Educação em Rede
Volume 5
Rodas de conversa na Educação Infantil
Sesc | Serviço Social do Comércio
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Educação em Rede
Volume 5
Rodas de conversa na Educação Infantil
Rio de Janeiro Sesc | Serviço Social do Comércio Departamento Nacional 2018
SESC | SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
Presidência do Conselho Nacional
Antonio Oliveira Santos
DEPARTAMENTO NACIONAL Direção-Geral
Carlos Artexes Simões Diretoria de Educação
Claudia Guimarães Fadel Diretoria de Estratégia e Desenvolvimento Institucional
Daniel Mansur Lopez CONTEÚDO
PRODUÇÃO EDITORIAL
Gerência de Educação
Diretoria de Comunicação
Cynthia Rodrigues
Pedro Hammerschmidt Capeto
Gerência de Formação e Pesquisa
Supervisão editorial e preparação
Veronica Tomsic
Fernanda Silveira
Coordenação de Formação Continuada
Projeto gráfico
Marcia Alegre Pina
Ana Cristina Pereira (Hannah23)
Assessoria Técnica
Revisão de texto
Aline Vieira de Albuquerque Gilvania Ferreira Porto Anna Paula Jannuzzi Gasparri Claudia Santos de Medeiros
Michele Paiva BR75 texto | design | produção Diagramação
Avellar e Duarte
Texto
Produção gráfica
Departamentos Regionais
Celso Mendonça Estagiária de produção editorial
Juliana Nunes
©Sesc Departamento Nacional, 2018 Av. Ayrton Senna, 5.555 — Jacarepaguá Rio de Janeiro — RJ CEP 22775-004 Tel.: (21) 2136-5555 www.sesc.com.br
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP) Sesc. Departamento Nacional Rodas de conversa ns Educação Infantil/Sesc, Departamento Nacional. – Rio de Janeiro: Sesc, Departamento Nacional, 2018. 208 p.:22 cm. – (Educação em rede; v. 5)
Distribuição gratuita. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610/1998.
ISBN 978-85-8254-067-1. 1. Educação. 2. Professores. 3. Formação de professores. 4. Proposta pedagógica. 5. Planejamento pedagógico. I. Título.
CDD 371.12
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar estatuto ao saber da experiência. ( NÓVOA,
1965)
A formação docente tem sido um dos princípios de atuação do Sesc junto a sua rede de escolas. A experiência com a docência e as práticas bem-sucedidas provocam o desejo de fazer escolhas alinhadas ao referencial teórico adotado pelo Sesc e retratado no documento Proposta Pedagógica da Educação Infantil. A inspiração do professor para planejar situações que desafiem as crianças de olhar atento, para seus alunos, para outros professores, para o ambiente que está inserido, para autores com os quais dialoga. A reflexão sobre a prática docente, atrelada a instrumentos do cotidiano que fazem com que o professor a qualifique, amplia a sua capacidade criativa, proporciona autoria e responsabilidade nos processos de ensino e aprendizagem de seus estudantes e também sob o próprio percurso formativo. Toda formação deve incentivar uma perspectiva crítico-reflexiva, que proporcione aos professores os meios de um pensamento autônomo. É preciso que, para além de experiências que se relacionam com a dimensão pedagógica, o professor possa viver experiências de produção e validação de seus saberes. Pensar em metodologias que auxiliem os professores na busca da qualificação de sua prática, algo que faça sentido e seja validado como uma prática bem-sucedida, é um desafio do tamanho do Brasil. A série de textos que compõe este livro é fruto de reflexões sobre a prática docente no cotidiano das escolas de Educação Infantil do Sesc em diferentes Departamentos Regionais, a partir da ação de formação “Rodas de Conversa na Educação Infantil”, realizada em 2015. Desejamos que o material possa contribuir com a reflexão de tantos outros profissionais de Educação espalhados pelo país. E que a experiência favorecida através das “Rodas de Conversa” possibilite o refletir sobre a formação do professor, evidenciando que o refletir sobre os saberes construídos ao longo das trajetórias de ensino fortalece os princípios e as diretrizes que apoiam a Educação do Sesc. Sesc | Serviço Social do Comércio
Sumário INTRODUÇÃO — ABRINDO AS RODAS DE CONVERSA
Anna Paula Jannuzzi Gasparri, Claudia Santos de Medeiros, Gilvania Ferreira Porto
10
A ESCOLA, A PROPOSTA PEDAGÓGICA E AS FAMÍLIAS
Arleide Deolina Clemente
20
A ESCOLA, A PROPOSTA PEDAGÓGICA E AS FAMÍLIAS II
Rejane Maia
30
AS DIFERENTES INSTÂNCIAS DO PLANEJAMENTO
Priscila Monteiro
40
AS EXPERIÊNCIAS COTIDIANAS: OS TEMPOS, OS ESPAÇOS E OS MATERIAIS
Maria da Graça Souza Horn
48
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Andrea de Souza
56
ESCOLA: UM LUGAR DE ENCONTROS, DESAFIOS E HISTÓRIAS
Daniela Alves Pereira
64
ESPAÇOS QUE ENCANTAM
Luciana da Silva Costa, Vanessa Cavalheiro Garcia
76
FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO: UMA EXPERIÊNCIA COM EDUCADORES DO SESC NO TOCANTINS
Kelma Régia da Silva Oliveira
84
FORMAÇÃO DE GESTORES EDUCACIONAIS: UM CONVITE AOS PROCESSOS COLETIVOS
Amanda Lopes Sampaio
92
O INUSITADO MUNDO DOS PROJETOS
Silvana Ziemer Schorn
100
O PLANEJAMENTO COMO INSTÂNCIA FORMADORA
Meire Célia Lima da Silva
110
OS PORTFÓLIOS E SUAS HISTÓRIAS
Francisley Araújo Silva
116
PLANEJAMENTO COMO INSTÂNCIA FORMATIVA
Luciene Carnielo de Godoi
124
PRESSUPOSTOS PARA A ABORDAGEM DA DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA
Paulo Sergio Fochi
132
PROJETOS DIDÁTICOS E LÚDICOS
Adriana Klisys
140
PROJETOS PROPOSTOS PELO PROFESSOR
Francisca Nunes de Lima
150
REGISTRO COMO INSTÂNCIA FORMATIVA
Ana Mara de Sousa
160
REGISTRO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Andréa Relva da Fonte
168
RODA DE LEITURA PARA PROFESSORES: O REGISTRO COMO PRÁTICA DE FORMAÇÃO
Teresinha de Jesus Conceição Souza
174
SEMANA PEDAGÓGICA NO SESC: UMA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES
Natália Moura Dias de Lucena
182
UMA ESCOLA SÓ: A INTEGRAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO INFANTIL E O ENSINO FUNDAMENTAL
Adonai Macedo Ferreira Reis
196
Introdução — Abrindo as rodas de conversa Anna Paula Jannuzzi Gasparri,i Claudia Santos de Medeiros,ii Gilvania Ferreira Portoi
i
Assessora Técnica da Gerência de Educação/Núcleo de Educação Infantil do Departamento Nacional do Sesc.
ii
Assessora Técnica da Gerência de Educação/Núcleo de Educação Infantil do Departamento Nacional do Sesc
(até 2017). iii Assessora Técnica da Gerência de Educação/Núcleo de Educação Infantil do Departamento Nacional do Sesc.
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Deixa que digam Que pensem Que falem Deixa isso pra lá Vem pra cá O que que tem Eu não estou fazendo nada Você também Faz mal bater um papo Assim gostoso com alguém? (RODRIGUES, 2015)
Contar a história de como surgiu a ideia das Rodas de Conversa é passar pelo modo como a equipe de Educação Infantil do Departamento Nacional do Sesc entende os processos de formação continuada das equipes de Educação Infantil nos seus Departamentos Regionais.1 11
Nosso trabalho consiste, principalmente, na organização de ações de formação presencial e a distância, quando selecionamos materiais para a temática que iremos estudar, observamos o cotidiano das escolas, divulgamos boas práticas com imagens, tentamos compartilhar os saberes e fazeres das equipes de Educação Infantil do Sesc em todo Brasil. Certa vez, nos demos conta de que, melhor do que levar fotografias das escolas (o que também é uma excelente estratégia formativa), deveríamos levar a própria equipe contando seu percurso na busca da qualificação de sua prática. Entretanto, como assegurar que as 132 escolas de Educação Infantil tivessem acesso àquela história, que aconteceu em determinado lugar? Ou pudessem contar seus percursos, dilemas e conquistas para as demais? Assim, como uma primeira tentativa de levar a história de uma escola para outra pela voz de quem fazia essa mesma escola, pedimos para a supervisora pedagógica da escola do Sesc Santo Ângelo, do Sesc no Rio Grande do Sul,2 Juliana Rodrigues, produzir um vídeo “caseiro”, contando o caminho percorrido com sua equipe para a organização dos espaços da escola. O pedido era simples, algo pontual, entretanto, o material que chegou a nossas mãos tinha algo além do esperado. De início, Desde 1946, quando foi criado, o Sesc está presente em todo o Brasil e desenvolve Educação Infantil (com exceção do estado de São Paulo). Os Departamentos Regionais são representações do Sesc em cada estado. 1
O Sesc Santo Ângelo é uma das unidades do Departamento Regional do Sesc no Rio Grande do Sul.
2
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Juliana já começou subvertendo o pedido fazendo uma gravação com sua professora Aline Dezengrini de Souza, dialogando sobre o cotidiano da escola. Vieram falas sobre formação continuada de professores, acompanhamento do coordenador pedagógico, planejamento, avaliação das crianças, organização dos espaços ambientados e um convite para socializar as práticas. Enfim, o material ultrapassou nossas expectativas e o vídeo circulou por muitos estados onde fizemos formação nos últimos anos. Ainda hoje, esse vídeo é mostrado para alguma equipe que precise se inspirar.
12 Introdução
A partir dessa ideia simples, tivemos certeza da potência que havia na comunicação do trabalho das equipes de Educação Infantil. O acompanhamento aos Departamentos Regionais possibilita-nos saber o que vem dando de muito certo em determinadas escolas, mas essas informações não poderiam ficar só conosco, precisávamos divulgar as boas práticas que o Sesc tem espalhadas pelo Brasil de uma forma mais dinâmica, verdadeira, que mostrasse experiências positivas desenvolvidas por equipes que se arriscaram/arriscam junto conosco. Precisávamos chegar aos locais onde não chegávamos, daí surgiu a ideia de organizamos as Rodas de Conversa na Educação Infantil, uma série de sete videoconferências transmitidas do Rio Janeiro para todo o Brasil, as quais comporiam, também, um ambiente virtual no qual as conversas pudessem continuar. Junto com isso veio a criação do formato das Rodas. Para cada tema, convidaríamos duas profissionais do Sesc para contar sua experiência a partir de um subtema dentro do contexto mais amplo, um assessor externo/especialista na temática em questão, que daria ao nosso trabalho um estofo teórico, e uma de nós, assessoras técnicas da Educação Infantil, como as mediadoras de cada conversa. Entretanto, enfrentamos outro dilema: como escolher as melhores experiências? Como definir, entre tantas temáticas importantes, aquelas que dessem conta de mostrar o trabalho realizado? Como falar do que nos parece comum, de coisas que já estão em vários discursos, mas ainda não estão presentes, de fato, em muitas práticas? Em nossa “rodinha de conversa” no Departamento Nacional, começamos a discutir sobre um parâmetro possível para essa escolha: profissionais do Sesc, de diferentes estados, que pudessem falar sobre temáticas que fossem recorrentes em nossas ações presenciais; temas que sabemos serem fundamentais para os estudos permanentes que se apresentam como grandes desafios na Educação Infantil.
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Assim, escolhemos os assuntos das Rodas, as profissionais do Sesc e seus temas, os assessores e nos dividimos conforme nossas afinidades:
Roda 1: A formação de professores — 30/3/2015 • Kelma Régia da Silva Oliveira (Coordenadora Regional de Educação do Departamento Regional do Sesc no Tocantins): A formação em serviço ao longo do ano letivo e em nível regional • Natália Moura de Lucena Nunes (Coordenadora Regional do Sesc Ler Departamento Regional do Sesc no Pará): A organização de Semanas Pedagógicas • Amanda Lopes Sampaio (Coordenadora Regional de Educação Infantil e 1o Segmento do Ensino Fundamental — Departamento Regional do Sesc no Distrito Federal): O acompanhamento da coordenação regional no cotidiano das escolas 13
• Mediação: Claudia Medeiros (Departamento Nacional do Sesc)
Introdução
Roda 2: O planejamento como instância formativa — 31/3/2015 • Meire Célia Lima (Coordenadora de Educação Infantil e 1o ano do Ensino Fundamental — Departamento Regional do Sesc em Alagoas): A intervenção do coordenador no planejamento e no acompanhamento do trabalho do professor • Luciene Carniello de Godói (Diretora da Escola Sesc Anapólis — Departamento Regional do Sesc em Goiás): A seleção de expectativas de aprendizagem de maneira que o planejamento esteja adequado aos diferentes níveis • Assessoria Externa: Priscila Monteiro (Consultora Pedagógica da Fundação Victor Civita (SP) • Mediação: Gilvania Porto (Departamento Nacional do Sesc)
Roda 3: Projetos didáticos — 28/4/2015 • Silvana Zimer Schorn (Coordenadora da Educação Infantil do Sesc Ijuí — Departamento Regional do Sesc no Rio Grande do Sul): O surgimento de projetos inusitados que nascem da mobilização das crianças para os temas
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• Francisca Nunes de Lima (Coordenadora da Educação Infantil do Sesc Araguaína — Departamento Regional do Sesc no Tocantins): Os projetos planejados pelo professor • Assessor Externo: Adriana Klisys (Consultora em Educação e Cultura) • Mediação: Anna Paula Gasparri (Departamento Nacional do Sesc)
Roda 4: Organização de espaços lúdicos — 29/4/2015 • Luciana Costa (Coordenadora da Educação Infantil do Sesc Horto — Departamento Regional do Sesc no Mato Grosso do Sul): A escolha dos temas para os espaços dialogando com os projetos e as preferências das crianças
14 Introdução
• Daniela Alves Pereira (Coordenadora da Educação Infantil do Sesc Bagé — Departamento Regional do Sesc no Rio Grande do Sul): “Salas Abertas”: quando as crianças circulam livremente pela escola • Assessora Externa: Maria da Graça Souza Horn (Professora convidada da UFRGS) • Mediação: Gilvania Porto (Departamento Nacional do Sesc)
Roda 5: Documentação pedagógica — 30/4/2015 • Andrea de Souza (Coordenadora Regional de Educação Infantil do Departamento Regional do Sesc no Rio Grande do Sul): Os instrumentos utilizados para documentar as trajetórias das crianças • Francisley Araujo Silva Barros (Coordenadora da Educação Infantil do Sesc Setor Universitário — Departamento Regional do Sesc em Goiás): Os portfólios de avaliação: individuais e coletivos • Assessor Externo: Paulo Fochi (Professor do curso de Pedagogia e coordenador do Curso de Especialização em Educação Infantil da Unisinos) • Mediação: Claudia Medeiros (Departamento Nacional do Sesc)
Roda 6: Registro da prática pedagógica — 1/6/2015 • Teresinha Souza (Coordenadora Geral de Educação da Escola Sesc Pantanal): O surgimento de rodas de registro, seus entraves e sucessos
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• Ana Mara Sousa (Coordenadora da Educação Infantil e do 1o ano do Ensino Fundamental do Sesc Floriano — Departamento Regional do Sesc no Piauí): O registro reflexivo que alimenta o planejamento e a avaliação • Assessora Externa: Andrea Relva (Integrante da equipe da Rede Municipal de Educação Infantil do munícipio do Rio de Janeiro) • Mediação: Anna Paula Gasparri (Departamento Nacional do Sesc)
Roda 7: A escola, a proposta pedagógica e as famílias — 2/6/2015 • Arleide Deolina Clemente (Coordenadora de Educação Infantil e do 1o ano do Ensino Fundamental do Sesc Guaribas — Departamento Regional do Sesc no Piauí): A proposta pedagógica como eixo do trabalho, tanto de formação quanto junto às famílias 15 Introdução
• Adonai Macedo Ferreira (Coordenadora de Educação Infantil e do 1o ano do Ensino Fundamental do Sesc Castanhal — Departamento Regional do Sesc no Pará): O planejamento da integração entre Educação Infantil e Ensino Fundamental envolvendo as famílias • Assessoria Externa: Rejane Maia (Assessora Pedagógica nas redes pública e privada de ensino) • Mediação: Claudia Medeiros (Departamento Nacional do Sesc)
Como bem disse nossa coordenadora Ana Mara, do Piauí, “as Rodas de Conversa foram um divisor de águas na história da Educação Infantil do Sesc!”. Momentos de pura emoção, troca, partilha, inquietação, desejo do novo, de afirmar escolhas, de sentir-se parte de algo muito maior do que só o que acontece em cada uma das escolas. Professores, diretores, estagiários e coordenadores tiveram a noção do que significa fazer parte de uma rede de escolas (uma das maiores redes de escolas privadas do Brasil). Vivemos a possibilidade de olhar, de fato, para as nossas práticas, estranhá-las, perceber no que ainda era preciso avançar, caminhar na busca daquilo que possa qualificar mais e mais o que estamos realizando. As Rodas requereram, de todos, uma atitude responsiva, uma atitude não passiva, pois o falante não “espera uma compreensão passiva, [...] mas uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução” (BAKHTIN, 2003, p. 272).
