As Criadas

Page 1

MORRO


O MORRO NÃO TEM VEZ E O QUE ELE FEZ JÁ FOI DEMAIS MAS OLHEM BEM VOCÊS QUANDO DEREM VEZ AO MORRO TODA A CIDADE VAI CANTAR (…) ABRAM ALAS PRO MORRO TAMBORIM VAI FALAR É UM, É DOIS, É TRÊS É CEM, É MIL A BATUCAR Tom Jobim

“Genet rejeita, assim, as palavras em seu caos original que se assemelham a todas as hibridizações botânicas, todas as desordens orgânicas: aqui ele descobre seu próprio corpo sem órgãos. As palavras e seus significados estão em permanente flutuação. É esta flutuação original que motiva o teatro de Genet.” [Kuniichi Uno]


AS CRIADAS de Jean Genet direção Radosław Rychcik com Bete Coelho, Denise Assunção e Magali Biff

14 de julho a 13 de agosto de 2017 sexta e sábado, 21h; domingo, 18h São Paulo – Brasil

Estreia mundial em 07.07.17 no Sesc Rio Preto, como parte da programação do FIT – Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto


Jean Genet

Rodrigo Gava

“TENHO DENTRO DE MIM, TANTO A VINGANÇA QUANTO A CRIADA”


AS CRIADAS: A VIOLÊNCIA COMO IRRUPÇÃO Mediante o abismo existente numa relação social entre desiguais, há uma cicatriz original que opõe as percepções de mundo, silenciosamente. Essa exclusão tácita de esferas que se chocam pode resultar num aniquilamento mútuo – metafórico ou real. Talvez seja essa uma das maiores forças políticas da obra de Jean Genet, escrita em 1946: seu teatro visceral denuncia uma anomia à espreita na sociedade. É possível contar esta história baseada em fatos tão reais quanto cruéis reiteradas vezes, esgarçando sua temporalidade e ampliando as discussões possíveis. Escolhido pelo diretor polonês Radosław Rychcik justamente pelos dilemas sociais e humanos que subjazem às situações de exploração em várias dimensões políticas e cotidianas, o espetáculo As Criadas é resultado de mais uma parceria com Instituto Adam Mickiewicz, sob o ímpeto de promover intercâmbio das produções culturais entre a Polônia e o Brasil. Em sua vocação de exaltar as manifestações culturais como fontes desencadeadoras no processo de educação permanente, o Sesc estimula a ampliação de visões sobre temas cuja discussão extrapola tempo e espaço. Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo


“QUANDO ESCRAVOS SE AMAM NÃO É AMOR” Jean Genet


Desde 2015, o Instituto Adam Mickiewicz realiza no Brasil projetos de apresentação dos mais interessantes criadores e fenômenos da cultura polonesa. Não seria possível fazê-lo – na mesma dimensão e com o mesmo sucesso – sem os nossos magníficos parceiros. Um dos mais importantes é o Sesc São Paulo. A nossa colaboração começou com a excepcional exposição de Tadeusz Kantor realizada no centenário do artista. Outro fruto dela foi a apresentação de jovens criadores da Polônia durante a Semana do Teatro Polonês. Entre eles estava Radosław Rychcik que mostrou, diante da plateia cheia, o seu Na solidão dos campos de algodão. Fico feliz por ele voltar ao Brasil para realizar As Criadas de Jean Genet no ambiente hospitaleiro do Sesc SP. Agradeço a toda a equipe do Sesc SP, da prod.art.br e aos artistas brasileiros e poloneses envolvidos pelo grande empenho nessa empreitada conjunta. Estou firmemente convicto de que nos une uma sensibilidade social e estética que se cristaliza na emocionante montagem de As Criadas. Espero que esta produção abra uma nova etapa de cooperação entre nossos artistas e instituições e que seja mais um passo na evolução da colaboração artística polono-brasileira como nova e forte marca na cena cultural internacional. Krzysztof Olendzki Diretor do Instituto Adam Mickiewicz


Jacques Lacan



“MEU PÉ COBERTO PELOS VÉUS DA SUA SALIVA… PELA NÉVOA DO SEU PÂNTANO” Jean Genet

“As duas irmãs oscilam em suas existências, em seus discursos e em suas intensidades, entre ser uma, ser outra e também uma terceira. Nada ali é estabelecido. Tudo gira em um espaço e tempo opressivo, inventado pelos diálogos intermináveis. O quarto, a janela, o excesso de flores, tudo gira e é criado por estas falas que correm de uma boca para outra, ricocheteiam em um jogo instável e agudo. E elas falam e falam e falam das diferenças e limites entre a beleza e a sujeira.” [Ricardo Muniz Fernandes]


