Sesc Vitrine - A Paisagem da Cidade

Page 1

MARCELO GRECO

MÁRCIO TÁVORA

TUCA VIEIRA

1


08

MARCELO GRECO

30

JOSÉ BASSIT

48

CHRISTIAN MALDONADO

70

MÁRCIO TÁVORA

86

TUCA VIEIRA

106

LUCAS LENCI


CURADORIA _ CRISTIANO MASCARO


AS CIDADES E AS PAISAGENS

4


Paisagem, dentre as várias possibilidades, pode ser enunciada como um conjunto de componentes que distingue um espaço a partir das interferências impressas pelas relações sociais que correm ao longo dos tempos. Atentar para esse fato faz realçar experiências humanas que nos remetem às inúmeras formas de apreender o ambiente que nos compõe e nos rodeia. Ao considerarmos que cada pessoa possui um modo particular de ver, baseado em seu repertório, memórias, reminiscências, significa dizer que as paisagens construídas a partir daí também assumem nuanças pouco comparáveis. Aliás, uma dessas experiências pode se dar por meio da Fotografia. Como forma de expressão artística e para além da reprodução objetiva da realidade construída pela via do aparato técnico, este modo de ver torna aparente aquilo que anima o fotógrafo em seu fazer artístico. Decidir acerca da cena que o toca e dali à luz que orienta e preenche contornos, sob ângulos que conduzem a determinados enquadramentos, resulta numa imagem construída, quase sempre, num átimo de segundo e plena de subjetividade. Reunir visões particulares acerca das paisagens das cidades é um dos propósitos da série de exposições que ocupa o projeto Sesc Vitrine entre agosto de 2013 e setembro de 2014. Trata-se das singularidades registradas pelos olhos e lentes de seis fotógrafos que se lançaram pelas ruas de diversas cidades do Brasil e do mundo, em busca de imagens que representam um conceito, mutável, de cidade. Assim, o espectador encontra poucas paisagens panorâmicas, e mesmo os símbolos facilmente reconhecíveis foram distorcidos, reforçando a presença da diversidade de olhares acerca das cidades e do que as compõem. Para o Sesc, projetos como o Sesc Vitrine, que se apropriam de espaços expositivos alternativos, reforçam a finalidade da instituição em fomentar ações que valorizam a difusão cultural e os processos reflexivos ao garantir o contato com o teor educativo por meio dos diálogos intuitivos e sensíveis, próprios das relações em que o fazer humano é protagonista. Sesc

5


A PAISAGEM DA CIDADE

6


O interesse em fotografar as cidades surgiu há muito tempo. Na verdade, não poderia ter sido algo mais distante. Teve início exatamente no momento decisivo em que Joseph Nicéphore Niépce, convencido de que acabara de inventar algo inédito, correu até a janela de seu escritório, em Chalon-sur-Saône, no interior da França e, convencido de que não havia nada mais relevante para registrar, mirou a paisagem que dali podia avistar: um pedaço de muro, a rua e alguns edifícios vizinhos. Ajeitou como pôde sua câmera enorme e tirou aquela que é considerada a primeira fotografia da história. Não foi exatamente um clique instantâneo como os de hoje em dia. Devido às limitações técnicas da época, o tempo de exposição foi muito longo, de mais de oito horas e, durante esse tempo todo, o sol percorreu seu caminho diário, as sombras se mexeram fazendo com que a fotografia mais parecesse um borrão. No entanto, ninguém ficou desanimado, pelo contrário. Em uma época de grandes descobertas científicas, percebeu-se imediatamente que se iniciava uma nova forma de ver o mundo, o que atraiu inúmeros seguidores entusiasmados. De fato, com o rápido aperfeiçoamento técnico da química e dos aparelhos fotográficos, o que veio facilitar enormemente o trabalho dos fotógrafos, esses incansáveis personagens saíram a caminhar pelas calçadas e a se misturar com a multidão para registrar a vida das cidades. Passados quase 200 anos da invenção pioneira de Niépce, chegamos à era digital, uma revolução tecnológica fabulosa, mas nada mudou. Os fotógrafos, todos eles tomados por uma curiosidade inesgotável, continuam a observar os quatro cantos das cidades, certos de que a cada esquina pode surgir algo inesperado que mereça ser fotografado. Portanto, nada mais natural do que convidar para esta série de exposições chamada “A Paisagem da Cidade” seis fotógrafos que, apesar de observarem o mundo cada um à sua maneira, têm em comum o fascínio pelo que acontece nas ruas. Christian Maldonado, José Bassit, Lucas Lenci, Marcelo Greco, Márcio Távora, Marcelo Greco e Tuca Vieira, com a disposição física necessária aos fotógrafos caminhantes e o imprescindível talento, apresentam nesta série de fotografias os mais diversos aspectos desse fenômeno enigmático e sedutor que são as cidades. Com todas as suas contradições, desde as facilidades de como “levarmos a vida” até o gigantismo que muitas delas alcançaram, não podemos reclamar. Foi depois de um primeiro raio e de uma forte tempestade que o homem começou a pensar em se abrigar da força da natureza e, depois de alguns séculos, chegou onde hoje estamos. Bem ou mal, as cidades nos representam. São o resultado da evolução do conhecimento humano e, como tal, merecem a nossa atenção e o esforço de representá-las para melhor compreendê-las. Como fazem, com muito brilho, estes seis fotógrafos cidadãos. CRISTIANO MASCARO curador