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Assim, junto com as Rodas, veio a certeza de que estamos em um bom caminho para discutir as práticas pedagógicas na Educação Infantil: por meio do diálogo. É preciso contar, também, a história dos bastidores das Rodas. Para quem as assistiu talvez não fique tão claro todas as etapas que antecederam ao dia da transmissão ao vivo. Tudo começou com o convite às profissionais do Sesc. A primeira reação de “frio na barriga” logo deu lugar ao desejo de poder partilhar com as demais colegas do Brasil o trabalho que realizam em suas escolas e seus Departamentos Regionais. Combinamos datas para remessa das apresentações, as quais poderiam conter fotos, textos, vídeos e tudo mais que desejassem. Conversávamos a distância fazendo uma análise conjunta de todo material enviado, ligávamos para cada participante, escrevíamos nossos combinados por email, e dá-lhe conversa, muita conversa, até chegarmos à versão final do trabalho que seria apresentado. 16 Introdução
Enquanto isso tudo ia acontecendo, também começavam os contatos com nossos assessores convidados, falando um pouco do que cada uma das profissionais apresentaria. Aqueles materiais organizados por elas foram-lhes enviados, previamente, para que também pudessem analisar e já irem pensando em suas próprias contribuições para as Rodas. No dia de cada Roda estava previsto um momento “esquenta”, que aconteceria no período da manhã. Cada participante fazia uma prévia do trabalho, um ensaio, e o mesmo valia para os assessores; juntos debatíamos e estudávamos sobre a temática, a eleição de imagens, enfim, era uma espécie de aquecimento, pois o olhar do outro enriquece o nosso e a cada pergunta, comentário, refletíamos sobre nosso fazer. Que momento rico! Quantas trocas e aprendizagens! Onde a brasa mora E devora o breu Como a chuva molha O que se escondeu O seu olhar seu olhar melhora Melhora o meu (ANTUNES, 2015)
Enfim, chegou o dia da primeira Roda! O resto da história quem estava presente sabe como foi. E quem não estava pode conhecer um pouco dela por meio
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deste livro, que compõe a série de publicações Educação em Rede.3 Aqui estão os textos produzidos pelos 21 participantes das Rodas (profissionais do Sesc e assessorias), retomando seus temas, tecendo novas reflexões e abrindo novas Rodas de Conversa. Vivemos momentos inesquecíveis na trajetória da Educação Infantil do Sesc. Partilhamos o que fazemos pelas escolas do Brasil, aprendemos uns com os outros, conversamos muito, afinal, as Rodas eram de Conversa! O bate-papo aconteceu ao vivo, em cada videoconferência, e se estendeu para o Fórum Virtual, e nos contatos pelo Facebook, e-mails, WhatsApp... Estabelecemos conexões! Pensar uma escola infantil na qual se assegure tanto o protagonismo infantil quanto o protagonismo de professores é buscar mecanismos pelos quais a autoria, o planejamento como instância formativa e o registro sobre a prática alimentem novos fazeres, inspirem a busca de novas práticas. 17 Introdução
Formar professores não é uma tarefa simples. É muitas vezes solitária. Mas se nos inspirarmos uns nos outros, se pensarmos boas práticas que ajudem a iluminar o olhar, se pudermos criar uma rede de partilhas, talvez o caminho seja menos árduo, mais tranquilo, mais rico e muito divertido! Desde sempre acreditamos que a prática formativa precisa comprometer o sujeito no diálogo, no desejo de mudança, na vontade de colocar em prática aquilo que se estuda, se acredita, se deseja. “Vive-se em um mundo de palavras do outro, de tal modo que as complexas relações de reciprocidade com a palavra do outro em todos os campos da cultura e da atividade completam toda vida do homem” (BAKHTIN apud GRUPO DE ESTUDOS DOS GÊNEROS DO DISCURSO, 2009, p. 27). Cada professor precisa ser respeitado em suas individualidades e necessidades formativas e não vive em uma ilha, em uma sala de aula-escolinha. Professores precisam de professores e escolas precisam de pessoas que dialoguem e se arrisquem nessa viagem que é a busca por uma Educação Infantil de qualidade. As Rodas de Conversa indicaram alguns caminhos, mas existem muitos outros. Por enquanto nos contentamos em apresentar aqui as conversas que tivemos em 2015, desejando que a leitura dos capítulos que se seguem seja inspiradora para que outras Rodas de Conversa continuem a girar! Esta série tem como objetivo divulgar as reflexões dos participantes nas ações de formação promovidas pelo Sesc por videoconferência. 3
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Referências
A girar... Que maravilha... A girar... Que maravilha... A girar. (BEN JOR, 2015)
ANTUNES, A. O seu olhar. Disponível em: <https://letras.mus.br/arnaldo-antunes/91707/>. Acesso em: 22 dez. 2015. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Biblioteca universal). BEN JOR, J. Que maravilha. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/jorge-ben-jor/quemaravilha.html>. Acesso em: 01 set. 2015. GRUPO DE ESTUDOS DOS GÊNEROS DO DISCURSO. Palavras e contrapalavras: glossariando conceitos, categorias e noções de Bakhtin. São Carlos: Pedro & João Editores, 2009. NÓVOA, A. Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995. RODRIGUES, J. Deixa isso pra lá. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/jair-rodrigues/ deixa-isso-pra-la.html>. Acesso em: 01 set. 2015.
18 Introdução
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A escola, a proposta pedagógica e as famílias Arleide Deolina Clementei
i
Pedagoga formada pela Faculdade Evangélica do Piauí. Especialista em Gestão Educa-
cional pela Faculdade de Educação Montenegro. Atualmente coordenadora pedagógica no Sesc Ler de Guaribas (PI).
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21 A escola, a proposta pedagógica e as famílias
RESUMO
ABSTRACT
Este relato versa sobre um trabalho de formação realizado no Sesc Ler de Guaribas/ Piauí, no qual a Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc é sempre objeto de estudo com os professores, tendo como resultado um trabalho formativo junto às famílias que ganhou dimensões além do esperado, motivo pelo qual será compartilhado neste relato.
This report deals with a training work at Sesc Read Guaribas/Piauí where the Pedagogical the Sesc Childhood Education is always an object of study with teachers, resulting therefore in an educational work with families, who won dimensions beyond expected, reason will be shared in this report. KEYWORDS: Education. School. Family.
PALAVRAS-CHAVE: Formação. Escola. Família.
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A Proposta Pedagógica é objeto de estudo dos profissionais da educação do Sesc Ler, que buscam transformar as orientações fundamentadas neste documento em práticas cotidianas. Por isso o empenho da equipe educativa como um todo tem sido torná-la um instrumento vivo, e que de fato seja colocada em ação. As famílias são parte fundamental nesse processo, uma vez que participam da rotina da escola e devem conhecer as ações realizadas e sentir-se seguras em relação a elas, a fim de que os alunos possam construir conhecimentos nesse percurso. Entretanto, mudar de prática nem sempre é uma tarefa fácil. Enfrentamos ao longo da formação do grupo alguns entraves. Entre eles as solicitações das famílias para que façamos o trabalho de acordo com suas concepções, com o modo pelo qual viveram a escola em seu tempo de estudante. Esse foi o motivo pelo qual iniciamos a formação junto aos pais.
22 A escola, a proposta pedagógica e as famílias
Neste trabalho faz-se um recorte de ações realizadas junto aos pais no Sesc Ler de Guaribas (PI) a partir das formações feitas com os professores. Considerou-se que o estudo da Proposta Pedagógica é um tema inesgotável, porém se apresentou de forma interrogativa entre família e escola depois que começaram as atividades a partir do estudo, uma vez que as famílias observavam o dia a dia da escola e percebiam que as estratégias que os professores usavam para ensinar estavam mudando e já não eram como antes. O que eles viam eram crianças brincando, mas quase não saíam das salas, e então tudo começou a mudar, logo a seguir veremos como se deu o desfecho desses diferentes olhares.
Onde tudo começou Estar vivo é estar em conflito permanente, produzindo dúvidas, certezas questionáveis. Estar vivo é assumir a Educação do sonho do cotidiano. Para permanecer vivo, educando a paixão, desejos de vida e morte, é preciso educar o medo e a coragem. (FREIRE, 1992)
Em 2014, trabalhamos o Projeto de Formação baseado na Carta Compromisso elaborada na XIV Semana Pedagógica de 2014 no Sesc Praia em Luís Correia (PI), reafirmando o compromisso de “Tornar a prática coerente com a Proposta Pedagógica”, entendo-a como instrumento de construção e reflexão sobre a prática. Iniciamos o estudo por áreas de conhecimento para entender melhor as especificidades de cada uma e buscar a compreensão de como realizar um trabalho educativo diário junto às crianças, e por meio de discussões pedagógicas que sirvam de subsídios para a elaboração de projetos pedagógicos.
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A partir de então refletimos sobre nossa prática pedagógica, estudando as diferentes áreas de conhecimentos, e nessas formações pensamos em educação, propostas, espaços temáticos, e esses momentos de estudo são sempre cruciais para identificarmos onde precisamos melhorar ou mudar.
23 A escola, a proposta pedagógica e as famílias
Estudando o eixo de trabalho Corpo e Movimento, refletimos sobre o ousar, sobre a ideia de levar as crianças a vivenciarem novas situações de brincadeiras em diferentes espaços e instrumentos. Então, planejamos diversas atividades trabalhando o conteúdo controle e adequação do movimento para o desenvolvimento de habilidades e o estabelecimento de desafios corporais. Uma possibilidade era utilizar o espaço da escola, que é rico em ambientes naturais: temos uma horta e grandes pés de caju e manga, onde as crianças podem subir, descer, explorar várias possibilidades do movimento com independência e autonomia. Após planejarmos boas situações de aprendizagem que poderiam ser exploradas nesses espaços, fomos com as crianças para os pés de caju. Em consequência dessas brincadeiras alguns questionamentos dos pais foram surgindo: “Não deixem minha filha ir aos pés de caju, é perigoso, ela vai se machucar e manchar a farda!”1 “Eu não quero que ele use tinta!” “Meu filho não pode ir ao parque, nem à quadra, para não cair!” Os pais não compreendiam que essas imposições vão contra a proposta que defendemos e que nos orienta a fim de possibilitar uma aprendizagem significativa, e que todas as ações têm intenção pedagógica.
O que fazer com 150 propostas? As questões que as famílias traziam diariamente nos inquietaram, precisávamos tomar uma posição. Então, marcamos um encontro com o objetivo de analisarmos as questões apresentadas, junto com toda a fundamentação que vínhamos fazendo no grupo de estudos, e tomarmos uma decisão. Após várias possibilidades, decidimos que, se a cada solicitação da família tivéssemos de modificar nossas escolhas pedagógicas, teríamos 150 Propostas Pedagógicas, pois cada família tem uma hipótese de como devemos organizar o fazer pedagógico. Cada família é única. É No estado do Piauí a farda das crianças refere-se ao uniforme que usam diariamente para ir à escola.
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claro que é importante escutá-las, nosso trabalho também é voltado para elas, mas é importante que fundamentemos nossa prática de tal maneira que consigamos explicar os caminhos escolhidos e fazer com que confiem nas escolhas pedagógicas. Então fomos dialogando com os pais em reuniões sobre seus questionamentos e duvidas, bem como nossas próprias indagações educativas foram tomando outro caminho, com mais segurança e mais confiança por parte das famílias.
Proposta pedagógica: o que é isso mesmo? Começamos a pensar como levar aos pais a ideia da proposta de forma positiva, pois este é o documento que norteia nosso trabalho, é da identidade à escola. Ela é calcada nos documentos que o Ministério da Educação (MEC) orienta, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, 2010, além de outros aportes que dão embasamento ao nosso trabalho. 24 A escola, a proposta pedagógica e as famílias
A sistematização dessa proposta é um convite para a reflexão sobre como estamos orientando nossas ações, porém nem todos os pais têm conhecimento da sua existência e importância, por isso muitas vezes têm dificuldades de compreender diversas atividades do cotidiano realizados nos mais diversos espaços escolares, pois: Diante das condições de vida contemporânea, torna-se fundamental que a escola busque encaminhamentos para o desafio de garantir às crianças o contato com a natureza e interagir nela e com ela, subindo em árvores, escalando pedras, molhando os pés, escorregando e rolando na grama. (SESC, 2012, p. 69)
Dessa maneira, a escola pode possibilitar o desenvolvimento não só de habilidades motoras, mas também a construção da identidade, da autoestima e da socialização. E diante disso percebemos que alguns pais ainda estavam a favor da heteronomia, em que os alunos aceitariam normas de ser e fazer que não são deles, em que não teriam escolhas do que fazer ou não, sendo impossível crescer em autonomia. Outros pais, há mais tempo na escola, já compreendiam a importância do movimento nas mais diferentes ações.
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Por que as famílias, às vezes, mostram resistência em se adaptar à proposta pedagógica do Sesc? São várias as possibilidades, e nos fazíamos as seguintes perguntas: • Por medo do novo, de algo que não conhecem, ou viveram quando estudantes? Medo de as crianças se machucarem? • Por causa da sujeira resultante das diversas brincadeiras? • Eles não percebem a brincadeira como meio de aprendizagem? Chegamos à conclusão de que a escola estava indo por um caminho buscando possibilitar às crianças a construção de conhecimentos e a família ia por outro, calcados na concepção de educação vivida por eles. Partindo dessa premissa, começamos a pensar maneiras de esses caminhos se encontrarem, formando uma só maneira que vá realmente fazer a diferença na vida dos alunos. 25 A escola, a proposta pedagógica e as famílias
Entendemos que a família também precisava ver na Proposta Pedagógica da Educação Infantil uma prática que é difícil não se apaixonar. É preciso que os pais confiem no trabalho realizado junto às crianças. Isso nem sempre é fácil de conquistar e precisamos ter uma postura segura no que acreditamos, e as conversas que travamos com as famílias tiveram o intuito de sensibilizá-las e trazê-las para participar do dia a dia da escola para conhecer a proposta de ensino-aprendizagem desenvolvida. Nossa busca constante, enquanto equipe, tem sido a apropriação da teoria e incorporá-la a nossa prática. Esse tem sido o diferencial da nossa ação educativa. Fizemos escolhas ao longo dos anos de formação, nossas experiências têm sido incorporadas ao comportamento de cada uma das pessoas que compõem a equipe, e a troca é fundamental para que façamos algumas escolhas mais permanentes, que estão alinhadas à Proposta Pedagógica do Sesc. No entanto, para isso foi e é necessário crescer muito, sentir angústia, desapontamento, alegria, surpresa, ou seja, viver por dentro, para percebê-lo. Pensamos em uma escola para crianças pequenas como um organismo vivo integral, como um local de vidas e relacionamentos compartilhados entre muitos adultos e muitas crianças. Pensamos na escola como uma espécie de construção em contínuo ajuste. (MALAGUZZ, 1999, p. 72)
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A partir daí percebemos que a escola deve sempre envolver a família dos educandos em atividades escolares, não para falar dos problemas apenas, mas para ouvi-los e tentar engajá-los em algum movimento realizado pela escola. Para isso fizemos reuniões coletivas e encontros individuais para questionar os pais sobre o que eles querem para seus filhos. Já fazíamos reuniões falando das ações do cotidiano, mas queríamos fazer diferente, que os pais fossem convidados a pensar, conhecer e vivenciar junto com a equipe pedagógica. Na programação, os pais primeiro conheceram os espaços da escola como laboratório e biblioteca, e elaborou-se um cronograma para que eles viessem à escola participar de atividades diversas a fim de compreender nossas escolhas pedagógicas.
26 A escola, a proposta pedagógica e as famílias
Assim organizamos um cronograma com os dados dos pais e o horário que viriam conversar. Foi fixado no mural, e então a família veio participar do planejamento com a professora. Discutiram o que fazer, como, onde e por quê. Vários pais fizeram brincadeiras como cabra-cega, morto-vivo e contaram histórias para as crianças, e os alunos ficam muito ansiosos por esses momentos. Os pais que não se dispuseram durante a elaboração foram motivados a participar vendo o que estava acontecendo e acabavam por procurar a escola em outros horários afirmando que o filho estava cobrando sua participação também, pois os outros pais todos vinham. Família e escola são pontos de apoio e sinais de referência existencial. Quanto melhor for a parceria entre ambas, mais significativos os resultados na formação do aluno. Como diz Paro (1997, p. 30): A escola deve utilizar todas as oportunidades de contato com os pais, para passar informações relevantes sobre seus objetivos, recursos, problemas e também sobre as questões pedagógicas. Só assim, a família irá se sentir comprometida com a melhoria da qualidade escolar e com o desenvolvimento de seu filho como ser humano.
Quando se fala em vida escolar e sociedade, não há como não citar o mestre Freire (2000, p. 67), quando diz: a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho se não viver plenamente a nossa opção. Encarná-la, diminuindo, assim, a distância entre o que dizemos e o que fazemos.
