Programa Nijinsky | agosto a setembro 2014 | Sesc Belenzinho

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minha loucura ĂŠ o amor da humanidade 28AGOSTOA21SETEMBRO2014


Vaslav Nijinsky (1890-1950) foi um dos maiores dançarinos e coreógrafos de todos os tempos. Surpreendeu o mundo com sua criatividade e ousadia. Rejeitou as regras do ballet clássico e da sociedade do início do século XX para dançar o instinto, no palco e na vida. Colocou demência em evidência. Transformou enfermidade em beleza, antecipando preceitos da arte contemporânea. Sua mente atordoada foi estigmatizada como louca por não se enquadrar aos padrões sociais de sua época. Hoje é símbolo de genialidade.


Vulnerabilidade e Potência Expressiva Nas artes cênicas, as possibilidades de diálogos entre a dança e o teatro são múltiplas. Em alguns casos, são intrínsecas e inerentes ao processo criativo da obra; em outros, o segundo é o veículo para discorrer sobre o primeiro. É isso o que ocorre em Nijinsky – Minha loucura é o amor da humanidade, espetáculo que se propõe a lançar luz sobre as relações entre a vida íntima e a figura pública do bailarino Vaslav Nijinsky. Lançando mão da capacidade mobilizadora do teatro, os diretores Gabriela Mellão e João Paulo Lorenzon desenham um retrato simbólico de glória e ruína do bailarino russo, que transcendeu as regras do ballet clássico, reinventando sua linguagem. A encenação cria pontes metafóricas entre os altos e baixos da vida do artista, sua oscilação entre loucura e genialidade, e as estéticas dos saltos, recriados na peça por meio do recurso da cama elástica. A imagem evocada nos remete à vulnerabilidade do artista perante os personagens arquetípicos que o rodeiam e, ao mesmo tempo, à sua potência expressiva exaltada por esta posição. O Sesc, afirmando sua proposição de difundir a arte como um recurso importante de desenvolvimento da sensibilidade e da compreensão do universo simbólico que nos cerca, traz a montagem que nos aproxima deste personagem icônico na história da dança.

Sesc



Artista em Voo O Artista Voador Nijinsky é para mim a possibilidade de refletir sobre o papel do artista. O bailarino faz da dança tornado, avalanche, erupção. É um estrangeiro que usa sua pátria, a arte, para conquistar territórios inexplorados, ferir a civilidade mórbida do homem, refundar civilização. Nijinsky representa inventividade, tolerância, as infinitas possibilidades do caminho. Enquanto luta contra aqueles que vivem ordenados por regras, padrões e tradições, ele goza a liberdade do despertencer. Dança as revoadas do instinto e a beleza do tenebroso, expondo cicatrizes e doenças. Como tantos artistas que se equilibraram na linha tênue que separa genialidade e loucura, Nijinsky é tão sábio quanto demente. Seus diários revelam um homem delirante e ao mesmo tempo consciente da potência humana e de sua inexplicável conexão com a natureza. Como todos, luta contra seus fantasmas para fazer valer sua essência. Morrer e renascer a cada dia, pautado pela ousadia de viver de forma verdadeira, absoluta. O espetáculo transforma parte do palco num trampolim (cama elástica) buscando retratar simbólica e oniricamente os voos e as quedas de Nijinsky. Se propõe a explorar as possibilidades imagéticas geradas a partir deste chão inusitado que traduz o universo mental e corpóreo do protagonista ao apresentar o embate de Nijinsky consigo mesmo e com os fantasmas que o rodeiam. Neste palco alegórico, o dançarino desafia a gravidade e faz valer sua singularidade a 3m do solo. Para ele, o voo é o destino mais provável do homem que não desistiu de sonhar.

Gabriela Mellão


Pássaros Tudo está bem, mas um dia andamos pela rua, sentimos uma tontura, paramos, nos encostamos num poste ou num muro qualquer e de súbito dizemos para nós mesmos: Eu tenho medo de viver. Ando, sempre andei, aprisionado. Me escondo e escondo minha angústia, disfarço minha fragilidade, minha precariedade e flano pelo mundo para tentar me distrair. Ainda neste estado, encostado no muro e encontrado comigo, vejo minha solidão. Brilhante e obscura. A terrível solidão das perguntas que não expresso, das buscas em segredo por respostas que me dêem sentido e me perco no artificial, no raso, no irrisório.


