacos brancos cingidos e sapatos a condizer, lá ia em bandos, pela estradinha de tabuado que galgava os cerca de 600m fig.109 - Banhistas. que separavam a lomba, do mar. Estradão que tinha sido colocado em 1904, na duna, ao endireito da mota. Calcorreando-o ia-se à borda do mar, onde despegadas das famílias mas sempre sob olhar vigilante das progenitoras, lá se encontravam em galreio alegre, as moças, com a fralda revelada, sorrindo e gritos dando, predispostas a recolher as setas do Cupido, que não matavam mas alvoroçavam, agitavam, e até amaleitavam. Que importa?! Se até o coração em momentos desses, botoca, parecendo soltar-se do peito ferido. E os olhos parecem querer oferecer o que o recato nega. Curtido o olhar era tempo de mudar a farpela por um fato de banho largueirão, com perna rasando o joelho, alçado bem até cima, e, assim equipado, se achegar para perto do bando irrequieto e guloso, de avezitas ansiosas de depenicar com os olhos o que ao corpo negavam. Corpos a chapinhar no espreguiçar da onda estendendo os braços em procura de outros que os enleiem, grupo feminino da Ala dos Novos onde havia vestidos claros,

fig.110 - Grupo d’«ílhavos».

4 Em 1935 havia cinco banheiros na Costa-Nova: Domingos Agostinho, António Agostinho Portugal, Luís Ferreira, Manuel Pardal e José Portugal. Cada banho com fornecimento de barraca, custava $25. O banheiro podia encarregar-se de outros serviços como o de lavar roupa, e eram eles que tratavam do arrendamento das casas e recoletas - in «O Ilhavense» de 04/08/1935.


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«caules» simples - donde desabrocham botões de flores de casto perfume. Há corpos virgens - açucenas a entreabrir, para receberem o beijo cálido do sol. Rendas, gazes, sedas… caminham para o mar nesta hora magnífica, hora de ambrósia (…) para que aquela carne rósea seja beijada em rodilhões de espuma, assim o expressava um postal de 1925, em «O Ilhavense». A praia virava jardim, transformada num açafate contendo açucenas a abrir para receber o beijo cálido do sol. Colos de carnes palpitantes que se erguem como lírios brancos. E ombros tão braços e olorosos que lembravam as alvas e embriagantes magnólias. Flores de terra dentro a mergulhar, envolvidas por rodilhões de espuma, davam entrada no mar aos pulinhos e às risadas, enquanto os olhos gulosos da rapaziada mergulhavam no canistrel transbordante. Terminado o banho, regressados à urbe, era hora da caldeirada. Ninguém melhor para tal ajustamento de contas com o tempo, do que a «ti Tibajouja», mulher sempre na dilairada em volta da trempe, a dar forma, cor e tempero, a uns peixes a nadar num caldo de unto açafrado. Ou atracação à raia de pitáu da Epifânea, onde a molhanca, uma papa apimentada de azeite avinagrado em que ferviam os fígados do peixe a que o alho emprestava um odor penetrante, era vitualha capaz de dar quebranto à larica. A exigir sesta retemperadora em cadeirão de verga, a olhar os longes do Caramulo antes de um passar pelas brasas, exercício útil para aqueles pagodeiros a quem sobrava dia e faltava noite.

11.4- Jornais Manuscritos

fig.111 - nº1 do «Buzio».

Mas se o estado do mar era ruim d’encantaria e não dava para ir ver sair a rede, o veraneante ainda podia ir até à «coroa», a ver se apanhava um borrelho, antes de se vir refastelar no palhinhas para se entreter, como era moda, na feitura de jornais manuscritos («O Búzio», «O Berbigão» e outros). Folhas manuscritas de chuchadeira, lacónicas, chistosas, de período curto, cheias de chalaça e arrelia, ou de novidades actualizadas com as últimas do dia (ou da noite anterior), e que passando de mão em mão iam servindo de motivo de conversa aos magotes de circunstantes achegados, alertados pelos risos


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ou comentários badalados à boa maneira local: em desusada festa, em alegre e espalhafatosa galhofa, numa alarve e tonitruante vozearia.

fig.112 - A Marginal frente ao Salão Arrais Ançã5.

11.5- O «Bico» e a Biarritz De qualquer modo lá pelas quatro horas era tempo de ir ao «Bico», - essa clara banheira de água salgada  6 - por onde na altura se alinhavam já umas barraquitas para resguardo do vento ou da canícula. As belezas, ali mais afoitas, chapinhavam alegremente em grupo, parecendo pedir aconchego de braços poderosos para lhes transmitir segurança no atrevimento de ir fora de pé. No início dos anos trinta, o «Bico», um espraiado de areia fig.113 - O «Bico». até ali praia estuante de gozo, enamorada do sol, apaixonada da água e luz… ficou atolado no lodaçal; foi hora de ir mais longe procurar praia, a que se deu o nome pomposo de Biarritz. E logo os veraneantes da Barra, gentes vindas de Aveiro, de tiques citadinos, novos ricos pretensiosos e aburguesados, agrupados em torno da sua Assembleia, centro de toda a distracção estival, logo trataram de arranjar praia a que deram pomposamente, e em resposta, o nome de S.Sebastian. Tinha esta praia lagunar características sue gèneris; águas profundas, debruçava-se sobre o «canal do Desertas». Tinha areias muito macias e brancas que montavam duna acima em forte declive, permitindo à rapaziada mergulhos espectaculares.   5 Impressionante o número de Moliceiros entrevistos nesta imagem. Chegavam a ser duas a três centenas a fainar.   6 Saguncho & Tainha


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fig.114 - O «Bico» e as primeiras canoas à vela.

fig.116 - O «Bico» (ao fundo o «Desertas»).

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fig.115 - O «Bico».

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11.6- Passeio à «Bruxa» Ia-se ao banho da ria. Enquanto alguns veraneantes de chapéu e guarda-sol aberto se passeavam pela borda de água, de polainas e paletó envergados, a malta nova, mais atrevida, procurava com afã embarcar nos dinghies as beldades para uma ida à «Bruxa», à vela ou a remos. E se não se procurava a «ti Norta» para a cura de qualquer malezinho, procurava-se o jorpigão servido no altar da sua tasca, o qual tinha um efeito demolidor sobre os corações das moçoilas. Volvendo-as mais doces e mais participativas nos jogos amorosos, mais abertas ao enlevo, menos ariscas, mais industriosas que ligeiras, mais macias que indinadas, tornandoas por artes da beberagem, ainda mais fermosas. Se é que tal era, ainda, possível.

fig.117 - Passeio à «Bruxa».

Pela tarde era o regresso ainda a tempo de dar um salto à beira-mar para assistir à saída do último arrasto. Aí a azáfama era grande; no terceiro lanço o saco negro parecia uma baleia encalhada de onde brotavam miríades de reflexos do carapau estreluzindo no convulso estertor ao sentir-se preso no seu interior. Junto aos barracões separava-se o peixe para ser despachado. Os almocreves aguardavam, nervosos e ansiosos, por apanhar a barca do «ti Labareda» para, do lado de lá, carregarem os seus burricos com os gigos de peixe prenhes. E toque-toque, lá partirem a tropear, velozes, rumando apressados a caminhos de Cristo, trepando a esses montes lá bem para cima, arfig.118 - O passeio no «Laide». rebentadinhos em perseguição da alva, carregando a sardinha taluda ainda vivinha para o interior das beiras aonde chegará na manhã seguinte, ainda de olho transparente.

11.7- Os bailes da Assembleia Chegado o fim de tarde, cansados do dia de tanto bulício, recolhiam-se os veraneantes ao refastelo da ceia. Antes do repasto fumegante se alcandorar às mesas dos comensais, era ainda momento para, às portas dos palheiros, se entreterem com uma última bisca lambida. Findo o refastelo, aperaltados, de camisa atada com gravata de seda sob casaquinho cingido a acentuar a ombreadura de atletas, sapatinho caiado amparando a calça janota afunilada, o palhinhas pousado no cimo da cabeça cobrindo um cabelo bem untado, era já tempo de acorrer à Assembleia. A um canto o piano aguardava, parecendo ansioso da chegada da jazz-band do João Pretinho para lhe acompanhar a voz roufenha vinda de uma garganta arranhada, terminada por uma dentuça alva a parecer querer dar o fora quando o João saltava, frenético e funambulesco, no ritmo convulsivo dos sons rechinantes provindos


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fig.119 – Grupo Rádio Jazz.

do instrumental. Toda aquela juventude entrava a rodopiar de um modo agitado e gralheiro, saracoteante ao ritmo da tungada que fixava o compasso dos acordes que cruzavam o ar do salão. Muitos outros «grupos» de baile animavam os bailaricos; o «Cartola», o «Ilhavense Jazz-Band», o «Rádio Jazz», todos eles eram os assíduos animadores das noitadas trepidantes, vertendo enxurradas sonoras provindas dos estridulantes metais sobre os frenéticos bailões. Uma ou outra vez, em noites mais calmosas, o trinado dolente do fado substituía o frenesim musical da dança. E até, em uma ou outra noite, elegia-se a poesia romântica da época, declamando-a com ardor, ênfase, olhares e gestos adequados à pretensão de despertar os mais comovidos e ardentes enlevos, no intuito de facilitar a circulação dos fluidos amorosos.

fig.120 – Uma bateira carregada de flores viçosas e os «mirones».

As raparigas tinham já atirado às malvas os trajos de tricana; agora, o fatinho caído, cingido, desenhava-lhes já as formas; a perna esbelta, gentil e bem torneadinha, aparecia ao léu, antes do pézinho delicado calçar os sapatinhos de meio salto, abotoados no artelho, indispensáveis para melhor escorregarem, levezinhas, nos doces e lascivos shmmy’s ou nos ardentes


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one-step’s. Ou para o salteio nos mexidos charleston’s. Ferramenta indispensável, fosse para cirandarem ao som dos cálidos e palpitantes maxixes, fosse para se entregarem aos compassos boémios dos foxtrot’s. Bailações que integravam o cardápio das danças em moda, em namoros a que só por irrisão se poderia chamar flirt, se ignorado o que há de espiritual e gracioso no jogo de amor platónico  7. Entre danças, conversas, namoricos, olhares dirigidos, fugidios ou penetrantes, entrecortados por suspiros murmurados em sussurro proveniente de almas apaixonadas, alinhavam-se concursos poéticos e de traje, récitas, fados, jogos das prendas e das navalhinhas, tudo servindo de entretém a uma juventude a despertar, maravilhada, para a vida.

11.8- Pic-nic’s Era vulgar organizarem-se pic-nic’s. Dos mais habituais e mais desejados acontecimentos da época estival, eram sempre esperados com grande ansiedade e alvoroço pelos grupos em veraneio. Em data aprazada, fretado um mercantel, lá embarcava o grupo do folguedo saindo logo de manhã, acompanhado por uma qualquer jazz-band, desde que estridente, ressoante e zunidora. Iam os piqueniqueiros carregados com «as cestadas» que o esmero das meninas tinha preparado, em grande (mas secreto) alvoroço. Qual delas melhor se aprimorando para, no momento certo do repasto em grupo, desensacar as melhores vitualhas, apresentando aos olhos cobiçosos de uns, e despeitados de outras, os melhores e mais apetitosos petiscos em cuja feitura, as mães, tinham afadigadamente e cheias de brio, colaborado, dando-lhes o toque acurado da experiência. Uma boa cestada era meio caminho andado para insinuar os dotes de boa dona de casa junto dos putativos candidatos. Factor que muito podia influenciar o potencial interessado, levando-o a declarar-se, sem mais espera. O passeio era (normalmente) feito para a outra banda, para um terrado situado junto da igreja Matriz da Maluca, um bom local para o aprazado bailarico, ponto alto do programa; ou então para mais longe, ali à Senhora das Areias. Ao fim do dia, os jucundos grupos eram esperados pelos familiares; e todos, em verdadeiro farrancho, percorriam a praia acompanhados pela charamela estridorosa, recebidos com esfusiante alegria ao longo da marginal com as varandas dos palheiros engalanadas, criando uma onda festiva que animava e envolvia toda aquela gente, em procissão galhofeira. À noite, na Assembleia, não faltava o bailarico para encerramento do dia, terminando só madrugada alta a farrambamba.

11.9- Chinchada Outro dia assinalado na época balnear, era o da chinchada. Promoviam-se chinchadas com frequência. Mas uma vez por ano realizava-se a chinchada monumental, quase sempre em meados de Agosto. Constituído o grupo que vestia por um dia a pele duma Companha da borda, assumia-se a preceito o papel no fazer de conta de chincheiros a varrer a beirada da ria à procura de caldeirada para a ceia. Contratava-se um arrais da arte e lá iam todos   7 «Saguncho» in «O Ilhavense» de 08/09/1929

fig.121 - Chinchada Monumental.


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fig.122 - «Chinchada».

fig.123 – Uma «chincha» e Moliceiros: paisagem típica lagunar.

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embarcados nos chinchorros. Dado o lanço, a tripulação varava a bateira, e, saltando em terra, entregava-se ao alar das redes, deixando descair a manga a montante sobre a outra, até ao levantar do saco com o peixe capturado. Em embarcações acompanhantes seguiam as chincheiras femininas, que lestas se mostravam prontas para dar uma ajuda ao erguer das mangas para impedir o peixe de fugir; ou ainda, atentas, a servir os esforçados pescadores de um gole de bebida adequado para atenuar o esforço excepcional do dia. Sempre lastrado com algo sólido para aconchego dos estômagos mais engelhados. Finda a maré, enodoados do vinho, empanturrados com as talhadas de melancia, pintalgados de areia lodosa, percorria-se a praia mergulhando-a numa alegria esfusiante, quase se atingindo uma orgia colectiva com os sons provenientes da banda contratada para o efeito, a obrigarem os corpos à dança, e assim a se entrechocarem na boémia afandangada do momento. Encarnadas, rubras e escaldantes, eram as horas em que os corações dos dois sexos se fundem no rubro cadinho do delírio, a embriagarem-se mutuamente no absinto da dança, no ópio dos olhares, na electricidade dos corpos, assim descrevia Saguncho em «O Ilhavense» de 16/08/1925, o fim de uma dessas chinchadas.