7


MARCELO GRECO

32.945 0.02

2.29

0.015

2.3

0.01

2.3

0.01

2.3

0.02

2.302

0.013

2.37

0.015

2.37

0.02

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

0.01

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

1.45

2.3

2.172

14

0.339

0.954

0.113

13

0.967

0.119

0.967

0.1

0.967

12

0.339

0.967

0.339

11

2.172

0.339

10

30 de agosto a 30 de outubro de 2013

8

2.172

0.1

09

2.172

0.339

08

0.967

0.1

2.172

07

0.339

0.967

06

0.1

0.967

0.1

0.967

0.1

05

0.967

0.335

2.172

04

0.1

2.172

03

0.1

2.172

02

0.339

2.172

01


Marcelo Greco (1966) iniciou sua vida profissional na área de tecnologia da informação o que, de certa forma, lhe proporcionaria enorme facilidade em operar os complexos sistemas digitais aos quais a fotografia, para o bem e para o mal, se vê atrelada atualmente. No entanto, Marcelo vem de uma família de artistas, de pintores e de músicos − seu avô tocava piano durante as sessões de cinema mudo −, o que deve ter provocado a mudança radical em sua vida, ocorrida quando completava 25 anos. Até essa época, Marcelo trabalhava com processamento de dados o que, em absoluto, lhe agradava, ou melhor, conforme ele mesmo diz, “odiava o que vinha fazendo”. Buscando uma saída, e como desde muito jovem fotografava, imaginou que aquilo que lhe dava tanto prazer poderia se tornar uma atividade profissional e que igualmente lhe alimentasse o espírito. Desligou-se da sociedade que mantinha até ali e resolveu se estabelecer como fotógrafo. E, como podemos observar no trabalho que construiu nesses últimos anos, foi a mais sábia e acertada decisão. Inicialmente fotografou editoriais para revistas, instituições culturais, moda e eventos sociais, o que, se parte disso não lhe agradou, certamente lhe deu a experiência necessária para definir uma escolha precisa do que deveria fazer. Hoje Marcelo se dedica a editar livros artesanais e portfólios em sociedade com Christian Maldonado na Schoeler Editions, ao ensino da fotografia no MAM de São Paulo e aos seus projetos pessoais, iniciados em 1997, quando fotografou atrizes de teatro, o que resultou na exposição Mulheres Brasileiras em Cena. Em seguida, vieram vários outros projetos ligados ao universo feminino até que, durante uma viagem a Roma, começou a observar as cidades e que ali, ao dobrar as esquinas, havia alguns mistérios a serem desvendados. E caminhar pelas ruas, quase sempre ao anoitecer – horário das luzes difusas −, tornou-se a maneira de Marcelo desvendar aqueles mistérios. Não esperemos dessas imagens urbanas uma descrição precisa ou fotograficamente “correta” do que o fotógrafo vê. Marcelo percorre cada pedaço da cidade mais atento à atmosfera exalada desse ou daquele canto, sejam prédios, pontes, antenas, túneis ou pessoas caminhando. Não interessa o que são, onde ficam, quem são. De tal forma que imagens em preto e branco se misturam a outras coloridas, formando um mosaico onírico, como se estivéssemos a caminhar sem rumo certo pelas ruas de uma cidade qualquer e, a cada momento, fôssemos surpreendidos pela perspectiva de uma avenida desalmada, paredes decrépitas, luzes estranhas, vidros estilhaçados e pessoas de quem mal vemos as fisionomias. A cidade de Marcelo Greco não é uma cidade com nome e sobrenome. É uma outra coisa reinventada pelo seu olhar.

