VIOLÊNCIA FEMININA: O DISCURSO ANTAGÔNICO NOS BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA DELEGACIA DA MULHER

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FUNDAÇÃO SANTO ANDRÉ CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO ESPECIALIZAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS

SÉRGIO DE SOUZA PIRES

VIOLÊNCIA FEMININA: O DISCURSO ANTAGÔNICO NOS BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA DELEGACIA DA MULHER

SANTO ANDRÉ 2011


CENTRO UNIVERSITÁRIO FUNDAÇÃO SANTO ANDRÉ CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO ESPECIALIZAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS

SÉRGIO DE SOUZA PIRES

VIOLÊNCIA FEMININA: O DISCURSO ANTAGÔNICO NOS BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA DELEGACIA DA MULHER

Monografia apresentada, como pré-requisito de conclusão do curso de Especialização em Estudos Linguísticos e Literários, com habilitação de Especialista, ao do Centro de Pós-Graduação, do Centro Universitário Fundação Santo André. Orientadora: Oliveira.

Profª

Me.

SANTO ANDRÉ 2011

Irene

Scótolo

de


AGRADECIMENTOS Parafraseando os cantores Seu Jorge e Ana Carolina, “É isso aí! Há quem acredite em milagres, há quem cometa maldades, há quem não saiba dizer a verdade!”. Essa frase diz um pouco do esforço e um pouco do que representou este trabalho, quando se fala em milagres, é possível acreditar no impossível, para que se transforme em realidade, ao falar em maldades, pensa-se em relação ao tema violência, tema deste trabalho. Quando os cantores falam sobre a verdade, referemse ao fato de que sem isso, nada é possível. Esses dois anos em que ficamos longe de casa aos sábados para ficarmos o dia inteiro para alcançarmos a capacitação e a competência para concluir este projeto foram repletos de muito esforço e dedicação. Mas, enfim, “É isso aí!”, como dizem os artistas. Foram dias intensos de debates, palestras e também com muita interação com os amigos de classe e professores, que foram o suporte e auxilio durante essa jornada. Foram meses de descobertas e redescobertas de temas que estavam perdidos no inconsciente e foram resgatados; momentos de aprendizado de coisas novas e demonstradas com outra visão, capazes de mudar opiniões

e de nos

proporcionar mergulhar em novos conceitos, abrindo as janelas para a busca incansável da sabedoria e do aprimoramento constante. Um agradecimento aos professores do Centro Universitário Fundação Santo André que deram todo o suporte para que este trabalho fosse realizado, em especial à professora Irene Scótolo, que deu a base e todo o suporte para que esse projeto fosse concretizado. Aos meus pais Cimira e Sebastião Pires, a minha tia Josefa e minha esposa Denise. Agradeço também a todos os amigos que, em nossas conversas, nos apoiaram com sugestões e incentivaram o tema deste trabalho. God bless you all!


“Vivemos num mundo onde nos escondemos para fazer amor! Enquanto a violência é praticada em plena luz do dia.” John Lennon


RESUMO A partir de análises de Boletins de Ocorrência da Delegacia de Defesa da Mulher de Diadema, pude constatar o antagonismo do discurso de mulheres que sofreram algum tipo de violência encontrado nos boletins de ocorrência, não quando elas fazem a denúncia da agressão, mas sim quando elas desistem de concretizar o ato de representação. Em outras palavras, há uma subversão do discurso e tudo fica como se nada tivesse acontecido. Além disso, as mulheres assumem a identidade de vítima quando chegam à delegacia.Outra característica presente nos boletins é a ambigüidade, uma vez que o discurso das mulheres é transcrito pelo escrivão ou escrivã. A ambigüidade está no fato de que alguns dos termos transcritos acabam impedindo o entendimento único com relação àquilo que se diz, causando, assim, uma ruptura acerca do acontecido. Palavras-chave: Violência feminina. Boletins de Ocorrência. Delegacia de Defesa da Mulher.


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Capítulo 1 Introdução Este trabalho trata da análise do discurso dos Boletins de Ocorrência da Delegacia de Defesa da Mulher de Diadema. A partir do momento em que o discurso da mulher é transcrito em linguagem policial, a denúncia está ali concretizada. Daí, então, a mulher vítima dessa violência tem a opção de levar adiante a denúncia através de uma representação 1. Porém, as mulheres desistem de fazê-lo. Daí surge o antagonismo do discurso, da desistência – resultado de seu ato. Para realizar este trabalho foi preciso observar questões relativas à 1

Representação criminal é a manifestação de vontade do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo, visando a instauração da ação penal contra seu ofensor. A representação, em determinadas ações, constitui condição de procedibilidade para que o Ministério Público possa iniciar a ação penal.


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produção da linguagem. Os estudos da linguagem sempre estiveram presentes em nossa sociedade e, de uma maneira geral, se preocuparam mais com a linguagem como produto acabado, isento das condições de produção. À medida que tais estudos foram evoluindo, surgiu a necessidade do desviamento do enfoque do produto final para dar-se ênfase às condições do processo de produção. Frente a tal realidade, surge, na década de 1960, a teoria da Análise do Discurso, doravante (AD), que será utilizada para as análises dos discursos presentes nos Boletins de Ocorrência da Delegacia de Defesa da Mulher de Diadema. Para tanto, um dos autores pesquisados para esta análise foi Michel Foucault, em especial os conceitos de discurso e enunciado por ele elaborados. Para Foucault, o enunciado é a unidade de análise do método arqueológico proposto por ele. É um conjunto de signos em função enunciativa, portanto não é em si mesmo uma unidade, mas uma “função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço” (CAVALLARI,, 2005, p. 99). A proposta de abordar a linguagem utilizada na Delegacia de Defesa da Mulher foi a de verificar, através da AD, como esta linguagem, que é um instrumento de trabalho e tem sua materialidade específica, pode representar o discurso feminino. Sabemos que a linguagem não autoriza seu uso ingênuo apenas para comunicar as informações, mas, nesse caso esta mesma linguagem deve representar o discurso da mulher vítima de violência ao conhecimento das pessoas responsáveis pela lei, pois, não transmite apenas sentidos, mas os constitui e os transforma em processos que são sociais, históricos e que funcionam ideologicamente. Assim, os acontecimentos enunciativos analisados nesse trabalho são visualizados em sua relação com a historicidade que os constitui, pois “a chamada história das mulheres vem se colocando de maneira bastante visível nas duas últimas décadas, sobretudo depois do advento do movimento feminista, na década de 60” (SCOTT, 1992, p. 63). A violência como mecanismo de conquista e manutenção do poder está presente em diferentes ambientes sociais, e tem raízes muito antigas. A violência contra a mulher, assim como outros tipos de violência social, também