Uma estranha força, que prometia mais cedo ou mais tarde despontar, me ilumina e vejo, como se fosse a primeira vez, minha natureza, minhas próprias pulsões, meu corpo selvagem, e tudo faz silêncio. Essa força sou eu. E sinto por um instante gigantesco o que imagino ter sentido Nijinsky. O bailarino dançando pra si mesmo buscando alcançar o infinito. Nijinsky: aquele dentro de mim que de repente não se rende, não quer cumprir mais regras, não pode mais se adequar, não vai pelo caminho do outro, perde o juízo, perde o limite, recupera o sentido. Escuto minha voz, todas as vozes dentro de mim. Respiro a vida, escuto a música do mundo e toco enfim e sou tocado na minha e pela minha relevância. Nijinsky e a fome ardente de viver. Nijinsky e o desejo do absoluto. Nijinsky e o frêmito de superar a finitude. Nijinsky e as sensações desconhecidas da dimensão humana que nós, os que não sabemos voar, chamamos de loucura. Nijinsky e a dimensão erótica do corpo, buscando novas fontes de prazer, maior possibilidade de escalar as alturas. Nijinsky e a dança da morte. Nijinsky e a dança da vida. Eu então me recupero da tontura, sei que voltarei para meus afazeres, já atrasado e ainda mais atarefado, sei que esquecerei esse devaneio e que tudo voltará ao normal, mas sinto de súbito: não posso mais adiar o inadiável. Ficou em algum lugar dentro de mim esse gosto, esse baile, essa nova vida que teima em me tirar pra dançar. Nijinsky está dentro de nós. Não está longe. Está aqui, basta fecharmos os olhos para sentir . - Como você gostaria de viver? - Eu? Como os pássaros. - Tocamo-nos, um ao outro. - E como? - Por golpes de asas.

João Paulo Lorenzon


Minha dança é avalanche que não cessa de me levar caio dentro dela sem reservas sem ressalvas morro em seus braços voo soberano viajo em queda livre para dentro de mim Minha dança é tempestade que não cansa de sacudir de rugir não importam os passos desde que embalado por ela desde que levado sem fim



Eu sou o homem que te pariu. Dei a luz a você, Nijinsky. Os holofotes que te fazem brilhar são meus, foram instalados por mim. Todos eles. Sem meu clarão para te iluminar, sem minhas mãos para te impulsionar, seus voos não sairiam nem deste palco. Dei o que tinha de melhor a você, Nijinsky. Diaghilev, empresário e amante de Nijinsky, interpretado por Francisco Bretas


Você fazia viver diante de nossos olhos uma humanidade sofredora e abalada pelo horror. Você era trágico. Seus gestos ganhavam dimensão épica. Como um mágico dava-nos a ilusão de flutuar acima de uma multidão de cadáveres. Você era uma criatura indomável, uma pantera fugida da selva capaz de nos aniquilar de um momento para o outro. Romola, mulher de Nijinsky, interpretada por Michelle Boesche


Vim te impulsionar. Vai, meu irmão. O infinito é logo ali. Agarre-o, ele é seu. Basta olhar para sua luz para descobrir o quanto se pode ascender. Você é fogo e ar, o incêndio e o incendiário. Estamos fundidos em êxtase. Sempre soube que meu pássaro mago não recusaria meu amor. Vim para ficar. Que saudade de você. Você queima, está queimando. Está se apagando. Restam destroços de um vulcão de sonhos. Há mofo nas crateras do seu coração. Há musgo nas cavernas de seu peito. Lama e ferrugem em todos os seus músculos. Por que você enlouqueceu? Nijinska, irmã de Nijinky, interpretada por Janaína Afhonso


Não deixe a vida amansar você. Vão querer te domesticar, te transformar em um homem servil e apático, te aprisionar atrás das grades da civilidade. Galope, relinche, dê coices, meu filho. Você sonhou que era um menino, um menino distante de todos os outros, um menino que copiava meus passos redesenhando minha sombra. Até que de tanto dançar, eu virei a sua. Você encontrou seus passos. Você alcançou seu corpo, e voou. Eleonora, mãe de Nijinsky, interpretada por Nábia Vilela