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Diante do trabalho realizado, observa-se que a educação, sendo uma prática social, não pode restringir-se a ser puramente teórica, sem compromisso com a realidade local e com o mundo em que está inserida. A orientação ao educando precisa estar voltada para estratégias que irão possibilitar a cada um assumir efetivamente os valores humanos com consciência e responsabilidade para que seja agente de transformação na realidade em que está inserido.
27 A escola, a proposta pedagógica e as famílias
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Referências
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PARO, V. H. Qualidade do ensino: a contribuição dos pais. São Paulo: Xamã, 1997. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil no Sesc: corpo e movimento. Rio de Janeiro, 2012.
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A escola, a proposta pedagógica e as famílias II Rejane Maiai
i
Pedagoga com habilitação em Supervisão Educacional e Administração Escolar. Mestre
em Psicologia Cognitiva e Aprendizagem pela Universidade Autônoma de Madrid (UAM) e pela Flacso-Argentina. Pós-graduada em Construtivismo e Educação pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), em parceria com a Universidade Autônoma de Madrid (UAM). Assessora pedagógica atuando junto a professores de Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental nas redes pública e privada de ensino. Diretora pedagógica do Colégio Apoio-Recife (PE).
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31 A escola, a proposta pedagógica e as famílias II
RESUMO
ABSTRACT
O presente texto propõe alguns questionamentos acerca da importância e do formato de participação das famílias na Proposta Pedagógica da escola, tema recorrente de reflexão e discussão no contexto escolar e que a autora procura responder, contribuindo para uma maior clareza por parte dos educadores do valor da parceria Escola-Família. Com esse propósito, são abordados no texto aspectos como mudanças históricas na relação Escola-Família, a Função Social da Escola Infantil, que precisa ser bem compreendida pelos pais ou responsáveis; componentes da proposta pedagógica mais necessários de serem compartilhados com os familiares e diferentes e mais efetivas estratégias de envolver as famílias na proposta da escola, orientando-as para uma participação construtiva nas suas diferentes ações, a favor da integração e aprendizagem das crianças.
This text poses certain questions about the importance and the way in which families participate in the school’s Educational Proposal, a recurring topic of reflection and discussion within the context of the school, which the authors try to answer, contributing to provide educators with more clarity regarding the importance of the School-Family partnership. Thus, the text discusses issues such as: the historic changes in the School-Family relationship; the Social Role of the Preschool, which must be well-understood by parents or guardians; some topics of the Educational Proposal that must be shared with the children’s families and different, and more effective strategies to get the families involved with the school’s Proposal, gearing them towards a more constructive participation in the different actions developed by the school, to the benefit of the children’s integration and learning.
PALAVRAS-CHAVE: Escola. Proposta. Famílias. Participação.
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KEYWORDS: School. Proposal. Families. Participation.
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Proposta pedagógica: para participar
importante
conhecê-la
Muito se tem discutido nos últimos anos sobre a crescente atribuição de responsabilidades que a família tem delegado à escola em virtude de causas as mais diversas, que necessitam ser refletidas conjuntamente pelos profissionais da escola e as famílias. A escola necessita incluir na elaboração coletiva da sua Proposta Pedagógica um capítulo que trate das relações escola-família, explicitando as desejáveis formas de implicação conjunta dessas duas instituições na vida das crianças visando à otimização das condições de integração e aprendizagem destas no espaço escolar.
32 A escola, a proposta pedagógica e as famílias II
A não compreensão das diretrizes, princípios e práticas que integram a Proposta Pedagógica, por parte dos pais ou responsáveis, pode levar a um tipo de participação familiar pouco construtivo no cotidiano da escola, com base em cobranças descabidas, omissão ou afastamento indesejável. Por isso, defendo que essa participação seja planejada conjuntamente e orientada pela escola, a fim de que se constitua uma efetiva ajuda ao alcance dos objetivos educacionais que se pretende atingir. Assim, passo a explicitar alguns questionamentos que pretendo responder ao longo deste texto, corroborando a minha crença nos reais ganhos desse envolvimento dos pais na proposta pedagógica vivenciada pelo filho na escola. São eles: • Qual a importância de os pais serem copartícipes do Projeto Pedagógico da escola? • O que cada escola realmente quer quando procura o envolvimento da família? • Quais as maneiras mais eficazes de aproximar os familiares da escola, implicando-os na operacionalização da sua Proposta Pedagógica? • Em que ações as famílias podem participar da rotina da escola? • Que aspectos da Proposta Pedagógica são mais importantes de serem explicitados para os pais ou responsáveis? Com uma maior clareza dessas respostas, acredito que os educadores se sentirão ainda mais fortalecidos e estimulados a seguir construindo sua prática cotidiana, com outro olhar para o valor da interação escola-família, que deve ser pautada, acima de tudo, em confiança, sintonia de valores e propósitos, participação, colaboração, acompanhamento, diálogo, críticas construtivas e validação, em um movimento contínuo de aproximação e aprendizagem mútua.
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Participação das famílias no projeto das escolas antes e nos dias de hoje Em uma análise histórica do formato de participação das famílias no projeto das escolas, constata-se que, a partir de meados do século 20, com o avanço das teorias sobre desenvolvimento infantil e aprendizagem, somado às mudanças nas dinâmicas familiares, a escola vem tendo que repensar suas práticas. É sabido que, em muitas escolas, as situações de interação com as famílias ainda consistem em uma participação mais restrita e limitada a entrevistas individuais e a reuniões formais de pais e mestres. Por outro lado, muitas transformações já ocorrem, trazendo um novo formato com mais base em diálogo e cooperação, quando então as famílias passam a conhecer e participar mais da Proposta Pedagógica da escola.
33 A escola, a proposta pedagógica e as famílias II
Função social da escola de educação infantil A construção dessa parceria precisa ser continuamente valorizada e cuidada por toda a equipe escolar, por meio de estratégias que aproximem os pais da escola, levando-os a compreenderem sua função social e a conhecerem os principais aspectos da Proposta Pedagógica vigente. É importante que as famílias compreendam a escola como um espaço privilegiado para a construção de conhecimentos histórica e socialmente produzidos e para o desenvolvimento da autonomia moral e intelectual das crianças, com vistas a sua plena formação para a cidadania. Para que cumpra bem esses propósitos, defendo que a escola, principalmente a de Educação Infantil, seja também um espaço de nutrição afetiva para as crianças que iniciam seu convívio com um outro grupo social de referência.
Escola infantil: um espaço de nutrição afetiva Segundo Zagury (2008, p. 34), “a criança pequena ao entrar na escola vive um ciclo de aproximação, no qual afeto, interesses, temores e estranhamento encontram-se misturados”. Portanto, precisa, nesse novo espaço, se sentir acolhida, segura e estimulada a descobrir toda a magia e o encanto implícitos nos atos de aprender a conhecer, a fazer, a ser e a conviver.
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A fim de que a equipe pedagógica da escola possa assegurar as melhores condições para a realização dessas importantes aprendizagens, o ideal é que consiga se constituir uma verdadeira comunidade de aprendizagem, na qual todos aprendam uns com os outros e cooperem entre si, na operacionalização de uma Proposta Pedagógica com vistas a um objetivo comum: a formação integral das crianças. Tal proposta, inspirada nos documentos oficiais, deve sempre partir de um diagnóstico (o que se tem) para a definição de objetivos (o que se quer) e expressar uma proposta de intervenção formativa, fundamentada e contextualizada para a formação integral da criança. Necessita ser construída, avaliada e revisada continuamente de forma colaborativa por representantes da comunidade escolar, de modo a se manter atualizada para responder aos desafios de educar na contemporaneidade.
34 A escola, a proposta pedagógica e as famílias II
Componentes da proposta pedagógica que os pais devem conhecer Dentre os vários componentes de uma Proposta Pedagógica, defendo a importância de que os pais conheçam, prioritariamente, os objetivos educacionais mais amplos, que tratam de que tipo de sujeito a escola pretende ajudar a formar, as metas de aprendizagem específicas para cada faixa etária, a linha metodológica adotada, o modelo avaliativo empregado, para melhor acompanhamento do percurso de aprendizagem das crianças e as formas de convivência aluno(a)-aluno(a), aluno(a)-professor(a), educadores-familiares valorizadas pela escola. A escola deve utilizar todas as oportunidades de contato com os pais para passar essas informações sobre sua proposta. Só assim, segundo Paro (2007), a família irá se sentir comprometida com a melhoria da qualidade escolar e com o desenvolvimento do seu filho como ser humano. Entre essas informações, cabe à escola delinear, em um dos capítulos da sua Proposta Pedagógica da Educação Infantil, a concepção da sua equipe acerca da interação família-escola, e nele devem estar expressas as estratégias que possam vir a favorecer uma maior implicação das famílias na educação da infância, com a definição de canais de relação que possibilitem uma maior continuidade entre o contexto escolar e o contexto familiar.
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Diferentes maneiras de os familiares participarem construtivamente do cotidiano da escola
35 A escola, a proposta pedagógica e as famílias II
O engajamento dos pais ou responsáveis na proposta da escola pode se dar de diferentes modos, desde a participação dos familiares em ações relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem, como em encontros formais ou informais, em que se possa discutir pontos de vista diversos sobre a educação de crianças e o papel da escola e da família diante do complexo desafio de educar nos dias de hoje. Ter os pais mais presentes no cotidiano escolar, sentindo-se acolhidos e respeitados nas suas maneiras particulares de ser, agir e pensar; trazendo suas dúvidas, suas críticas, compartilhando seus saberes e sendo validados no seu papel de educadores junto aos filhos; participando de algumas vivências, aprendendo junto aos filhos e podendo também ensinar-lhes e aos colegas deles, possibilita-lhes um entendimento mais fácil dos fundamentos teóricos que embasam a Proposta Pedagógica (princípios, concepções, valores) orientadora da aprendizagem dos seus filhos. Com essa melhor compreensão, torna-se mais fácil para os educadores irem situando os familiares sobre o que é adequado ou inadequado se cobrar em cada fase de desenvolvimento de sua criança, única, singular, orientando-os para a construção de outro olhar sobre o real desenvolvimento dela e sobre como podem efetivamente colaborar para favorecê-lo. Algumas metas, se assumidas coletiva e seriamente por todos os que fazem a escola, serão favorecedoras de uma construtiva parceria com a família. Destaco as seguintes: • Saber ouvir e demonstrar abertura a críticas e sugestões. • Respeitar as culturas e as diferentes organizações familiares. • Orientar toda a equipe da escola (professores e funcionários) para um acolhimento afetivo a crianças e seus familiares. • Conversar com os familiares sobre os avanços e conquistas das crianças e não só sobre suas dificuldades.
Estratégias facilitadoras da construção da parceria família-escola Entre as estratégias que julgo facilitadoras dessa construção, muitas já estão sendo implantadas em escolas do Sesc, conforme relatos das coordenadoras que abordaram essa temática nas Rodas de Conversas na Educação Infantil. São elas:
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a realização de várias modalidades de reuniões com propósitos relevantes e diversos, bem planejadas antecipadamente; socialização, por meio de múltiplas linguagens, das vivências dos alunos em diferentes momentos do cotidiano escolar; inclusão dos pais em diferentes propostas da rotina das classes (rodas de contação de histórias e de conversas sobre temas diversos do interesse da turma, momento do lanche, hora do canto, jogos no parque etc.), a fim de que possam enriquecê-las, com suas experiências pessoais e profissionais; divulgação e análise dos documentos produzidos pela escola, que traduzem suas marcas identitárias a serem apropriadas e valoradas por todos.
As ideias belas e verdadeiras pertencem a todos1
36 A escola, a proposta pedagógica e as famílias II
A escola é, de fato, uma comunidade em que educadores, funcionários, crianças e seus familiares têm, todos eles, ideias a compartilhar e papéis importantes a desempenhar. Nessa valorização dos saberes individuais e em uma ação articulada, colaborativa e complementar, torna-se mais tranquilo o entendimento dos desafios próprios da fase de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, tanto para os educadores quanto para os alunos e seus familiares.
A proposta pedagógica como um elo entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental O desafio dessa transição é a integração entre a gestão/coordenação desses diferentes níveis de escolaridade, por meio da produção e análise conjunta de documentos orientadores, da troca de vivências, dos intercâmbios entre classes, com vistas à construção de uma única escola, na qual os tempos e os espaços escolares sejam organizados considerando-se os níveis de desenvolvimento dos alunos e as especificidades da proposta pedagógica de cada fase de escolaridade. A proposta pedagógica como fio condutor, compartilhada e construída coletivamente, é o elo entre esses níveis de escolaridade, amenizando possíveis rupturas ou descontinuidades.
SÊNECA apud BARELLI, 2001.
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A participação e a colaboração da família fazem toda a diferença Cada escola tem seu histórico, seus princípios e valores, seus objetivos e linhas de ação, seu trajeto único, que necessitam estar expressos na sua Proposta Pedagógica, que lhe confere identidade. Tal proposta precisa ser uma construção diária, revisitada permanentemente, ampliada e enriquecida com novos aportes teóricos, novas vivências, novas contribuições da comunidade, particularmente dos familiares. A proposta pedagógica deve ser a base a partir da qual a escola faça as conexões e articulações necessárias para compreender o sujeito-educando em toda sua complexidade e ajudá-lo a se desenvolver integralmente. E para favorecer essa compreensão, a participação e colaboração da família faz uma enorme diferença, face à relevância da sua referência educativa para os filhos. 37 A escola, a proposta pedagógica e as famílias II
O Projeto Família Presente na Educação (ESPÍRITO SANTO, 2011, p. 6) alerta-nos para o fato de que a família coloca filhos na escola, e não alunos; a escola recebe alunos, e não filhos. Essa é uma questão que deve ser colocada no centro do diálogo entre escola e família, que não podem estar em campos opostos ou em disputa, mas que compartilhem um mesmo objetivo, o de preparar melhor as futuras gerações. Acredito que o caminho para melhorar as relações família-escola e conseguir uma maior implicação conjunta na educação das crianças pode ter múltiplos e diversos formatos, levando-se em conta os princípios e valores de cada escola, mas reitero o que defende Vila (1998, p. 191) na sua obra Família, Escuela e Comunidad, que o importante é refletir sempre sobre essa relação, procurando não cair na rotina e entender que a melhor maneira de implicar conjuntamente as famílias e as escolas é possibilitar-lhes fazer coisas juntas. “Não basta saber, é preciso aplicar; não basta querer, é preciso fazer” (GOETHE, 2015).
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Referências
BARELLI, E. Dicionário das citações. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília, 2010. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Referenciais curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília, 1998. CAMARGO, P. de. Discutindo a relação. Revista Educação, São Paulo, ano 17, n. 201, fev. 2014. ESPÍRITO SANTO (Estado). Secretaria de Educação Básica e Profissional. Projeto família presente na educação: ideias para ações compartilhadas: projeto em ação. Espírito Santo, 2011. GOETHE, J. W. Textos. Portugal: Citador, 2015. Disponível em: <http://www.citador.pt/frases/naobasta-saber-e-preciso-tambem-aplicar-nao-ba-johann-wolfgang-von-goethe-4817>. Acesso em: 15 jul. 2015. 38 A escola, a proposta pedagógica e as famílias II
PARO, V. H. Qualidade do ensino: a contribuição dos pais. São Paulo: Xamã, 2007. SAVATER, F. O valor de educar. São Paulo: Martins Fontes, 1998. VILA, I. Familia, escuela e comunidad. Barcelona: Horsori, 1998. (Cuadernos de educacion, n. 26). ZAGURY, T. Escola sem conflito: parceria com os pais. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.
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As diferentes instâncias do planejamento Priscila Monteiroi
i
Priscila Monteiro atua há 37 anos na Educação Infantil. Participou da elaboração dos
Referenciais Nacionais de Educação Infantil (MEC) e coordenou a Proposta Pedagógica para a Educação Infantil do Sesc.
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41 As diferentes instâncias do planejamento
RESUMO
ABSTRACT
O planejamento didático é um instrumento comunicativo e se constitui um meio de múltiplas informações. Reflete as decisões que o professor toma no desenvolvimento de seu trabalho desde a antecipação do que prevê ensinar até as reflexões que faz sobre seu trabalho. Neste pequeno texto vamos tratar das diferentes instâncias do planejamento e como ele tem se constituído uma ação formativa nas escolas de Educação Infantil do Sesc.
The teaching plan is a communication tool that encompasses a multiplicity of information. It is a reflection of the decisions made by the teachers in the development of their work, from their expectations of what they intend to teach to the reflections they make about their own work. This small text discusses the different levels of planning and how the teaching plan became a training activity within the Sesc Preschools.
PALAVRAS-CHAVE: Planejamento. Formação de professores. Educação infantil. Sesc.
KEYWORDS: Planning. Teacher training. Preschool. Sesc.
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O planejamento do professor Uma das maiores responsabilidades de todo professor é o planejamento de situações de aprendizagem. A tarefa de planejar começa antes mesmo do início das aulas e continua ao longo de todo o ano. No entanto, sabemos que muitas vezes o planejamento é visto apenas como um instrumento de fiscalização e controle das atividades realizadas pelo professor e não é realmente utilizado para orientar sua prática. Por outro lado, muitos professores consideraram que não é necessário planejar a intervenção pedagógica na Educação Infantil. Segundo Weisz (2000), esse entendimento distorcido, influenciado por práticas espontaneístas, se apoia na informação de que quem constrói o conhecimento é o sujeito e, em vista disso, a intervenção pedagógica não é necessária.