11.10- As touradas e as garraiadas

fig.124 - Garraiada.

Desde 1904 que se vieram organizando garraiadas e até touradas, na Costa-Nova e na praia da Barra. Em 8 de Novembro de 1904, um grandioso cartaz dava conta da realização na «Plaza di U Pharol» de uma tourada onde «7 - cornúpetos - 7» seriam lidados. Estas organizações estavam cometidas ao Clube dos Galitos ou ao Recreio Artístico, e eram seus habituais organizadores, Lino Marques, Francisco Freire e Francisco Encarnação.


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O primeiro anteplano urbanístico da Costa-Nova, previa mesmo, a construção de uma praça de touros, sendo certo que o referido plano, por estranho que pareça, não contemplava qualquer local para a prática de desportos náuticos.

fig.125 - Plano de Urbanização.

11.11 - Regatas Datam também desta altura (1904) as primeiras regatas, sendo a organização destas cometida aos banheiros. Eram regatas em esquifes, ou outros tipos de embarcações a remo, e moliceiros à vara. Em noticia da época (18 Setembro daquele ano), registam-se os nomes de figuras referenciais da nova sociedade pequeno-burguesa que despontava em Ílhavo, e em Aveiro, no início do novo século. Em 1935 noticiava-se a realização de grandiosas regatas na Costa-Nova organizadas pelo Sport Club do Porto, onde, para lá de 14 dinghies, competiram, ainda, bateiras, dóris, caçadeiras, moliceiros e mercantéis (à vara). Registamos que: -na caçadeira «Néné», Mário Graça ao remo, e Soledade Mano ao leme, competiram com a «MiMi», em que Victor Gomes dava mão ao remo, e Maria Conceição Pinto, lemava. -na bateira «MariaTeresa» remava Ondina Mano e timonava Aníbal Ventura, competindo com a «Ondina» de Ermelinda Picado e Victor Regala.

fig.126 - Regata a Remo na Costa-Nova (1935).


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132 Já nos dóris, no «Catrineta», embarcaram João Ventura, João Piorro e João Adriano, competindo com o «Maria da Glória», tripulado por José Calixto, Mário Graça e Manuel Ventura. No «Freda» remavam Amadeu Cachim, Aquiles Bilelo e Euclides Vaz, batendo-se com o «Marazul» de José Piorro, Victor Gomes e Mário Júlio Freitas. Nas regatas à vara salientaram-se os moliceiros, «Arreda que tispeto», o «Bamos lá cum Deus» e o «Talbês tiscreba». À noite houve festa de arromba na distribuição dos prémios. (…)De madrugada, quem ia para os banhos, ouvia o ressonar nos beliches das recoletas. A malta imigrante também ressonava alto na «terceira» dos palheiros lá do sul   8. Só a partir do primeiro quartel do século se realizaram as primeiras regatas à vela, navegando-se em embarcações do tipo canoas com velas latinas triangulares, as embarcações que antecederam o aparecimento dos Vougas.

fig.127 - Regata de 18 Setembro 1904.   8 «Saguncho» in «O Ilhavense»


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11.12 - «O Vouga» O «Vouga» foi uma curiosa embarcação de recreio que apareceu na Costa-Nova, com um desenho e características muito bem recriadas para o passeio de grupos, na Ria. Calando muito pouca água, ajustando o calado móvel à profundidade encontrada, é capaz de transportar até 6/8 tripulantes. Sendo um barco muito rápido, está muito bem adaptado aos ventos locais e à navegação interior em águas por vezes agitadas por ventos fortes, habituais, do quadrante norte. Foi António Gordinho (engenhoso carpinteiro naval, autodidacta) quem respondeu com mestria ao caderno de encargos, e às exigências postas, adaptando às condições locais uma embarcação semelhante a «uma» que teria visto, ou que lhe teria sido sugerida (segredo ainda hoje não esclarecido). E assim, em 1925/26 António Gordinho começa na sua oficina a construir este tipo de embarcação; trabalho complexo o arquear das cavernas inteiriças, para o efeito mergulhando as peças em água quente, e depois, firmando-as por extensores de rodilha, fixando-as na quilha longa, até lhes sobrepor o costado feito de tabuado encostado, vedado por calafeto. Mas e principalmente por inchamento do mesmo, depois de mergulhado, uns dias, na água salgada. O «Vouga» foi o tipo de embarcação que fixou gerações e gerações de jovens, à ria, e lhes permitiu visitar as cales mais recônditas, os veiros mais esconsos, percorrendo nele toda a Laguna, do Carregado à Vagueira, de uma ponta a outra. Das mãos daquele habilidoso carpinteiro - naval - das horas vagas que no Inverno se dedicava à manutenção dos palheiros de madeira da praia, terão saído cerca de quatro dezenas de «Vougas».

fig.128 - O «Vouga» Laide.

Ponto alto da época estival, era a Regata da Srª da Saúde, onde os mais hábeis e os mais afoitos competiam com os que tinham melhores barcos, tentando suprir o handicape. Nas vésperas era tempo de carenar as embarcações, no «Bico», ensebando o seu casco, reforçando os brandais, afagando o patilhão, cintrando o mastro ou ensaiando o velame. Procedendo às últimas afinações na esperança de ganhar uma competição que elegia o melhor cana até ao ano seguinte. Facto que os jornais locais destacavam com a devida amplitude, presenciado por assinalável número de curiosos que da margem assistiam às manobras graciosas dos elegantes veleiros, em disputa cerrada.


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fig.129 - O «Vouga» Laurita.

fig.130 - Um «Vouga» - vagabundo da Ria.

fig.132 - «Vougas» a rondar a bóia.

fig.131 - Regata de «Vougas».


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fig.133 - Regata de «Vougas».

fig.134 - «Vougas» junto a marginal.

fig.135 - Os «Vougas» do «Ti Taínha»

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12- EVOLUÇÃO URBANA 1940-1970


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12.1- Hotel e Casino, «Beira-Ria» Em Julho de 1947 será inaugurado um excelente Hotel, instalado em novo edifício que veio substituir o antigo Salão Rafeiro  1. A seu lado viria instalar-se um Café-Casino; ambos, fruto do espírito dinâmico e inconformado de António Félix. Tratou-se de uma unidade hoteleira que ombreava com o que de melhor existia na região, soberanamente localizada, gozando de uma excelente vista, profunda, larga e abrangente sobre a ria, dotada de um serviço de que se disse, na altura, ser verdadeiramente exemplar para a época. Dava acesso ao hotel um espaçoso hall que funcionava como sala de estar e convívio, ligado a uma sóbria, mas elegante e ampla, sala de refeições. Do hall saía uma larga e suave escadaria, muito bem lançada, com um corrimão em granito lavrado, que dava acesso aos 30 quartos, de que retenho uma vaga ideia de serem elegantemente decorados e muito bem fornecidos. Ao lado do Hotel, e propriedade do mesmo António Félix (que abriria também na Barra, o belo e esplendorosamente decorado «Café Farol», veio a ser instalado, como referimos, o Café-Casino Beira-Ria. Um bonito, amplo, airoso e muito confortável «café concerto» dos anos 50.

fig.136 - O Hotel e Casino «Beira-Ria».

No seu interior, sobre a zona de serviço de balcão desenvolvia-se um piso intermédio, local de acolhimento das várias orquestras glennmillerianas da época. Obrigatoriamente com os seus elementos trajados a rigor, metidos em garridas, rebarbativas e exóticas vestimentas de lantejoulas, soprando em brilhante, polido e estrondoso instrumental. O referido café virou de imediato ponto de encontro das novas elites; o movimento era intenso e o local viria a tornar-se o centro de diversão nocturna por excelência, o local mais «inn» e rafinè do fim dos anos 50.   1 Neste Salão, a firma Vizinhos Irmãos e filhos, deu, em 39, as primeiras sessões de sonoro.


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Havia no ambiente um certo charme de gente fina, de luva branca. Era uma nova burguesia que se pretendia afirmar distinta, adoptando os estereótipos em voga para assim melhor se salientar. Nas mesas o vocabulário era cuidadoso, mas de circunstância. Os clientes bem aperaltados, embora já um pouco leves no trajar «à inglesa», subiam ao primeiro andar para uma batidela de cartas. Enquanto isso, as matriarcas com os penteados de rodilhas, metidas em vestidos já generosamente decotados, abanavam os leques para fazer frente aos caloraços, matando o tempo bebericando um chá, à espera do consorte (?!). A juventude feminina exibia os seus vestidos camiseiros de godé, nylons ululantes, meia de seda realçando a curvatura da perna que se vinha calçar no sapatinho preto, raso; cintura bem marcada (apertada e bem cilhada) de onde saiam curvilíneas e pronunciadas ancas. Grande parte do rapazio trajava de branco: calça, camisa e sapato. No primeiro piso do Casino, pretendeu-se, aí, instalar um Casino de jogo. Foram feitas diversas démarches para obter uma licença, tendo em vista criar uma zona de jogo, alternativa às de Espinho e ou Figueira da Foz. Não foi, contudo, obtida a necessária autorização. E rapidamente o local foi usado para levar a cabo bailes de estação, com o que se pretendeu recuperar a belle époque dos anos vinte, organizando-se para o efeito - com finalidade de recolha de dádivas para a festa religiosa - vários concursos: da mais bela da praia, do vestido de chita, da estação das vindimas etc. etc. Tudo servia para justificar a finalidade de manter, animados e descontraídos, os comensais da Costa-Nova.

12.2- A presença dos Matolas Ao esplendor desta sala, sucedeu a decadência da Assembleia Arrais Ançã, que passou a ser pousio dos veraneantes bairradinos - os matolas  2 - que vinham a banhos em Outubro, depois de terminadas as vindimas. Deixada a adega bem arrumada, cestos lavados e empilhados, pipas encanteiradas aonde fervia o mosto à espera de cura, as alfaias postas em descanso no esconso da eira, era tempo de vir desmoirar o corpo à praia. A Costa-Nova, em Outubro, perdia espavento burguês, ganhando, contudo, encanto rural, hábitos e tiques da gente do interior, com uma vida mais calma, menos esfusiante, menos turbulenta, mais virada para o repouso familiar à beira-mar. Vinham para a praia tomar banho, de sol e de mar - e que continuavam a fazê-lo, ainda completamente vestidas dos pés à cabeça -, para descansar depois de período extenuante de trabalho na lavoura de suas casas agrícolas. Mantinham, contudo, os hábitos e costumes que lhes eram peculiares. Faziam vida em grupo, à volta da mesa, refastelando-se com as boas vitualhas que cada um primava em trazer das suas abastadas casas de lavoura. Vinho da melhor cepa e bácoro da melhor ceva. Faziam gala na chança com que as apresentavam à mesa dos amigos ou de simples conhecidos do momento. A festa, essa, era feita pela rapaziada mais nova que acorria aos bailaricos dos fins de semana outonais, com a subida esperança de entabular faladura com moçoila de carnes, rijas e fartas, arejada e viçosa, no intuito de sobrepesar a dimensão do dote da catrapiscada, muito especialmente quando chegada a hora de contabilizar os pés de cepas, ou mais prosaica e directamente, o numerário de cântaros do Bairrada armazenados, de que elas com matreirice sugeriam ser herdeiras. A bailação era de pega, corre e leva, sem a modernidade burguesa. Mais cantiga de roda, menos sensual, embora exigindo muito mais fôlego e muito mais arcaboiço para conduzir nos braços verdadeiros bulldozers, que, embalados, difícil era parar, ainda que muito afinados fossem os travões.

2 Matolas- era nome depreciativo - imerecido - dado aos «bairradinos». Por analogia com o moliceiro gafanhão - o matola – longe do espavento do moliceiro lá do norte. Facto é que se tratava de boa gente, lavradores de ricas e grandes «casas».