9


10


11


12


13


14


15


16


17


18


19


20


21


22


23


24


25


26


27


28



JOSÉ BASSIT

32.945 0.02

2.29

0.015

2.3

0.01

2.3

0.01

2.173

0.12

2.3

0.02

2.189

0.12

2.302

0.013

2.37

0.015

2.37

0.02

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

0.01

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

1.45

2.3

0.967

0.12

14

0.967

0.388

2.173

13

0.12

2.173

12

0.12

11

10

2.173

09

0.388

2.173

08

02 de novembro de 2013 a 06 de janeiro de 2014

30

0.12

2.173

07

0.388

2.173

06

0.12

2.173

05

0.12

2.174

04

0.119

2.173

03

0.382

2.173

02

0.12

2.173

01


José Bassit (1958), como quase todos os jovens de sua geração que desejavam se aventurar pela carreira de fotógrafo, começou pelo fotojornalismo. Nada mais natural, já que é através da imprensa diária que aqueles jovens entusiasmados vão gastar suas energias. E, fundamentalmente, encarar o mundo criticamente. Formou-se em jornalismo, enfrentou sua primeira aventura ao fotografar os índios carajás na ilha de Bananal, enfrentou a segunda viajando para Londres e, voltando ao Brasil, mergulhou durante alguns anos na imprensa diária o que, certamente, moldou-lhe o olhar. Se o trabalho em jornais desenvolve, no mínimo, a disposição de enfrentar qualquer situação com desenvoltura, por outro lado, esgota o entusiasmo de quem quer dizer algo com suas imagens, além da simples notícia. E Bassit não fugiu à regra. A certa altura, percebeu que as pautas do jornal já não lhe bastavam e resolveu se dedicar a um trabalho que lhe desse autonomia, em que ele pudesse se aventurar por onde bem entendesse, diante, em suas próprias palavras, “de uma coisa maior, fotografar gente, o Brasil”. E assim foi feito: na primeira oportunidade estava em Juazeiro do Norte, terra de “Padim Ciço”, para fotografar a Procissão de Finados e, impressionado com as cenas de extremo fervor religioso que passavam diante de seus olhos, não sossegou. A partir dessa primeira viagem, fotografou 27 festas religiosas por todo o Brasil, desde manifestações em que fiéis se autoflagelam até a comoção, novamente em Juazeiro do Norte, da passagem dos anos de 1999 para 2000, quando estava prometido o final dos tempos. Essa peregrinação de José Bassit lhe rendeu a publicação do livro Imagens fiéis, onde fomos buscar suas fotografias para esta exposição. Estas imagens de José Bassit, tão próximas das pessoas que tanto desejava fotografar, tornou-o um herdeiro da vertente humanística da fotografia, talvez a que mais tenha contribuído para sua consolidação como meio de expressão. André Kertész, Henri Cartier-Bresson, William Eugene Smith, Sergio Larraín e tantos outros deixaram um legado em que Bassit dá continuidade, cultivando com paixão e sensibilidade, à aventura humana, algo raro de encontrar na fotografia contemporânea. O conjunto de suas imagens aqui enfileiradas representa uma verdadeira procissão. Os fiéis, um após o outro, a rezar, a sofrer, esperançosos de uma graça divina. Os olhos luminosos de um anjo e os pés descalços de meninas ajoelhadas nos revelam a dimensão poética da fé, assim como a mão que delicadamente toca na de Cristo demonstra o drama da veneração e do temor a Deus. E, percorrendo esse calvário, somos levados, depois de nos darmos conta de tanto sofrimento, ao momento da redenção, diante do esplendor de uma luz divina que, atravessando os vitrais do Santuário de Aparecida, parece anunciar o fenômeno da ressurreição. José Bassit realizou todo este trabalho com filmes, mas acredita que, mais cedo ou mais tarde, terá que abandoná-los. Na verdade, são eles, os filmes, que o estão abandonando. No entanto, certamente nada mudará em seu trabalho. Suas imagens, construídas fundamentalmente com a força de seu olhar, sempre estarão imunes a qualquer novidade tecnológica que venha desumanizá-las.