42 As diferentes instâncias do planejamento
O primeiro passo então é entender o planejamento como o processo que guia a ação pedagógica em uma determinada direção, que contempla os meios necessários para alcançar esse fim e que é orientado por um conjunto de ideias, concepções e teorias. O processo didático foi definido por Brousseau (1986) como uma tríade que envolve aluno, professor e conhecimento a ser ensinado. Esses três elementos são partes constitutivas de uma relação dinâmica e complexa — a relação didática — que inclui as interações entre professor e alunos, mediadas pelo saber que determina como as relações se estabelecem. Nesse contexto está incluído o grupo de pares que ocupa um lugar de relevância para a aprendizagem. Segundo Brousseau (1986, p. 8): Uma situação didática é um conjunto de relações estabelecidas explicitamente e ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, num certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos, e um sistema educativo (o professor) com a finalidade de possibilitar a estes alunos um saber constituído ou em vias de constituição [...]. O trabalho do aluno deveria, pelo menos, em parte, reproduzir características do trabalho científico propriamente dito, como garantia de uma construção efetiva de conhecimentos.
Nessa perspectiva, o conhecimento não é gerado do nada, é uma permanente transformação com base no conhecimento que já existe. Toda e qualquer aprendizagem é a ação da criança sobre os objetos de conhecimento. Nesse sentido, o processo de aprendizagem não responde necessariamente ao processo de ensino. Para Weiz (2000, p. 65):
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O processo de aprendizagem não responde necessariamente ao processo de ensino, como tantos imaginam. Ou seja, não existe um processo único de “ensino-aprendizagem”, como muitas vezes se diz, mas dois processos distintos: o de aprendizagem, desenvolvido pelo aluno, e o de ensino, pelo professor. São dois processos que se comunicam, mas não se confundem: o sujeito do processo de ensino é o professor, enquanto que o do processo de aprendizagem é o aluno. É equívoca a expectativa de que o aluno poderá receber qualquer ensinamento que o professor lhe transmita exatamente como ele lhe transmite. O professor é que precisa compreender o caminho de aprendizagem que o aluno está percorrendo naquele momento e, em função disso, identificar as informações e as atividades que permitam a ele avançar do patamar de conhecimento que já conquistou para outro mais evoluído. Ou seja, não é o processo de aprendizagem que deve se adaptar ao de ensino, mas o processo de ensino é que tem que se adaptar ao de aprendizagem. Ou melhor: o processo de ensino deve dialogar com o de aprendizagem.
43 As diferentes instâncias do planejamento
Assim, para realizar um bom planejamento, é preciso considerar as características do objeto de ensino, as ideias das crianças sobre esse objeto para então definir o que se espera que as crianças sejam capazes de saber fazer em determinado período de tempo e criar as condições necessárias para que avancem em seus conhecimentos. Para Scarpa (2014, p.52): O planejamento e a intervenção docente são fundamentais para a progressão dos conhecimentos das crianças. O respeito ao modo de elas pensarem não exime os professores de serem exigentes em relação às expectativas de aprendizagem de todos os alunos, considerando as possibilidades de cada um.
A proposta pedagógica da Educação Infantil do Sesc O planejamento do professor não é isolado do conjunto da escola e do sistema educativo. É um produto institucional, uma vez que se refere a um fazer pedagógico que compromete a instituição em sua totalidade. Ao mesmo tempo, precisa conservar a independência e a autonomia necessárias para o desenvolvimento de sua atividade. A Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc estabelece expectativas de aprendizagem comuns, de forma explícita, orienta a organização dos projetos políticos pedagógicos de cada unidade escolar e dá clareza à sociedade sobre o compromisso para com o desenvolvimento das crianças. Evidentemente, a defesa
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de expectativas de aprendizagem comuns não significa a padronização das possibilidades da criança, que é a protagonista do seu processo de aprendizagem. Segundo Brousseau (2013, p. 92): Para resolver uma tarefa, os estudantes não somente buscam interpretar o que é pedido por escrito ou oralmente. Eles também levam em conta o modo de ensinar do educador, que por sua vez espera certos comportamentos da turma. Essa tensão de expectativas, impalpável, invisível e não verbalizada, é o chamado contrato didático, um vínculo entre quem leciona e os que estudam, para o planejamento e a execução de situações de ensino e de aprendizagem.
Ou seja, mesmo que ninguém tenha dito às crianças o que elas podem ou não fazer, elas percebem que tipo de conhecimento o professor valoriza, pois a relação com o saber é também estabelecida via expectativas de seus professores, mesmo que essas sejam implícitas e não verbalizadas. 44 As diferentes instâncias do planejamento
O planejamento didático inclui geralmente objetivos, conteúdos, atividades, recursos e a avaliação do realizado. Os objetivos têm como finalidade dirigir ação educativa. Os conteúdos são elementos básicos da atividade educativa. Não é possível alcançar objetivos previstos sem a presença dos conteúdos por meio do qual se desenvolvem, sem conteúdo não existe ensino. As atividades explicitam o modo em que os conteúdos serão trabalhados para a realização das expectativas formuladas. Embora os recursos estejam incluídos nas diferentes atividades, são um componente importante do planejamento, uma vez que poder contar ou não com eles determina a viabilidade do planejamento. E por fim a avaliação. Avaliar, tal como a palavra sugere, significa estabelecer um critério de valor em relação a algo desde que garantidas as condições de ensino. Requer tomar certa distância das situações para entendê-las e julgá-las. Considerar a avaliação na Educação Infantil, assim como em outros níveis de ensino, implica o reconhecimento dessa instância como parte fundamental do processo educativo que permite tomar decisões fundamentadas para reorientá-lo. Nas Rodas de Conversa na Educação Infantil realizadas no primeiro semestre de 2015 foi possível testemunhar como o trabalho de formação de muitas escolas tem se apoiado na Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc para explicitar expectativas, favorecer o diálogo entre os professores e ajudá-los na sua tarefa de planejar.
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Apesar de estarmos em um intenso momento de estudo e discussão da lógica do trabalho com as expectativas de aprendizagem no planejamento das aulas, atualmente compreendemos que elas nos ajudam a regular o grau de desafio dos conteúdos em cada grupo. Nesse caminho, dialogamos e ouvimos muito os professores e nas discussões com as Orientadoras nos encontros individuais realizamos algumas atividades com o intuito de entendermos essa lógica. (ALMEIDA, [20--?])
Nesses encontros de formação os educadores em conjunto analisavam: • Concordância entre o desenho da própria prática e as linhas gerais. • Coerência entre as propostas educativas e os propósitos institucionais. • Uma articulação entre os conteúdos trabalhados nas diferentes seções, formando uma sequência das aprendizagens que realizam as crianças no transcurso da escolaridade.
45 As diferentes instâncias do planejamento
• Articulação entre as características e modalidades que assumem as atividades propostas nas diferentes seções, respeitando as necessidades das crianças. A formação continuada ganhou extrema relevância ao gerar espaços de trocas de experiências entre os profissionais e garantir um tempo para reflexão, planejamento e avaliação das práticas de sala de aula. As ações dos coordenadores pedagógicos têm se constituído em oportunidade de os professores se desenvolverem, tendo a própria escola como espaço de aprendizagem. O planejamento é uma ferramenta dinâmica que deve ser modificada e ajustada permanentemente. A explicitação escrita das tarefas e das atividades que o professor desenvolverá em determinado período de tempo permite organizar o pensamento de modo coerente, refletir sobre o fazer e sobre a coerência entre os diversos componentes didáticos: seleção, graduação, complexificação e articulação.
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Referências
ALMEIDA, T. Sesc no Tocantins. In: Fórum Rodas de conversa. Tocantins: Sesc, [20--?]. BROUSSEAU, G. Contrato didático: o “não dito” é essencial. Revista Nova Escola, São Paulo, n. 264, 2013. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/contrato-didatico-naodito-essencial-757864.shtml>. Acesso em: 10 mai. 2015. BROUSSEAU, G. Fondements et méthodes de la didactique des mathématiques. Didactique des Mathématiques. Grenoble, v. 7, n. 2, p. 33-116, 1986. BROUSSEAU, G. Introdução ao estudo das situações didáticas: conteúdos e métodos de ensino. São Paulo: Ática, 2008. SCARPA, R. L. P. O conhecimento de pré-escolares sobre a escrita: impactos de propostas didáticas diferentes em regiões vulneráveis. 2014. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde20102014-115756/pt-br.php>. Acesso em: 18 jul. 2015. 46
WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Ática, 2000.
As diferentes instâncias do planejamento
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As experiências cotidianas: os tempos, os espaços e os materiais Maria da Graça Souza Horni
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Pedagoga; doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS).
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49 As experiências cotidianas: os tempos, os espaços e os materiais
RESUMO
ABSTRACT
Este texto busca valorizar o protagonismo infantil na perspectiva de um novo enfoque curricular para a Educação Infantil. Nesse sentido, destaca a importância de se entender a prática pedagógica em uma abordagem diferenciada da tradicional, em que prevalecem as técnicas e atividades contidas em apostilas. Ao contrário, o ambiente se organizara para que adultos e crianças partilharem a vida cotidiana, em uma perspectiva relacional. É importante considerar a organização do espaço não somente como pano de fundo no cenário educativo, mas sim como parceiro pedagógico do processo de ensinar e aprender na Educação Infantil. Nesse contexto, o brincar e o interagir emergem como eixos estruturantes de toda prática pedagógica.
This text tries to emblazon the importance of the role of children under the perspective of a new approach to the curriculum of Preschool Education. Therefore, it highlights the importance of understanding the educational practice with an approach that is different from the traditional one, in which the techniques and activities contained in booklets prevail. On the contrary, the environment had been organized so that adults and children could share everyday life under a relational perspective. Thus, it is important to consider the organization of the space not only as a backdrop for the educational scenario, but also as a teaching partner in the process of teaching and learning within Preschool Education. In this context, playing and interacting emerge as structural bases for the whole of the teaching practice.
PALAVRAS-CHAVE: Protagonismo infantil. Prática pedagógica. Espaço. Brincar. Interagir.
KEYWORDS: Important role of children. Teaching Practice. Space. Playing. Interacting.
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As mais novas abordagens acerca do fazer pedagógico na Educação Infantil têm trazido à tona a valorização do protagonismo das crianças, apostando em um novo currículo que, consequentemente, nos faz pensar em processo de aprendizagem, em valorização do ambiente como espaço de relações, em investimento na memória para tornar visível a aprendizagem das crianças.
50 As experiências cotidianas: os tempos, os espaços e os materiais
Essa nova imagem das crianças advinda desse protagonismo destaca duas características que precisam ser consideradas nesse cenário: a competência e a curiosidade das crianças. Essa imagem e esse entendimento se contrapõem à ideia de uma criança previsível que liberava o educador de muitos problemas, entre eles de saber sempre o que propor para as crianças e com que finalidade. Esse novo paradigma requer uma grande transformação no papel do adulto nas ações desempenhadas junto às crianças. De detentor e centralizador de todas as ações, ele passa a uma atuação descentralizada, em que a organização de contextos estruturantes para o desenvolvimento de experiências ricas que contemple as mais diferentes linguagens infantis toma o lugar das práticas repetitivas, diretivas e sistematicamente coletivas. O sentimento de ansiedade vivido pelo professor na expectativa da obtenção do resultado esperado é substituído pelo prazer da troca e da partilha. Seguir um caminho traçado e fechado para as crianças trilharem é uma postura antagônica ao que se entende por aprender na perspectiva do protagonismo infantil. Reafirmo, o papel do professor é organizar as oportunidades de apoio às experiências das crianças. Nessa abordagem, portanto, não existe espaço para resultados predeterminados, característica de um currículo definido como um programa de ações para atingir determinados fins. Se entendemos a criança em uma nova ótica, consequentemente teremos de situá-la em uma nova ideia de currículo. Autores como Mallaguzzi (apud EDWARDS et al., 2016) e Goodson (2001) têm defendido uma perspectiva curricular, denominada de currículo emergente ou narrativo, que tem como foco principal essa criança ativa e protagonista. Em vez de a Escola Infantil ser lugar para aplicação de técnicas e atividades contidas em apostilas, por exemplo, será um ambiente para adultos e crianças partilharem a vida cotidiana. Fica evidente que as concepções de criança e de aprendizagem, prioritariamente, têm de estar “afinadas” com essa proposta de trabalho. Quais seriam os quesitos importantes para que a vida cotidiana seja um espaço de relações e interações entre as crianças e entre delas e os adultos? Aldo Fortunati (2015, p. 20), coordenador da experiência em San Miniato, Itália, afirma que uma
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educação adequada para essa criança não previsível, rica, ativa e competente tem de levar em conta: • O contexto físico como algo que sustenta e alimenta o processo de aprendizagem, em vez de ser simples cenário. • O conhecimento gerado dentro de contextos espaçotemporal específicos representa um ambiente no qual as crianças e os educadores compartilham a vida cotidiana, constroem relacionamentos e experiências e geram novos saberes e novos conhecimentos. • O foco nas oportunidades e não nos resultados acompanha os educadores na conquista da compreensão mais profunda de como as crianças aprendem, em vez de valorizar o que elas não aprendem.
51 As experiências cotidianas: os tempos, os espaços e os materiais
Dessas premissas, o recorte que faremos diz respeito mais diretamente ao contexto físico e ao contexto espaçotemporal, sem desconsiderar o entrelaçamento que existe entre ambos. Antes de tudo, é importante considerar que em todo o espaço organizado há uma dimensão social que é horizontal e que possibilita muitas relações possíveis, trocas e construção compartilhada. Discutir e refletir sobre esse espaço é o que nos propomos. Na realidade brasileira, o documento que orienta as práticas cotidianas da Educação Infantil são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil — DCNEI (BRASIL, 2010) e, por esse motivo, não pudemos nos furtar de citá-las e de trazê-las como fonte de inspiração. Nele os eixos articuladores são o brincar e o interagir, os quais têm relação estreita e direta com a organização dos espaços. Nesse aspecto é importante ressaltar que os espaços destinados às crianças de diferentes faixas etárias não podem ser semelhantes a uma sala de aula na perspectiva tradicional, mas, sim, um espaço referência para os grupos de crianças. Isso implica pensar que nesse local a proposta não seja organizá-lo e gerenciá-lo para que “aulas” aconteçam, mas que experiências educativas possam ser vividas pelas crianças.
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Abordando em primeiro lugar as interações, é importante considerar o quanto essa interação introduz a criança no ambiente, estimulando-a a participar, a construir e a ser protagonista em uma atitude participativa, que acontecerá na vida que partilha com o grupo. No caso da criança pequena, em especial, ela se desenvolve associando memória de situações a espaços e materiais em que estas ocorreram. Assim, espaços e materiais atuam como mediadores externos para as ações das crianças. Se há uma estante com livros e um tapete perto no qual se pode sentar e folheá-los, isso canaliza as ações infantis para a interação com os livros, imitando o que já observou ser o comportamento de leitores adultos, e também se torna fundamental no faz de conta de crianças pequenas. Elas criam um enredo imaginário mediado por objetos, indumentárias, sons, etc. e assumem personagens.
52 As experiências cotidianas: os tempos, os espaços e os materiais
Como podemos perceber, o brincar está relacionado de maneira muito estreita às interações entre as crianças. Quando as crianças brincam, explicitam atitudes de motivação, perseverança, cooperação, autonomia, por meio do divertimento e da ludicidade. Segundo Moylé (2002, p. 106), para brincar de modo efetivo, as crianças precisam de: • Companheiros de brincadeiras, espaços ou áreas para brincar, materiais para brincar e que o brincar seja valorizado pelas pessoas que as cercam. • Oportunidades para brincar entre pares, em pequenos grupos, sozinhas, perto de outras pessoas, com adultos. • Tempo para explorar, por meio da linguagem, aquilo que fizeram e como podem descrever a experiência. • Tempo para continuar o que iniciaram. • Experiências para ampliar e aprofundar aquilo que já sabem e aquilo que já podem fazer. • Oportunidades lúdicas planejadas e espontâneas. Estímulo e encorajamento para aprender mais. Na reflexão acerca do brincar, é importante apontar as ideias de Vygotsky (1984) quando afirma que o desenvolvimento das funções tipicamente humanas é mediado socialmente pelos signos e pelo outro. Desse modo, o sujeito produtor de conhecimento não é um mero receptáculo, é, ao contrário, um sujeito ativo que,
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em interação com o meio social, constrói e reconstrói o mundo em uma relação dialética. A partir desse entendimento, o comportamento das crianças pequenas é fortemente determinado pelas características das situações reais em que se encontram. Assim, nas situações imaginárias que a criança vive, como a do faz de conta, ela é levada a agir no âmbito da zona de desenvolvimento proximal, na medida em que se comporta de maneira sempre mais avançada que na vida real.1 Nesse processo, o brinquedo aparece como importante promotor de desenvolvimento, constituindo-se uma atividade na qual a criança aprende a atuar em uma esfera cognitiva que depende de motivações internas. Consequentemente, constrói aprendizagens ao desenvolver ações partilhadas com outras crianças, apropriando-se de um saber construído em uma cultura. Cultura que acontece em espaços que retratam seus símbolos e signos, os quais não são criados ou descobertos pelo sujeito, mas por este apropriados. Esse processo se inicia quando a criança nasce e vai se construindo na sua relação com parceiros mais experientes, os quais lhe emprestam determinadas significações. Sua atuação, em situações objetivas, determina maneiras de relações sociais e de uso de signos na realização de tarefas presenciais. Assim, povoar os espaços, organizando cantos de faz de conta, malas com roupas, chapéus, fantasias, adereços, equipando o espaço com objetos com os quais as crianças possam representar, criar, brincar e suscitar enredos que representam cenas do cotidiano, torna-se fator preponderante neste contexto. As pesquisas sobre organização dos espaços mostram que a presença de zonas circunscritas (CARVALHO; RUBIANO, 1994) fornece suporte para a ocorrência dos agrupamentos entre crianças, ao passo que sua ausência aumenta a ocorrência de aglomeração de crianças em torno da educadora. Em um contexto de espaço amplo e vazio, com escassez de materiais e mobiliários, como é o caso de muitas instituições de Educação Infantil em nosso país, a proximidade com a educadora é mais necessária. Portanto, a qualidade de uma instituição educacional está fortemente vinculada à estruturação do espaço, pois sua organização nas escolas infantis pode tanto favorecer como inibir a ocorrência de determinados tipos de interações. O espaço organizado em arranjos semiabertos, caracterizado pela presença de zonas circunscritas — áreas delimitadas por barreiras baixas, como estantes, pelos próprios móveis da sala ou por biombos, proporcionando às crianças uma visão Zona de desenvolvimento proximal é um conceito “Vygotskyano” que define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que presentemente estão em processo embrionário 1
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fácil de todo o campo de ação, incluindo a localização do adulto e das demais —, além de favorecer as interações de crianças, desempenha um importante papel na formação da identidade e no desenvolvimento das potencialidades das crianças. Segundo Haddad; Horn (2010), pensar em organizar espaços que acolhem e que promovem o protagonismo infantil, a cultura de pares e a “escola do fazer” não se reduz às salas de atividades. Na realidade, todas as dependências internas e externas das instituições de Educação Infantil educam.