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12.3- O primeiro «biquini» na Costa-Nova Zelava nos anos cinquenta pelos bons costumes na praia, o cabo do mar Luís. Era vê-lo pelas onze horas a chegar à Biarritz, montado na bicicleta, pachorrento e gorducho, quase roliço, fardado a rigor, a suar as estopinhas. Amourada a bicicleta, ia o cabo colocar-se no alto da duna a observar a juventude no banho da manhã (o da tarde era às cinco, no mar), à procura de algum(a) que mais atrevido ousasse furar os regulamentos da moral e bons costumes que o regime fazia questão de ver bem respeitados e bem praticados, em público. Que exigiam, em nome da dita defesa, que as raparigas fig.137 - Cabo Luís. fossem obrigadas ao uso de fato de banho de uma só peça, escondendo dos olhos o que a natureza tão pródiga lhes concedera; enquanto uma saiinha defendia dos olhares gulosos as partes íntimas entre coxas, em cima, um decote justo sustido pelos ombros, tornava pouco permissível a olhares conspícuos os alvos peitos que desabrochavam. Naquele tempo ainda não era chegada a hora das fausse-maigres, e as mulheres «queriam-se» como a sardinha: pequeninas, cheiinhas e redondinhas. A rapaziada era obrigada a usar calção largueirão, com perna de três dedos a descer pela coxa, e camisola interior que lhes tapava o peito e ombros, assim inibindo a prosápia de mostrar a sua parecença com um qualquer lutador greco-romano. E quando um - ou uma - mais atrevido(a) ousava desafiar o regulamento, o que era vulgar naqueles que de barco desembarcavam na praia e assim se faziam desentendidos, lá vinha o cabo, de botifarras, a correr ofegante, aos baldões pela areia, chanfalho a zangalhar na cinta, apito na boca fazendo um escarcéu, disposto a cortar, célere, o abuso do impúdico(a) e desaforado(a) banhista. Atrás dele, fig.138 - O «chupa-chupa» e a bolacha americana. no intuito de amenizar os humores do cabo, lá ia a «Zózó», moçoila muito bem composta, filha do banheiro Abreu, que com o Portugal e o Maaia, eram os banheiros de então. Com uma ou outra brejeirice a «Zózó» lá acalmava o representante da autoridade, que acabava perdoando ao atrevido desrespeitador das boas regras e maneiras. Que o regime Salazarista exigia para, dizia, manter a moral e os bons costumes, refreando a licenciosidade e assim zelar pela imprudência humana que o desejo sempre enleva, nas alvas carnes assim mostradas.

fig.139 - O banheiro Maaia.


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142 Em 1956, a rapaziada da Costa-Nova foi alvoroçada por uma notícia que se propagou como o vento: umas franciùs estavam no mar a tomar banho, com um simples e reduzido biquini, a tapar as suas vergonhas (?!). Houve uns que pensaram que aquilo era uma patranha, tipo da baleia apregoada aos matolas pela imparável dupla do Benjamim & Pitato, e deixaram-se ficar. Outros, crédulos, não esperaram mais. E a corta mato pela duna, peregrinaram para a borda para assistir a tal espectáculo. Sentados na areia, pareciam cães açulados à porta dum talho: língua de fora numa cara alorpada, olhos afusilados que pareciam querer saltar das órbitas para irem aterrar nos corpos abrasados das turistas. O espectáculo do deslumbramento patético, de uma papalvice alarve não poderia ser maior, nem mais descarado. Na lomba que dava acesso à borda, alguns mais atrevidotes logo desombraram as inestéticas e redutoras camisolas interiores, parolas, ao tempo que comentavam em galhofice imprópria para indígena, mas inofensiva para as «françiùs», o que lhes era permitido ver. As francesas - essas! - sem se importarem, ou talvez até apreciando o impacto que os seus belos corpos produziam em tão especada assistência, lá continuaram com a banhoca. Que iria acabar, breve.

fig.140 - O banheiro Abreu.

Pois que o pior estava para acontecer. Não se sabe porque carga d’água, uma delatora - quem sabe se por inveja ou por acinte zanaga - depois de certamente se benzer três vezes a exclamar que o mundo estava perdido, achou ser missão cristã defender a rapaziada da perdição daquelas humanas rosas que, despindo-se, se faziam ainda por artes, mais formosas. E dá de mandar aviso ao cabo Luís, que acorreu afogueado ao chamamento, deixando a «mula» - a bicicleta - esparrinhada na areia. Solícito zelador da ordem e da moral da beira-mar, veio lépido interromper o banho das divas. E por entre gritos, assobiadelas, uàhs! e outros impropérios avançados pela rapaziada, achegou-se às «pecadoras». Os bisganaus postados na duna logo mostraram em farto alarido o seu desgosto pela interrupção da visão onírica das «virgens» no banho, quem sabe a matar na água o fogo que as consome. O insólito da cena sobreveio quando o cabo Luís quis falar, e pedir às demoiselles para taparem as mamocas e os cùses, e elas espantadas a inquirir:- Quoi? Quoi? O pobre «cabo de ordens» bem se esforçava: - nem quá nem meio quá. A pataria está lá no Sul, no Ferreira da Costa. Vá tapem-se… senão… e dá de fazer com os dedos cruzados o sinal universal do a ver o sol aos quadradinhos. Para o rapazio tinha chegado o momento da vingança. Aquilo não se perdoava, mesmo que a «autoridade» fosse o bom cabo Luís. Que por cause veio, nesse dia, com a «mula» aos ombros, pois que os pneus da dita apareceram mais vazios que a ria na baixa-mar em dia de maré viva.


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12.4- Urbano, Gentes e Natureza Em meados do século passado, a Costa-Nova, debruçava-se ainda então sobre a Ria, permitindo ao passante gozar o espectáculo dos moliceiros que, ronceiros, penteavam a ria na recolha do moliço em deambulação contínua, ali, à vista de um olhar. Certo é, porém, que a praia tinha já forma urbana esboçada, distribuída por espaços já completamente definidos em meados do novo século, com identidade e fins bem identificados. A norte instalaram-se as vendas (cafés, tascos, mercearias e de outras tralhas) e os palheiros, aqui e ali já transformados em casarões que a modernidade tinha consentido, embora que ainda nem sempre esteticamente valorativos da paisagem urbana.

fig.141 - Costa-Nova finais dos anos 20.

A sul, a classe piscatória imune a influências exteriores, continuava fechada em si mesma, como que enclausurada voluntariamente em gueto, vivendo numa rusticidade assumida. Que mais parecia esconjuro de desígnio superior, tanto era o seu suado, esfandegado e estrafegado labor para sobreviver. Vivia praticamente alheada daquelas gentes da alta, amigas de luxar e pandegar que doidejavam lá para as bandas do norte, e que apenas, de quando em vez, apareciam pela borda, a olhar, olhos espantados, o mourejo esgalmido que fazia escorrer o suor em borbotões pelas levadas esculpidas nos rostos mortificados dos pescadores, engolfados no ganho de uma parca, somítica e sofrida, sobrevivência. Mas era certo: para os comensais do sensório, o bodo era de monta. De manhãzinha já o barbazanas de fogo garimpava na serra a espreitar por detrás da paisagem recortada de onde se destacava o Caramulinho. E logo a ria se inundava de um dourado afogueado a faiscar nas cintilações da mareta, estremecendo como que estremunhada, ao ser acordada pelo sopro estival. O tempo monta, e com ele monta o astro rei para se ir empoleirar no meio-dia, de onde fuzila as águas, encharcando-as de um prateado ardente. A causticá-las de fogo, num ardego de que as próprias gaivotas fogem para encetar uma bordada lá pelos frescos do mar, para irem debicar no remoalho do lanço esquecido no areal. Tanta era a pressa para acudir à sardinha que urgia despachar, que pequenos montões de peixitos, miúdos, ficavam esquecidos no areal. À medida que o dia se esvaía, o esverdeado tomava posse das águas, reflectindo um dégradé que parecendo provir dos pinheirais, se esbatia por entre os milheirais, até se esparramar pelas águas da ria. Apreciar à noitinha a paleta da Costa-Nova era (e é!) mergulhar numa orgia incomparável. O vermelhão do pôr-do-sol no horizonte envolve toda a praia tingindo as areias que à borda vão receber as queixas do mar. Ou escorre nas ondulações da lomba, encharcando-as de sombras e brilhos. É altura para lá de longe, emergindo do escuro serrano, se soltar a lua para verter um prateado maravilhoso sobre a superfície serena, quase vidrada, da ria. Que parece pronta para o sono, a mirar-se ao espelho antes de se ameigar na almofada da neblina que, rasteira, lhe vem servir de conforto ao codorno. A luz inunda o malhadal da Maluca, de onde se destaca, na outra banda, a horda de maçaricos noctívagos que debicam, saltitantes e irrequietos, à procura de um «pulgão do mar» por entre montículos de sargaços acamados, prontos para


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serem escarrapachados na padiola do semeador. Estão na fase de adoçamento, à espera do momento em que serão levados para irem engordar as areias lassas, dando-lhes força para gerarem vida. E é então que o colimbo mergulhão aproveita para se banhar na ria de prata, ondulando-a ao chapinhar nas suas águas, realçando-lhes o prateado exuberante, que refulge, cintilante.

12.5- Destruição da Esplanada; Terraplanagem da ria

fig.142 - O areal que destruiu a «Esplanada».


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E foi então, em 1972, que a J.A.P.A. em acordo com a Câmara Municipal de Ílhavo, provocou uma intervenção profunda e radical, e pouco justificada, mesmo irracional, ao retirar a marginal de defronte dos Palheiros, destruindo de uma só vez, e para sempre, a Esplanada, o altar onde gerações tinham pingado de amor e jurado promessas, nos enlevos do período estival. Era para ali que às vinte e uma horas, pontualmente anunciadas na «Rádio Faneca», logo após o jantar, que toda a juventude convergia. E em grupo, deambulando entre o norte e o sul, de um ponto ao outro da esplanada, pelo seu corredor ou pela estrada que lhe era contígua, se passeava um mundo de gente descontraída, para encontro e conversa. Havia quem optasse por ir ao «Pardal» buscar amendoins; ou à «ti Emilinha», um cartucho de línguas de gato, para, sentados sobre a amurada da esplanada, por ali ficar a ouvir os cantores e músicas da moda: - as simones, os calvários, os mários simões, os tony de matos e a coqueluche da época - o shegundo galarza e outros. A fazer hora até que a «Rádio Faneca» anunciava, às onze, a despedida. Era hora de acompanhar a eleita a casa. Depois vinha-se novamente para a Esplanada, e por aí ficava a rapaziada até um pouco mais tarde. Nos palheiros da marginal, os terraços enchiamse de matriarcas que iam tagarelando enquanto esperavam as filhas. Ou dando à agulha a tricotar mais uma piolheira  3, não perdendo a ocasião de pôr o olho para os pretendentes que borboleteavam em torno das «suas» princesas. A Costa-Nova pareceu ferida de morte com essa intervenção. Na altura - e talvez ainda hoje pouco compreensível, parecendo inútil quanto aos fins a que se propunha, e até despropositada. Foi criada uma larga zona de areal, afastando as águas da ria cerca de uma boa centena de metros, para nascente, com o intuito - dizia-se - de corrigir as margens. Depois de ensacado o areal, perante o desconsolo e desencanto universalmente expressos, foram alvitradas várias soluções para implantar um espelho de água naquele inestético deserto de areias. Não passariam de promessas, mantendo-se praticamente um areal abandonado durante largo tempo. A Costa-Nova perderia, assim, um dos seus mais belos atractivos. Pareceu, então, que a praia não teria futuro. As muitas embarcações de recreio que habitualmente fundeavam no «Bico», ou até em frente da Esplanada, deixaram de ter varadouro, desaparecendo quase que na totalidade, pois nem sequer houve o cuidado de arranjar fundeadouro alternativo. A Biarritz acabou, dada a invasão do areal pelas águas da ria, deixando de ter condições para receber os banhistas. O que salvou a Costa-Nova da imediata exploração imobiliária, e da inevitável e consequente destruição da sua imagem de marca, única no litoral português, terá sido a existência e preservação dos palheiros anteriormente sitos em frente da ria, no local mais nobre do agregado urbano. Exuberantes na garridisse das suas riscas, despertaram a atenção pela singularidade e exotismo do seu visual, exortando à manutenção - e até à recuperação - das suas formas. O arquitecto urbanista de então, Samuel Quininha, repeliria todas as audácias de os descaracterizar, protegendo e até lhes devolvendo os tiques vindos do passado. E em madeira, ou já imitando as riscas brochadas sobre alvenaria - do mal, o menos! - a Costa-Nova recuperou o estatuto singular, pela visibilidade e referência alcançados pela preservação do seu património histórico, os risquinhas. Verdes, amarelos, vermelhos e azuis, passaram a merecer especial e carinhoso cuidado por parte dos que se assumiram seus guardadores, e por aqueles que os descobrindo, se apressaram a fixá-los - e divulgá-los de tal modo que a Costa-Nova se tornou ponto de visita obrigatório a incluir nos roteiros turísticos.   3 Piolheiras eram camisolas de lã grossa, muito adaptadas para vestir em dias de vento, e que vulgarmente eram utilizadas pelos pescadores na faina.


146 fig.143 - Costa-Nova meados SĂŠc.XX (antes da terraplanagem) - vento mareiro.

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fig.144 - Costa-Nova meados S茅c.XX.

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13- AS GENTES QUE DERAM A IMAGEM À COSTA-NOVA


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Julgamos ter ficado perfeitamente sublinhado que se foi a pequena burguesia de cada época que deu estatuto à Costa-Nova, e transferiu a sua imagem para o exterior, situando-a no mapa do litoral e apontando-a como um dos pontos em que a natureza se deteve, pródiga e lassa, a derramar torrentes de luz sobre uma ria encaixilhada por uma orla de jardins verdejantes  1, Foi contudo o pescador da borda do mar, quem lhe deu o retrato. fig.145 - Grupo na beira-mar (Séc.XX).

13.1- O Lanço na Xávega Era um espectáculo que atraía multidões, postadas ou alapadas no areal a ver os preparativos, a observar, curiosas, as decisões tomadas pelos Arrais quando este olhava, perscrutador, o mar, tentando decifrar os seus arremessos e enleios. Depois, atónitas e espavoridas, e ou até incrédulas, observavam os empinanços do «meia-lua» a romper a vaga por entre um coro de gritos e imprecações, vozearias e esgares das mulheres especadas, hirtas, erguendo braços retesados e faces espavoridas, a clamar piedade ao Divino, até que o mar deixasse de zangalhar o barquito como se com ele brincasse, subindo-o ligeiro às alturas para logo o atirar à profundeza da vaga.

fig.146 - «O Barco da Xávega».   1 Moura, Frederico in «Ressonâncias», 1999

Era deslumbrante no seu todo, e por vezes de loucura patética, o lanço na Xávega. Começava com intenso movimento, uma espantável e louca azáfama, enrolada no turbilhão dos gritos e imprecações das gentes. Continuada com o portentoso clímax da entrada no mar do «meia-lua». Viviam-se momentos de ânsia partilhada, quando do «estripar» do saco permitia ver o inebriante espectáculo do peixe em «faiscante» estertor; e momentos de ingénua gratificação para os mais novitos, com a «recompensa» de poderem encher o «baldito de lata da praia», com um ou outro lacrau subtraído à rede. Para os graúdos ficava a abundância do pilado fêmea, com que enchiam os nassos para à noite se empanturrarem com o saboroso pitéu.