31


32


33


34


35


36


37


38


39


40


41


42


43


44


45


46



CHRISTIAN MALDONADO

32.945 0.02

2.29

0.015

2.3

0.01

2.3

0.01

2.3

0.02

2.3

0.015

2.37

0.015

2.37

0.02

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

0.01

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

1.45

2.3

1.93

14

0.351

1.93

13

0.11

1.45

0.11

12

1.45

0.36

1.45

11

0.11

1.45

0.11

10

09 de janeiro a 09 de marรงo de 2014

48

1.45

0.36

09

1.93

0.36

1.45

08

0.11

1.45

0.11

07

1.45

0.11

06

1.45

0.367

1.45

05

0.11

1.45

0.11

04

1.45

0.11

1.45

03

0.11

1.45

0.36

02

1.45

0.11

1.93

01


Já conhecia Christian Maldonado (1964) como um raro e especial editor, dedicado a edições de livros e portfólios artesanais primorosos. Sabia também das histórias de seu passado como empresário e produtor de vídeos institucionais, mas é recente o que sei a respeito do valor de Christian como fotógrafo. Uma excelente surpresa daquele que vive mais a divulgar o trabalho de outros do que o seu próprio. O fato é que, após 2006, quando decidiu abandonar o trabalho de empresário, o agora fotógrafo Christian Maldonado não parou mais. De posse de uma Hasselblad, que parece ser sua câmera mais querida, passou a se dedicar integralmente à fotografia. Iniciou um trabalho voluntário com a Associação dos Meninos do Morumbi, que agrega mais de 4 mil crianças e adolescentes e que tem a prática musical como forma de criar uma alternativa às drogas e à delinquência juvenil. Envolveu-se com entusiasmo nesse universo durante um ano, participou intensamente da produção de duas edições do Paraty em Foco, criou a Schoeler Editions (na companhia de Marcelo Greco) ao constatar que não havia no Brasil uma produção artesanal de qualidade até que, caminhando pelas cercanias de sua casa, notou que aquelas folhas caídas no chão, levadas para seu estúdio e pousadas sobre um fundo infinito, tinham lá sua expressão. Deixou-as secar, explorou as possibilidades plásticas daquelas folhas enrugadas nos mais diversos ângulos e daí surgiu a bela série Cecrópia, nome científico da embaúba, árvore típica da mata atlântica, de folhas enormes e prateadas. Participou com essa série de fotos do Prêmio Hasselblad Masters 2012, o que lhe valeu estar entre os dez finalistas e expor seu trabalho em Nova York. No entanto, o entusiasmo de Christian não se resume ao estúdio. Talvez por ter começado a fotografar justamente com os Meninos do Morumbi, as ruas também começaram a atraí-lo e, em uma viagem a Nova York, caminhando por uma região deteriorada de Chelsea, descobriu o conjunto de armazéns do Meatpacking, onde se armazenava e se distribuía carne para a cidade. E, para registrar o que viu, não poderia ser de outra maneira: com sua Hasselblad montada em um tripé, pôs-se disciplinadamente diante das paredes de tijolos, das portas metálicas, dos grafites caprichados e de outros não mais do que garranchos, a fotografar com rigor milimétrico a geometria ali deixada pelos antigos ocupantes da área. Vez ou outra observava e registrava o entorno, pontuando espacialmente seu discurso. O conjunto de fotos desse ensaio mostra com clareza que, para captar o espírito de uma cidade, muitas vezes um só quarteirão basta. A cidade é um fenômeno tão diversificado e cheio de surpresas que, a cada passo, algo de novo e surpreendente poderá surgir. E, se voltarmos no dia seguinte, novas surpresas nos espantarão. Diante desses espantos que a cidade oferece, Christian Maldonado, em atitude minuciosa diante das paredes e portas do Meatpacking, criou um mosaico representativo do período de uma cidade que se destrói e se reconstrói a todo momento, característica das cidades que não podem parar. Um mosaico rigoroso, que prova que o fotógrafo não pode agir movido somente pela emoção. A atitude criteriosa, a busca pela exatidão faz com que as paredes e portas do Meatpacking nos remetam ao rigor com que Christian fotografou as folhas secas das cecrópias.