54 As experiências cotidianas: os tempos, os espaços e os materiais
Os critérios e os princípios que apontamos como fundamentais para a organização dos espaços das salas das crianças se estendem às demais dependências da instituição. Desde o hall de entrada, os corredores, a cozinha, o refeitório, os banheiros, as salas de atividades múltiplas, até os pátios internos e externos, o princípio norteador de sua organização é convidar as crianças a estarem neles, a conviver, descobrir e criar juntos nestes espaços. Todos esses ambientes podem facilitar o crescimento das crianças em todas suas potencialidades, devendo responder às necessidades da criança de sentir-se inteira biológica e culturalmente. Jaume (2004) destaca, dentre essas necessidades, aquelas que dizem respeito à afetividade, à autonomia, ao movimento, à socialização, à descoberta, à exploração e ao conhecimento. Especialmente na área externa, essas necessidades devem ser contempladas com especial atenção. Ao lado dos equipamentos tradicionalmente ali encontrados (balanços, escorregadores, baldes e pás), também deverão estar contemplados outros espaços, como o destinado aos jogos e brincadeiras mais tranquilos, com oferecimento de jogos e brinquedos, como carrinhos, cubos, bichos de plástico; o destinado ao faz de conta, como casa da árvore, casa de boneca, cabana; o destinado a aventuras, como pontes entre as árvores, cavernas e buracos. É necessário pensarmos que a segurança dos pátios não pode tirar o desafio que se impõe nestes locais, tampouco o desafio deve oferecer perigo para as crianças. Pensar na organização dos espaços internos e externos das instituições de Educação Infantil é, antes de tudo, abrir-se para a magia e o encantamento das crianças, que, como diz o poeta Barros (2000) medem o tamanho das coisas com a intimidade que têm com elas.
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Referências
BARROS, M. Exercício de ser criança: poesias. São Paulo: Editora Salamandra, 2000. BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília, 2010. CARVALHO, M. C.; RUBIANO, M. B. A organização do espaço em instituições pré-escolares. In: OLIVEIRA, Z. M. R. (Org.). Educação infantil: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 1994. EDWARDS, C. et al. As cem linguagens da criança: a experiência de Reggio Emilia em transformação. Porto Alegre: Penso, 2016. EDWARDS, C. et al. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. FORNEIRO, L. I. A organização dos espaços na educação infantil. In: ZABALZA, M. A. Qualidade de educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2001. FORTUNATI, A. A abordagem de San Miniato para educação das crianças. Pisa: ETS, 2015. 55 As experiências cotidianas: os tempos, os espaços e os materiais
GOODSON, I. O currículo em mudança. Porto: Editora do Porto, 2001. HADDAD, L.; HORN, M. da G. Criança quer mais que espaço. Revista Educação, São Paulo, n. 1, 2010. HORN, M. da G. Sabores, cores, sons, aromas: a organização dos espaços na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2007. JAUME, M. A. O ambiente e a organização dos espaços. In: ARRIBAS, T. Educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004. MOYLÉS, J. Só brincar?. Porto Alegre: Artmed, 2002. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
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Documentação pedagógica na Educação Infantil Andrea de Souzai
i
Coordenadora técnica de Educação Infantil do Sesc-RS, pedagoga e psicopedagoga espe-
cialista em Educação Infantil.
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57 Documentação pedagógica na Educação Infantil
RESUMO
ABSTRACT
A fim de realizar a formação continuada das professoras em um formato que contemplasse as especificidades de cada um dos integrantes do grupo no registro e reflexão dos fazeres docentes e as relações e interações entre as crianças e adultos, a Escola de Educação Infantil de Carazinho iniciou, em outubro de 2012, uma metodologia de trabalho denominada “Escritas, olhares e escutas investigativas”. Os encontros semanais na escola para pensar, planejar e refletir sobre os fazeres da escola começaram a ser perpassados pelos registros e dados produzidos na observação e interação com as crianças. Nesse contexto, o registro apresenta-se como estratégia de avaliação sinalizando para a reflexão e amadurecimento do educador que se distancia da sua prática cotidiana atentando para as dificuldades presentes na sua realização, criando, desta forma, caminhos para torná-la melhor em um processo cíclico que consiste em planejar, registrar, avaliar, fazer e rever e também possibilitar a troca de práticas entre os profissionais, assim como se evidenciam as aprendizagens das crianças e o protagonismo do educador nesse contexto de escola que acredita em ambos como potentes e legitima este lugar ocupado pelas crianças e pelos adultos que nela convivem.
In order to develop the continuous training of female teachers in a format that encompasses the specificities of each member of the group in recording and reflecting upon the teaching actions and the relationships and interactions between children and adults, in October 2012, the Carazinho Preschool initiated a work methodology called “Investigative Writings, Listening and Looks”. The weekly meetings at the school, which had the goal of thinking, planning and reflecting upon the school’s actions, began receiving the influence of the records and data produced during the observation and interactions with the children. In this context, the record becomes an evaluation strategy that points to the reflection and maturity of the educators who distance themselves from their everyday practices and pay attention to the difficulties present in their development, thus creating ways to make those practices better, in a cyclical process that consists of planning, recording, evaluating, doing, reviewing, and enabling the exchange of practices among the professionals; the learning of the children and the important role of the educator become evident in this context of a school that believes that both the children and the educator are powerful, and legitimizes the place occupied by the children and adults who coexist within the school.
PALAVRAS-CHAVE: Documentação pedagógica. Formação continuada. Registros. Protagonismo. Planejar. Prática.
KEYWORDS: Teaching documentation. Continuous training. Records. Important role. Planning. Practice.
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Portfólios, arquivos biográficos e pareceres descritivos A documentação pedagógica é um importante instrumento metodológico. Conforme Marques (2012), é um instrumento que oferece a possibilidade de reflexão sobre a prática, apropriação da ação docente, sistematização do trabalho pedagógico e explicitação das escolhas dos professores. As maneiras de documentar, de utilizar os diferentes instrumentos que auxiliam no acompanhamento, no registro e na avaliação formativa das crianças e dos professores dependem das concepções de infância e de educação de cada escola e de cada rede. Nos estudos sobre documentação pedagógica somos, em grande parte, herdeiros da tradição italiana, em especial da experiência de Reggio Emilia.1 Para Marques e Almeida (2012, p. 444): A concepção de documentação na abordagem de Reggio Emilia, por exemplo, insere-se em uma proposta pedagógica mais ampla que considera a importância da escuta e da observação e vê as crianças como “competentes” e portadores de “cem linguagens”.2 58 Documentação pedagógica na Educação Infantil
Nas 18 Escolas de Educação Infantil do Sesc no Rio Grande do Sul, as atividades culturais, as de vivências de cidadania, integração com as famílias, educação corporal e educação para a saúde são planejadas pensando na criança como sujeito ativo de seu processo de conhecimento e procuram incentivar a transformação de conhecimentos espontâneos em científicos, bem como o desenvolvimento da curiosidade, criatividade, senso crítico, autonomia e vivências em grupo. Para documentar a diversidade de possibilidades que tal concepção produz nas escolas, as equipes da Educação Infantil do Sesc no Rio Grande do Sul podem optar por diferentes instrumentos como portfólios, arquivos biográficos e pareceres descritivos. Segundo as orientações do MEC (2005, 2009) e Barbosa (2009), Marques (2012), Shores (2001) e Zabalza (2004), as terminologias utilizadas para cada instrumento e suas especificidades são: Os portfólios têm a função de registrar e refletir o processo de produção de conhecimentos das crianças. Para acompanhar esse processo, os professores lançam mão de diversas formas de registro, como fotos, objetos e coleções. O professor pode fotografar todas as etapas de envolvimento das crianças na atividade e usar Reggio Emilia, região norte da Itália cuja rede de escolas infantis e creches (mais de 13 creches e 21 pré-escolas) contempla 40% da rede pública do município, com o apoio da Fundação Reggio Children e do Centro Internacional Loris Malaguzzi. Para saber mais, acesse: http://portal.aprendiz.uol.com.br/arquivo/2014/01/08/reggio-emilia-uma-cidade-educadora-da-primeira-infância/. Acesso em: 27 mar. 2016. 1
O sistema reggiano vê a criança como um ser forte, pensante, com visão própria de mundo, e aposta em todas as linguagens com as quais as crianças se comunicam, preceito defendido pelo fundador Lóris Malaguzzi. Cf. Gomes, 2012. 2
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essas fotos para compor o portfólio. As crianças também participam da escolha dos materiais que vão compor o portfólio e devem acessá-lo sempre que possível para recordar o que já foi feito e contribuir na sistematização de seus próprios conhecimentos. Ao propiciarem uma visão de conjunto das produções e dos processos vivenciados pelas crianças, o portfólio deve ser compartilhado com a família e toda a comunidade escolar. Não se trata de um agrupamento de materiais e produções, mas de escolhas afinadas com a atenção e cuidado que o professor e as crianças fazem em relação às vivências e aprendizagens. Instala-se aí o principal desafio para a utilização do portfólio: a observação e a articulação do trabalho pedagógico em todas as instâncias da vida na escola e também fora dela.
59 Documentação pedagógica na Educação Infantil
Os arquivos biográficos enfatizam a contextualização das vivências e aprendizagens por meio de pequenas histórias pessoais contadas pelas crianças com o auxílio dos registros diários das professoras e na coexistência dessas histórias com suas experiências escolares e aprendizagens. O desafio dos arquivos biográficos é: tornar única e especial a experiência de cada criança. Os pareceres descritivos avaliam a criança e o trabalho pedagógico. De maneira acolhedora e objetiva, relatam as experiências das crianças na escola, evidenciando que “não existe uma perspectiva classificatória, e sim um esforço para compreender como é possível proporcionar experiências instigantes e que favoreçam o desenvolvimento pleno de suas possibilidades” (MOURA, [20--?], p. 20). O desafio é: manter o olhar atento sobre a criança, buscando captar seus interesses, suas ações e reações para, a partir delas, planejar novas intervenções. Mas, então, qual instrumento escolher?
Qual instrumento escolher: uma questão que desafia Tomarei aqui a experiência vivida pela equipe do Sesquinho Carazinho (RS) durante 2012 e 2013 para ilustrar as escolhas possíveis de um grupo de professoras. A fim de realizar a formação continuada das Instrutoras Pedagógicas3 em um formato que contemplasse as especificidades de cada um dos integrantes do grupo no registro e reflexão dos fazeres docentes e as relações e interações entre as crianças e adultos, a Escola de Educação Infantil de Carazinho iniciou, em outubro de 2012, uma metodologia de trabalho denominada “Escritas, olhares e escutas 3
Função equivalente às professoras de turma.
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investigativas”. Os encontros semanais que eram promovidos na escola para pensar, planejar e refletir de maneira atenta e sensível sobre os fazeres da escola começou a passar pelos registros e dados produzidos na observação e interação com as crianças. As Instrutoras Pedagógicas foram convidadas a escolher como registrar o melhor meio de dar visibilidade para seu trabalho. Esses registros poderiam ser feitos em vídeos, fotografias, anotações das falas das crianças, escritas descritivas e narrativas diárias ou pontuais de uma determinada atividade, podendo ser breves ou contínuos. O importante é que, por meio dos registros, evidências, dúvidas, tentativas, condições fossem apresentadas e possibilitassem a problematização, o conhecimento e o compartilhamento dos fazeres e saberes de cada turma. Nos encontros semanais de formação, cada uma apresentava seu registro para o grupo, o modo como produziu seu material, o que objetivou nesse registro, as dificuldades que encontrou, as possibilidades de pensar e o que instigou a registrar determinado momento em detrimento de outro. As colegas poderiam colaborar fazendo observações, indicando as coisas que necessitassem de mais ênfase, pedindo mais informações, apoiando quando necessário; a supervisora atuava sinalizando a potência do material e as possíveis fragilidades, podendo contribuir com o grupo sugerindo leituras e autores que tivessem afinidade com o assunto. Esse laboratório de formação e seus registros utilizando a mesma ferramenta e as contribuições das colegas, assim como as reflexões que eram feitas a partir desses encontros, foram arquivados durante três semanas consecutivas. A partir da quarta semana, cada integrante teria de escolher outro modo de registro para iniciar outra sistematização dos saberes e fazeres que viesse se constituindo com o grupo de crianças. Ao final desse trabalho, mudanças nas formas de ver a documentação pedagógica apareceram por meio das falas da supervisora e das instrutoras: Quando me desafiei, enquanto supervisora da escola, a pensar sobre nossos registros e criar uma estratégia de formação em equipe que contemplasse as diferenças do grupo e também a singularidade, não tinha ideia da proporção que esse momento nos traria, da riqueza de aprendizagens e de principalmente reflexões. No nosso primeiro encontro senti muitas coisas, medo, insegurança e satisfação de ver cada uma das professoras falando sobre o que trouxeram, o porquê pensar sobre uma situação neste primeiro momento pontual. (ANA PAVIANI — supervisora pedagógica)
A fala da Luciana (instrutora pedagógica) do nosso primeiro encontro mostra o quanto, para ela, foi desafiador:
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Gostei muito da nova forma como fomos desafiadas a realizar nossos registros [...], penso que será muito válido para todas nós refletirmos, nos autoavaliarmos, vencermos nossas fraquezas e percorrermos um caminho de desafios. [...] é muito bom e importante compartilhar nossas angústias e conquistas...
Para Juliane (instrutora pedagógica) também foi um momento de reflexão, que ajudou a qualificar sua prática pedagógica com as crianças: [...] com certeza, mais um desafio para todas nós, pois será feito por nós e para nós, então terá [...] sentido para todas, nos permitindo conhecer melhor o trabalho de cada uma, aguçando nosso lado crítico e reflexivo sobre nossas práticas, contando nossa história.
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Beatriz (instrutora pedagógica), no início, de maneira confusa, aceitou a proposta: “Particularmente não me ficou muito clara a forma como iremos fazer estes registros, fico um pouco insegura em pensar que vou ler e mostrar a todos, mas por outro lado penso que, para poder ter segurança em fazer, este momento de trocas e conversas vai ser fundamental [...]”.
Documentação pedagógica: poderoso instrumento de autoconhecimento Cada vez mais aumentava o desejo e a necessidade de registrar para nutrir a memória, de recordar momentos, vivências e de elaborar nossas ações voltadas para a escola que buscamos, para alimentar a história desse grupo de crianças e de educadores. Esses registros foram capazes de provocar transformações na prática pedagógica delas enquanto sujeito educador que, ao narrar, fotografar, filmar, escrever e refletir sobre os próprios saberes e fazeres encontram a possibilidade de (res)significá-los. Em todas as formas de documentar a ação pedagógica, a atenção do professor, o olhar acurado interessado na criança e nas suas múltiplas linguagens e possibilidades de aprendizagem são o que intensificam o ato de registro e criação que é a docência na Educação Infantil. Os desafios dessas práticas servem de constante reflexão e mudança sobre os espaços, os tempos e as experiências infantis na Escola. Nos Sesquinhos (RS), o registro se torna fundamental em um processo em que a escuta e o olhar do professor são constantes, em que os pares trocam informações, conhecimentos, dúvidas e desejos, e cabe ao educador olhar com atenção para poder conhecer essas crianças
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e poder se conhecer e, a partir daí, refletir... Refletir é pensar e repensar. O registro confere concretude ao pensamento do professor, tornando-o, por conseguinte, material tangível e capaz de ser interpretado. Quando registramos nossa prática, criamos uma ferramenta de interlocução entre o que idealizamos e o que realizamos, o que nos permite refletir a respeito das ações na escola. Nesse contexto, o registro apresenta-se como estratégia de avaliação sinalizando para a reflexão e amadurecimento do educador que se distancia da sua prática cotidiana atentando para as dificuldades presentes na sua realização, criando, dessa maneira, caminhos para torná-la melhor em um processo cíclico que consiste em planejar, registrar, avaliar, fazer e rever e também possibilitar a troca de práticas entre os profissionais, assim como se evidenciam as aprendizagens das crianças e o protagonismo do educador nesse contexto de escola que acredita em ambos como potentes e legitima esse lugar ocupado pelas crianças e pelos adultos que nela convivem.