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Mas tentemos a descrição do «Lanço na Xávega», ainda que sabendo ficarmos longe de o retratar com rigor, por carência de fôlego e arte, para dele dar a grandeza impressiva do estendal das emoções que perpassam ao longo do seu desenrolar. À ordem do Arrais, embarcadas as últimas voltas das «calas», trazidas em rolos nos varapaus pelos ajudantes da Companha, desfilava a rede em «estranha procissão», carreada aos ombros, por toda a tripulação.

fig.147 - Carregando a rede no enxalavar.

Entra primeiro «a manga», depois «o saco» e, finalmente, segue-se «a manga» de retorno. É chegada a hora do «meia-lua» já com todo o aparelho a bordo, se fazer à pancada do mar; para isso é puxado pelos bois até à sua beirada, deslizando sobre tarolos que vão sendo sucessivamente apostos na sua proa. Chegados mais perto da rebentação, os homens de terra metem-se pelo mar até aos joelhos e colocam a embarcação já muito perto do farfalho da maré. O Arrais - que não tira o olhar do mar esquadrinhando todo o seu movimento -, espera pelo período das «três vagas sucessivas», a que se seguirá um espraiado. Passada a última vaga, ouve-se o grito: é agora… é agora!…

fig.148 - Carregando a rede.

A Companha em terra dá então o último empurrão com a muleta (vara bifurcada na ponta) que enfia na bica da ré - ou com mão utilizando as bossas da embarcação - num esforço hercúleo para desenvencilhar o «meia-lua» da areia, e, desse modo, o colocar a flutuar. Com o cabo da fateixa enfiado nos «golfiões», evita-se a «atravessadela» fatal. Eis que a primeira vaga vem beijar a embarcação enquanto se grita num esgar de vozes roufenhas: agora… agora !!! … e lá vai o «meia-lua», mar adentro …

fig.149 - Bois e homens na água.

… até se sentir que o barco já abóia. Os remos entram então na água tentando em luta desesperada chegar o mais rápido possível à segunda vaga. O Arrais, que não larga o «reçoeiro», já que este lhe serve de controlo para o correcto posicionamento do barco, de frente para a vaga, assim evitando a «atrevessadela» que seria fatal. E ordena, invectivando: - temos maré… força… força… seus calões… aguilhoando o amor-próprio dos remadores e «camboeiros». Por vezes o barco parte lesto demais. É preciso travá-lo; «cia… cia», ordena o Arrais, para que desse modo, «borregando», se espere pela vaga seguinte. «Trilha!… trilha», grita então. É a voz de comando para fixar o remo, e assim se «amainar» o impulso.


200 Anos de Mem贸ria da Costa-Nova do Prado fig.150 - Homens e animais entrando mar dentro.

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fig.151 - «Procissão» ombreando a rede.

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156 fig.152 - Empurrando com a ÂŤMuletaÂť.

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fig.153 - E lá vai mar adentro.

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E eis que a montanha de água se abate com fragor na proa recurvada, altiva e desafiadora (!) do «meia-lua», que se «encabrita» até às alturas num ângulo medonho que chega a superar, por vezes, os 50/60 graus, ficando apenas apoitado de ré. O farfalho da vaga despedaçada pelo encontrão com a proa que a rasga, faz a água galgar e cobrir a embarcação, «esparralhando-se» sobre os homens que não param de remar, pés retesados nas recoveiras, em derradeiro sopetão para fugir da quebra do mar. O Arrais, de barrete em punho grita: rema, rema… estamos safos. E o «meia-lua», lesto, atrevido, toma o rumo do poente, lá para o largo, deixando atrás de si o «reçoeiro» que ficará «preso», entregue aos camaradas de terra.

Passada a pancada do mar - o ponto crítico de toda a manobra - onde se não percebe se é mais de enaltecer os bravos, se espantar com o seu demente atrevimento, ou respeitar e admirar a intolerância da natureza agreste. O barco navega então em águas calmas, avançando compassadamente, parecendo espairecer do esfalfe da luta tremenda, desarcada, daqueles bravos; e lá vai, empurrado pela força dos remos até ao calamento, momento em que findo o cambo do «reçoeiro», depois de largado o saco, é tempo de «abicar» à praia. Não sem que antes se dêem os louvados ao Pai Nosso, reclamados pelo Arrais, que de cabeça descoberta, em acto de fervorosa prece, roga a intercepção do «Altíssimo» para que lhes conceda uma «boa pescaria». No que é imitado por toda a Companha.

fig.154 - Retocando a malha da rede.

Posta (toda) a rede na água ao correr do mar, está na hora de arribar. O calador (espécie de segundo do Arrais, e seu prometido sucessor) vai largando o «cabo de mão da barca» até se chegar à praia. A manobra de aproximação é muito delicada, exigindo toda a atenção e destreza do Arrais, olhos permanentemente postos nas vagas que lá vêm. Se o mar é de lama, o Arrais ordena o volteio, e a embarcação vem nessa posição - de ré - varar (achapar-se) à praia, ficando de novo voltada para o mar, pronta para nova sortida. Se o mar está de «vagalhoça», o Arrais não arrisca; ferra «a volta na ré» e, de pulso firme, vai folgando ou retesando o cabo, conduzindo habilmente a manobra, «guiando o meia-lua» até encontrar a «folga da vaga» que permita varar de queixos, entrando pela praia dentro. A tripulação, lesta, salta para a areia, esfusiante de alegria; as parelhas de bois com o chicote solto - o «trambelho» - «chegam-se» para permitir enlaçar as guias, e assim, «alar» a embarcação, puxando-a para cima sobre os rolos. Para que depois de volteado - aproado ao mar - «descanse» bem lá no cimo da duna. Onde a maré não tem «esfolfe» para lhe chegar.


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159 Começa o «ala arriba» da rede. Que demora um par de horas: - duas a quatro, conforme a distância a que se largou a rede.

As várias juntas de bois fortemente aguilhoadas e impiedosamente batidas nos lombos com as varas de tocar, são, pela laçada do chicote, «atadas» aos cabos do reçoeiro e da mão da barca, que, inicialmente separados por umas boas centenas metros, pouco a pouco, se vão «achegando», até que à vista dos primeiros «pipos»  2- as calimas - (que indicam a fig.155 - O «meia-lua» a romper. posição das mangas da rede), não distam mais do que uns cinquenta metros entre si. Os animais - uma boa dúzia de juntas -, libertos no cimo da duna são largados em louca correria, em tumultuosa balbúrdia, passando possantes por entre paisanos e «olheiros» que, de repente, se dão conta de estarem na linha de corrida de uma parelha: é tempo de correr para escapar, lestos, aos «cornigeros» animais. Os tocadores incitam-nos em gritaria alarve, fustigando-lhes os costados dum modo violento. «foge... foge... arreda!...», é o grito que se vai ouvindo no meio daquela confusão extrema. Esforço supremo!..Ó!..Ó!.., arriba …riba …riba …vá .. vááá! grita o Arrais já rouco de tanto rojar…Eh!.. raios... diabos!... puxa... puxa, vá riba! E os bois e homens, buscando as últimas migalhas de forças conseguem tirar a sacada do mar que “lá aparece, qual ventre de enorme baleia agitada por convulsivo tremor”. Eis que o saco (a coada) sobe na areia; todos vão por detrás dele, pés na água da arrebentação, dar-lhe uma espreitadela para avaliar da dimensão da sacada. fig.156 - «Meia-lua» varando de queixos.

Raramente o pescador se satisfaz, pois que espera - sempre !... - melhor sorte.

2 Havia três pipos; dois no início das mangas, e um terceiro, o de maior capacidade na boca do saco.


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160 É apenas um momento de ansiedade, tempo para um simples esgar e para rogar a praga do seu desencanto, porque logo esquece a estiporada sorte para de novo se envolver na árdua tarefa de levar a rede acima. O Arrais vem sobre o saco, soberano, calcando a pesca até ao «local» onde grita: - alto!; e aí, de navalhão em punho, corta-lhe «o porfírio» esventrando o «ajuntadouro da rede», deixando ver uma miríade de reflexos, provocados pelo sol a bater no peixe que saltita num derradeiro esforço para se libertar da prisão. Num primeiro acto, homens e mulheres mergulham as nassas (os xalavares) na sacada, atirando «o peixe» para montes onde são separados por tipo, e depois, metido em cabazes de vime, para, de seguida, ser apregoado.

fig.157 - … aterrando na praia.

Mulherio, curiosos, pescadores e «mercantéis», por razões diferentes, começam a «cobiçar» os quinhões, que logo ali são leiloados à voz do pregoeiro - do quem dá mais (?!) - sob o olhar atento do apontador do livro  3 que regista as vendas. Estes pregoeiros tinham com os «mercantéis» códigos estudados, sinais de licitação: - o piscar de olhos, o coçar a cabeça, o tirar do boné, etc. - inacessíveis aos curiosos que só participam na licitação do «restolho». O peixe é então transportado em cabazes, nos enxalavares   4, carros de bois de duas rodas, muito largas, permitindo-lhes com mais facilidade se deslocarem na areia, conduzindo o peixe para os barcos dos «mercantéis» ou para os armazéns de salga, na beira-ria; ou para ser carregado por almocreves  5 que o irão levar, no mesmo dia, e nessa noite, Fig.158 - Impiedosamente aguilhados. percorrendo afadigados por entre vales e serras, os caminhos da Beira interior para o entregar, ainda fresco, «amanhã» para a venda. Outra parte do lanço segue para os «gigos» (cabazes) do peixeiro «ombreados» numa vara de cerca de dois metros que leva, enfiados nas suas pontas o par dos ditos «gigos», em que se carregam cerca de 50 kg de sardinha para ser vendida no mercado da Vila, ou de Aveiro. As «pescadeiras», depois de darem uma mão na «safa» do peixe, escolhido este e logo ali loteado, enchem as suas canastras «atapetadas» por um oleado que evita o escorredoiro, e lá partem estugando o

fig.159 - As calimas ou pipos.

3 E na presença obrigatória do Guarda-Fiscal que olhava pela recolha dos impostos.   4 GOMES, Marques doc. XXIII in «Campeão das Províncias» - o custo deste transporte, da Companha para os armazéns de salga, era de conta da Companha, paga por fora ao pescador, valor guardado para a pinga “sem direito a que as mulheres o pudessem exigir”.   5 Os Almocreves funcionavam como uma verdadeira organização de transportes entre populações afastadas, especializados na comercialização à distância. Cada cidade ou vila de alguma importância tinha os seus Almocreves, e tinham-nos também, os reis e os senhores. Grande parte do pescado salgado era levado por barca, da Costa-Nova para Águeda, entreposto de descarga e distribuição, de onde partia para toda a beira interior (Lamego, Viseu, Tondela). Pelo caminho iam suportando as sisas das portagens com que deparavam, impostas pelos forais (outras vezes esgueirando-se às mesmas), viajando em grupo (recova) para protecção contra intrusos. Era ao tempo um transporte rápido - o mais rápido - carregando por vezes para o Porto. Os almocreves podiam ser requisitados pela coroa, ou até pelos concelhos, por um número de dias estabelecido para transportar cargas de que aqueles teriam extrema necessidade. Documento de 15 de Março de 1448 onde é autorizada a entrada de sal de Aveiro, dado os perigos da sua vinda por mar. MORENO, Humberto in «A Acção dos Almocreves» Brasilia Editora Porto.


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fig.160 - «Ajeitando» as mangas.

fig.161 - A coada arriba à praia.

fig.162 - Enchendo os nassos.

fig.163 - O Guarda-Fiscal vigiando o apontamento das vendas.

passo numa correria para apanhar a barca da passagem que as levará ao outro lado, à Maluca, de onde partirão ajoujadas ao peso do carrego. Que bem equilibrado sobre a rodilha ou sobre o chapéu de «penache», não necessita sequer de mão para o ajeitar ou segurar. Graciosas, descalças, mãos na cintura, seguem lestas em passo leve mas corrido, até que as primeiras casitas da vila aparecem lá ao longe; é então que da garganta fina, esbelta, orlada de belos cordões e libras d’oiro - seu único derriço! - sai o grito em voz sonora, clara e apelativa, no pregão: “Olha a sardinha da nossa costa! Freguesa!… venha «cumprar q’é do noisso mar»”…. E assim vão calcorreando todas as ruas das redondezas até de noite, tempo de chegar a casa mortas de fadiga, mas ainda, com tempo, arte, e folguedo q.b., para fazer um «trauto» com «seu Arrais» no folhelho aconchegado onde se fez mulher… vai para um «par de Invernos»… (…“que mulher «d’íbalho» não casa de verão!... não há tempo… nem homes em terra, para tal…”)


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fig.164 - O Peixe nos canastros, alinhados para a venda.

fig.166 - O Peixeiro de テ考havo.

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fig.165 - O burrico o rapaz e o almocreve.

fig.167 - A Peixeira da Costa-Nova.