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é resultado de um processo de construção sócio-histórica. Ocorre que o discurso feminino encontrado nos Boletins de Ocorrência é transcrito através de outro gênero, o da linguagem policial que, de certa forma, ao tentar reproduzir o discurso da mulher o carrega de marcas e vícios de linguagem, próprios da linguagem policial. O fato é que o discurso da mulher, como prática discursiva que é, tanto na academia como no senso comum emerge em meio à história, e carrega a memória de outros discursos que o circundam e que com ele se relacionam. Assim sendo, esta pesquisa busca demonstrar esses possíveis discursos de algumas mulheres, desde o momento da denúncia, quando o escrivão ou escrivã transcreve em linguagem policial o discurso da violência sofrida por elas, que, por sua vez, assumem a identidade de vítima, até o momento da representação. De acordo com Raiher (2006), de acordo com a Lei Maria da Penha esta representação traz aspectos da denúncia e ao mesmo tempo pode significar a renúncia do crime por parte da vítima - um outro aspecto do antagonismo. Segundo o autor, a Lei Federal 11.340/06 trata do tema de forma polêmica, pois dá o direito à vítima de representar, ou seja, de querer que o caso vá até o Ministério Público, ou não. E, como pode ser visto nos BOs que foram analisados aqui, muitas mulheres acabam desistindo de levar adiante a denúncia. Raiher (2006) diz que a questão da representação e da renúncia trouxe ao mundo jurídico inúmeras incertezas para o legislador quanto à possibilidade de amparar a vítima destes delitos. O autor relata que a mulher vítima de violência doméstica sofrerá pressão para desistir da representação oferecida, e que, dependendo de sua condição econômica ou social, esta pressão poderá exercer acentuada influência em sua decisão. A esse respeito podemos observar o que establece a Constituição Federal:

Não é menos certo segurar que a Lei 11.340/06 também visa minimizar ou eliminar por completo esta constelação de fatores perversos que lhe diminuem a liberdade de escolha, criando condições propícias para uma decisão


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mais livre por parte da vítima, e o faz ao estabelecer importantes medidas protetivas que abrigam o agressor (arts. 22 e 23) e que beneficiam diretamente a ofendida (art. 24), além das garantias de transferência no serviço público e manutenção do vínculo empregatício (art. 9º, § 2º, I e II ) (CONSTITUIÇÃO FEDERAL).

O material coletado dos Boletins de Ocorrências pode permitir uma análise profunda para futuros estudos, afinal

[...] a história das mulheres não é só delas, é também aquela da família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura. É a história do seu corpo, da sua sexualidade, da violência que sofreram, da sua loucura, dos seus amores e dos seus sentimentos” (DEL PRIORE, 2000, p.7).

1.1

Caracterização da Organização e seu Ambiente Para trabalhar com o discurso feminino, é preciso levar em conta as

condições de produção desse discurso, especialmente o contexto sóciohistórico e a memória que esse discurso hoje carrega. Outra questão a ser considerada diz respeito à constituição de identidades a partir desse discurso. Além disso, deve ser considerado como parte da análise o momento de realização deste trabalho, as condições que circunscrevem a produção do discurso feminino e da própria produção deste trabalho acadêmico. Nos anos 60 e 70 as mulheres lutavam por igualdade social junto aos homens e vários avanços ocorreram desde então. Cada vez mais assistimos a atos de violência contra a mulher, e os números aumentam a cada dia. Em razão disso, o movimento feminino se inverte para uma luta primordial: a luta pelo respeito. O discurso da violência é assustador. Convivemos diariamente com boletins policiais sobre a violência nas grandes metrópoles do país. Roubos,


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assaltos, assassinatos, estupros, etc. São casos e histórias horripilantes, dignas de roteiros de cinema de terror, porém, infelizmente, é a pura realidade. Muitos casos desta violência que estampam as páginas policiais acontecem onde deveria ser a maior fonte de segurança: a própria casa da vítima. Os casos de violência familiar vêm aumentando constantemente nos últimos anos. Tanto que, para denunciar os casos de violência familiar contra as crianças e mulheres foi criada,em 2001, a Delegacia de Defesa da Mulher. Quando iniciaram seus serviços, essa delegacia foi vista com desconfiança por parte da sociedade, que não acreditava na eficácia deste novo órgão. Com o passar dos anos, as mulheres tomaram coragem e hoje já começam a denunciar os casos de violência. De acordo com Scardueli (2006), em qualquer período da história da sociedade brasileira, por exemplo, é possível encontrar registros de abusos físicos contra as mulheres. A partir da década de 80, quando a violência contra a mulher passou a ser problematizada no espaço público, surgindo um discurso sobre o tema, grupos sociais específicos mobilizaram-se para denunciar e pedir a punição dos agressores. A partir dessas pressões sociais surgiu o órgão policial denominado “Delegacia de Polícia de Proteção da Mulher”, para atender especialmente mulheres vítimas de crimes cometidos contra as mulheres ligados ao seu sexo e gênero, a fim de realizar a função do Estado de assegurar “a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (Constituição Brasileira, artigo 226, parágrafo 8 º). E, se não bastasse a delegacia, foi preciso ainda uma lei que desse às mulheres uma total segurança. Assim, mais recentemente, foi aprovada a Lei Maria da Penha, que contribuiu para que as mulheres lutassem pelos seus direitos. Essas duas medidas: a criação da Delegacia da Mulher e a Lei Maria da Penha são as atuais armas legais capazes de dar segurança às mulheres contra a violência familiar, muitas vezes praticada por seus próprios maridos, às vezes padrastos, amigados, namorados ou até mesmo seus próprios filhos. Entretanto, algumas mulheres ainda não têm coragem de denunciar o agressor.

Aos poucos a sociedade tem tido acesso a essas informações

devido aos Boletins de Ocorrências das Delegacias da Mulher instaladas em


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alguns municípios brasileiros. A questão da Delegacia da Mulher é fundamental na elaboração deste trabalho, pois o mesmo caso de violência poderia ser registrado em uma delegacia comum, pois, todos os municípios possuem um determinado número de delegacias e cada uma responde por uma determinada região ou bairro, e atendem e registram todos os tipos de casos. Porém em muitos municípios só existe uma delegacia especificamente da mulher que atende casos de violência contra a mulher ou de violência familiar quando os filhos sofrem quaisquer tipos de abusos. Scardueli (2006) diz ainda que o significado mais freqüente da expressão “violência contra a mulher” refere-se ao uso de força física, psicológica ou intelectual para obrigar pessoa do sexo feminino a fazer algo que não deseja fazer; significa constranger, incomodar, ou impedir a mulher de manifestar seu desejo e sua vontade. Como parte de um continuum que pode envolver desde pressão e chantagens psicológicas, ameaças de diversas naturezas, espancamentos ou até mesmo a morte, a violência contra a mulher constitui-se claramente como uma violação dos direitos humanos, mas está de tal forma arraigada na cultura humana que freqüentemente se dá de forma cíclica, como um processo regular e mais ou menos tolerado em diferentes comunidades. Em Diadema, assim como em outros municípios, ainda há duvidas quanto aos casos que devem ser registrados na delegacia comum ou na delegacia da mulher A Delegacia de Defesa da Mulher está localizada no Centro de Diadema na esquina da Avenida Alda com Rua Santa Maria, que chegou a abrigar o 1º Distrito Policial de Diadema e se transformou em Delegacia de Defesa da Mulher no inicio da década. No mesmo prédio de aproximadamente 80 metros quadrados, abriga também a Delegacia do Idoso. A delegacia possui 10 cômodos, sendo uma sala de espera que funciona como recepção, sala da delegada, sala de brinquedos, psicóloga (os), e demais salas para os investigadores. Atende aproximadamente a 15 ocorrências Boletins de Ocorrências diariamente e também é um ponto de cadastramento para o Programa Bolsa Família do Governo Federal, além de dar informações gerais sobre esclarecimento de violência doméstica, somando um atendimento