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O percurso de aprendizagem realizado pelas crianças e pelos professores com suas singularidades e especificidades, as dificuldades, as intervenções, as conquistas e os objetivos que ainda precisam ser atingidos devem ser compartilhados com as crianças e seus familiares. Para isso, é importante que os professores tenham clareza sobre as escolhas que fizeram com sua turma. O uso de qualquer instrumento de registro, documentação e avaliação exige análise e reflexão de todos os envolvidos no processo educativo. Essas escolhas podem ser definidas como uma coleção de produções, de informações sobre a criança ou como significativas documentações de um tempo de aprendizagens intensas e que evidenciam o desenvolvimento da criança em determinado período. Aos professores e suas equipes que aceitam os inúmeros desafios que fazem parte dessas escolhas, cabe experimentar, refletir, dominar o instrumento escolhido, usá-lo em primeiro lugar como uma forma também de autoconhecimento e de prática de docência, e com ele investir nas melhores maneiras de criar documentos que atestem a infância como este tempo de sujeitos ativos e capazes que produzem os seus conhecimentos.
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Referências
BARBOSA, M. C. S. B. (Consult.). Projeto de cooperação técnica MEC e UFRGS para a construção de orientações curriculares para a educação infantil: práticas cotidianas na educação infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curriculares. Brasília: Ministério da Educação, 2009. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2016. BRASIL. Secretaria de Educação a Distância. Programa de formação inicial para professores em exercício na educação infantil. Brasília, 2005. BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Indicadores da qualidade na educação infantil. Brasília, 2009. GOMES, P. As 100 linguagens das crianças. São Paulo: Portal Aprendiz, 2012. Disponível em: <http:// portal.aprendiz.uol.com.br/arquivo/2012/08/10/as-100-linguagens-das-criancas/>. Acesso em: 27 mar. 2016. HOFFMANN, J. Avaliação na pré-escola: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 1996. 63 Documentação pedagógica na Educação Infantil
MARQUES, A. C. T. L.; ALMEIDA, M. I. de A. A documentação pedagógica na abordagem italiana: apontamentos a partir de pesquisa bibliográfica. Rev. Diálogo Educacional, Curitiba, v. 12, n. 36, p. 441-458, maio/ago. 2012. MOURA, E. M. S. L. Metodologia e prática na educação infantil: a prática educativa. São Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, [20--?]. Disponível em: <http://periodicos.anhembi.br/arquivos/ Ebooks/420924.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2016. NOGUEIRA, P. R. Reggio Emilia: uma cidade educadora da primeira infância. São Paulo: Portal Aprendiz, 2014. Disponível em: <http://portal.aprendiz.uol.com.br/arquivo/2014/01/08/reggioemilia-uma-cidade-educadora-da-primeira-infancia/>. Acesso em: 27 mar. 2016. SHORES, E.; GRACE, C. Manual de portfólio: um guia passo a passo para o professor. Porto Alegre: Artmed, 2001. ZABALZA, M. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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Escola: um lugar de encontros, desafios e histórias Daniela Alves Pereirai
i
Formada em Pedagogia — habilitação em Pré-escola pela Universidade Federal de Santa
Maria, pós-graduada em Gestão Escolar pela Universidade Castelo Branco. Atua como supervisora pedagógica na Escola de Educação Infantil do Sesc Bagé (RS).
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65 Escola: um lugar de encontros, desafios e histórias
RESUMO
ABSTRACT
Os espaços e a maneira como os utilizávamos na nossa escola nos causavam grande desconforto, pois sabemos que eles não são neutros e revelam nossas escolhas. Sendo assim, foi necessário muito estudo, observações, erros e acertos, para então vivenciarmos um ambiente realmente significativo e de aprendizagem, o que nos levou a mais mudanças e a permitir que cada sala da escola possa ser explorada de maneira coletiva.
The spaces and the way we used to make use of them in our school were a cause of great discomfort to us, for we know they are not neutral, and they reveal our choices. Thus, a great deal of studying, observations, mistakes and wise decisions were required in order for us to be able to experience a truly significant learning environment, which lead to more changes and enabled each classroom to be explored collectively.
PALAVRAS-CHAVE: Ambientes. Infâncias. Vivências.
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KEYWORDS: Environments. Childhoods. Experiences.
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Reflexões acerca da prática: constituindo olhares sobre a infância Quando assumi o compromisso de ser coordenadora na escola de Educação Infantil do Sesc, onde até então era professora, sabia que precisaria reavaliar junto com a equipe a organização do espaço escolar como ambiente de aprendizagem e como elemento curricular (FORNEIRO, 2008). Esse passou a ser meu foco. Tracei então como principal objetivo a formação continuada dos professores, pois acreditava que com muitos estudos, observações, debates e trocas poderíamos refletir e qualificar as práticas docentes de modo que a organização do espaço não estivesse tão centralizada na figura do professor.
66 Escola: um lugar de encontros, desafios e histórias
Confiava que, pautadas em aportes teóricos significativos e estudos sobre a(s) infância(s), além de estarmos alicerçadas pela qualidade da proposta da escola, pelas demais escolas da rede e pela experiência da equipe técnica que temos tanto no Departamento Nacional1 quanto no Departamento Regional, estaríamos seguras para realizar as mudanças necessárias e garantir o sucesso de todo o nosso cotidiano junto aos alunos. Sabia que, quanto mais estudássemos, quanto mais lêssemos e conversássemos, mais segurança e entendimento as professoras teriam para agir e se apropriar das ideias que vinham surgindo. Adriana Klisys, Aldo Fortunati, Francesco Tonucci, Loris Malaguzzi, Madalena Freire, Lina Iglesias Forneiro, Maria da Graça Horn, Paulo Freire e Rubem Alves foram autores que nos embasamos e considero importante citar. Foi a partir desses encontros semanais de formação continuada que a equipe buscou subsídios para refletir e pensar maneiras de reverter uma questão que nos causava desconforto: a disposição, organização e exploração dos espaços. Tínhamos conhecimento de que os espaços evidenciam as intenções do professor e, ao entrar em qualquer uma das salas da nossa escola, as mesas e as cadeiras eram os elementos norteadores.
O Serviço Social do Comércio foi criado com o objetivo de atender as necessidades dos trabalhadores do comércio. Tem escolas em todos os estados do Brasil, com exceção de São Paulo. O Departamento Nacional é responsável pelo acompanhamento, pela orientação e pela formação das equipes de todas as escolas da rede. Cada estado tem um Departamento Regional que também atua na formação continuada de suas equipes. 1
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A reorganização dos espaços como ambientes de aprendizagem Os termos espaço e ambiente têm interpretações distintas em várias áreas de atuação e diferentes profissionais lidam com sua conceituação, porém, no campo da educação, corroboro com Forneiro (2008) quando conceitua que o termo “espaço” refere-se ao espaço físico, isto é, local para atividade, caracterizado por objetos, materiais de ensino, móveis e decoração. Por outro lado, o termo “ambiente” refere-se ao conjunto do espaço físico e as relações que nele se estabelecem (afetos, as inter-relações entre as crianças, entre crianças e adultos, entre crianças e sociedade como todo).
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O espaço escolar é também um educador, e tudo o que o compõe, como as formas, as escolhas, as paredes, a organização, os objetos, o que ele pode ou não proporcionar às crianças possui uma dimensão educativa. Desta forma, a organização dos ambientes precisa ser pensada evidenciando a construção, o planejamento, as intenções, a funcionalidade, a participação e interesse das crianças. Freire (1994, p. 96) nos diz que: O espaço é retrato da relação pedagógica, nele é que o nosso conviver vai sendo registrado, marcando nossas descobertas, nosso crescimento, nossas dúvidas. O espaço é o retrato da relação pedagógica porque registra, concretamente, através de sua arrumação (dos móveis...) e organização (dos materiais...) a maneira de viver esta relação.
Seguíamos um princípio de que a escola era um lugar onde a brincadeira fazia, sim, parte de um contexto, porém, mesmo sendo vista como um momento de aprendizados e/ou descobertas ou de simplesmente diversão, interação e puro prazer, ela era conduzida ou orientada pelo professor, tendo como guia principal o tempo e a organização de tarefas. A cada dia com mais intensidade as reflexões, as inquietações e os debates sobre a organização da nossa escola e de cada sala começaram a emergir, e a partir deste momento passamos a constatar e a nos questionar o que cada ambiente estava refletindo e o que acreditávamos que deveria mudar. Passamos, então, a investir em espaços de qualidade, assim como debatemos maneiras de pensar propostas que envolvessem a participação das crianças garantindo seu protagonismo. Toda a transformação exige não só coragem para sair da rotina, mas também muito conhecimento e sensibilidade, dessa maneira, todo esse
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movimento não foi fácil, mas foi gradativo. Inicialmente precisávamos nos despir de algumas práticas que até então vinham arraigadas desde que éramos alunos até quando nos constituíamos enquanto professores, e assim, por meio de estudos, leituras e conversas foi dado o primeiro passo: juntas concluímos que havia chegado o momento de as mesas abrirem espaços para outras possibilidades. A partir daí, tornamos nossos ambientes cada vez mais convidativos, acolhedores, instigantes, priorizando a interação e a construção coletiva de conhecimentos e que estes fossem marcados pelo encontro de diferentes pessoas, de pares, de emoções, sentimentos e sensações, pois todos os espaços da escola precisam ser vivos e vividos, contar trajetórias, revelar vidas e evidenciar infâncias.
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Para isso, começamos a buscar espaços onde o faz de conta estivesse sempre presente, onde as vivências de cada um fossem valorizadas, onde as culturas de cada grupo estivessem evidenciadas, espaços que dessem apoio aos movimentos das crianças e as trocas entre elas, incentivando assim a diversificação de ações e a autonomia, ou seja, não era uma questão apenas de adequar os espaços, mas também como o utilizávamos e como as crianças os desfrutariam. De acordo com Rossetti-Ferreira (apud HORN, 2004, p. 15): […] não basta a criança estar em um espaço organizado de modo a desafiar suas competências; é preciso que ela interaja com esse espaço para vivê-lo intencionalmente. Isso quer dizer que essas vivências, na realidade, estruturam-se em uma rede de relações e expressam-se em papéis que as crianças desempenham em um contexto no qual os móveis, os materiais, os rituais de rotina, a professora e a vida das crianças fora da escola interferem nessas vivências.
Realizar momentos diferenciados separando em pequenos grupos a mesma turma, estar atenta e ouvir as preferências das crianças, oportunizar liberdade de escolha, não trabalhar com todos ao mesmo tempo e fazendo a mesma coisa foram atitudes que aos poucos ganharam muita força, pois conforme os educadores ousavam tentar, percebiam que é possível pôr em prática tudo aquilo que a teoria aborda e, principalmente, que estavam no caminho certo para fazer educação de qualidade, significativa para as crianças, focada nas infâncias, na diversidade e nas relações. Assim, momentos de individualidade e coletividade vão acontecendo, e o educador tem a oportunidade de focar o olhar tanto para determinada criança quanto para grupos menores de crianças, pois o espaço provoca desafios e instiga ações em grupo, as quais passam a ser percebidas, refletidas, elaboradas, e são propostas novas atividades a partir do olhar atento do educador.
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O espaço é reconhecido e percebido pelas crianças como linguagem e, segundo Piaget apud Horn (2004, p. 15), “[...] a representação do espaço para a criança é uma construção internalizada a partir das ações e das manipulações sobre o ambiente espacial próximo do qual ela faz parte”. É imprescindível destacar que um passo de fundamental importância foi ouvirmos as crianças, entendermos e percebermos o que elas esperavam daquele lugar que era delas e para elas, quais eram seus anseios, suas sugestões e suas opiniões. Foi a partir dessas conversas que surgiram as ideias para construírem os primeiros cantos em cada sala, decidiram quais seriam, como seriam, o que deveria conter em cada um, de que forma estariam dispostos, enfim, participaram ativamente de todo o processo desde a idealização, passando pela construção até sua concretização, tornando-o ainda mais rico em possibilidades e convidativo a brincar.
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As professoras sempre foram “peças” importantes em todos esses momentos, por isso, conversávamos muito, líamos, estudávamos, colocávamos nossas conquistas e angústias para que juntas refletíssemos e reorganizássemos o que não estava dando certo e para que garantíssemos a continuidade do que estava sendo conquistado. Sempre fomos cientes de que o sucesso das propostas só se daria se todas educadoras estivessem seguras e envolvidas, ainda que respeitando as individualidades e o tempo de cada profissional. Tínhamos plena convicção da importância do papel de cada uma das educadoras ali junto com seu grupo, mediando, trocando, participando, observando e também entendendo o momento de não intervir ou de não ter uma participação direta na brincadeira. A mera oferta dos espaços, dos materiais ou dos brinquedos não seria suficiente, nós, enquanto educadores, precisamos nos dedicar por inteiro, estar disponíveis, revelar nossas intenções, refletir sobre as propostas, fazer com que a nossa presença durante as brincadeiras seja estimulante, agregadora e construtiva. Além disso, especialmente no período inicial da formação dos espaços, foi necessária muita sensibilidade e dedicação de cada professora, brincando junto, mostrando-se receptiva a aprender com as crianças e a compartilhar conhecimentos e resolução dos conflitos.
Entrelaçando relações de parceria Esse movimento acontecia em toda a escola ao mesmo tempo, e foi tão intenso que começamos a ganhar parceiros que, aos poucos, se aliaram ao nosso grupo trazendo materiais, sugestões, curiosidades, ensinamentos etc. Eram pessoas que
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conviviam conosco no dia a dia, funcionários do Sesc, pais, avós e demais familiares das crianças que chegavam diariamente trazendo contribuições. Além dos parceiros que estavam dentro da escola, começamos a buscar alguns estabelecimentos próximos à nossa unidade com a intenção de levarmos as crianças para visitar, incrementar e enriquecer ainda mais esses espaços e brincadeiras. Depois dos espaços pensados e inicialmente organizados, agendamos, de acordo com os cantos de cada turma, visitas a estes comércios (cabeleireiro, lanchonete, padaria, floricultura, pet shop, oficina, fruteira, lavanderia etc.), onde as crianças poderiam vivenciar um pouco do que acontece e ver como se organiza cada um desses lugares sociais.
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As famílias são sempre nossas parceiras e é de fundamental importância que participem e tomem conhecimento da proposta pedagógica, sendo assim, compreendem cada ação e se envolvem em cada novo canto que surge na escola. Elas participaram da reorganização dos espaços e da construção dos cantos, e costumam nos relatar com encantamento as experiências que as crianças vivenciam na escola. Também fizemos muitos momentos em que os professores entravam uns nas salas dos outros e focavam em todos os aspectos daquele espaço, era o olhar do outro sobre a prática pedagógica de cada um, e assim surgiam novos olhares, sugestões, trocas importantes e observações que haviam passado despercebidas.
Salas abertas: vivendo a escola em outra perspectiva Depois dos espaços organizados, passamos a perceber quantas experiências vividas as crianças retratam ao explorarem esses lugares e o quanto de situações do dia a dia, falas, atitudes, ações e reações são reveladas promovendo, nesses espaços, não só brincadeiras, mas também situações nas quais elas precisam pensar, raciocinar, compreender, bem como recriar situações cotidianas, construindo assim novos entendimentos. Foi então que, diante de todas essas vivências, possibilidades e oportunidades, outras questões começaram a inquietar nosso grupo de docentes. Além de percebermos diariamente a curiosidade das crianças com relação aos cantos das salas que não eram as deles, em nossos encontros começamos a debater e narrar a riqueza que esses ambientes estavam proporcionando para toda a escola, e então concordamos que vínhamos de uma rotina em que, durante todos os 200 dias le-
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tivos do ano, cada criança vivia o “mundo” da sua sala de aula, sua professora, sua estagiária, seus brinquedos e suas brincadeiras, seus pertences. Começamos a nos questionar como faríamos para que a criança de determinada turma pudesse explorar também o espaço de outra sala que lhes interessava.