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13.2- Os Borda-d’água A discussão em volta do círculo onde se fazia o repasto: - porque aquela gente das Companhas não se sabia fazer ouvir baixo, fosse porque quem fala alto tem sempre razão, fosse com medo que o marulhar do mar lhe comesse os sons e lhe «abortasse» a ordem, versava não só o azar ou a sorte da pescaria do dia, as peripécias do lanço, mas e também, as previsões sobre o tempo que faria «amanhã». O pescador sabia ler o tempo e ver nos sinais que vão acontecendo, deles retirando as conclusões para o que o espera, amanhã, em nova arremetida. É um saber adquirido - e transmitido - de geração em geração, passado de boca em boca, de pais para filhos, expresso em rimas a preceito. Absorto, perscrutando insistentemente o mar e o céu, barrete enfiado na cabeça, escupindo a «sarreta» que lhe unguenta a boca, atento na «lua trovejada» augoirando que «trinta dias será molhada», espera que não venha com vento pois, é certo, «com vento do leste não dá nada que preste». A lua e as suas posições servem-lhe para calcular a prenhez da companheira, mas e também lhe indiciam o estado do mar: - «lua fraca»… «o tempo irá mudar», pensa… e logo inspira a cachimbada, sorrindo-se do tempo adivinhado. Mas se o «vento norte é rijão, chuva virá à mão»; se for suão, «de inverno sim, de verão não».

Se ao pôr do sol estiver «vermelho no mar»… certo que haverá «sol de rachar». Quando lá longe vê uma ave que se aproxima e lhe desperta a atenção, logo siloqueia: «em terra a gaivota... é que o temporal a enxota»…; mas se descortina «estrelas a brilhar», então, «marinheiro, vai p’ró o mar». Se «a manhã vem com arco»… «mal vai o barco» e se há «miragem que espante»… teremos… «vento de levante». À noite «trovão solto, no céu reboa»… «violento temporal, nos apregoa»… Dá de «emborcar» mais um copo, mas com tino, pois «quando ao pescador, dão de beber», «ou já está moído, ou o vão moer». Eis que a «aurora surge rubra»… é… «vento ou chuva»…; se «primeiro chuva, e depois vento», «à cautela mete dentro»; mas se o «vento vem antes da chuva»… «deixa andar que não tem dúvida» Interrompe o linguajar para olhar o sopro do vento pois sabe que «volta direita, vem satisfeita»… ao passo que… «volta de cão traz furacão». Não tem muita importância, pois «sardinha de Abril, pega-lhe no rabo, deixa-a ir» e mesmo «não é boa a solha que o pão não molha». «O vento é de rachar»… aguarda, pois «depressa deve calar». Dia para ele é aquele do «rosado sol-posto, cariz bem disposto», bem diferente da «vermelha alvorada… que vem mal encarada», pois que «lua à tardinha, com seu anel», «dá chuva à noite, ou vento a granel»; é tempo de amarrar o barco e ir-se abrigar, que «barco amarrado não ganha frete». Se há «arco-íris ao anoitecer», certo é termos «bom dia ao amanhecer»; «arco-íris ao meio-dia», é certo, «chuva todo o dia». Tudo ao pescador/Arrais serve para ajudar na previsão: o marulhar da onda, o correrio das nuvens, o seu esfarrapar ou o seu engrossamento; os cinzentos claros ou escuros das massas de algodão indicam-lhe as probabilidades do lanço de amanhã. O Arrais é o guardador do rebanho. Inventar palavras para


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fig.168 - Arrais Ançã perscrutando o mar.

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o descrever(?!): para quê se já foram escritas as mais belas, por Maia Alcoforado   6, vertidas com o coração, pois, quando falava do mar, Alcoforado sentia o cachoar enraivecido das suas águas batendo contra a muralha do peito, aniquilando-lhe as saudades. Do «Arrais» disse: “Barrete negro, da cor dos aguaceiros, encafuado na cabeça até à encapeladura das orelhas, de borla caída a um lado sobre o ombro, a pendular sorumbática despretensiosa ironia… Cachimbo à amurada golfejando novelos de fumo em espalhafatosas cabriolas, que até pareciam de carvão a arder na fornalha enorme dum navio de longo curso. E a embrulhar-lhe o peito, mais rijo que um cepo, o blusão de flanela salpicado de cores, onde arrecada a onça mail’o cachimbo, os lumes e o lenço d’Alcobaça - quase tão grande como as bandeiras do mariato”…

fig.169 - O Arrais. ( aut.João Carlos).

Triste é o dia em que o «Arrais» vê chegar o bando de Maçaricos, pois é sinal dos céus a indicar que a faina está acabada, que o Inverno está a chegar. Tempo pobre, de privações, de puxar «o xávega» para o cimo das dunas, recolher os bois, e safar o cordame. E tempo para se agarrar ao remo do botirão, amanhando-se na ria a pescar uns «xarabanecos» com que vai matando a fome aos seus. Tempo de botar faladura na taberna, catando as agruras daquela vida «estipurada» onde um «home bom… na medra»; vida de perigo, vida sofrida, de dor e raiva, onde se praticaram actos de «demência» heróica que imortalizaram esses seres «de forças hercúleas, figuras talhadas no cerne de pinheiro bravo de onde são feitas as cavernas do seu meia-lua». «O ílhavo» da beira-mar que escreveu as páginas mais brilhantes dessa Faina, que a alguns, hoje, parece «A Menor», mas que - bem pelo contrário!!! - por ser tão grande, não caberia sequer nas laudas da Maior.

Como diria o Ançã: «fraldocos»!...

13.3 - O Falar Todas as comunidades piscatórias da beira-mar tinham um característico e singular modo - e jeito - no falar, usando uma terminologia muito própria, com dizeres familiares, simples e sadios (bem) adaptados às circunstâncias, por vezes ornados de pitosa brejeirice num linguarejar fácil, pleno de vocábulos «inquinados» pela ausência de outra instrução, que não a tida no mourejar de uma vida de labuta. Procuramos recordar alguns deles numa recriada conversa que duas pescadeiras, a Rosa do Arnal e a Ti Maria «do Calatró» tiveram, quando no esfalfo da lideira, de canastra à cabeça, de manhãzinha, vinham em passo lesto vender à vila.   6 ALCOFORADO, Maia in «Ílhavo Terra Maruja».


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-Ah!, chopa,… Maria!… «atão» «disque» c’a Josefa do Tarinca lá de cima, a «fidalgota», deu pra «contribar» o casório da sua Luísa com o «Toino» Labareda?... aquilo é que m’a saiu uma «mancatufe»… - Assim o dizes, rapariga… «Canté» (?!): - o que c’ria a «inchada»?!… o rapaz a modos não é nada «cible», nem é nada «calamantrão», muito menos um «simpras», pois inté nem parece nada um «caminé botadinho à boa parte»… Não senhor, «crendas» lá ver o «estendal» que o pai do Toino fez ; «apracia banéga ao rossaló»… o estipôr. - S’ta p’rece…o coitado do rapaz não é um «mal catufo»… «nem ó vida!»… mulher; e «inté» dizem que tem umas «ecolomias». - Tens rezão cachopa… O «Toino» Lav’reda não é nada «xana» n’a senhor ; c’a o meu Zé, Deus lhe dê «voa biaje» - venza-o Cristo e S.Savastião, trê abés e um pai nosso - diz, inté!, q’é um bom «reçoeiro», nada como «oitros zamparilhas» que não maneiam o cú no safar da rede ; o arrais Tomé da catralga já o embarcou de «camboeiro» e ele «astreveu-se na t’refa». A Luísa que parece uma «tísica» - deus me perdoe!,… em nome do Pai, Filho Esp’rito Santo… - inté ia «vem…vem». Quisera-o pr’á minha, que «vem» o merecia… que eu fazia umafesta de «arromba» com «zabumba» e tudo… - «Cal-te óspois» aí... vai mulher…, andas desocupada dessa cabeça... deixa a cachopa q’ela chegada a hora tem muito quem lhe meta as três «cavernas» adentro… «inté p’reces augada». - Tendas razão - que ao «labaró» é que as coisas se fazem «d’reitas»… e ele anda p’ra aí tanto «mancatrefe», tantos «langões»… nosso senhor, «libre-nos» S. Bartolomeu e as Alminhas da Toira. - É assim mesmo, anda p’aí a «inquisitar», ca qualquer dia, um «zamparilho» apanha-a de costas, e vai com’a lâmpada : só «c’o viés» de ficar limpa como a Igreja do Prior Zé, deixa-a de barriga maior que a sardinha da «desoba» ; anda aí tanto «pixano» e ela parece bem «augada» do «ca tu sabes»… É «simpras»,… mas gulosa. - … «Mogadinha de mim» se isso «assuceder»… é uma «restrabulha»… «astrevesse-se» algum, c’a o pai faz um «serrafaçal» que levava tudo na frente… Olha c’a «fúfia» da Zefa lá de cima, quando o Pª Morgado lha disse c’o rapaz não era um «probezinho», «quinté» tinha uma chincha, a «merdrosa arrespondeu-lhe» “Olhe senhor abade, «inté o TI ESSE», tem uma chincha”… «asfazer» pouco dos nossos homes, a «fúfia»! E não lhe deu mais «corrume» nenhum… c’o abade desandou inxerido com o frieldade da Zefa. - Olha sabas o que te digo : - A Zefa é uma «opiniática» mal “cosida”... preceves? - Ah mulher, cal’te sua desbocada : - «u c’astás» tu p’ra aí a dizer… - É o que lhe digo Ti Maria, se fosse como aqui a cachopa “c’a té tenho «calo» dos trimbaldes do meu Zé, de tanto me vaterem nas «náudegas»”… - Ah! mulher de «labishomme» q’uessas coisas n’a se apregoam com’a sardinha c’aí levas… depois, s’é fraca - dizem que é «ogalho» a ti… - Conversas... sabe o «ca penso»?! ; a Luisinha na tinha era remada pró Toino, «q’ué cá dos noissos», e quando chegada a hora de meter o remo ao «escalamão», «aborregava». E o rapaz c’a dizem ser «píxaro» e «pediqueiro» de saias, inda ficava a ver navios… «esmorcegava-se toido».


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- «Cal-te aí…» oh! alma penada, não digas isso... que «t’a podem oibir» raios… de estrafego!… olha vamos é «avusacar» aqui um bocado, aproveitar para «escofenar» o peixe, «c’a óspois» na «benda» é uma «fona» e a «gadagem» d’ibalho diz c’andámos ao «mal mainço» por aí, «inbez» de vir a «d’reito»… - Olha, «cal’te» que vem ali a Josefa… ……………………………………………………………..…………. - Boas tardes Sra. Josefa… - sorri prazenteira a Ti Maria, chegada à faladura com a Zefa … - «Nóis» a falar dos santos e eles «oprecem». «Vons olhos a beijam»… a sua Luisinha?... cada vez mais bonita… a santa!… a Srª do Pranto lhe dê um fidalgo da sua igualha, c’a bem «m’rece» a «coitadinha» : Olhe Srª Zefa, quer sardinha da nossa, «bibinha a vrilhar» como um «buzelicum» - olhe «c’inda ri» - viemos numa «corriola» p’rà trazer fresquinha «com’ àuga»… -------------------------------------------------------------------------------------

13.4- A Fé e o Pagão Eram assim estas mulheres d’Ílhavo. Vivas, despachadas e asseadas; umas «moironas de afadigação» p’ra chegarem aos primeiros lanços do «lusco fusco», mulheres com o seu «creto», tementes a Deus e aos Santos, humildes e honradas; «faladeiras». Delas se dizia: “morrendas se não falendas”.

fig.170 - Atravessando o areal para ir à festa.


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A todo este grupo de figuras míticas, deuses do mar, não faltava a Fé onde depositavam todo o cabedal de esperanças numa boa pescaria, ou na salvação dos perigos que correm, amiúde, pedindo, devotos, pela «fortuna» dos seus, entregando-se crentes à missa diária na Capelinha da Nª Senhora da Saúde  7, repetindo promessas de uma velinha aquando do último domingo de Setembro, não vá a Senhora pensar que «Dela» se teriam esquecido. À cautela, crentes mas desconfiados - não vão os outros oráculos das redondezas esquecerem-se, ou tomarem-se de «ciumeira» -, vá de prometerem uma ida ao S. Paio - o cavaleiro do mar! - na primeira semana de Setembro; e uma outra, à Srª da Maluca, cumprindo a dádiva de uns parcos «reises» e uma visita à festa de arromba.

fig.171 - Ex-Votos9.

Assim, é cumprido o ciclo das festividades dos oráculos da ria, visitados obrigatoriamente em dias em que se esquece a labuta e seus perigos, dias de diversão, da cestada de boa traganeira e adequado conduto. Mai-lo capão bem dourado no forno que irá ser regado a boa pinga verdasca - o vinho do enforcado  8 - levado em pipo ou garrafão, na bateira, que ficará fundeada ou varada na praia, até ao «fogo de lágrimas» da despedida que marcará o encerramento das festividades. Amanhã é novo dia de lanço... há que regressar lesto… Três dias de festa rija… de estoiro… Na Costa-Nova os festejos em honra da Srª da Saúde, iniciados em 1837, vieram substituir a primitiva festa de S. Pedro, em Ílhavo - tornando-se a festa das Companhas - passando a ter data fixa, no último domingo do mês de Setembro. Competia em popularidade com o S. Paio ou com o S. Tomé, na magnificência da animação dos festejos lagunares, no corropio de gentes, na algazarra, na singularidade do encon  7 Os pescadores, gente de grande devoção, iam nos primeiros tempos ouvir missa à Vagueira à Capela da Nª Srª da Conceição. Em 1822(4) por iniciativa de Frei José Pachão, ergue-se por subscrição das gentes e das Companhas, uma primeira capela de tábuas coberta por colmo, que mais tarde será substituída pela Capelinha da Srª da Saúde, erguida em 1890, desta vez por iniciativa de José da Graça, gerente de uma das Companhas, capela que ainda hoje existe.   8 O crisma advém de ser produzido em latadas, local onde muitos preferiram ajustar as contas finais com a vida.   9   Ex-Votos eram quadros pintados de expressão naif, prometidos e entregues ao orago como agradecimento de salvação durante situação vivida, de grande perigo.