49


50


51


52


53


54


55


56


57


58


59


60


61


62


63


64


65


66


67


68



MÁRCIO TÁVORA

32.945 0.02

2.29

0.015

2.3

0.01

2.3

0.01

2.3

0.02

2.302

0.013

2.37

0.015

2.37

0.02

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

0.01

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

1.45

2.3

2.158

14

0.366

2.187

13

0.1

2.176

12

0.1

2.187

11

0.366

1.933

10

13 de março a 13 de maio de 2014

70

0.1

2.187

09

0.1

2.187

08

0.366

2.187

07

0.1

2.174

06

0.1

2.187

05

0.366

2.188

04

0.1

2.19

03

0.365

2.192

02

0.1

2.182

01


Márcio Távora (1979) tem uma formação sólida em artes visuais. Frequentou durante três anos uma escola de arquitetura, posteriormente estudou no Milwaukee Institute of Art and Design, concluiu o curso de fotografia do Senac, além de ter participado do grupo de estudos de Carlos Moreira. Todo esse empenho colaborou, evidentemente, para que ele desenvolvesse um trabalho exemplarmente disciplinado e com forte marca pessoal. Vindo do Ceará, apaixonou-se por São Paulo, especialmente pelo centro da cidade, que conheceu frequentando sebos em busca de velhos long-plays para sua coleção e batendo pernas pelas ruas. Mas somente o centro, certamente a região mais característica de uma metrópole, não lhe bastava. Queria ver mais, entender como vive uma grande cidade e o que acontece nos interiores daquela infinidade de construções. E, dessa forma, começa a percorrer, incansavelmente, os bairros ali em volta. A Liberdade, talvez pela novidade da paisagem oriental, e a Aclimação, segundo ele por ter “cara de interior”. No entanto, ao contrário da maioria dos fotógrafos urbanos, em suas andanças, raramente fotografa as ruas ou as cenas exteriores desses lugares e, ainda, nunca as pessoas. Conversa o essencial com este ou aquele que acabam lhe ajudando a se familiarizar com os ambientes, além de indicarem lugares que possam lhe interessar em fotografar. Dessa forma, Márcio Távora percorre as ruas, como escreve Italo Calvino em Cidades invisíveis, como se fossem “páginas escritas”. Entra nas casas, bares, velhos edifícios e hotéis, muitos deles decadentes, em uma aventura apaixonada pelos labirintos da cidade. Para ele, não há obstáculos. Diante de um edifício que, por alguma razão, queira fotografar, diz ao zelador que deseja alugar o apartamento vago e, de posse da chave e de uma pequena câmera que não desperta a menor suspeita, vasculha o que pode pelos corredores, quartos, salas e o que há espalhado pelo chão e paredes. O resultado dessas aventuras, quase sempre “clandestinas”, é um repertório de imagens inéditas para um observador comum. Não só pelo fato da inacessibilidade aos observadores comuns, mas também pela maneira despojada com que observa aqueles cenários, livre das imposições estilísticas de algumas tendências contemporâneas de culto ao óbvio e ao vazio. Nas imagens de Márcio, repetindo, todas sem nenhum personagem, a vida das pessoas transparece claramente nas pichações dos muros, nos quadros pendurados nas paredes, em uma cama desarrumada, nos copos e latas de cerveja largados sobre a mesa de um bar. O que proporciona, diante daquele aparente vazio, a nítida sensação de que ali as pessoas acabaram de abandonar repentinamente o lugar logo após prepararem caprichosamente o cenário para o fotógrafo registrá-lo. Flanando pelas ruas da cidade, Márcio compõe um inventário original da vida cotidiana da cidade cumprindo, diligentemente, um dos papéis fundamentais da fotografia documental sem, no entanto, limitar-se ao registro literal do que vê em suas andanças. As imagens criadas através de sua pequena câmera de amador têm a força e a intensidade do trabalho autoral.