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Inicialmente a proposta para o grupo de educadores foi a de um momento de “portas abertas”, em que deixaríamos todas as crianças da escola livres para ir à sala que desejassem, que interagissem com as crianças das outras turmas, que explorassem todos os mundos que cabem dentro da nossa escola. Em primeiro lugar, houve certa insegurança: Será que vai dar certo? E se virar bagunça? O que os pais vão pensar? Como vou conseguir acompanhar meus alunos se estarão distribuídos em vários espaços? As crianças vão estar livres e soltas pela escola? Algumas professoras acharam a ideia muito boa, outras nem tanto. Decidimos, então, que, assim como todo o processo inicial de mudança, esta também seria gradativa. Primeiro marcamos uma data em que, durante uma hora, cada professora permaneceria na sua sala mediando as ações das crianças que iam chegando, porém elas teriam total liberdade e autonomia para transitar em toda a escola, por onde tivessem desejo de ir. A proposta foi conversada, discutida e organizada com as crianças, que, claro, unanimemente, adoraram. O envolvimento do grupo de educadores fica ilustrado por este recorte do planejamento da professora Daniele Donatti Leal — Turma C2, que na época em que começamos essa proposta, ainda em 2011, fazia parte da equipe: [...] No meio desta tarde iremos propor um momento que posso chamar de mágico para as crianças e para nós educadoras. Durante uma hora, as crianças do Sesquinho irão circular por todos os espaços da escola livremente. As crianças explorarão tudo o que sempre tiveram vontade e que costumavam ver apenas através dos vidros que dividem as salas dos corredores. Essa proposta é um desafio para todos nós, pois à medida que vivenciamos, aprendemos e também poderemos refletir sobre o porque e como foi desenvolvida. Espero poder repeti-la várias vezes ao decorrer do ano, pois com certeza será um sucesso.
O que aconteceu na primeira experiência definitivamente não é possível descrever com fidelidade, pois o encantamento de cada um, o brilho, o entusiasmo, a alegria, a sensação de liberdade, a euforia, as expressões são vividas, portanto difíceis de ser narradas. Nesse curto espaço de tempo, pudemos presenciar os efeitos positivos que todas as mudanças causaram, as crianças se organizaram de
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tal modo que tudo fluiu naturalmente, evidenciando total autonomia enquanto transitavam e exploravam os espaços, demonstrando cuidado, respeito e pertencimento ao grupo. Nesse dia, a equipe se reuniu para avaliar a experiência e cada um refletiu e relatou sobre o momento. Assim como aconteceu com as crianças, os adultos tinham um encantador brilho no olhar, e todas, sem exceção, propuseram investir cada vez mais nessa proposta. Desde então, as famílias nos relatam que seus filhos falam com propriedade sobre as vivências em cada sala, sobre as descobertas e diversões em cada canto. Dizem também que seus filhos passaram a citar nomes de outros amigos da escola que não só os colegas da turma, falam das brincadeiras que fazem com todas as professoras, sobre os projetos que estão acontecendo e sobre a participação e responsabilidades de cada um.
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Desde o primeiro dia, no momento que chamamos de Salas Abertas, mantemos fechada apenas a porta de entrada que dá acesso ao corredor da escola, porém as portas de todas as salas ficam abertas de modo que as crianças possam circular, compartilhar e explorar o que desejarem. As possibilidades no corredor também vão surgindo: é um grupo que se reúne para conversar, outro que monta brinquedos, alguns sentados nos bancos que diariamente acolhem as famílias, além das mesas com os lanches que ficam expostos em forma de buffet ao alcance das crianças, que podem se servir enquanto brincam. Esses lanches são preparados a cada dia por um grupo de crianças, que anteriormente pensa junto o que irá compor a mesa, e no dia fica responsável por arrumar, organizar e servir os alimentos. Conforme fomos percebendo a necessidade e o desejo dos grupos, fomos aumentando a quantidade de vezes desses encontros, que hoje acontecem com a frequência mínima de um dia na semana. Os espaços de cada sala mudam sem um período definido e, na maior parte das vezes, não são apenas desfeitos, vão ganhando outros significados e se transformando gradativamente sem deixar um vazio. Na verdade eles compõem o ambiente, fazem parte de um contexto, não são apenas um canto isolado ou sem elo com os demais. Nesse período, desde que iniciamos a proposta em 2011 até hoje, fomos aprimorando-a e fortalecendo-a por meio das nossas observações, vivências, conversas
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na roda, ouvindo as crianças nos mais variados momentos e, principalmente, quando percebemos o envolvimento de cada criança com todo o processo. Dentro desse contexto, ressaltamos que cada sala conta a história de determinado grupo que habita aquele lugar, é um espaço que narra experiências e onde estão presentes produções, vivências, descobertas, interesses, provocações que movem aquela turma, porém cada criança desfruta de acordo com seu interesse um pouquinho de cada ambiente, assim como essas trocas oportunizaram que, de forma mais intensa, os projetos que estão acontecendo nas turmas instiguem a curiosidade das crianças que frequentam outra sala. Foram muitas as vezes que nos deparamos com uma delas buscando um amigo daquela sala para conversar motivado com o que estava presenciando e fazer questionamentos sobre o projeto que estava acontecendo ali. Houve também momentos que esse movimento foi tão intenso que as professoras acabaram organizando entre as turmas debates e apresentações para trocas significativas sobre esses projetos. 73 Escola: um lugar de encontros, desafios e histórias
Essas vivências relatadas só fazem com que nós, enquanto escola, continuemos a propor mais e mais esses e novos desafios, para por meio deles construir com os nossos pequenos, além de saberes, momentos marcantes e significativos em que eles desfrutam e compartilham a alegria de serem crianças.
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Referências
BARBOSA, A.; RIZOLLO, A; VASCONCELLOS, A. Organização do espaço e do tempo na educação infantil. In: GRAIDY, C.; KAERCHER, G. E. (Org.). Educação infantil: para que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2004. CARVALHO, S. P.; KLISYS, A.; AUGUSTO, S. Bem-vindo mundo!: criança, cultura e formação de educadores. São Paulo: Peirópolis, 2006. FORNEIRO, M. L. I. Observación y evaluación del ambiente de aprendizaje en Educación Infantil: dimensiones y variables a considerar. Revista Iberoamericana de Educación, España, n. 47, mayo/ ago. 2008. Disponível em: <http://www.rieoei.org/rie47a03.htm>. Acesso em: 14 dez. 2015. FORTUNA, T. Ra. O lugar do brincar na educação infantil. Revista Pátio Educação Infantil, Porto Alegre, n. 27, abr./maio 2011. FREIRE, M. Dois olhares ao espaço-ação na pré-escola. In: MORAIS, R. de. Sala de aula: que espaço é esse?. 7. ed. Campinas: Papirus, 1994. 74 Escola: um lugar de encontros, desafios e histórias
HORN, M. da G. de S. Sabores, cores, sons, aromas: a organização dos espaços na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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Espaços que encantam Luciana da Silva Costai Vanessa Cavalheiro Garciaii
i
Pedagoga, pós-graduada em Metodologia do Ensino Superior. Foi professora da Escola
do Sesc no Mato Grosso do Sul de 2006 a 2013 e atualmente é coordenadora pedagógica. ii
Assessora da Educação do Sesc no Mato Grosso do Sul desde 2012. É pedagoga e
psicopedagoga.
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RESUMO
ABSTRACT
O espaço escolar é visto como uma fonte de experiências e de aprendizagem. Ao longo do tempo, a ideia de construir espaços lúdicos em sala de aula tem sido ressignificada e enriquecida cada vez mais. Este texto apresenta um breve relato das experiências de como a organização desses espaços transformou as Escolas de Educação Infantil do Sesc no Mato Grosso do Sul, encantando e desenvolvendo as aprendizagens de nossos alunos de 3 a 5 anos.
The school environment is perceived as a source of experiences and of learning. Throughout time, the idea of developing playful environments in the classroom has been ever more resignified and enriched. This text presents a brief report of the experiences of the way in which the organization of these environments transformed the Sesc Preschools in the state of Mato Grosso do Sul, delighting people and developing the learning abilities of our students, who are aged between 3 and 5 years.
PALAVRAS-CHAVE: Organização do Espaço. Educação Infantil. Ambiente escolar. Lúdico. Aprendizagem significativa. Espaços lúdicos.
KEYWORDS: Organization of spaces. Children’s education. School environment. Playful. Significant learning. Playful spaces.
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Como professores e alunos transformaram as salas da Educação Infantil O ambiente escolar na Educação Infantil — caracterizado como um espaço lúdico — é um dos lugares que permitem exercitar o convívio, a interação, a cooperação, a socialização, o respeito, o aprendizado, entre outras habilidades. A estrutura física da escola, assim como sua organização, manutenção e segurança, revela muito sobre a vida que ali se desenvolve e o que temos a oferecer aos nossos alunos.
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Quando pensamos em organizar os espaços lúdicos na escola, temos o intuito de favorecer sempre o aprendizado, fazendo com que os pequenos aprendizes possam se sentir confortáveis, confiantes e consigam reconhecê-lo como um lugar que lhes pertence. Mas como organizar esse ambiente de maneira que os professores o utilizem a favor da aprendizagem? Em que momento se organiza? Quem organiza? O professor sozinho ou com os alunos? Essas foram as principais indagações que os professores das Escolas do Sesc no Mato Grosso do Sul fizeram quando foi sugerido a reorganização da sala de aula, incorporando os espaços lúdicos permanentes. Vale ressaltar que a ludicidade sempre esteve presente em nossas escolas, porém havia momentos específicos para a brincadeira começar, com hora marcada. Ao término da brincadeira, a magia dos espaços de faz de conta dava lugar às salas de aula, como comumente são organizadas na escola infantil. De fato, tudo o que é novo causa certa insegurança, os professores questionavam se daria certo organizar as salas com espaços lúdicos de aprendizagem nos quais as crianças pudessem participar todos os dias, de maneira mais autônoma. Mas e se elas não quisessem fazer as atividades previstas? E se quisessem “apenas brincar”? Porém, era necessário promover mais situações nas quais meninos e meninas pudessem realmente vivenciar experiências significativas na troca com seus pares, usufruindo de um espaço pensado com eles e para eles. A partir de todas essas reflexões, a primeira experiência com os espaços lúdicos foi interessante, mas ao mesmo tempo gerou certa inquietação por parte dos professores. Pois eles já haviam organizado cantos de “cozinha”, “fantasias”, do “jogo”,
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sempre um canto por sala. Mas para os alunos não foi novidade a não ser pelo fato de que desta vez os objetos não seriam guardados após a brincadeira terminar. Logo perderam interesse pelo canto.
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Segundo Faria (1997), “a organização do espaço físico deve levar em consideração todas as dimensões humanas potencializadas nas crianças: o imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo, o cognitivo etc. [...]”. Sendo assim, para redefinir o espaço a ser utilizado, os professores analisaram o espaço físico da sala, observando se o local pensado favorecia o autoconhecimento, a autonomia e a interação. Analisaram a qualidade dos materiais escolhidos, bem como a disposição do mobiliário da sala, pensando nas condições de mobilidade, na estética da sala e, principalmente, na versatilidade do espaço (polivalência). Após muitas discussões, os professores chegaram à conclusão de que um espaço polivalente, que pode se transformar em muitos outros, poderia abarcar melhor os reais interesses das crianças e seu imaginário fértil em possibilidades. Além disso, avaliaram que a montagem de um canto de faz de conta fixo deixaria a sala de aula poluída e pouco atrativa, já que permaneceria imutável por muito tempo. Esse momento de reflexão foi crucial para que a proposta dos espaços lúdicos fosse realmente vivenciada nas salas de aula da Educação Infantil de nossas escolas. O entendimento do canto de faz de conta como espaço lúdico repleto de possibilidades de encontro e conhecimento determinou que os professores passassem a vê-lo como um local onde as crianças poderiam desenvolver as habilidades cognitivas, afetivas, sociais e culturais por meio da ludicidade. Partindo dos projetos realizados nas turmas, os professores envolveram os pequenos no processo de redefinição do espaço, planejando juntos, passo a passo, as ações da construção, dividindo as tarefas nas quais cada um pudesse contribuir, despertando, assim, o sentimento de pertencimento àquela sala, àquele grupo. Além da brincadeira, que o espaço convidava, muitas atividades foram pensadas e realizadas junto com a professora, como as anotações dos pedidos dos clientes (exercendo a função da escrita) e as situações de compra e venda (desenvolvendo as noções matemáticas e a função social dos números). Já mais seguros e adaptados às mudanças nas salas de aula, a ludicidade expandiu para outros espaços da escola, envolvendo toda a comunidade escolar.
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O refeitório de repente se transformou no salão de banquete do rei, pois a turma estudava os castelos medievais. A curiosidade sobre as viagens interplanetárias deu origem a um foguete que saía da sala e aterrissava no parque, envolvendo todos na brincadeira. Sem dúvida a rotina em nossa escola havia sido alterada. Criançada mais feliz e adultos mais contagiados e empenhados em conhecer as temáticas de interesse infantil, para construírem coletivamente ambientes lúdicos significativos, repletos de possibilidades de conhecimento. Tanto que os espaços criados algumas vezes despertavam a curiosidade pelo saber científico originando projetos ou sequências didáticas.
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Durante o processo de construção dos espaços lúdicos, as famílias também foram envolvidas doando objetos que remetessem aos contextos de jogos simbólicos criados, ou ainda participando da brincadeira contando suas experiências. Cito o exemplo da Relojoaria das crianças de 5 anos, que contou com os preciosos conhecimentos do avô relojoeiro de uma delas. A sua participação contribuiu enormemente para o conhecimento das crianças acerca da curiosidade que tinham sobre o funcionamento de relógios. Outros espaços foram construídos e reconstruídos durante a brincadeira. Não havia limite para os professores e os alunos. Aquele único canto de faz de conta, tímido e simples da sala, agora era um ou mais espaços de múltiplas aprendizagens. Sem tempo determinado para desmontá-los. O tempo passou a ser determinado pelo interesse dos alunos.
A aprendizagem significativa por meio da ludicidade O desenvolvimento infantil se dá nas trocas entre parceiros sociais, por meio de processos de interação e mediação. Consiste em uma sequência de transformações progressivas resultando na adaptação, construção da aprendizagem e socialização deste indivíduo. Trabalhar com os espaços lúdicos permite que a criança desenvolva a sua autonomia, sua criatividade, aprendendo a compartilhar e como lidar com conflitos e frustrações inerentes a qualquer trajetória de vida. Nesses espaços, os pequenos iniciantes na vida, além de aprimorar sua formação pessoal e social, se apropriam de muitos conhecimentos de mundo: passam
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a se conscientizar da função social da escrita e dos números, adquirem noções de planejamento, aprendem a organizar suas ações no tempo e no espaço. Por isso, a escolha dos contextos para o jogo simbólico deve ser significativa para as crianças de maneira que o interesse esteja relacionado com o brincar, o conhecer, o explorar e o aprender. Mas, para que isso aconteça de fato, é preciso que o professor esteja aberto a novas possibilidades que envolvam o ensinar e o aprender. A escola não é só das crianças nem só dos adultos, e sim de todos que dela participam.
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Referências
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Formação continuada em serviço: uma experiência com educadores do Sesc no Tocantins Kelma Régia da Silva Oliveirai
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Licenciada em Pedagogia, especialista em Supervisão e Orientação Escolar e Gestão de
Pessoas, coordenadora de Educação no Sesc no Tocantins.
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RESUMO
ABSTRACT
Este artigo tem por objetivo apresentar reflexões sobre a formação de educadores do Departamento Regional do Sesc no Tocantins, partindo do pressuposto de que os processos de ensino precisam constantemente ser ressignificados, o que ocorre quando há reflexão sobre a prática à luz das teorias que, por sua vez, são fomentadas nas ações de formação continuada em serviço.
The article has the goal of presenting the reflections about the training of the educators of Sesc’s Regional Department in the state of Tocantins, considering the presupposition that the teaching processes must be constantly resignified, which happens whenever there is a reflection upon the practices, taking under consideration the theories, which, in turn, are stimulated in the continuous training in service actions.
PALAVRAS-CHAVE: Formação. Educadores.
KEYWORDS: Training. Educators.
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Pensar a escola do século 21 exige, obrigatoriamente, pensar o mundo e suas transformações nas dimensões sociais, políticas, culturais e econômicas que influenciam na formação dos sujeitos sociais que compõem essa escola. O fato é que o mundo mudou, as pessoas mudaram, os avanços tecnológicos contribuíram para formação de uma nova sociedade, e, portanto, cabe à escola se reconhecer nesse contexto para propor processos pedagógicos coerentes com as transformações advindas do século.