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tro de gentes da borda-d’água que muitas vezes aproveitavam a festa para «trautos» de picardia num «regabofe» tumultuoso que invariavelmente terminava com um copo de três emborcado na venda mais próxima. Do norte do «Bico» ao sul da «mota», o espraiado engalanava-se com o «estendal» de Moliceiros carregados com gentio da laguna e seus familiares, muitos deles transportando no seu bojo, melões e melancias, criadas lá para os lados do canal de Ovar - nas «Quintas do Norte» aproveitando-se a romaria para os transaccionar. fig.172 - Procissão na ladeira do «Pardal».

fig.173 - «Armações» da Nª. Srª da Saúde.

Na Capelinha havia «Te Deum», missa solene e sermonário apropriado.


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fig.174 - Moliceiros na Srª da Saúde.

Reunidos e alinhados os andores dos santos no adro, no areal, organizava-se uma concorrida procissão passeando os oragos postados lá no alto dos seus andores, emergindo de um verdadeiro campo de flores, de cores muito vivas. O séquito de fiéis devotos fazia-se acompanhar de filarmónica, que marcava o passo e dava ênfase, cadência, e cerimonial, ao desfile, percorrendo as ruelas da praia engalanadas por arcos, aqui e ali, o chão coberto de erva-doce à mistura com junco. Das varandas caíam colgaduras adamadas. Debruçados, os proprietários e convidados assistiam em lugar privilegiado, ao desfile. Um numeroso grupo de fiéis fazia questão de se incorporar no mesmo; crianças empunhando símbolos marítimos (ancoras, bóias, barquinhos), e ou até adultos em traje esmerado de pescador, levando na mão espórtula prometida em momento de mais apuro. De quando em vez subia no ar um foguete ribombando estrondosamente, conferindo um aspecto festivo, alegre, à expressão pagã do desfile. Dada a volta à praia recolhiam os santos aos seus altares.


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Terminado o momento alto dos festejos, o passeio ribeirinho pejava-se de gentiaga em passeio por entre as vendas de comes e bebes ou de doçaria local: - suspiros, cavacas, regueifas, e muita outra de refinado e doce paladar. À noite, a festa encerrava com deslumbrante fogo de artifício atirado sobre a Ria, inundando-a com mil e uma cores fugidias que lhe envaideciam o estro, fustigando os olhares enfeitiçados dos festejeiros, emprisionados nos cachos de miríades de gotas estreladas que pareciam brotar dos céus, descendo em cascata sobre as águas.

fig.175 - Arraial da Srª da Saúde.


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A festa corria até altas horas. Ao outro dia, enquanto os visitantes partiam recolhendo à canseira da vida, era tempo dos veraneantes empacotarem a tralha preparando-se para um novo ano de mourejo, depois de recompostos os humores pela cura estival, recuperados das fadigas. A Costa-Nova, cansada de tanta orgia estival parecia querer empontar-se daqueles figurantes, e deles se despedir: - até para o ano.

fig.176 - A Srª da Saúde

fig.177 - A Srª da Saúde 1913-1915


174 fig.178 - A Srª da Saúde 1937

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14 - Acontecimento insólito: O « DESERTAS»


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Em finais de 1916 a «aterragem» de um navio de apreciáveis dimensões (comp. 112,4m, boca 12,7m e pontal 7,8m), com capacidade para embarcar nos seus porões 6.700 tons de carga geral, veio alvoroçar os que na praia se entregavam às diversas fainas, na borda; já terminada a época balnear, desde logo o acontecimento, que ocupou primeiras páginas na comunicação social da época, faria atrair muitos curiosos, interessados pelo insólito, atraídos pelo mistério que se dizia envolver o navio, recentemente apresado pelo Estado português aos alemães. Tal aprisionamento foi feito como despojo da primeira guerra mundial, a decorrer, e em cujo esforço participávamos. O nome da embarcação foi então mudado de «Hochfeld» para «Desertas». A saga do «Desertas» sob a bandeira portuguesa estava praticamente a começar, pois o navio com o mau tempo, tinha vindo a descair sobre a praia por dificuldades de condições de navegabilidade, depois de se ter mantido ao largo de Leixões, tentando a entrada naquele Porto. E sempre a descair tinha vindo meter-se pelo areal dentro, evitando males piores à tripulação, que saltou para terra, pondo-se a salvo.

fig.179 - O «Desertas» encalhado na praia.

O local do encalhe, situado a sul da Costa-Nova, distando cerca de meia milha do local das Companhas e de fácil acesso, permitiu desde logo encarar como viável o esforço para a sua recuperação, sendo para o efeito equacionadas diversas soluções, assumindo-se que a mesma seria levada a cabo pela companhia seguradora, em acordo com o armador (inglês). Seria encargo do nosso país, apenas e só, o fornecimento de pessoal para a tarefa de salvamento, e para mais uma ou outra facilidade. Algumas ténues e pouco esforçadas tentativas de safar o navio, directamente para o mar, goraram-se, apesar de em determinada altura o mesmo ter flutuado, o que não foi aproveitado para se proceder ao seu reboque para o largo. O desinteresse dos ingleses, e o valor do navio em época pós-guerra, em que o aço era matéria rara e cara,


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fig.180 - O ÂŤDesertasÂť a ser fustigado.

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levou o Governo Português a assumir o seu salvamento, usando para o efeito, técnicos e meios, nacionais. Abandonada a hipótese de saída directa para o mar, gizou-se um plano que consistia estabelecer um canal de ligação com a ria (que teria de ter uma dimensão de aprox. 1.000 metros, e uma largura não inferior a 30m), por onde o navio poderia alcançar a Barra de Aveiro. E enquanto se protegia o navio do assédio do mar, numa costa muito exposta a esse factor, eram criadas condições para o endireitar, afim de lhe tapar alguns rombos, e dar início aos trabalhos de dragagem na língua de areia, feitos com grande alvoroço pela draga «Mondego», requisitada para esse efeito. Todo este estendal de máquinas, material e pessoal, atrairia centenas de curiosos que vinham dar uma espreitadela ao decurso dos trabalhos, seguindo todos fig.181 - O «Desertas» a entrar no canal. os passos e as peripécias dos mesmos, pois que estes prosseguiam dia e noite, feitos sem paragens, no intuito de não exceder o valor orçamentado para o custo dos mesmos: 115.000$00 (cento e quinze mil escudos) para a libertação do navio e 160.000$00 (cento e sessenta mil escudos) para as primeiras reparações. Perante a complexidade da tarefa, dava-se como provável o aparecimento de alguns trabalhos, não previsíveis à partida, para o que se orçou um valor para os mesmos: 22.000$00 (vinte e dois mil escudos). Foram muitos imprevistos e por isso longa - demasiadamente longa - a duração da operação. O que fez elevar para cerca de 700.000$00 (setecentos mil escudos!), os custos acima referidos. Só iniciados os trabalhos em 3 de Julho de 1918 (quase dois anos após o encalhe), já depois da embarcação ter suportado violento temporal que a danificou, o certo é que em 78 dias de trabalho o canal ficou apto para a segunda fase dos trabalhos, que consistia no embarque do «Desertas», no mesmo. Inesperadamente - ou não tanto - pois constava que tinham sido por diversas vezes avistados submarinos alemães a pairar ao largo, o navio seria bombardeado do lado do mar. Para lá do estardalhaço da fuzilaria, logo foram postas a correr as mais diversas e desencontradas noticias, que incluíam a hipótese (que foi suportada ao longo dos anos) de o navio estar carregado nos seus porões com bombas de um tipo ainda secreto, que os alemães não desejariam deixar cair em mãos inimigas. O que era uma perfeita especulação, pois o navio tinha sido descarregado fig.182 - O «Desertas» na «bacia».


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e reparado, após aprisionamento, em Lisboa. A fuzilaria levou à debandada do pessoal e mesmo os veraneantes (estávamos já então na época alta do ano seguinte ao encalhe) desataram num frenesim de fuga, pois que entretanto, hidroaviões estacionados em S. Jacinto tinham levantado voo, e vindo atacar um outro submarino que fazia parte da matilha de submersíveis que pretendia destruir o «Desertas». Do mar as hipóteses de um submarino acertar no navio fig.183 - O «Desertas» frente à Costa-Nova. eram restritas, e muito mais quando acossado; à cautela e para defesa em caso de repetição da tentativa foi montada uma peça de artilharia na praia, no local dos trabalhos, que poderia ser muito eficaz na retaliação. Bateiras, barcas ou a estrada para a Barra, todos os meios e caminhos foram utilizados para fugir ao que se pensava poder redundar num ataque às populações estacionadas na Costa-Nova, como retaliação, conforme constava nos meios germanófilos. Acalmada a situação e mesmo perante contrariedade de monta provocada por forte temporal, verificado em Setembro do referido ano, e que obrigou a novos trabalhos de recuperação na zona dragada, o certo é que em Novembro o navio foi aco- fig.184 - O «Desertas» visto do «Arrais Ançã». lhido na bacia dragada, onde tudo estava preparado para o reparar e preparar a sua estabilidade, para se iniciar a curta (dez a doze dias, previa-se) viagem, até ao forte da Barra.

fig. 185 – O «Desertas» atravessando a ponte das «duas águas».


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fig.186 - O «Desertas» finalmente fundeado em frente a S. Jacinto.

Constatado, entretanto - com algum espanto! - um erro na pré-avaliação do calado, verificou-se que mesmo na melhor das hipóteses haveria que levar a cabo intervenções em diversos pontos da ria, especialmente em frente da Costa-Nova (onde se encontraram fundos de 0,90m, quando eram precisos cerca de 3,5m), para que o navio chegasse à barra. Só em frente da praia foi preciso dragar numa extensão de cerca de dois mil metros. Os dez a doze dias previstos para a curta viagem do Desertas até à Barra, transformaram-se, assim, em longos oito meses, para gáudio de mirones, fotógrafos, comunicação social e outros, que solicitados por um espectáculo parecido ao de um elefante metido em jaula, acorriam, conferindo um movimento desusado à praia, dando-lhe nome e notoriedade, e ainda mais peculiaridade, à que, já era então, motivo de exalte pelas belezas na-


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turais da sua paisagem: a natural e a humana. Ultrapassada a zona da praia em 5 de Outubro de 1919, foi só em fins de Janeiro de 1920 que o navio chegou à ponte, que tendo já sido cortada para dar passagem à draga «Mondego», foi de novo, em 20 de Janeiro do referido ano, interrompida, para dar lugar, agora, à passagem do navio. Que finalmente foi fundear em frente de S.Jacinto, e de onde levantou ferro, em 20 de Março de 1920, seguindo depois para Lisboa. Terminara um episódio que iria ter muita importância para o desenvolvimento da Costa-Nova. Por um lado o longo período em que se desenvolveram os trabalhos trouxe movimento e gerou riqueza nos botequins locais. Para lá dos que intervieram directamente nos trabalhos, juntaram-se ao corrupio, os curiosos que permanentemente acorreram, motivados pelo insólito dos trabalhos, e para admirar e registar um acontecimento histórico, irrepetível. Mas se algumas contrariedades acarretou o salvamento do navio como foi, por exemplo, o depósito dos dragados - certo é que o «canal do Desertas», como se designou até à década de 70, foi o baú de riqueza de que se alimentaram gerações de fig.187 - O canal do «Desertas». pescadores da chincha, na ria. E por ele passaram, mesmo nas marés baixas, os «moliceiros» em demanda do norte para ao outro dia comparecerem à faina, a fim de não faltarem aos lavradores da borda com o húmus que alimentava e transformava as areias em verdadeiros campos de pão. E foi por ele, que mais prosaicamente navegaram centenas de embarcações de recreio, elegendo a Costa-Nova como um idílico local de lazer náutico, que fez acorrer gerações e gerações à ria, para, quaisquer que fossem as condições de maré, velejarem à vontade com os seus «Vougas» - parecendo feitos à medida do canal - em deambulações vadias.

fig.188 - Aspectos do desenvolvimento da obra. >


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15- ÍCONES DA COSTA-NOVA


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15.1- José Barreto ou Luis Da Bernarda Foi o fundador da Costa-Nova e o seu verdadeiro Patriarca. Fazia parte de uma família de pescadores, alguns dos quais migraram, litoral abaixo, em procura de melhor pousio. Ao tempo em que era Arrais da sua Companha José Barreto encetou negociações com pescadores instalados em Lisboa, para a compra da sardinha vinda de lá e a sua distribuição na região. Em Aveiro veio a abrir uma venda de aprestos navais. O apelido Bernarda vem do lado de sua mãe, pescadeira, conhecida por Ti Bernarda «a Victória». Infelizmente não existe uma única menção que relembre o seu nome como demiurgo do local.