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diário de aproximadamente 50 mulheres diariamente. Os policiais que trabalham na delegacia, muitas vezes atuam como mediadores de conflitos, pois a maioria dos casos é de brigas conjugais, onde o crime não foi concretizado, e, às vezes, algumas mulheres desistem de registrar o boletim. Para as mulheres e crianças vítimas da violência doméstica, a delegacia conta com atendimento psicológico que é realizado por estagiários de psicologia. Ao todo cinco estagiários revezam os horários de segunda a sextafeira no horário comercial. De acordo com a delegada do local, Bárbara Lisboa Travassos, muitas mulheres vão até o local para obterem informações sobre os seus direitos civis, principalmente por viverem insatisfeitas em sua vida conjugal. Além do discurso produzido nesta delegacia, a própria estrutura do Boletim de Ocorrência tem uma linguagem própria. Em todos os boletins de ocorrência averiguados o verbo “comparecer” é utilizado para iniciar todos os BOs. Situação bastante comum na delegacia é aquela em que a vítima ali comparece e solicita o registro de um boletim de ocorrência, noticiando o fato penalmente atípico. A estrutura do Boletim de Ocorrência contém logo no cabeçalho o logotipo da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Civil do estado de São Paulo. Logo abaixo, contém os dados da delegacia que registrou o fato, no caso A Delegacia da Defesa da Mulher de Diadema, e o número do boletim. Em seguida o BO informa se a autoria do crime é conhecida ou não. Abaixo constam os itens: Natureza, que é um espaço para colocar o número da lei específica que trata a infração, se é ameaça, agressão, etc.; Espécie, onde é caracterizado, se é violência doméstica ou não; Consumação, se o crime realmente foi consumado; Local, onde aconteceu o fato, se foi em casa, no trabalho, etc.; Tipo de local, se é público ou não; Circunscrição, é a área do distrito policial onde o fato aconteceu; Ocorrência, é a data dos fatos; Comunicação, é a data que a vítima fez a ocorrência; Elaboração, é a data e a hora em que é realizado o Boletim de


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Ocorrência; Flagrante, se o autor foi preso em flagrante ou não. Depois destes dados, seguem todas as informações da vítima na seguinte sequência: nome, filiação, naturalidade, nacionalidade, sexo, data de nascimento, estado civil, profissão, instrução, cútis, endereço, contato, e o relacionamento com o autor. Na sequência há um espaço destinado para os dados do autor, que segue a mesma seqüência, porém, na maioria dos casos, as mulheres fazem as denúncias desacompanhadas do autor da agressão, o que resulta em muitos destes dados incompletos. Na segunda página do boletim constam as testemunhas, se houver, e o histórico, que é a parte mais importante, onde acontece a transcrição do policial do discurso da mulher. Para esta pesquisa foram analisados 12 BOs, sendo 10 casos de violência que ocorrida na própria casa das vítimas ou dos autores. Um caso foi em via pública e outro aconteceu no ambiente de trabalho. Em apenas um dos casos o autor da violência foi uma mulher. O estado civil das vítimas e dos autores é algo também que chama a atenção, pois na estrutura do boletim consta o item “Estado civil”. Entretanto, há outro item chamado “Relacionamento”, isso porque há muitos casos onde a vítima ou o autor são casados com outra pessoa, fora do casamento - um dos fatores que ocasionam conflitos. 1.2.

A Metodologia A metodologia inicialmente proposta é a da Análise do Discurso. Foi

realizada uma pesquisa descritiva-exploratória, com abordagem qualitativa, cujo corpus é formado da

transcrição de 12 Boletins de Ocorrência da

Delegacia de Defesa da Mulher de Diadema. Para darmos início à esta pesquisa foi escolhida, de forma aleatória, uma segunda-feira do mês de março. A pesquisa aconteceu no primeiro dia útil da semana, após conversas com policiais da delegacia que informaram que as segundas-feiras são os dias de maior movimento, pois muitas mulheres vítimas de agressão nos finais de semana, não registram os BOs nas delegacias comuns, que funcionam nos


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finais de semana. Muitas aguardam até segunda para registrar o BO, já que a Delegacia da Mulher funciona de segunda à sexta-feira. O volume dos boletins é intenso, e a linguagem de todos é semelhante, pois são dois profissionais que fazem o trabalho de transcrição, deixando ali, suas marcas de linguagem, compostas da própria linguagem policial. Para a sistematização dos dados colhidos, como já foi dito, a análise do discurso é base deste trabalho. No intuito de garantir o anonimato dos sujeitos da pesquisa, não foram revelados os nomes dos agressores e das vítimas, assim como as data específica quando o boletim foi transcrito também não consta neste projeto.

Capítulo 2 A Violência De acordo com o Instituto Noos, uma organização que estuda os casos de violência doméstica, as pessoas envolvidas recorrem primeiro à sua sede social mais próxima, parentes, amigos ou membros significativos de sua comunidade para lidar com a situação. Só depois procuram ajuda nos serviços públicos. Segundo o Noos, o tempo todo vivemos em relação de poder que pode ou não ser exercido de forma violenta. Muitas vezes, as relações de poder são utilizadas para a dominação, exploração e exclusão. Muitos homens acham que tem mais poder e levam as outras pessoas a crer nisso. Assim, quando não são obedecidas, se acham no direito de fazer qualquer coisa – agredir, xingar, desvalorizar e até matar – para fazer valer sua vontade ou aquilo que acreditam ser o certo. Pensando na violência dentro da família, percebemos


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que muitas vezes a pessoa definida como aquela de maior poder acha que agir com violência é o melhor a ser feito, é uma forma de educar, ou acha até que é um direito seu. 2.1

Situações e diferenças As diferenças entre homens e mulheres não são vistas como diferenças,

mas, às vezes ocorre que um tem mais valor ou importância do que outro. Isso faz com que muitos homens e mulheres sintam-se no direito de exercer diferentes formas de violência para impor suas opiniões e decisões. Até hoje, na nossa cultura patriarcal, ainda há marcas de um machismo oriundo de séculos passados e, espera-se que homens sejam fortes, sustentem a família e resolvam problemas. Das mulheres, espera-se que sejam carinhosas, cuidadosas, compreensivas, dona de casa e que acatem as decisões dos seus pais ou maridos. Todas as vezes que se comete uma violência, porque uma dessas expectativas não foi cumprida, a chamamos de “violência de gênero”. Ela acontece não apenas no âmbito da família, mas em toda a sociedade. Observamos nos boletins a dificuldade da mulher em romper a relação com o seu marido, amante ou conivente, pois a permanência junto a seu marido não pode ser explicada de uma única forma. Ela pode ocorrer por uma situação de dependência econômica, na qual a mulher tem medo de passar necessidades com seus filhos ao resolver se separar. Pode ser explicada também pela dependência emocional, ou seja, quando ela tem medo de não sobreviver emocionalmente longe do homem que escolheu para casar e constituir sua família, como se a felicidade estivesse atrelada a ele somente. Em outras situações a mulher teme enfrentar o preconceito ainda existente em nossa sociedade em relação à mulher separada, que vive na teimosa esperança de que o homem irá mudar seu comportamento agressivo e voltará a ser aquela pessoa boa e carinhosa que a conquistou tempos atrás. De qualquer forma, muitas mulheres olham para o homem que comete violência contra elas e vêem mais do que seu comportamento agressivo. Esse olhar que reduz os homens com todas as características é mais frequente em quem está fora da situação. Muitos desses maridos são bons, pois, são