Ouço comandos de todos os lados, eles vem de todas as direções. Poderia me movimentar feito marionete em mãos de artistas habilidosos, mas mergulho no centro de mim, me ensurdeço, desabrocho as cordas que me imobilizam e, soltando um rugido que se anuncia através de meu corpo, grito isolamento e dor. Amo o impossível, o sonho, a miragem. Vocês tem regras, condutas de civilidade, bom senso, definições, medidas, padrões, tradições. Eu tenho a minha insanidade. Tenho a volúpia do amor, o instinto do desafio, o prazer da dor. Meu sangue corre feito bicho solto, galopa sem rumo. Desfruta a liberdade dos que não se comprometem com certezas jorrando as feridas abertas pelos massacres do homem. Celebro a vida dançando a solidão. Quero conquistar terras inexploradas, abrir caminhos que não tem fim. Transforme-se no sol e toda a gente o verá. Nijinsky, personagem vivido por João Paulo Lorenzon



A natureza é a vida, e a vida é a natureza. Eu amo a natureza. A natureza é simples. Compreendo a natureza pois sinto a natureza. Conheço pessoas que não compreendem a natureza, porque não sentem. A natureza me sente. A natureza é Deus. Não gosto da natureza inventada. A natureza está viva. Eu estou vivo. Eu sinto os meus movimentos. Meus movimentos são simples. Meus movimentos são Deus. Trecho extraído de “O Diário de Vaslav Nijinsky”, obra escrita durante 6 semanas pelo próprio dançarino, em 1919, quando a esquizofrenia o afastou da dança



Texto: Gabriela Mellão Direção: Gabriela Mellão e João Paulo Lorenzon Atuação: João Paulo Lorenzon, Michelle Boesche, Francisco Bretas, Nábia Vilela e Janaína Afhonso Trilha sonora: Raul Teixeira e André Telles Desenho de luz: Fábio Retti Criação de figurino: Thais Nemirovsky Cenário: Gabriela Mellão e João Paulo Lorenzon Coreografia: Reinaldo Soares Trampolim acrobático: Renato Marino Preparação corporal: CGPA Pilates Produção: Corpo Rastreado Fotos: Maurizio Mancioli Costureira/figurinista: Gabi Cherubini Maquiagem: Rebecca Carratu Cabelereiro: I9 Hair Operador de som: André Telles Operador de luz: Vinícius Passos Montagem e técnico aéreo: Paulo Maeda Cenotécnico: Mateus Fiorentino Assessoria de imprensa: Morente Forte CGPA Pilates e SPORTIN são parceiros do espetáculo, responsáveis, respectivamente, pela preparação corporal do ator e pelo trampolim acrobático contido no cenário.


Agradecimentos: Maria Cristina Abrami, Rosana Browne, Leonardo Linero,

Patrícia Aockio, Silmara Verçosa, Marcelo Marcucci, Patricio Lima, Joana Bill, Osman Soares, Vanessa Souza, Magno Aguiar, Deise Maria, Beto Andreatta, Caco Scartelli, Ronei Alexandre, Jucie Batista e toda Pia Fraus, Márcia Afonso, Guilherme Araújo, Marcelo Araújo, Nina Bretas, Iveth Bretas, Heron Coelho, Alessandra Marcuzzi, Lucianno Maza, Lucia Oliveira, Mauro Baptista Vedia, Voxmundi, Fernanda Bianco, Ivam Cabral, Irma Maria Clau, Zuleica de Felice, Antonio Gilberto, Joaquim Goulart, Antônio Mafra, Grupo Espaço Mágico, Karim da Hora, Antônio Januzelli, Alan Victor Meyer, Lavínia Pannunzio, Eduardo Pesaro, Rita de Cássia Rodrigues, Ralph Michael Schaffa, Isabel Setti, Fábio Simonini, Clovys Tôrres e Rodolfo García Vázquez.


28 de agosto a 21 de setembro de 2014 quinta a sábado, às 21h30 e domingos, às 18h30 Não recomendado para menores de 14 anos

Sala de Espetáculos II

Sesc Belenzinho Ingressos à venda na rede INGRESSOSESC

R$ 25 (inteira); R$ 12,50 (aposentado, +60 anos, pessoa com deficiência, estudante e servidor com da escola pública com comprovante e usuário inscrito no Sesc); R$ 5 (trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc)

Rua Padre Adelino, 1.000 Belém CEP 03303-000 São Paulo - SP TEL.: +55 11 2076 9700 email@belenzinho.sescsp.org.br sescsp.org.br/belenzinho / sescbelenzinho / sesc_belenzinho


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