15.2- Arrais Ançã (1845-1930) É Guilhermino Ramalheira que nos fala  1 desse herói: - O arrais Ançã - que em Outubro de 1886 arranca trinta e uma vidas francesas, subtraídas às garras do “cão danado”- era assim que o arrais tratava o mar - feito que lhe mereceu a outorga da medalha de ouro concedida pelo Governo Francês, e outras duas - a de prata e a de ouro -, que ao Ançã foram atribuídas pelo Governo Português, e entregues pessoalmente por El-Rei D. Carlos, como recompensa de tantos e tão enormes feitos praticados por aquele «bravo». Que “à humanidade emprestou o mais brutal e formidável exemplo de demência heróica”  2; de quem o mar nunca teria zombado. E é já António Cértima que lhe acrescenta: -Alto como um mastro de galera, carão moreno, tisnado pelo sol, encardido pela maresia, cinzelado de sulcos que a barba calafetava discretamente, sorriso doce e ingénuo como o de todas as crianças, de todos os heróis. Colega de carteira na escola primária, de Alexandre da Conceição, este dedicava-lhe grande amizade visitando-o frequentemente. Pretendeu levá-lo para remador do seu barco, quando o poeta foi Director do Porto da Figueira.

fig.189 - O arrais Ançã.   1 Ramalheira, Guilhermino in «Gabriel Ançã , Siímbolo do Heroiísmo dos Homens do Mar» ed C.M.I. 1962.   2 Maia Alcoforado in «Ílhavo Terra Maruja, Marujos da Terra dos «ìlhavos».


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15.2.1- O Herói A primeira «salve rainha»  3 de Ançã aconteceu no naufrágio de uma barca inglesa, era ainda então, Ançã, um imberbe tripulante do salva vidas do Patrão Lopes. Recolhidos os náufragos, discutia-se na praia, numa ingresia desbocada, o acontecimento, quando alguém fez notar que ainda ficara uma criança a bordo. Estupefacção, olhos atirados para o cadáver da barca exposto que continuava no estertor exposto à vaga quebrada no baixio do Bugio. Eis que da «molhada» salta o jovem Ançã. Lépido, sem bazófia de espécie alguma achapa-se às águas, e, perante o espanto de todos nada em braçadas vigorosas até à embarcação perdida. Hercúleo amonta a borda perdendo-se da vista dos especados e ansiosos assistentes, para logo surgir com a criança aconchegada nos poderosos braços. Com ela soerguida atira-se à água e, num episódio só comparável à do épico, nada até à praia depositando-a nos braços maternos. Ançã era um excepcional nadador que competia habitualmente com os melhores na travessia do Tejo. O Patrão Lopes olha então o herói, e batendo-lhe carinhosamente no ombro, profetiza: - Ançã hás-de botar homem. O rapazote já então no seu jeito de resposta pronta a desvalorizar o feito que acabara de cometer, quase que pedindo desculpa do «atrevimento», limita-se a responder: - Vossemecê sabe, Patrão Lopes, o medo não presta para nada. E certo é que o Patrão acertou na profecia, pois aos dezanove anos, Ançã era já arrais da Xávega na costa do mar de Aveiro. Em 1880 aconteceu o naufrágio do vapor francês «Nathalie», nas imediações da costa da Torreira. Tripulação e passageiros tinham, ali a dois passos do areal, a morte que parecia certa. Varado na duna estava um «meia-lua» da Xávega, propriedade de Manuel Firmino. Geram-se hesitações, pois se há vontade de salvar aqueles infelizes, há a consciência arrepiante de que deitar a «meia-lua» à vaga, naquelas condições, era arrojo de demência que se podia transformar em catástrofe ainda maior. Valeu a chegada do já arrais Ançã para pôr termo ao enleio colectivo, desafiando: - «Eh! rapazes, enquanto eu aqui estiver, nunca contem c’ua morte. Vamos lá, maneiem-se» E dezassete vidas são trazidas para terra. Avulta o episódio rocambolesco do Arrais a incitar a «franciù» a se atirar para os seus braços. Por medo ou por não entender o que Ançã queria, a francesa parece não decidir. O Arrais barafusta até que a tripulante se atira de chapuz para o bojo do «meia-lua»: - «Eu a perder tempo e o «estipôr» a fazer-se cara. Só quando se baldeou e lhe vi as lágrimas é que entendi que estas eram iguais em todos os falatórios» Manuel Firmino, dono da Companha  4, seria nomeado Cavaleiro da Legião de Honra, e Membro Honorário dos Salvadores do Havre. E seria Firmino que teria sido encarregue de entregar a medalha daquela Instituição, ao Arrais Ançã. Em 25 de Novembro de 1896, o Arrais recebeu do Rei D. Luís, a medalha de Ouro para distinção e prémio ao mérito, filantropia e generosidade. Mas os feitos do Arrais não se ficaram por aqui. Em 15 de Novembro de 1898, o Governador Civil de Aveiro solicita ao Rei nova medalha de Ouro para o Arrais, pelo feito que relata ter acontecido em 11 de Novembro do referido ano, quando a Companha,   3   João Carlos sobre o Arrais.   4   Ramalheira, Guilhermino in «Gabriel Ançã Símbolo do Heroísmo dos Homens do Mar» -ed. Illiabum Clube, 1962.


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fig.190 - Despacho do 1º MInistro, Luciano de Castro ”Conformado” para outorga da medalha de Prata, em vez da de Ouro, a Ançã. (TT)

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fig.191 - Despacho do Primeiro Ministro e do Secretário dos Negócios do Reino, aceitando a sugestão do Governador Civil de Aveiro. (TT)

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propriedade dos «Maias», surpreendida pelo embravecimento súbito do mar. O Arrais com voz de trovão incita os seus homens a remar, no intuito de varar em terra. O esforço é superior, e, a dada altura, exaustos, os seus homens já não conseguem ir buscar forças para impulsionar os remos do «meia-lua». Na praia o mulherio grita, esbraceja, esgadelha-se, caindo de joelhos na areia; e de mãos erguidas, entrelaçadas, clama a implorar ajuda divina para aqueles «perdidos». É então que o Arrais atenta no «arinque» de uma rede, que estava, ali, à mão. Enlaça-o no espigão da popa que logo é despedaçado. O Arrais não hesita um momento. Enrodilha-o dando-lhe volta no seu braço poderoso, e assim evita a atravessadela que faria voltar a embarcação. E logo redobra o trovejo da sua poderosa e ciclópica, voz, vergastando aquelas gentes prestes a render-se à perdição: -Eh! Seus maricas. Danados! Vá, remem e deitem essas lágrimas pró vertedoiro para eu as beber quando tiver sede. Ânimo recobrado, desenterrado um último alento, o barco aterra na praia de queixos com o Arrais empoleirado no vagalhão, que furioso de ver fugir a presa ergue o «meia-lua» ao céu, numa vertigem aterradora. Cai de rojo, afocinha e aterra entrando praia dentro. Reconhecido que o Arrais já teria recebido uma medalha de ouro, o 1º Ministro do Reino, Luciano de Castro, «resigna-se»  5 a apenas conceder ao herói a Medalha de Prata por distinção ao mérito, filantropia e generosidade, outorgada por decreto de 24 de Novembro de 1898  6. Em Fevereiro de 1924 um grupo de ilhavenses, apresenta à Câmara da presidência de Augusto Cardoso Figueira, um pedido para que fosse solicitado ao Parlamento uma pensão para o Arrais. O que acabou por acontecer em 20 Fevereiro de 1927, no valor de 400 réis, evitando assim que aquele herói de peito mais rijo que um cepo, de onde brotava a ordem imperiosa do rema!..., a que ninguém ousava desobedecer  7, mas então com o corpo já corroído pelos invernos da vida, morresse na miséria. Ançã fez parte de uma plêiade de figuras heróicas de «ílhavos» a quem o mar nunca meteu medo: o Arrais Marcela, o Piorro, o Batata, os Agualusas, o Bicarada e tantos – tantos! - outros, naudos, criados e bauptizados na santa terrinha. O Arrais viria a falecer, pobre, em Ílhavo, a 23 de Fevereiro de 1930. O seu busto foi, como referido, colocado no local do primeiro mercado da Costa-Nova ali ao lado da Marisqueira.

15.3- António Gomes da Benta Em 18 de Setembro de 1876 um espesso nevoeiro enegrecia o céu e impedia um barco da Companha, com 35 tripulantes a bordo, de varar na praia. Eis que na tentativa de aproximação à praia, um vagalhão enorme, desmesurado, cai sobre ele, alagando-o e quebrando-lhe o cabo da barca. Logo fica desgovernado, e atravessando-se está prestes a virar. Foi então que o Benta, Arrais, arrojado intemerato e resoluto, se atira ao mar levando consigo um cabo que pretende prender ao arganéo do «meia-lua» em perigo. Luta gigante em que o Benta mergulha, porfiando enlaçá-lo; mas quando volta à superfície uma vaga atira-o contra o costado. Três companheiros (o Naia, o Patacão e o Francisco da Cruz), atiram-se, eles também, ao   5   Despacho proferido em 19/11/98 .   6   Decreto assinado por José Luciano de Castro.   7 Alcoforado, Maia in «Ílhavo Terra Maruja, Marujos da Terra dos ìlhavos», 1932.


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mar, e amparam o António da Benta que salta para o barco e dirige a manobra, até o varar na praia com toda a tripulação salva. As honrarias são muitas: do Sr. Pinto Mesquita que lhe entrega 25$000 réis. A Associação de Instrução Popular de Coimbra que lhe atribuiu o titulo de sócio benemérito. E de S. Alteza, o Rei D. Luiz que por decreto o condecora com uma medalha de ouro e tença anual. Muitos outros Arrais - «O Batata», «O Cajeira», «O Parracho», eram homens de respeito na borda do mar: valentes a defrontá-lo, afoitos em dominar os ventos, o braço forte, habituado a submeter ao seu poder varonil o arremesso das tempestades. O Mar obedecia-lhes …” E muitos… muitos outros, todos constituíram uma verdadeira plêiade de homens de arrojada audácia a desafiarem o endemoninhado Atlântico… Mas se a maior parte eram homens, também a Costa-Nova tem as suas figuras femininas. Umas em constante cirandar a dar braço à rede ou à soga dos bois; outras metidas até ao joelho na sacada, a atulhar os xalabares na separação do peixe. Mas outras juntaram à presença o desempenho corajoso de tarefas onde ombrearam com a firmeza daqueles bravos no mourejo, na ausência de temor, no desembaraço do seu braço, como foi o caso da:

15.4- Joana Càlôa …que outorgou para si o epíteto de ARRAISA. Era uma mulher que para lá de ser muito activa, despachada e trabalhadeira, tinha a seu encargo o desempenho do cargo de arraisa - ou governadora  8- de terra, a quem eram remetidas as tarefas de orientação da Companha. Assim, era seu mister cuidar da reparação das redes, do barco e aprestos, encascar o redame, olhar pelo tratamento dos animais, gerir o pessoal e, prover dedicada e especial atenção a todas as tarefas concernentes à separação, venda e despacho, do peixe capturado. Mulher fisicamente poderosa, mas simultaneamente bonita, airosa e prazenteira, tinha a elegância curva e estendida da proa do fig.192 - A «Arraisa» Joana Càlôa. «meia-lua». Braços longilíneos e poderosos a parecerem os remos do Xávega; olhos escuros, profundos, onde se acolhia o turbilhão do mar e de onde ressaltava a grande coragem que a levava a não hesitar, na falta de um tripulante, a emprestar uma mão ao cambão, remando como um maior. E à falta de reçoeiro, era ver a Joana a embarcar no «meia-lua», não lhe faltando, nem jeito nem força, e muito menos quebreira, para o ir largando como mandavam as regras. Naquele tempo havia o direito de primazia  9 : - o da escolha do campo de pesca, que era concedido ao primeiro barco que fosse para o mar. Joana - a «arraisa» - mais do que uma vez não hesitou, perante a demora do seu Arrais, em desafiar três camaradas a embarcar com ela na robaleira e, levando a bandeira da Companha, colocar-se no local que ficava, assim, reservado para os seus barcos. Filha do António da   8 Os trabalhos das mulheres na Companha, eram vários, e alguns bem esforçados e penosos: juntar as redes, levá-las para o barco, empurrar com a muleta, escolher o peixe, etc.   9 Dá-se conta que oficialmente o direito de primazia teria terminado em 1861. Contudo as Companhas instituíam, e respeitavam, a costumeira, e nem o próprio Arrais podia mexer nos hábitos, costumes e privilégios antigos, que assim se mantinham muitos anos para lá das posturas camarárias.


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fig.193 - O palheiro de Joana Càlôa ( Av. da Bela-Vista).