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honestos, trabalhadores, mantém bom relacionamento com seus familiares de origem, apesar da violência que estão cometendo. É por esse motivo, que são chamados de “autores de violência”, em vez de agressores. Isso pode ser observado na estrutura do boletim de ocorrência no qual consta a lacuna autor e não agressor. Muitos homens que batem em suas mulheres dão como razão, o fato delas não o terem obedecido da forma que gostariam, ou não terem preparado a comida na hora certa, ou por terem deixado de cuidar da casa ou dos filhos, ou ainda por suspeitarem de traição. Há alguns enunciados que fazem parte do inconsciente coletivo que contribuem para a propagação da violência, tais como: a) “Em briga de marido e mulher não se mete a colher”, como se um amigo, parente, familiar não pudesse dar orientações ou intervir em casos de violência. b) “Ruim com ele, pior sem ele”. Outro discurso que, por anos, propaga a idéia de que a mulher deve ser dependente do homem. c) “Só batendo! Com esse daí só assim”, outro discurso que propaga a violência familiar, em mulheres e crianças. d) “Esse garoto tá pedindo para apanhar”, o discurso utilizado para propagar a violência infantil. Assim como esses há outros: e) “É de pequenino que se torce o pepino” f) “Ah! Quando o seu pai souber disso!” que dá ao pai um poder absoluto; g) “Ele pode não saber por que está batendo, mas sabe por que está apanhando!” Esses provérbios ou ditos populares são chamados de memória discursiva. Segundo Michel Pêcheux (1995, p.171), todo discurso se constitui a partir de uma memória. Os sentidos se constroem no embate com outros sentidos. Assim, quando não conseguimos recuperar a memória que sustenta aquele sentido, temos o nonsense2. Ainda que o falante não tome consciência desse movimento discursivo, ele flui naturalmente. A memória discursiva, também enfatizada por Pêcheux como interdiscurso, de outro modo, é um 2

Expressão inglesa que denota algo disparatado, sem nexo.


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saber que possibilita que nossas palavras façam sentido. Esse saber corresponde a algo falado anteriormente, em outro lugar, a algo “já dito”, entretanto ainda continua alinhavando os nossos discursos. Pêcheux nos reporta, quando se refere ao interdiscurso, às formulações anteriores, àquilo que todo mundo sabe, isto é, aos conteúdos de pensamento de um sujeito universal, base da identificação e àquilo que todo sujeito em situações específicas, pode ser e entender sob a forma das evidências do contexto situacional. Por conta disso, os provérbios “Quem ama não mata”; “Homem que é homem não bate em mulher”, “Mulher é como bife, só amacia quando apanha”, são discursos do imaginário social masculino, ditos como brincadeiras, mas que de certa forma propagam o preconceito e a violência. Nesse processo, os discursos apresentam relações de transferência que fluem sem que as percebamos durante as práticas discursivas.

Capítulo 3 A questão da Identidade Ao pensarmos em relações de transferência, faz-se pertinente, então, refletir sobre a condição pós-moderna3. Pensar nas questões de identidade num período designado pós-moderno é tocar num ponto nebuloso e móvel, dadas as novas configurações dos conceitos, a constituição heterogênea do sujeito e as mudanças e crises dos gêneros. Ao mesmo tempo, é importante se pensar na crise de identidade do 3

Pós-modernidade é a condição sócio-cultural e estética que prevalece no capitalismo contemporâneo após a queda do Muro de Berlim e a consequente crise das ideologias que dominaram o século XX. O uso do termo se tornou corrente embora haja controvérsias quanto ao seu significado e a sua pertinência. Algumas escolas de pensamento tem-na como o fundamento do alegado esgotamento do movimento modernista, que dominou a estética e a cultura até final do século XX, substituindo, assim, a modernidade. Outros, por sua vez, afirmam que a pós-modernidade seria a extensão da modernidade, englobando-a para cobrir o desenvolvimento no mundo, onde houve a perda da aura do objeto artístico pela sua reprodução em múltiplas formas: fotografias, vídeos, etc. (Walter Benjamin).


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discurso feminino, sendo que a pós-modernidade destaca-se pelo advento do individualismo, do simulacro, da perda dos limites, da robotização e do consumo. A identidade das mulheres que sofrem violência é um elemento importante para a análise dos discursos que permeiam os boletins de ocorrência, já que no momento em que a mulher denuncia seu amante, marido ou conivente deixa de ser ela mesma e passa a assumir a identidade de vítima. De acordo com Hall (2006), a identidade tornou-se uma celebração móvel: [...] formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades

diferentes

em

diferentes

momentos,

identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente.(HALL, 2006, p. 125) Segundo o autor, “A identidade tornou-se uma “festa móvel” formada e transformada continuamente em relação às maneiras pelas quais somos representados e tratados nos sistemas culturais que nos circundam”. HALL, 1987). Resumindo: o sujeito assume identidades diferentes em momentos diversos. No iluminismo o sujeito assumiu uma identidade máxima, pois era o centro dotado de capacidade e de razão. No pós-modernismo o sujeito assume várias identidades de acordo com o momento em que vive. Hall entende que [...]

dentro

de

cada

ser

humano

identidades

contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo

que

nossas

identificações

estão

sendo

continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma


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identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora "narrativa do eu" (HALL, 1990). Percebemos que a mulher assume o papel de vítima quando vai até a delegacia. Até mesmo no Boletim de Ocorrência, onde constam todos os seus dados, ela não é tratada pelo nome, pois ela o perde quando o escrivão ou escrivã começa a transcrever seu discurso. Em todos os boletins, a primeira frase é: “Comparece a vítima”. Na visão de Hall, a identidade plenamente identificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente. Chamou-nos a atenção o fato de ao entrarmos em uma Delegacia da Mulher, tudo o que é dito, ou seja, todo o discurso passa a conter as marcas da linguagem policial. Nesse contexto começam a emergir novas configurações de identidades, renunciando a alguns paradigmas, inaugurando outros. Nesse sentido é que também os gêneros começam a passar por profundas modificações. Apesar de cada mulher possuir suas identidades de mulher, esposa, mãe, etc., ao entrar em uma delegacia, essas identidades entram em conflito, pois tudo o que é dito ao escrivão passará pelo crivo dos padrões estabelecidos pela linguagem policial, que é técnica e voltada exclusivamente para as pessoas da lei, ou seja, para os leitores que lidam com os textos policiais, como advogados, delegados, juízes, etc. Tal linguagem não representa de forma alguma o mesmo discurso dessa mulher.