71


72


73


74


75


76


77


78


79


80


81


82


83


84


85


TUCA VIEIRA

32.945 0.02

2.29

0.015

2.3

0.01

2.3

0.01

2.3

0.02

2.302

0.013

2.37

0.015

2.37

0.02

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

0.01

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

1.45

2.3

2.174

14

0.09

2.174

13

0.318

0.96

0.09 0.664

12

0.09

0.967

0.318

2.167

0.09

11

16 de maio a 16 de julho de 2014

86

10

2.174

0.318

09

2.161

0.09

2.174

08

0.09

2.174

07

0.318

06

2.164

0.318

0.967

05

0.09

1.027

0.09

04

1.45

0.318

2.165

03

0.317

2.174

02

0.09

2.174

01


Tuca Vieira (1975) pertence a uma geração de jovens fotógrafos com sólida formação acadêmica, o que, de certa forma, apesar da fotografia exigir boa dose de intuição, leva o fotógrafo a conduzir o seu trabalho, igualmente, por momentos de planejamento e reflexão. Tuca, ao contrário de inúmeros fotógrafos, seus contemporâneos que passaram por cursos ligados às artes visuais, optou pela faculdade de letras. Algum equívoco? Absolutamente, pois o discurso da fotografia sempre esteve muito próximo da literatura, mais precisamente da crônica que, segundo Antonio Candido, se resume em desfazer e refazer a realidade, o que nada mais é, igualmente, que o papel da fotografia. Tuca esteve certo que seria fotógrafo aos 17 anos, após uma viagem à Europa, quando começou a fotografar movido por uma intensa curiosidade do que se passa em cada esquina e a se convencer que caminhar pelas ruas de uma cidade deve ser, também, uma aventura solitária. Dessa forma, começou a esquadrinhar cidade após cidade, oportunidade que sua atuação como repórter fotográfico de um jornal lhe proporcionou durante alguns anos. Deixando o jornal e ganhando mais liberdade de atuação, teve a curiosidade despertada por algumas “cidades demonizadas”, como ele diz, o que acaba de levá-lo a Minsk, capital da Bielorrússia, e ainda o faz pensar em ir a Pyongyang, capital da Coreia do Norte, para se certificar do que verdadeiramente acontece por lá. Mas nada, aparentemente, o atrai tanto como São Paulo, cidade em que nasceu e vive no alto da Praça Roosevelt de onde, certamente, lhe vem a inspiração para criar suas imagens, como estas da exposição. Mas, diante de uma cidade, como representá-la através da fotografia sem resvalar no literal, no já visto, no cartão-postal? Tuca nos ensina que o fotógrafo, além de sensibilidade para criar imagens, necessita estar movido pela paixão. Um sentimento capaz de torná-lo um ser incansável, com fôlego suficiente para buscar a imagem que melhor represente a enormidade, o fervor e as mazelas das aglomerações humanas. Dessa forma, Tuca paira sobre a cidade. A bordo de um helicóptero ou encarapitado em janelas, lajes ou o que mais houver que possa lhe revelar uma melhor expressão da cidade. Como a vista noturna enquadrada pelos brisesoleils do Edifício Copan, os maratonistas sobre o Minhocão, o grafismo desenhado pelos escorregadores de uma enorme piscina, as luzes quase natalinas da subida da Rua Augusta e, entre tantas outras, a vista dramática quase em preto e branco de uma tempestade que se aproxima do Aeroporto de Congonhas. Em um momento em que a fotografia documental enfrenta certa resistência de críticos e curadores, que a colocam como uma abordagem pertencente ao século passado, Tuca Vieira nos surpreende ao mostrar que sempre haverá uma maneira de documentar a cidade de forma expressiva e inédita. Basta ter talento e algo para dizer. E como ele mesmo diz: “Após fotografar este ou aquele aspecto da cidade, a minha sensação é de sentimento de posse daquele lugar.”