“AQUI É MEU TERRITÓRIO, AÍ, O SEU PENHASCO.” Jean Genet


“A MADAME ACHOU QUE ESTAVA PROTEGIDA POR ESSA BARRICADA DE FLORES, SALVA POR ALGUM DESTINO EXCEPCIONAL, PELO SACRIFÍCIO. MAS ELA NÃO CONTAVA COM A REVOLTA DAS CRIADAS” Jean Genet


Vê-se bem que o teatro de Genet consiste sempre em simulação sobreposta à simulação. No teatro, que já é uma simulação, as criadas fingem que são as patroas e se imitam entre elas (...) Esta simulação de uma simulação não passa de um jogo de espelho. Neste jogo, uma identidade se espalha numa multiplicidade, a minha imagem e a do outro se desdobram e se dispersam. Mas o elemento simulador, em Genet, é, na verdade, uma linha de fuga que inflete e rompe outras linhas. Ele não repete jamais a mesma imagem dentro de um espaço fechado, mas decompõe e transforma imagens a cada vez diferentes, que se disfarçarão para sempre” [Kuniichi Uno]



AS CRIADAS é um drama íntimo, o primeiro na

carreira de Jean Genet, escrito na prisão, em 1946. O enredo é simples, uma história quase de tabloide com elementos de crime. Duas criadas que amam e, ao mesmo tempo, odeiam a Madame delas. Esse jogo de amor e ódio leva, primeiro, à traição (escrevem uma carta-denúncia) e, depois, ao crime ou ao suicídio (quando o amante da Madame é liberado da prisão e surge a ameaça do ato traidor delas ser revelado). O mecanismo dramático da peça é construído em cima de um rito, de uma cerimônia mágica, sempre e de novo repetida pelas criadas, durante a qual fingem executar um crime contra a Madame. Claire se fantasia de Madame, Solange se transforma em Claire. As duas estão cientes de que estão fazendo um jogo, interrompem a cerimônia, ajustam o ritmo, saem dos papéis e entram neles novamente... Na nossa montagem, o local da ação é o palco como um todo, onde podemos ver três poltronas (favoritas da Madame) e uma plataforma para a banda musical, que estará presente no palco durante toda a peça. Um quarto, representado de maneira realista, o boudoir da Madame, será substituído pelo palco do teatro inteiro, tratado como um estrado, um lugar de confissões e, no final, uma sala de interrogação. O realismo se transforma em alegoria. Talvez nessas condições escutaremos e veremos o estranho ritual


de contar a história, que será uma oportunidade de revelar as regras do jogo entre o Senhor e o Escravo. Será que essa relação tem nos definido desde sempre? Será que a ordem social é fundada nela? Quem é a Madame, então? Bete Coelho representa a Claire, Magali Biff é Solange, e o papel da Madame cabe à atriz e cantora negra Denise Assunção. Parece que essa decisão de elenco desenha a mais importante linha de interpretação do nosso espectáculo. Porque ele é e será uma tentativa de contar uma história sobre o racismo, sobre o sempre vivo conflito social, sobre leis do mundo que não podem ser quebradas. Nessa rede de espelhos e aparências, duas criadas tentam representar o assassinato da Madame “negra“ delas. Mas, como escreve Jean-Paul Sartre, a Madame não é mais verdadeira do que Claire que finge ser a Madame, porque a Madame é, sobretudo, um “gesto“. Em Genet, continua Sartre, “os negros“ (as Criadas) simulam governar “os brancos“ (a Madame), e por isso podemos dizer que a dominação não é atributo só dos que governam. O ato de dominar na peça de Genet torna-se autônomo para se transformar em gesto e discurso que podem ser também usados pelos oprimidos. A nossa proposta consiste em mostrar o mundo da Madame e das Criadas a rebours. É uma fantasia sobre outra ordem do mundo social.