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Capítulo 4 Linguagem e Relacionamento Na antiguidade, a literatura greco-romana, seguia a tradição da divisão padronizada dos gêneros literários, da qual temos conhecimento nos dias de hoje por meio do filósofo Aristóteles. Esta separação facilitou a identificação das características temáticas e estruturais das obras, sejam elas em prosa ou em verso. Logo, foi separada em gêneros: épico, lírico e dramático. A transcrição do discurso da mulher vítima de violência geralmente é feita em forma de narrativa na terceira pessoa, característica do gênero épico ou narrativo, proposto por Aristóteles e transformado também em um gênero característico do estilo romanesco. Para Bakhtin (2005, p. 135) o romance reproduz artisticamente a palavra de outrem e deve ser analisado enquanto objeto estético que representa o “homem que fala a sua palavra”. Os discursos em análise lembram o estilo romance policial, pela linguagem justificada por uma voz popularizada e de técnica policial. Esse discurso técnico, muitas vezes fica enobrecido, como diz Bakhtin e propicia um discurso monológico ou homofônico. Sempre que se observa a voz que é a fala do autor, isto soa como uma só voz, como tentativa do tom do discurso do outro. Na opinião do teórico, o texto do romance dialógico deveria ser lido como um texto entre aspas, uma vez que é porta-voz de outras vozes. Ainda segundo os estudos bakhtinianos, o estilo linear conserva a fala de outrem, mas a transmite com a linguagem enobrecida dos princípios da literalidade, eliminando as variações de entoação, tão importantes no texto dialógico. Deste modo,, entendemos que as nuances de que trata Bakhtin podem aparecer no discurso transcrito pelo escrivão. É importante analisar também o papel matrimonial, que segundo Foucault (1985), é um ato privado, que na antiguidade dizia respeito à família, à sua autoridade, às regras que eram praticadas e reconhecidas como suas. O matrimônio não exigia a intervenção dos poderes públicos, pois era uma prática destinada a assegurar a permanência do oikos cujos atos fundamentais e vitais marcavam uma transferência para o marido à tutela até


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então exercida pelo pai e, ao outro, a entrega efetiva da esposa ao seu cônjuge. Essa prática era uma transação privada, um negócio realizado entre dois chefes de família, um real, o pai da moça, e outro virtual, o futuro marido. Esse negócio não possuía ligação com a organização política e social, porém era marcado por uma cerimônia, implicando efeitos de direito, sem ser, por isso, um ato jurídico. Progressivamente o casamento toma lugar no interior da esfera pública e ultrapassa, assim, o quadro da família, a qual fica limitada. Essa limitação é presente no quadro social dos boletins de ocorrência que foram analisados pois, muitas vezes, a família não consegue intervir nos casos de violência. Essa relação do casamento ou da vida a dois, como descrita por Foucault , com o passar do tempo começou a adquirir mais importância, e essa evolução acompanhou outras transformações, constituições de nomes de herdeiros, organização de um sistema de alianças, junção de fortunas, etc. Foucault observa que o casamento aparece cada vez mais como uma união livremente consentida entre dois parceiros possuidores de identidades e papéis sociais diferentes. A mulher, por sua vez, ganhou independência em relação à época clássica, e essa modificação relativa se deveu, em primeiro lugar, ao fato de que a posição do homem-cidadão, que perdeu uma parte de sua importância política. Isso se deve a um esforço positivo do papel da mulher, de seu papel econômico e de sua independência jurídica, que é visível na sociedade atual e evidente nos perfis sócio-econômicos das mulheres vítimas da violência. Essa relação matrimonial contém certos elementos, como: desconfiança aos prazeres e a insistência sobre os feitos de seu abuso para o corpo e para a alma; valorização do casamento e das obrigações conjugais; desafeição com relação às significações espirituais, atribuídos ao amor pelos prazeres. Tudo isso, segundo o filósofo, são temas de austeridade sexual numa sociedade imoral e de costumes dissolutistas. Esses temas que dizem respeito à moral, servem de pivô, no inconsciente coletivo, para a moralização de uma forma autoritária pelo poder político. Daí, então, surgem medidas legislativas protegendo o casamento, favorecendo a família, regulamentando a concubinagem e condenando o adultério, que foi acompanhado por um movimento de ideias, às vezes,


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artificial, opondo-se ao relaxamento dos tempos atuais, com a necessidade de rigor aos costumes antigos” (Foucault. 2004, p. 46). Foucault reconhece a necessidade de uma evolução multidisciplinar, devendo conduzir a um regime no qual a liberdade sexual seria estritamente limitada pelas instituições e pelas leis, que fossem civis ou religiosas. Essas tentativas políticas foram, com efeito, demasiado esporádicas, tinham objetivos demasiado limitados e tiveram poucos efeitos gerais e permanentes para dar conta de uma tendência para a austeridade que tão frequentemente foi manifestado na reflexão moral ao longo dos dois primeiros séculos. Por outro lado é surpreendente que essa vontade de rigor expressa pelos moralistas não tenha tomado forma de uma demanda de intervenção por parte do poder público: não se encontrará nos filósofos, projeto para uma legislação coenscitiva e geral dos comportamentos sexuais; eles incitam a mais austeridade os indivíduos que queiram levar outra vida que não aquela dos mais numerosos, não procuram quais as medidas ou os castigos que poderiam coagi-los a isso, de maneira uniforme. Desde o princípio do século, mais do que novas interdições sobre os atos, é a insistência sobre a atenção que convém ter para consigo mesmo, é a modalidade, amplitude, permanência, exatidão da vigilância que é solicitada, é a inquietação com todos os distúrbios do corpo e da alma que é preciso evitar um regime austero, é a importância de respeitar a si mesmo, privação dos prazeres ou limitando o seu uso ao casamento ou a procriação. A aproximação, essa majoração da austeridade sexual na reflexão moral não toma a forma de um estreitamento do código que define aos atos proibidos, mas de uma intensificação da relação consigo pela qual o sujeito se constitui enquanto sujeito de seus atos. E é levando em conta semelhante forma que convém interrogar as motivações dessa moral mais severa. Conduta pessoal e ao interesse de si próprio. Como afirma Foucault, Portanto, não seria o reforço de uma autoridade pública que poderia dar conta do desenvolvimento dessa moral rigorosa, mas antes o enfraquecimento do quadro político e social no qual se desenvolve, no passado, a vida dos indivíduos, menos fortemente inseridos nas cidades, mais


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isolados uns dos outros e mais dependentes de si próprios, eles teriam buscado na filosofia regras de conduta mais pessoais (FOUCAULT. 2004, p. 46). A valorização da vida privada, relações familiares, as formas de atividades domésticas e ao campo de interesses patrimoniais e por último: as formas nas quais se é chamado a se tornar a si próprio como objeto de conhecimento e campo de ação para transformar-se, corrigir-se, purificar-se e promover a própria salvação.


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Capítulo 5 Analisando os Boletins de Ocorrência 1. Comparece a vitima notificando que a autora é sua colega de trabalho. Ocorre que na data dos fatos, a autora agrediu a vitima verbalmente chamando-a de vagabunda. A autora foi para cima da vitima com uma tesoura para agredi-la, porém um colega de trabalho a impediu. Vitima não representa contra a autora e foi informada quanto ao prazo de seis meses para representação. Geralmente, casos como esse são registrados nas delegacias comuns, não especificamente na Delegacia de Defesa da Mulher. Aqui, a agressora é uma mulher e o texto não traz os motivos pelos quais a autora agrediu. Mas o texto deixa algumas marcas do discurso policial e seu posicionamento dentro desse discurso. Na primeira oração a vitima e a autora são apresentadas como colegas de trabalho. A segunda frase, começa com a palavra “ocorre”, que nesse caso, poderia exercer o papel de conjunção, o que contradiz a ideia colocada na primeira frase. O eufemismo é uma característica quando diz que a autora agrediu a vitima verbalmente chamando-a de vagabunda, em vez de xingou-a de vagabunda. Logo em seguida vem a frase final da agressão de fato. 2 -Comparece a vitima relatando que namorou com o autor por quatro anos e meio. Há três meses rompeu a relação por não gostar mais dele. Ocorre que na data supra o seu ex-namorado foi atrás da vitima e quando a encontrou ameaçou dizendo: “Tudo o que acontecer com você eu vou ser o responsável”. Essa frase o ex-namorado repetiu para todos os familiares da vitima. Não representa. Orientada quanto ao prazo decadencial. Na

introdução

do

texto,

percebe-se

primeiramente

o

tipo

de

relacionamento que a vitima tinha com o autor. Na segunda oração, percebe-se o posicionamento amoroso da vitima retratado no boletim, que há três meses