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«Quinta» (do Cons. Luís Magalhães, porventura?), era mãe de quatro filhos, todos eles tendo um nome diferente: «Manuel da Barbeira», mais tarde conhecido por cap. Pisco; Francisco Càlão, mais tarde o Cap. F. Càlão; David - oficial da Marinha Mercante que morreu muito cedo - e uma única filha, a Nazaré Marques. Todos filhos de seu marido, o João Simões da Barbeira («O Pisco»). Mulher muito bonita e esmerada, era desempoeirada, muito mexida e ágil na lide, além de ser mulher de enorme ânimo e decisão. Conta-se dela a seguinte história. A Joana Càlôa ia usualmente levar o peixe branco a uma pensão a Aveiro. Debaixo dos Arcos, postavase, por vezes, um senhor bem vestido, de paletó, chapéu e bengala, a que não faltavam ares de alguma distinção. Sempre que a Joana passava com a sacola do peixe, no regaço, o fidalgote não se escusava em dispensar um piropo atrevido à Joana. Que à primeira ouviu, o que pouco a importunou, nem lhe deu créto, pois mulher séria não tem ouvidos. Só que a cena repetiu-se, num escaramento atrevido, e era impossível à Càlôa fazer de conta que não ouvia o peralvilho, quinté parecia augado, e já começava a inquisilar. Por isso à terceira, parou, olhou o fidalgote de alto a baixo, desatou o lenço e foi-se à bolsa de onde tirou a navalha de estripar o porfírio  10. E mostrando a lâmina afiadinha disse: - «Crendas ver? Ó malino! Queras ficar com uma boca em baixo igual à de cima, só que ao alto, seu desbocado simprinhas? Queras frescura?... olha aqui vai» - e agarrando na alcofa achapou o peixe para cima do mancatrufe, deixando-o a escorrer nhanha. E a Joana lá foi à Pensão contar o sucedido de, nesse dia, não haver peixe. Só que passados uns tempos, o patrão da Companha , o Sr. Cruz, grande amigo da família de Joana lhe veio dizer: -Ah Joana!.., cachopa. Que fizestas tu ao Sr. Dr. Juiz, rapariga? Tu vais presa!...,Pois atão não queiras lá ver que o pintiparado era o Dr. Juiz, raios!… - Ora… ora Ti Cruz: se é juiz que não achaque e falte ao respeito a quem passa. E o certo é que não houve qualquer atitude do Juiz sobre a Joana, antes passou a olhá-la com o máximo respeito e educação. Conta-se que durante uma ida a Lisboa numa representação da Companha, o rei D. Carlos teria reparado na graciosidade da Joana, na beleza dos ombros bem levantados de onde se salientava uma linha do seio tão bonita como o da proa do «meia-lua». Logo pretendeu que a Joana ficasse açafata do Príncipe D. Manuel. Joana não mostrou grande interesse no convite, apesar da Rainha, ao que parece, ter prometido emprego seguro ao marido da Joana, nos iates reais. Mas era precisamente este quem insistia com a Joana para que ela não aceitasse o cargo. E entre vários pedidos sempre lhe dizia: - Não vás Joana. E ósdepois quem me faz o laço da gravata, mulher?! Joana não foi. E assentou para sempre arraiais na Costa-Nova, onde fez palheiro. Que hoje ainda existe, pertença de uma sua bisneta, que o recuperou na sua cor ôcre, de origem.   10 Porfírio é o cabo que fechava a coada (saco da rede). Era ao Arrais que competia esventrá-lo.


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De onde teria vindo a alcunha, que depois e seguidamente deu origem, como tantas outras, a nome de família, mantido de geração em geração? Não se sabe ao certo, mas não andará longe aquele que imaginar, possa, assim ter acontecido: - Eh Toino…Simprinhas de um raio; mexe-te raios!… esperneia  11 aí esse càlão  12 . - Esperneava, esperneava se fosse uma «càlôa» em vez do «càlão», «ti Joana»… - C’al-te, home…come auga e bebe areia p’ra matares a fome…engelhado… E assim foi bautizada, a Joana, no corrume da vida de pescadeira da borda.

11 Estender as alças do càlão.   12 Càlão - peça de madeira ligada às mangas da rede, com alça, onde se vão ligar o reçoeiro e ou a mão da barca.




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INDICE DEDICATÓRIA

3

AVISADO FICA O LEITOR, QUE…

5

200 ANOS DE MEMÓRIAS DA COSTA-NOVA-DO-PRADO

9

1 – DESCOBERTA DA «NOVA PRAIA»

11

2 – TOPÓNIMO

15

3 – ARTE DE XÁVEGA.

21

23

A CIRCUNSTÂNCIA QUE DEU ORIGEM À COSTA-NOVA-DO-PRADO

4 – ENCLAVE

37

5 – INTEGRAÇÂO NO CONCELHO DE ÍLHAVO

43

6 – ESTRADAS:

47

COSTA-NOVA / AVEIRO E ILHAVO / COSTA-NOVA

49

7 – PRIMEIRO AGREGADO URBANO

55

8 – A PRESENÇA DE JOSÉ ESTÊVÃO

65

9 – RETRATO (FINAL SÉC. XIX)

71

9.1 – Capela de S. Pedro

10 – COSTA-NOVA PRINCÍPIO SÉC. XX (1900-1940)

78 81

10.1 – Alterações do Agregado Urbano

83

10.2 – As primeiras construções em Alvenaria

93

10.3 – Primeiro arruamento em direcção ao Mar

96

10.4 – A primeira ligação por Camioneta a Aveiro

98

10.5 – A barca da passagem foi concedida aos Murtoseiros

101

10.6 – Criação da Comissão de Turismo

103

10.7 – Abertura de alargamento da Marginal

104

10.8 – Instalação do Mercado a Sul

107


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INDICE

10.9 – A Esplanada

108

10.10 – A Quinta do «Cravo»

112

10.11 – O Posto de Telégrafo e Telefones

112

10.12 – Salas de Cinema

112

11 – RETRATO SOCIAL (1900-1940)

115

11.1 – A primeira geração

117

11.2 – Geração de vinte /trinta

119

11.3 – O banho

121

11.4 – Jornais manuscritos

122

11.5 – O «Bico» e a Biarritz

123

11.6 – O passeio à «Bruxa»

126

11.7 – Os bailes da Assembleia

126

11.8 – Pic-Nic's

128

11.9 – Chinchada

128

11.10 – As touradas e as garraiadas

130

11.11 – Regatas

131

11.12 – O «Vouga»

133

12 – EVOLUÇÃO URBANA 1940-1970

137

12.1 – Hotel e Casino, «Beira-Ria»

139

12.2 – A presença dos Matolas

140

12.3 – O primeiro «Biquini» na Costa-Nova

141

12.4 – Urbano, Gentes e Natureza

143

12.5 – Destruição da Esplanada; Terraplanagem da ria

144


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INDICE 13 – AS GENTES QUE DERAM A IMAGEM À COSTA-NOVA

149

13.1 – O Lanço na Xávega

151

13.2 – Os Borda-d’água

163

13.3 – O Falar

166

13.4 – A Fé e o Pagão

168

14 – ACONTECIMENTO INSÓLITO: O «DESERTAS»

177

15 – ÍCONES DA COSTA-NOVA

187

15.1 – José Barreto ou Luís da Bernarda

189

15.2 – Arrais Ançã (1845-1930)

189

15.2.1 – O Herói

190

15.3 – António Gomes da Benta

193

15.4 – Joana Càlôa

194

NOTA: Os capítulos nºs. 13.1, 13.2, 13.3, 13.4 no que diz respeito ao texto são transcrições integrais de «Ílhavo - Ensaio Monográfico do Séc.X - Séc.XX» do autor.


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INDICE DE CONSULTAS CONSULTA ARQUIVOS E JORNAIS : ACMI- Arquivo C.M.I. ADA – Arquivo Distrital de Aveiro ABM- Arquivo jornal «Beira Mar» A N - Arquivo jornal «O Nauta» AI

-Arquivo jornal «O Ilhavense»

ACP - Arquivo jornal «O Campeão das Províncias» Nota: Este livro não justifica índice bibliográfico, pois não pretende servir de sebenta de estudo, para ninguém. Mas pode haver interessados em recolher informação sobre autores, especialmente locais e ou regionais, que abordam matéria correlacionada.

Assim aqui fica a título de informação: ALCOFORADO, Maia - «Ílhavo Terra Maruja» - C.M.I. 1997 AMORIM, Inês - «Aveiro e a sua Provedoria no Séc.XVIII (1690-1814)» AMORIM, Pe Aires - «Esmoriz e a sua História» - Comissão de Melhoramentos 1986 AMORIM, Pe Aires - Para a História de Ovar «Aveiro e o seu Distrito» nº 9 1970 ARROTEIA, Jorge - «Ílhavo e Murtoseiros na emigração Portuguesa», Universidade de Aveiro 1982 ATLAS del Rey Planeta ATLAS dos Portos Marítimos de João Teixeira de 1648 BARATA, António Mendes – «O Salvamento do Desertas» -1920 Boletim de Trabalho Industrial - Monografia Estatística Concelho de Ílhavo nº56 BRANCO, Manuel Castelo - «Embarcações e Artes de Pesca» BRANDÃO, Raul - «Os Pescadores» CALO, Francisco Lourido - «As Artes da Pesca» S. Tiago – Vigo 1980 CAVALHEIRO - «João Franco e Luís de Magalhães» pp.14 e 15


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CERVEIRA, M. - «Glórias de Ílhavo » CORREIA, António - «A Acção dos Pescadores de Ìlhavo na Costa da Caparica», ed.1967 COSTA, Carvalho - «Corographia Portuguesa» CRUZ, Maria Alfredo - «Pesca e Pescadores de Sesimbra» CUNHA, Pedro Serra – A.D.A., Vol. XL, pp. 38 – 46 CUNHA, Rocha e - «O Porto de Aveiro» CUNHA, Rocha e - «Relance da História Económica de Aveiro» ESTATÍSTICA Industrial de 1864 «Exposição de homenagem a HM Seixas» - ed Museu da Marinha 1988 FONSECA, Senos da - «Ílhavo, Ensaio Monográfico Séc. X - Séc. XX» GASPAR, Mons. João - «Aveiro na História» GIRÃO, Amorim - «Bacia do Vouga», pp 175 GOMES, Diniz - «Costumes e Gentes de Ìlhavo» Vol IeII GOMES, Diniz - Ilustração Portuguesa de 20 de Setembro de 1915 GOMES, Marques - «Aveiro e o seu Distrito» GRAÇA, Manuel Machado - «Falares de Ílhavo» - Maputo 1971 GRANDE Enciclopédia Luso Brasileira, Vol.19, pp. 296 LA ROERIE - «Navires et Marins à l’Hèlice», Paris 1946 LAMY, Alberto Sousa - «Monografia de Ovar» 1977 Cap.VII pp.153 LARANJEIRA, E. Lamy - «Furadouro, o Homem e o Mar» - 1984 LARANJEIRA, E. Lamy - «A Ria de Aveiro, Barcos e Artes de Pesca» C.P.C. LIMA, Magalhães - «Os Povos do Baixo Vouga» LIMA, Magalhães - «Episódios da minha vida», I Vol LIVRO nº 10- L 2º do Almoxarifado de Aveiro – Portos Secos LOPES, Ana Maria - «O Vocabulário Marítimo Português» LOPES, Francisco - «Olhão Terra de Mistério, de Mariantes e de Mirantes»

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LOPES, Helena - «A Safra», ed. Horizonte-1995 LOPES, Prof. António Maria - «Ílhavo» MADAHIL, António Rocha - «Illiabum» MADAHIL, António Rocha – Etnografia e História MARQUES, Silva- «Descobrimentos Portugueses», I MARTINS, Fernando - «A Configuração do Litoral Português no último quartel Séc.XIV» MILENÁRIO DE AVEIRO- Colectânea Documentos Históricos (cood. Rocha Madahil) – ed C.M.A. 1959 MORENO, Humberto - «No tempo dos Almocreves» MOURA, Frederico - «A Mão do Homem na Paisagem», 1982 NEVES, Ferreira - «A Confraria de Pescadores e Mareantes - Nª Srª da Alegria - Sá (1200-1885)» OLIVEIRA, Veiga – Palheiros do Litoral Português PERRY, Gèrard - «Uma viagem pelo distrito de Aveiro» 1860 RAMALHEIRA, Guilhermino - «Gabriel Ançã» RAMALHEIRA, Guilhermino – «A Canção do Mar» REGALLA, Francisco Fonseca - «A Ria de Aveiro» REIS, Isaac da Fonseca – Museu Profissional da Marinha 1944 RESENDE, Padre - «Monografia da Gafanha» SAMPAIO, Alberto «Estudos Históricos e Económicos», Vol. II - Póvoas Marítimas SEPARATA Arquivo Municipal de Aveiro – 1935 SILVA, Maria João Marques - «Aveiro Medieval» ed C.M. A-1997 SOUSA, Arlindo de - «Vocabulário Entre Douro e Vouga» SOUSA, Alberto - «O Traje Popular em Portugal» SOUTO, Alberto - «Origens da Ria de Aveiro» TEIXEIRA, João - «Descrição dos Portos Marítimos do Reino de Portugal» 1648 TEIXEIRA, Pinho - «História de Ovar»


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Ficha Técnica: Título: Costa-Nova-do-Prado 200 Anos de História e Tradição Autor: Senos da Fonseca Fotografías e Tratamento de Fotos: Rui Bela Nº de Exemplares: 500 Nº de Edição: 1ª Edição Ano: 2009 Composição, Pré-Impressão, Impressão e Acabamento: www.procer.pt / procer@procer.pt ISBN: 978-989-96038-1-3 Depósito Legal: 299 058/09

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Publicações: - «Nas Rotas dos Bacalhaus - Séc. IX ao Séc. XVI» (esg.). - «Ílhavo - Ensaio Monográfico - Séc. X ao Séc. XX» (esg.). - «O Labareda». - «Guilhermino Ramalheira - O Discurso da Paixão». - «Ângelo Ramalheira - O rigor científico numa personalidade de eleição». - «Alexandre da Conceição - Poeta da Terra Absurda». - «A Terra da Lâmpada» – Vol. I, II ,III, IV e V. - «Marés».

Endereço: www.joao.fonseca.5@netvisao.pt Sítio: www.senosfonseca.com


Saudades de mim menino Ai barcas, ai barcas Tão triste Ê vosso negror, Por onde ides navegar? Que espreita O olho que levais na proa? Ai amores, ai amores Da ria amada, Ai amores do verde pino‌ Ai saudades de mim, menino Levai-me em vosso vagar. (S.F.)


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