Esta interpretação não dá respostas prontas porque, como escreve o crítico polonês Andrzej Falkiewicz no prefácio da edição polonesa dos textos dramáticos de Genet, “o conflito social representado em As Criadas só prova o caráter aparente do conflito social, porque a Madame é inteiramente uma criação das criadas, e as criadas são inteiramente uma criação da Madame.“ Desejamos apenas confrontar o espectador com imagens, palavras, músicas que provoquem novas questões e revelem novas camadas de emoções, com a fé de que as emoções no teatro ajudam a compreender tudo que é distinto, diferente e insondável. Acompanha-nos a ingênua fé de que, graças ao teatro, a realidade se torna mais suportável e as pessoas mais próximas e mais iguais. A duração prevista da peça é de cerca de 80 minutos. A música, preparada e composta, como também o vídeo e as fotografias, são da responsabilidade de Michał Lis e Piotr Lis. Eles também vão convidar e preparar músicos de São Paulo que tocarão ao vivo em cada apresentação da peça. O cenário e o figurino são de Hanna Maciąg. Na peça podem ser usadas luzes estroboscópicas. Radosław Rychcik



“VOCÊ ESTÁ TENTANDO ME MATAR COM O SEU CHÁ, SUAS FLORES E SUAS SUGESTÕES. VOCÊ É MUITO PARA MIM, CLAIRE!” Jean Genet


“NÃO ADIANTA GRITAR, A MORTE ESTÁ PRESENTE, E ESTÁ TE PERSEGUINDO. NÃO GRITE! (…) TODO MUNDO ESCUTA MAS NINGUÉM OUVE!” Jean Genet


“Um triângulo amoroso, em que seus vértices, Claire, Solange e Madame, estão desenhados desde o primeiro minuto, mas um dos ângulos – o mais agudo –, a Madame, está suspenso na cena, comandando todos os desejos pela falta. A ausência da Madame é o bote sempre armado à espera da mordida. Do veneno e da morte. A Madame vai chegar, mas ela sempre está ali, pois em eternas preliminares elas se fazem de Madame, num discurso fantasioso e projetivo sobre a Madame. Suspensão. Procrastinando e impedindo o ato, o fim. A morte ronda e rodopia neste lugar nenhum, alcova, presídio e palco vazio. Jaula e três feras aprisionadas. Nós, os espectadores, estamos ali como voyeurs, bisbilhoteiros sádicos e masoquistas, alterando nosso olhar entre o real nu e cru das atrizes presas a suas cadeiras e a suas imagens fragmentadas ocupando as telas. A limpeza do espaço é opressiva no seu ‘excesso de nada. A tela de projeção, as câmeras fixas de vigilância escancaram os detalhes, expondo o menor de tudo, o minúsculo, em gigantesco outdoor pendurado também oscilante sobre o palco e a plateia. Estamos sob as imagens, dominados por um reality show. Esta tela, deste tamanho, pairando acima de todos e de tudo, é bloqueio mas também estímulo para a ativação da imaginação de cada um, e incentivo para delírios de quaisquer espécies. O fascínio criado por esse interminável oscilar entre o real e o imaginário, o possível e o impossível, o feito


e o desfeito, o amor e o ódio, o luxo e o lixo, o ser e o não ser, ou o ser outro, constrói um mundo oscilante e nos deixa ali espionando, nos equilibrando na beira de um precipício. As atrizes não tem nada além de suas palavras, que são os ganchos nos quais elas constróem seus personagens, as coisas e objetos que poderiam ser as marcas, as âncoras de uma encenação teatral comum. Nesta encenação, essas coisas foram abandonadas, não temos nenhum objeto, temos sons... ‘as paredes são os ouvidos de Deus Solange define com precisão esta montagem. O excesso da fala, a repetição de um rock minimalista, é o terreno onde cada um está livre para imaginar. Tudo é teatro e todos são personagens. A opção nesta encenação pelo palco vazio, completamente despido, traz a imensidão e a crueza do teatro, o desavergonhado do lugar-teatro, território do instável e da mentira, da ausência de regras e limites: Penhasco! Uma delas fala da necessidade de regras, mas esta afirmação se perde entre outras tantas necessárias e muitas outras superficiais. O texto não segue regras e só se torna legível e encontra sentidos, muitos sentidos, quando falado pelas atrizes. Neste falar e falar o espectador olha quase hipnotizado a inconstância do ser. Característica chave de todos os personagens de Jean Genet. [Ricardo Muniz Fernandes]


RADOSŁAW RYCHCIK Diretor de teatro

polonês, é um dos mais prestigiados e inventivos artistas de sua geração com novas e radicais interpretações teatrais. Dirigiu peças clássicas de autores poloneses, assim como textos de Roland Barthes, Gustav Flaubert e Patricia Highsmith. Com o texto de Bernard Marie Koltes, Na solidão dos campos de algodão, teve grande reconhecimento de público e crítica especializada, percorrendo diversos países, incluindo o Brasil, no qual participou da Semana do Teatro Polonês, realizada no Sesc Belenzinho, em outubro de 2016. Trabalha nos principais teatros poloneses e recebeu diversos prêmios em seu país por seu trabalho.