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rompeu o relacionamento por não gostar mais de seu ex-namorado, que por sua vez resolve ameaçar a vitima. Aqui, de acordo com Focault (1997), no que diz respeito à questão do monopólio, pode- se esperar que os tratados de vida matrimonial atribuam um papel importante ao regime das relações sexuais que devem se estabelecer entre os esposos. De acordo com o autor, o direito que é contestado de um lado não pode ser atribuído de outro. Existe uma simetria dos direitos que se completa pela necessidade de bem marcar, na ordem do domínio moral, a superioridade do homem. O crime aqui em questão aparece por meio do discurso direto, transcrito para o boletim. 3- Comparece a vitima notificando que na data dos fatos estava na feira quando uma amiga da vitima percebeu que estava sendo seguida pelo autor e seu filho e fotografada. A vitima foi perguntar o porquê a autora estava tirando fotos, o autor ficou nervoso e partiu para cima da vítima puxando os cabelos, dando vários tapas no rosto da vítima. A autora segurou a vitima. Quando a vítima disse que ia chamar a policia, o autor disse: “Vai chamar a polícia para você ver o que vai acontecer”. Ocorre que por telefone a autora já havia ameaçado a vítima dizendo que ia meter uma bala na cara dela e do macho da vítima. Sei onde é sua casa e sua rotina. “A vítima informa que seu companheiro é caminhoneiro e está fora da cidade. Salienta que ligou para ele e contou o que havia acontecido e ele disse para ela tomar cuidado, pois são de família de matadores. Vitima não representa contra os autores, sendo orientada quanto ao prazo de seis meses para oferecer representação. Um dos poucos boletins de ocorrência em que os fatos não aconteceram dentro de casa, mas em um local público. O texto começa com o verbo “notificar” no gerúndio. Na seqüência dos fatos narrados pela vítima e transcritos pela polícia, as aspas não aprecem na voz da vitima, mas sim do autor: “Vai chamar a polícia para ver o que vai acontecer”. Logo em seguida aparece a voz do autor em primeira pessoa sem aspas: “... Sei onde é sua casa e sua rotina...” Percebe-se uma sequência de fatos desprovidos de conjunção capaz de ligar uma frase à outra. Percebe-se aqui algumas figuras de linguagem, quando no boletim é transcrito “meter bala na cara dela e no


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macho da vítima”. Percebe-se aqui a catacrese, pela utilização de palavras impróprias, pois poderia ser “atirar na cara”, o mesmo acontece na sequência, pois poderia ser utilizada a palavra namorado, ao invés macho. 4 - Comparece a vitima noticiando que é casada com o autor há seis anos e tem uma filha dessa união. Na data dos fatos o autor pediu para conversar com a vítima, e a vítima disse não. O autor ficou nervoso e agrediu a vítima fisicamente na frente da filha causando FCC e mamilo direito, escoriações no ombro esquerdo e luxação no 3º dedo da mão esquerda, conforme relatório fornecido pelo PS de Taboão / São Bernardo do Campo. O autor diz que a vida da vitima vai ser um inferno. Foi requisitado IML para a vitima. Quebrou o celular da vítima. Vítima não deseja representar contra o autor, sendo orientada quanto ao prazo de seis meses para oferecer representação. O texto é narrado em 3ª pessoa do singular.

A vitima não apenas

noticia, mas chega noticiando. O gerúndio no inicio dos boletins é uma marca evidente do gênero. Na segunda oração, a palavra “vítima” é repetida duas vezes seguidas. “... Na data dos fatos o autor pediu para conversar com a vítima, e a vítima disse não”. Essa forma de repetição foi construída para potencializar a decisão da vítima, que não queria conversar com o autor, que a agrediu na sequência. Na terceira oração, a palavra “vítima” é repetida novamente. Na penúltima oração do texto, aparece uma frase isolada. “Quebrou o celular da vítima”. Como se no discurso oral houvesse uma seqüência dos fatos. Porém, no texto esta oração ficou sem ligação, ficou um ato isolado. 5 - Compareceu a vitima noticiando que o autor foi seu namorado e tem um filho dessa relação. Na data dos fatos o autor foi até a residência da vítima para pegar a filha. Ocorre que o horário de levar a criança é às 9h e o autor chegou às 12h30min. A vitima reclamou, pois ela disse que ele cumprisse o horário estipulado pelo juiz, que é das 9h às 18horas. Quando o autor chegou na casa da mãe dele comentou com ela o acontecido, a mãe do autor ligou para a vitima e disse que ele buscaria


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e entregaria a criança no horário que ele quisesse, chegando a xingar a vitima com palavrão de baixo calão. Disse também que o jeito é sumir, a vitima entendeu que era sumir com a filha dela. A vitima esclareceu que o autor não informa o endereço onde mora. A vitima foi até o local dos fatos para pegar a filha, chegando lá a criança de quatro anos estava na rua, a vitima pediu para o irmão do autor pegar os pertences da criança. A irmã do autor disse que não ia buscar e logo o autor saiu para ver o que estava acontecendo. O autor discutiu com a vitima, que entrou no carro para ir embora, quando o autor, sua mãe, seu pai e sua irmã começaram a xingá-la. A vítima saiu do carro e pediu para eles pelo menos respeitar a filha dela. Na hora o autor e os outros partiram para cima da vitima e a agrediram fisicamente causando escoriações da face esquerda e tornozelo direito, conforme relatório médico fornecido pelo PS de Diadema. Salienta a vitima que o autor sempre vai buscar a filha fora do horário e a devolve normalmente antes das 18h horas. Foi requisitado IML para a vitima. Vitima não deseja representar contra o autor, sendo orientada quanto ao prazo de seis meses para representação.