87


88


89


90


91


92


93


94


95


96


97


98


99


100


101


102


103


104



LUCAS LENCI

32.945 0.02

2.29

0.015

2.3

0.01

2.3

0.01

0.16

2.173

0.16

2.004

0.397

2.3

0.02

2.3

0.015

2.37

0.015

2.37

0.02

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

0.01

2.37

0.015

2.37

0.015

2.37

1.45

2.3

2.173

14

0.16

2.173

13

12

11

2.176

10

19 de julho a 21 de setembro de 2014

106

0.16

2.176

09

0.16

2.176

08

0.39

2.125

07

0.16

2.176

06

0.16

2.176

05

0.16

2.169

04

0.39

2.158

03

0.16

2.158

02

0.16

2.156

01


Lucas Lenci (1980) faz parte de uma primeira geração de fotógrafos a mergulhar na fotografia e consolidar seu trabalho já na época da revolução digital. Chegou a fazer experiências com filmes e com a química de laboratório na escola de fotografia onde estudou, fotografou em diversas ocasiões nas viagens que fez quando jovem, estudou design na Escola de Belas Artes, trabalhou na produção de fotografias, fez estágio na Photonica, importante banco de imagens em Nova York e, enfim, achando-se preparado para enfrentar o mundo “através do visor”, encorajou-se a fotografar. Inicialmente, como quase todos os jovens em início de carreira, trabalhos comerciais e outros de encomenda que, se não lhe satisfaziam, lhe deram a experiência para que se achasse preparado a dar início a seus projetos pessoais. E, dessa maneira, Lucas nos ofereceu a primeira surpresa. Nada de muitas câmeras no pescoço, inúmeras lentes e ainda um pesado tripé. Lucas simplificou. Levando consigo simplesmente um telefone celular, desses que hoje em dia todos fotografam qualquer coisa, resolveu que poderia fazer algo relevante com aquele aparelho minúsculo. Carregando-o como um pequeno bloco de notas, Lucas revelou que o mais importante não é o aparato que se tem diante dos olhos, mas o próprio olhar. E partiu para as ruas registrando, como ele próprio diz, “anotações visuais, de olho nas coisas do dia a dia que me inspiravam”, atitude que resultou em sua primeira exposição Aifonepics. Em seguida, Lucas avança ao produzir Desáudio, uma série de fotografias de cidades do Brasil e do exterior que considera ser “a celebração de estar sozinho, do silêncio e da calma”, em contraponto ao que poderiam ser as perturbações e os ruídos das cidades contemporâneas. E, dando sempre um passo à frente, explorando ao máximo o que a tecnologia digital nos oferece e permite, nessa série Múltiplos, o que vemos são as formas e os espaços multiplicados e embaralhados sem, no entanto, perderem sua identidade. Algo como em um solo jazzístico quando basta ao solista burilar umas poucas notas em meio ao seu improviso para que identifiquemos a melodia original. Assim, visualmente, as coisas se passam nessas imagens de Lucas Lenci. Ali estão o Copan, a Torre Eiffel, o Museu Guggenheim e o Big Ben, alguns dos mais celebrados ícones arquitetônicos mundiais, para que, ao observarmos aquelas formas caleidoscópicas, não os identifiquemos de pronto. Mas, se nos deixarmos levar por alguns instantes por aquela melodia visual, em um dado momento todos aqueles monumentos vão se configurar nitidamente diante de nossos olhos. Trabalhos como os de Lucas Lenci, desde suas experiências com Aifonepics, Desáudio e este Múltiplos, que são o resultado da utilização dos recursos disponíveis pela aceleração espantosa da tecnologia digital, nos dão o alento de que sempre haverá a necessidade de um fotógrafo de olhar sensível por trás de um aparato que fotografa.

107


108


109


110


111


112


113


114


115


116


117


118


119


120


121


SESC - SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Superintendências Técnico-Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli Gerências Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga Adjunta Nilva Luz Assistentes Juliana Okuda e Sandra Leibovici Estudos e Desenvolvimento Marta Colabone Adjunto Iã Paulo Ribeiro Artes Gráficas Hélcio Magalhães Adjunta Karina Musumeci Sesc Santana Lilia Marcia Barra Adjunto Mario Fernandes da Silva

122


SESC VITRINE – A PAISAGEM DA CIDADE Idealização Equipe Sesc Santana Curadoria e Textos Cristiano Mascaro Fotógrafos Christian Maldonado / José Bassit / Lucas Lenci / Marcelo Greco / Márcio Távora / Tuca Vieira Design Gráfico Érico Peretta Revisão de Texto Sílvia Helena Balderama Impressões Fotográficas Fusão Produção Traça Eventos – Luci Traça Sesc Santana Coordenadores de Área Programação Sidnei C. Martins Comunicação Andrea Fernandes Infraestrutura Silvan Oliveira da Silva Operações e Serviços Viviane Gabarron Administrativo Rodrigo Augusto Cardoso de Souza Alimentação Alcione Pereira Müzel Teixeira Equipe Talita Rebizzi

123


124


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.