BETE COELHO Atriz e diretora. Possui extensa atuação no teatro, cinema e televisão, foi dirigida por importantes diretores do teatro nacional e internacional, como Gerald Thomas, Antunes Filho, Paulo Autran, Zé Celso Martinez Corrêa, Jô Soares, Gabriel Vilela, Steve Wasson e Bob Wilson. DENISE ASSUNÇÃO Atriz e cantora. Trabalhou no Teatro Guaira, e integrou, ao lado de Itamar Assumpção, a banda Isca de Polícia, antes de seguir carreira solo. Trabalhou com João das Neves, Luiz Mendonça, Ary Fontoura, e por mais de uma década integrou o Teatro Oficina, de Zé Celso Martinez Correa. Sua versatilidade artística a levou a trabalhar com diretores distintos, como Antunes Filho e o alemão Frank Castorf. MAGALI BIFF Atriz com carreira no teatro, no cinema e na televisão, trabalhou com alguns dos principais diretores do teatro nacional, como Gerald Thomas, Zé Celso Martinez Corrêa, Cacá Rosset, Gabriel Villela e Felipe Hirsch.


MICHAŁ LIS & PIOTR LIS os dois poloneses são irmãos, músicos e membros da banda TNBC. Entusiastas de antigos instrumentos analógicos, eles são fãs de rock mas também de eletrônico, o que pode ser percebido no som que eles produzem. Com sua banda, eles criaram música para a peça Na solidão dos campos de algodão, de Radosław Rychcik, iniciando ali sua aventura no teatro e a parceria com o diretor. Além da música eles também criam artes multimídias para os trabalhos com Rychcik, como projeções de vídeo e teasers para as performances. Em paralelo eles criaram, em conjunto com seu pai, o programa de rádio “Fox Hole”. HANNA MACIĄG artista visual polonesa, trabalha em diversos campos teatrais, como figurino, cenário e instalações de vídeo. Sua pesquisa é em uma ideia multimídia dentro do teatro contemporâneo. Trabalha na indústria cinematográfica e no teatro, como o Nowy Teatr, Teatr Studio, Teatr Powszechny (em Varsóvia), National Old Theater em Cracóvia, Polish Theater em Bydgoszcz, Theater em Kielce. Trabalhou com nomes como Wiktor Rubin, Paweł Łoziński, Michał Marczak, Markus Orhn e Ula Sickle.


AS CRIADAS

de Jean Genet direção Radosław Rychcik com Bete Coelho, Denise Assunção, Magali Biff Tradução Ricardo Frayha, Ricardo Lisias Música e vídeo Michał Lis, Piotr Lis Músicos Gui Amaral, Marcos Leite Till, Zé Pi Cenografia e figurino Hanna Maciąg Iluminação Caetano Vilela Assistência de direção Ricardo Frayha Sonoplastia e operação de vídeo Rodrigo Gava Operação de som Danilo Cruvinel Operação de luz Igor Sane Cenotécnicos Fernando Zimolo, Wanderley Wagner da Silva Produção prod.art.br Direção de produção Ricardo Muniz Fernandes, Ricardo Frayha Direção técnica Julio Cesarini Administração Letícia Fernandes Assistência de produção Lara Bordin, Mariana Mastrocola Assessoria jurídica Martha Macruz de Sá Fotos Piotr Lis Design gráfico Érico Peretta


“O CARRASCO ME EMBALA. TODOS ME CLAMAM. ESTOU PÁLIDA E QUASE MORRENDO! AGORA SOMOS A SENHORITA SOLANGE LEMERCIER. AQUELA MULHER. A CÉLEBRE CRIMINOSA.” Jean Genet


PARCERIA

REALIZAÇÃO

CHÁ


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.