O texto apresenta todo um contexto que é uma apresentação inicial e a partir daí o relato começa com a gradação, com uma sequência de fatos. Os personagens dos fatos são constantemente repetidos: o autor, a vítima e as demais pessoas que aparecem, tais como a “mãe dele”, ou o “filho dela”. Nesses casos o pronome possessivo foi utilizado propositadamente para enfatizar a Introdução mãe do autor ou o próprio filho dela. Há uma sequência. Por exemplo: “o autor, sua mãe, seu pai, e sua irmã, começaram agredi-lá”. Neste caso, o pronome “eles” não foi utilizado também propositadamente, para enumerar que todos da família participaram da agressão. No final, vê-se o verbo “salientar”, como forma de enobrecer o texto e também para fazer um desfecho final. Nesse texto a gradação é a figura de linguagem predominante no texto, pela sequência de ideias em sentido ascendente, proporcionando um clímax, até o desfecho do texto. Na primeira oração, o gerúndio é utilizado para


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potencializar como a pessoa chegou à delegacia e que refere ao autor que foi seu namorado e tem um filho dessa relação. Na segunda oração, a sequência de fatos é enorme, pois o texto é constituído por uma série de verbos que determinam uma ação frenética de ocorrências. Os verbos aparecem em vários tempos verbais: passado, gerúndio, condicional, como, por exemplo: buscaria, entregaria. Diante desses fatos ocorridos, o texto fica truncado, sem ligações entre uma frase e outra. É uma sequência que determina uma fala desesperada. Foram encontrados nesse texto 57 verbos, que aparecem em freqüência desesperada em uma forma linear até chegar a conclusão dos fatos, que é a agressão sofrida. 6 - Comparece a vitima relatando que na data seu ex-marido foi até sua casa, onde passou a ofendê-la, bem como ameaçando em agredila fisicamente. Esclarece que ligou para casa do autor para falar com ele, só que quem atendeu foi a atual mulher. Diante disso, o autor dizendo que a vítima havia xingado sua mulher, não gostou e foi tirar satisfação com a vítima. Não representa criminalmente. Orientada quanto ao prazo decadencial. Aqui já não há uma apresentação dos fatos, nem mesmo há uma gradação, pois o fato transcrito já é o clímax, ou deveria ser. Logo na primeira oração já acontece o ato da violência praticado pelo ex-marido. Na segunda frase aparece o verbo “esclarecer”, que tem um peso semântico forte, ou seja, o mesmo que “explicar”, “elucidar”. É como se houvesse um motivo para que o autor pudesse cometer tal ato. Na sequência a vítima diz que ligou para casa do autor e que quem atendeu ao telefone foi a atual mulher. Aparece no texto a palavra “só”, que ocupa a função de conjunção adversativa, trazendo a ideia de oposição.Quem atendeu não foi ele, foi a mulher, mas ainda não foi qualquer mulher, mas sim a atual. A palavra “atual” coloca, nesse caso, a vitima em segundo plano, pois classifica a posição que elas ocupam em relação ao autor da violência. Depois o texto dá voz ao autor, o qual afirma que a vitima teria xingado a sua mulher. O pronome possessivo enfatiza a posse, como diz Foucault, “verifica-se aqui a necessidade de bem marcar na ordem do domínio moral, a superioridade do homem”.


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7 - Comparece a vitima notificando que convivia com o autor há 16 anos, possuindo em comum um filho de dezoito anos, além de mais quatro filhos de sua relação anterior. Ocorre que sua vida conjugal não é harmoniosa, visto que o autor possui uma amante, em virtude de o casal estar separado há três meses dentro do próprio lar. Na data supre, o autor provocou uma situação e o casal acabou brigando. Aqui a violência é de ordem sentimental. A mulher nessa situação tem medo de se separar do marido judicialmente, porém vive separada do marido há três meses dentro do próprio lar. Nesta ocorrência não consta o motivo da briga ou da agressão, mas nos deixa ver uma situação mais critica, que é a infelicidade conjugal. 8 -Comparece a vitima notificando que viveu uma união estável com o autor por dez anos e tem dessa união uma filha. Na data dos fatos o autor foi até a casa da vítima e acabaram discutindo por causa da pensão da filha. O autor acabou ficando nervoso e desferiu-lhe um tapa no rosto da vítima, não a deixando com nenhuma lesão. Vitima não deseja representar contra o autor, sendo orientada quanto ao prazo de seis meses para representação. A apresentação do texto informa que o casal viveu uma relação estável por dez anos e tem dessa união uma filha. Por essa apresentação pode-se observar um clima de harmonia, como se esses dez anos tivessem sido bons, pois viveram uma relação estável; o adjetivo potencializa essa ideia. Até que discutiram por conta da pensão e, daí, resultou o ato de violência. O texto fica enobrecido quando o eufenismo é utilizado no ato da agressão com a frase “desferiu-lhe um tapa”. 9 -Comparece a vítima relatando que nesta data, hora e local seu companheiro com quem convive há três anos teria tentado enforcá-la, além de desferir diversos socos e chutes. Da agressão não restaram lesões aparentes. Na data de hoje a vitima decidiu por sair de casa, após o autor a expulsá-la. A vitima tem um filho em comum com o autor


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de 1 ano e 5 meses. O autor tem por hábito ameaçar, sendo pessoa agressiva e violenta. A vítima no momento não deseja REPRESENTAR. O tempo da narração aqui não é ascendente, mas sim, descendente, já é transcrito o clímax, o ato da violência praticado pelo companheiro. E o ato da violência aconteceu um dia antes do registro. Apesar de ser vítima de agressão, não foi esse o motivo da denúncia da vítima, mas sim a sua expulsão. “Na data de hoje a vitima decidiu por sair de casa, após o autor a expulsá-la”. Para manter sua posição, a vítima declarou ter decidido sair de sua própria casa, porém sua posição é contraditória quando diz que foi expulsa de sua casa. No final do texto, pode-se observar o posicionamento do escrivão através da transcrição enfatizada em caixa alta que a vítima não deseja representar, ou seja, deixa as marcas evidentes do seu posicionamento quanto ao caso. 10 - Comparece os policiais militares, acima qualificados, relatando que foram

acionados

via

Copom

para

atender

ocorrência

de

desentendimento. Chegando ao local dos fatos depararam com a vítima adolescente, de 16 anos que teria sido agredida por seu tio. Assim, conduziram a vitima até o Quarteirão da Saúde, onde foi diagnosticado lesão na cabeça e contusão em couro cabeludo. Presentes as partes entrevistadas pela autoridade policial ora signatária, a qual deliberou pela lavratura do presente Boletim de Ocorrência, considerando que a vitima e sua representante legal expressaram sua intenção em não representar no momento. Orientadas as partes quanto ao prazo legal de seis meses para representação. Requisitado IML para a vítima. Este é um caso interessante pois, de acordo com o B.O., o caso primeiramente foi atendido por policiais militares. O texto traz ainda a palavra “qualificados”, para identificar os mesmos policiais militares que atenderam uma denúncia via Copom - central de atendimento policial para denuncias feitas anonimamente. O texto não traz as informações sobre o caso em si, a não se quanto à ação policial em relação à menor, ou seja, o seu encaminhamento ao médico e quanto à orientação de representarem ou não o


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agressor, no caso é o tio da menor. 11 – Comparece a vitima relatando que é convivente com o autor há vinte e cinco anos. Possuindo em comum dois filhos. Ocorre que sua vida conjugal não é harmoniosa posto que o autor dar-se ao uso de bebidas alcoólicas, e com isso, torna-se uma pessoa violenta a ponto de fazer ameaças de morte para a companheira dizendo que irá matá-la. O casal reside no imóvel da genitora da vitima, e como deseja a separação, já conversou com o companheiro, mas, ele diz que da casa não sairá. A vitima não representa criminalmente. Encaminhada para Assistência Judiciária Casa Beth Lobo. Orientada quanto ao prazo decadencial. A apresentação do texto mostra que a vitima convive com o autor há 25 anos e que possuem dois filhos em comum. A infelicidade conjugal é retratada como “não harmoniosa”. O eufenismo aqui é aparece quando diz “dar-se ao uso bebidas alcoólicas”, ao invés de “viciado em bebidas”. A palavra “mãe” também foi substituída por “genitora”, modelo de texto próprio da linguagem policial.


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Considerações finais

A partir dessas verificações pude constatar que o antagonismo do discurso da mulher nos boletins de ocorrência acontece não quando ela faz a denúncia da agressão, mas sim quando ela desiste de concretizar o ato de representação. Em outras palavras, ao final da denúncia tem-se a impressão de que “tudo ficou como se nada tivesse acontecido” (grifo nosso). Pois, muitas vezes no dia seguinte após a elaboração do BO, as mulheres fazem as pazes com o agressor, como nos relataram alguns policiais. Esse ato merece uma reflexão das autoridades quanto à importância do discurso da mulher vítima da agressão e também sobre a importância da transcrição desse discurso nos boletins de ocorrência. É preciso também avaliar a variedade da comunicação, que visa uma ideologia, não apenas como reflexão, mas como prioridade em organizar as ideias que se relacionam à consciência individual em cada situação enunciativa de cada pessoa, não apenas transformar o discurso da mulher em uma linguagem policial. Pode-se notar também que no discurso relatado como primeira instância a ser analisada, surge outro discurso, o discurso policial, correspondendo, assim, ao interdiscurso do qual falam Pêcheux e Foucault. É um discurso que inclui em si outro discurso, maquiado e voltado para os profissionais que lidam com a lei. Podemos dizer que, sob o ponto de vista lingüístico, de certo modo, é em razão da presença ou da ausência de um sujeito, de uma subjetividade, que a mulher que sofreu algum tipo de violência, aqui representada na figura do escrivão, perde a sua

identidade de mulher e adquire a identidade de

vítima. Assim sendo, pode-se considerar que todo o discurso encontrado nos Boletins de ocorrência da Delegacia de Defesa da Mulher se transfiguram no texto pela presença e ausência de subjetividade, isto devido às necessidades do locutor, ou seja, da vítima e seu desencadeamento enunciativo no ato do


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depoimento, pois já não são suas as palavras postas no documento. A partir dessas observações, nota-se nos BO’s marcas de subjetividade do escrivão, bem como a troca de identidade.Ao assumir o discurso transcrito como seu, ao assinar o seu depoimento, a mulher se assujeita, ou seja, ela concorda em trocar sua linguagem pela linguagem policial,materializada no discurso do escrivão, cuja escolha vocabular, isto é, cuja intencionalidade discursiva , aparente no texto transcrito, o caracteriza como sujeito próprio do interior do discurso enunciativo. Assim, a concepção de subjetividade é visível pela “intromissão” de um sujeito que se insere no discurso outro. Percebe-se então a aproximação entre os discursos: o discurso relatado e o discurso referido. Nesse caso, foi verificado apenas o discurso referido, que serviu de contextualização para o desenvolvimento da pesquisa como conceituação qualitativo-discursiva; propósito do presente trabalho. Por conta disso, pode-se dizer que o discurso da mulher na Delegacia da Defesa da Mulher de Diadema através dos BOs ocorre de forma direta, quando relata apenas o delito, o crime, ou a agressão, ou indireta quando relata todos os detalhes do histórico da agressão. Percebe-se que há boletins com riquezas de detalhes, desde o tipo de relacionamento que a vítima mantinha com o agressor até seus sentimentos e o desencadeamento que ocasionou a agressão. Tudo isso pode depender da intenção do escrivão ao relatar os fatos. Em certos casos é possível perceber a voz do escrivão juntamente com a voz da mulher, confirmando a presença de um discurso heterogêneo, uma vez que o discurso do eu se mistura com o discurso do outro dentro do contexto enunciativo, podendo mudar a voz enunciativa e transformar o discurso em relato, já que a transcrição ressalta uma presença, que pode ser policial, judicial, administrativo, etc. Esses boletins de ocorrência ressaltam também em seu discurso a presença da vítima ou comunicante, do infrator e das testemunhas, enfatizando o cenário, o pensamento e a linguagem do sujeito enunciador. Elementos que não fazem parte do discurso da mulher, mas que, no final, farão parte dele através da concretização do boletim. Pode-se perceber também que o escrivão utiliza meios lingüísticos argumentativos, como forma de acusar o infrator e defender a vítima nas


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situações vividas. Dessa maneira, o discurso policial aparece encoberto de vozes, trabalha com elementos próprios do cenário cultural da vítima, ficando latente, assim, a sua posição, perante o caso. Outra característica latente que está presente nos Boletins de Ocorrências é a ambigüidade, uma vez que existem no discurso do escrivão alguns termos que acabam impedindo o entendimento único com relação àquilo que se diz, causando, assim, uma ruptura acerca do acontecido. Tal característica consiste em apontar dúvidas no que corresponde ao culpado dos fatos. Portanto, observar a linguagem policial nos BOs significa, antes de tudo, evidenciar um discurso que se constitui a partir de outro. E isso acontece em todos os boletins das delegacias espalhadas pelo Brasil. Esse processo de transcrição do discurso da mulher não possui um método em sua constituição, podendo apresentar diversas linguagens na constituição do discurso como um todo. Outra característica do antagonismo desses discursos diz respeito à desistência da representação, ou seja, a mulher vítima da violência ignora a denúncia que fez e a proposta de levar adiante a denúncia contra o agressor, fazendo desmoronar todo o discurso inicial.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DEL PRIORI, Mary, Revisão do Paraíso: os brasileiros e o Estado em 500 anos de história, Rio de Janeiro: Campus, 2000. CAVALLARI, D. N.. Bakhtin e as formas do discurso narrativo. In: Guaraciaba Micheletti; Carlos Augusto B. de Andrade. (Org.). Discursos: olhares múltiplos. São Paulo: Andross, 2005, v., p. 15-29. FOULCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1993. GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na análise do discurso diálogos & duelos. São Carlos: Claraluz, 2004. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade / Stuart Hall; tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro – 11. Ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2006. ORLANDI, Eni. Vozes e Contrastes – Discurso na cidade e no campo. Eni Pulcinelli Orlandi, Eduardo Gimaraes e Fernando Tarallo. São Paulo: Cortez, 1989 (Biblioteca da Educação). ______________. Análise do Discurso: princípios e procedimentos / Eni P. Orlandi – 9ª Edição, Campinas, SP, Pontes Editores, 2010. PREVENÇÃO E ATENÇÃO -– à violência intra-familiar e de gênero – Apoio às lideranças comunitárias. Instituto Noos – CIP –Brasil. Sindicato Nacional dos Editores de livros – RJ, 2010. SCOTT, Joan W. El problema de la invisibilidad. In. ESCANDÓN, C.R. (Org.) Gênero e História. México: Instituto Mora/UAM, 1989. SARFARI, Georges-Élia, 1957 – Princípios da análise do discurso / GeorgesÉlia Sarfari; tradução Marcos Bagno; revisão técnica Carlos Piovezabi e Vanice Sargentini. 1 ed. – São Paulo: Ática, 2010.

FALTOU ESCREVER AS SEGUINTES REFERÊNCIAS: RAIHER (2006) CONSTITUIÇÃO FEDERAL SCARDUELI (2006) – ver página 10 da monografia MICHEL PÊCHEUX (1995:171)- ver página 17 da monografia


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(HALL, 1990).ver página 18 ou 19 da monografia BACKHTIN (2005) – ver página 20 da monografia FOUCAULT (1985), ver página 21 da monografia. (FOUCAULT. 2004, P. 46).VER PÁGINA 23 DA MONOGRAFIA. FOCAULT (1997), ver página 26


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