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Todavia, um projeto pedagógico que contribua para a formação de sujeitos sociais criativos, potentes, críticos e protagonistas requer professores que também sejam inovadores, competentes, criativos, potentes e protagonistas em sua ação docente, caso contrário, poderá ser apenas mais um discurso progressista com práticas retrógradas e alienantes que pouco contribuem com as demandas da sociedade contemporânea. Nessa perspectiva, Mosé (2012) fala que o mundo contemporâneo nos impõe questões complexas, onde vivemos em rede, e a palavra mais pronunciada, provavelmente, é conexão. Mas professores e alunos continuam apertando botões na linha de montagem de uma fábrica em extinção. E tratando-se dos profissionais que atuam nas escolas do Sesc no Tocantins não poderia ser diferente, uma vez que, em sua maioria, são fruto de uma formação deficiente com poucos estímulos para o desenvolvimento de competências e habilidades fundamentais para o exercício da docência em uma perspectiva sociointeracionista. Tal realidade desafia a equipe da Coordenação Regional de Educação a assumir os processos de formação individual e coletiva dos educadores, por entender que somente por meio da formação continuada em serviço podemos aproximar a prática das nossas escolas ao discurso explicitado nas Propostas Pedagógicas de cada segmento em que atuamos no regional. O que se pretende neste texto é compartilhar as experiências da Coordenação Regional de Educação do Sesc no Tocantins com a formação de professores e orientadores pedagógicos de suas sete escolas no Departamento Regional do Sesc que atuam com Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos de 1o e 3o segmento, Projeto Habilidades de Estudo1 e pré-vestibular, ao longo de um ano letivo, na assertiva de provocar a reflexão sobre um dos elementos fundamentais para os avanços da escola, que é a formação docente. Projeto Habilidades de Estudo — ações educativas voltadas para alunos do Ensino Fundamental no contraturno escolar. 1
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O que determina nossos caminhos e contextos
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O trabalho com a formação de educadores envolve certo nível de complexidade que requer análise das realidades como ponto de partida para se projetar ações de curto, médio e longo prazo. Logo, como formadores das equipes, buscamos o levantamento de dados quantitativamente e qualitativamente que evidencia o perfil dos profissionais que compõem os grupos, assim como sua trajetória profissional, seus saberes constituídos, as principais dificuldades na docência e/ou na gestão de processos pedagógicos, os hábitos de leitura, as ações de formação/capacitação que já participaram, o tempo de contratação no Sesc, entre outros. Por conta disso, comungamos com Tardif (2014, p. 18) quando diz que o saber dos professores é plural, compósito, heterogêneo, porque envolve, no exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diverso, provenientes de fontes variadas e, provavelmente, de natureza diferente. Para nós, revelar esses saberes e suas trajetórias de construção são determinantes para pensarmos os caminhos que poderão ser percorridos a partir deles. As informações coletadas por meio desse levantamento foram fundamentais para compreensão da dimensão da nossa atuação como formadores desses profissionais, uma vez que tínhamos evidências das demandas na atuação dos professores e orientadores pedagógicos. Os dados qualitativos se basearam nas diversas visitas técnicas às escolas com o intuito de observar a rotina, analisar documentos, registros do cotidiano, diálogos com educadores para compreensão das dificuldades, sempre na perspectiva de identificar quais eram as potências e as questões que mereciam maior atenção em cada grupo. No segundo momento, buscamos referencial teórico que desse sustentação aos caminhos que decidiríamos seguir para atuar nas diversas e desafiadoras frentes de trabalho. Os autores e documentos consultados, necessariamente, careceram de dialogar com a concepção de formação continuada da equipe de formadores, a exemplo do que trata a Proposta Pedagógica do Ensino Fundamental (SESC, 2001, p. 184), quando diz que a escola será sempre uma organização aprendente e deve valorizar os saberes que ali se constroem. As ações de formação devem ser realizadas contribuindo para que o docente possa interagir com a realidade na qual está inserido e com o grupo escolar, partilhando experiências, discussões, e buscar atualizar seus conhecimentos construídos, inserindo-se em um contexto interdisciplinar.
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Portanto, nossos apoiadores nesse diálogo foram Tardif (2014, p. 11), que fala do saber dos professores como um saber deles, com sua experiência de vida, com sua trajetória profissional e com suas interações com os alunos; Schön (2000, p. 36), enfatizando que a formação do profissional reflexivo exige um pensar crítico sobre a prática. Valorizando a prática profissional como momento de construção de conhecimento, por meio da reflexão, análise e problematização da prática; e Nóvoa (1992, p. 25) compreendendo que formação sugere envolvimento e investimento articulando a autonomia e a iniciativa do professor. Baseando-se nas necessidades dos sujeitos e nos contextos educativos. Além disso, os documentos que alicerçam nossas ações, as Propostas Pedagógicas de cada segmento (SESC, 1997; SESC, 2001), as Diretrizes para o quinquênio (SESC, 2010), o Referencial para formação de professores (BRASIL, 2002) e os Materiais de formação de professores do salto para o futuro (BRASIL, 2008) foram primordiais para alinhar nossas escolhas. 88 Formação continuada em serviço: uma experiência com educadores do Sesc no Tocantins
As estratégias formativas Apropriados das intenções com a formação continuada em serviço, propomos ações comprometidas com desenvolver o potencial dos colaboradores em consonância às demandas da instituição; alinhar nossas ações à Base Estratégica do Departamento Regional do Sesc no Tocantins: Missão, Visão, Valores, e às Diretrizes para o quinquênio;2 tornar-se referência no estado do Tocantins pela excelência dos serviços prestados nas ações de educação; construção de uma cultura de troca de experiências entre os pares; disseminar uma cultura investigativa acerca de novos saberes e novos fazeres; aprofundar e dar continuidade aos conhecimentos que os educadores já possuem. Essa clareza de intenções nos permite fazer escolhas estratégicas na formação das equipes, definindo ações que garantam as demandas individuais e coletivas de professores e de orientadores pedagógicos, considerando o que apresenta Freire (2008) quando fala que não existe prática sem teoria, e também não existe teoria que não tenha nascido de uma prática. Porque, segundo a autora, o que importa é que a reflexão seja um instrumento dinamizador entre prática e teoria. Mas não basta só pensar, é crucial que a reflexão nos conduza a uma ação transformadora que nos comprometa com nossos desejos, nossas opções. Diretrizes para o quinquênio 2011-2015, orientações que direcionam as ações do Sesc em todo sistema federativo.
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Assim, desenvolvemos ações ao longo de todo o ano letivo de 2013 e 2014 considerando os propósitos: Propósito
Ações
Fomentar o caráter científico
Semana Pedagógica, cursos presenciais, cursos on-line
Acompanhar o percurso dos grupos
Visitas de acompanhamento pedagógico, encontros individuais, diálogos pedagógicos a distância, reuniões técnicas
Ampliar referências
Visitas técnicas, cursos/eventos em outros estados
Compreender os objetivos dos segmentos
Ações de cooperação técnica (Departamento Nacional), estudos com grupos específicos
89 Formação continuada em serviço: uma experiência com educadores do Sesc no Tocantins
Quadro 1: Ações de formação realizadas ao longo de um ano letivo com professores e orientadores pedagógicos. Fonte: Autor
E foram realizadas ações que tratamos como “novas possibilidades formativas”, tais como: Possibilidades
Formação com grupos específicos
Skype, Hangouts, Whatsapp
Reuniões técnicas e estudos específicos
Formação coletiva
Moodle
Fóruns de discussão
Formações individuais
Malote, e-mail, telefone, registro reflexivo da orientadora
Análise por amostragem de evidências da prática com devolutiva; diálogos com registro
Formações específicas in loco
Centros de estudos
Encontros para estudo específico com educadores de um determinado segmento
Quadro 2: Novas estratégias formativas com professores e orientadores pedagógicos. Fonte: Autor
Todas as ações foram realizadas pela equipe da Coordenação Regional de Educação em diferentes momentos do ano, considerando as necessidades do coletivo e as demandas específicas de cada grupo.
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Como meio de ampliar nossa atuação na formação dos educadores, propomos, a partir de 2015, definir como meta a formação dos orientadores pedagógicos, por meio de ações individuais; o aprimoramento do registro das formações; o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação, colocando-as a serviço dos processos formativos. Além disso, encorajar a autoformação como condição para torná-lo protagonista do seu percurso profissional.
Desenlace do percurso formador
90 Formação continuada em serviço: uma experiência com educadores do Sesc no Tocantins
Embora tenhamos ações consistentes no âmbito da formação de educadores, e expressivos avanços nos processos de ensino e de aprendizagem das escolas, temos clareza dos desafios que ainda se apresentam. Entendemos que elementos essenciais como o tempo, a periodicidade e a profundidade das ações propostas aos educadores poderão, em diferentes momentos, torná-los profissionais mais inteiros, sujeitos de sua própria ação. Obviamente, as reflexões apresentadas aqui apontam para necessidade de uma gestão regional da educação que disponha de pessoal capacitado para apoiá-la no acompanhamento e no desenvolvimento das equipes, considerando as reais necessidades dos grupos por meio de uma visão sistêmica e estratégica, de outro modo, a efetiva formação continuada em serviço poderá se dar de maneira mais complexa.
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Referências
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Referencial para formação de professores. Brasília, 2002. BRASIL. Secretaria de Educação à Distância. O corpo na escola. Salto para o Futuro, Rio de Janeiro, ano 18, n. 4, abr. 2008. Disponível em: <http://cdnbi.tvescola.org.br/resources/VMSResources/ contents/document/publicationsSeries/181924Corponaescola.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2012. FREIRE, M. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008. MOSÉ, V. A escola e os desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. NÓVOA, A. Formação de professores e formação docente. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. SESC. Departamento Nacional. Diretrizes do quinquênio: 2011-2015. Rio de Janeiro, 2010. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação fundamental no Sesc. Rio de Janeiro, 2001. 91 Formação continuada em serviço: uma experiência com educadores do Sesc no Tocantins
SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil no Sesc. Rio de Janeiro, 1997. SESC. Departamento Regional do Tocantins. Plano estratégico 2011-2015. Palmas, 2010. SHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014.
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Formação de gestores educacionais: um convite aos processos coletivos Amanda Lopes Sampaioi
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Graduada em Pedagogia, com especialização em Gestão Escolar. Atua na Educação como
professora, desde 2000, e como gestora, em diversos setores, desde 2005.
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93 Formação de gestores educacionais: um convite aos processos coletivos
RESUMO
ABSTRACT
O presente texto tem por objetivo apresentar o processo formativo dos gestores de Educação Básica das escolas do Sesc no Distrito Federal, registrando a rica trajetória de construção coletiva em busca da consolidação das diretrizes emanadas da proposta pedagógica e das diretrizes institucionais, o que exigiu constante avaliação e retomada das propostas pedagógicas do Departamento Nacional do Sesc, bem como dos planejamentos com base nas necessidades específicas das equipes e na participação dos professores.
This text has the goal of presenting the training process of the managers of the Preschool to High School Education in Sesc schools in Brazil’s Federal District, recording the rich trajectory of collective development with the goal of consolidating the guidelines originated from the teaching proposal and the institutional guidelines, and that required a constant evaluation and a reconsideration of the teaching proposals of Sesc’s National Department, as well as the plans based on the specific needs of the teams and on the participation of the teachers.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Formativo. Gestores. Consolidação. Diretrizes. Necessidades. Participação.
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KEYWORDS: Training Process. Managers. Consolidation. Guidelines. Needs. Participation.
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Ao longo do meu processo de formação acadêmica trabalhei em uma escola pública, o que me permitia aplicar o que aprendia na graduação de pedagogia e assim tentar estabelecer relações entre a teoria e a prática. Esse movimento fez-me perceber a práxis pedagógica dentro do contexto escolar. A partir dessa interação, tive a oportunidade de conhecer a rotina de uma sala de aula e desempenhar funções como coordenadora e diretora de escola. Minha experiência em gestão pública no âmbito escolar e administrativo levou-me a aprofundar temas como identificação do público, indicadores de qualidade, legislação e formação de professores. Ao entrar no Sesc no Distrito Federal, outro universo se abriu: pude conhecer o funcionamento de uma instituição social e privada e suas características tão peculiares, bem como traçar um paralelo quanto à autonomia no que diz respeito às questões de ordem pedagógica e administrativa.
94 Formação de gestores educacionais: um convite aos processos coletivos
Tive a oportunidade de vivenciar, dentro do Sesc no Distrito Federal, as funções de coordenadora e diretora, funções estas ligadas às unidades escolares, lidando diretamente com as pessoas que atendemos: alunos, famílias e professores. Pude viver a rotina desses cargos que, posteriormente, acompanharia de outra maneira, agora como Coordenadora Regional na Coordenação de Educação Infantil e Ensino Fundamental (Coedi).1 O Sesc no Distrito Federal é formado por dez unidades, dentre as quais cinco têm escolas com Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. O principal desafio da Coedi é acompanhar o trabalho pedagógico e tentar contribuir para seu sucesso. Desse modo, acredito que ter vivido aquelas experiências, dentro e fora do Sesc, permitiu-me ter mais subsídios no momento de construção do processo de formação dos gestores das escolas do Sesc no Distrito Federal.
Ações da gestão escolar e trabalho coletivo Gerir processos em educação perpassa pela gestão de pessoas e relações humanas, logo, mexe com respeito, confiança e autonomia. O processo de formação de um gestor deve valorizar, primordialmente, as relações e os princípios institucionais, pois não estamos em uma ilha. Com base nos princípios norteamos todas as ações, inclusive as ações da gestão escolar. A Coedi fica na administração do Sesc no Distrito Federal, em Brasília.
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Em 2013, assim que assumi o trabalho na Coedi, passei pelo processo de formação nas cinco escolas2 do Distrito Federal. Nossa primeira ação foi realizar reuniões e visitas sistemáticas com a equipe diretiva das escolas (coordenadores, orientadores e diretores pedagógicos). Essas reuniões tinham como objetivo entender os processos internos de cada escola e fazer um diagnóstico das principais dificuldades pontuais encontradas. Os elementos a serem analisados vieram das necessidades que foram surgindo ao longo do ano letivo, tais como reuniões de pais, atendimentos às famílias, planejamento dos professores, relatórios de aprendizagem, processo de avaliação, entrada e saída de alunos, procedimentos de segurança para os alunos, lista de material, projetos literários, escolha de material pedagógico e retomada de estudo da proposta pedagógica e currículo.
95 Formação de gestores educacionais: um convite aos processos coletivos
A partir desse processo de reuniões com as escolas, podemos perceber que precisávamos, enquanto equipe (diretores pedagógicos, coordenadores, orientadores e professores), afinar os discursos e alguns procedimentos entre as escolas da rede Sesc no Distrito Federal. Esse trabalho já havia sido iniciado na gestão anterior da Coedi, porém não havia sido concluído em termos de organização. Tínhamos claro que a Coordenação Regional tinha como papel propiciar esse tipo de momento quando o diálogo pudesse fluir positivamente de modo a contribuir para o coletivo, pois segundo Lück (2011, p. 83), “a abordagem da gestão participativa pode trazer benefícios significativos para as escolas em que a gestão das pessoas se dê de tal modo que encoraje tanto a criatividade como o trabalho em equipe, a resolução de desafios cotidianos”. Então, junto com as equipes diretivas das unidades, pensamos em como seria retomar o trabalho de organização do trabalho pedagógico em termos gerais. Nesses encontros sempre tínhamos a preocupação de fazer os registros de modo a não perder o ponto de onde paramos no momento anterior. Do mesmo modo, sempre aproveitávamos para fazer leituras pertinentes ao tema para subsidiar nossa fala. No fim de 2013 percebemos que a equipe diretiva tinha crescido muito e amadurecido no sentido de entender questões pertinentes aos procedimentos de gestão. Foi também ao longo de 2013 que percebemos a necessidade de ampliar as discussões e nos aprofundar mais nas questões pedagógicas do que nas pessoais. O trabalho com as relações é importante, porém, quando estamos seguros do encaminhamento pedagógico e de seus princípios, consequentemente temos menos problemas de relações interpessoais, pois nos balizamos pelos princípios e pelos Sesc Ler Samambaia, EduSesc Taguatinga, EduSesc Gama, EduSesc Ceilândia e Sesc Presidente Dutra.
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documentos que norteiam nossas ações, e assim muitas coisas vão se ajustando. Discutir processos pedagógicos sem a presença dos professores começou a nos parecer infrutífero. Os professores conhecem profundamente a prática e a rotina escolar, sendo assim, organizamos encontros onde atuariam como autores e participantes diretos nas discussões e nos debates acerca dos temas tratados. A dificuldade inicial seria pensar em viabilizar esses encontros de modo a atender a demanda de carga horária, sem ferir as diretrizes institucionais e a legislação.
96 Formação de gestores educacionais: um convite aos processos coletivos
No primeiro semestre de 2014, após a avaliação das atividades de 2013, percebemos que esses momentos com a participação dos professores deveriam acontecer de maneira mais sistemática. Elaboramos uma agenda com encontros por segmento de ensino para pensarmos juntos em assuntos que, para a equipe diretiva, eram considerados dificuldades a serem superadas, como: na Educação Infantil, os relatórios de aprendizagem; no Ensino Fundamental, o processo de transição da primeira para a segunda etapa; e no Ensino Médio, a avaliação com foco no processo e não apenas nas seleções e nos vestibulares. Nos grupos, com base nos documentos Proposta Pedagógica da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), Propostas Pedagógicas do Sesc Departamento Nacional e do Regimento Escolar conseguimos afinar nossos procedimentos e discursos a respeito dos temas abordados. Segundo Imbernón (2009), esses grupos configuram como uma “comunidade de prática”, quando professores trocam experiências, refletem e aprendem entre si sobre sua prática. Ao final de cada processo de encontro e debate com os professores de todas as unidades, elaborava-se um documento, um registro bem detalhado das ações e dos passos para a construção dos documentos pedagógicos. No segundo semestre foi aberto espaço para que os professores pudessem compartilhar suas experiências com os colegas de trabalho de outras escolas. Esse momento nunca havia acontecido no Sesc no Distrito Federal e foi muito importante para o trabalho e o reconhecimento da equipe. A troca de experiências entre os professores é muito interessante, pois é a construção de um momento formal de escuta e fala, mas que também pode nos aproximar sob o ponto de vista pessoal, pois de acordo com Pacheco (2013, p. 145-146) “o indivíduo que se questiona necessita confirmação do outro para ser reconhecido e existir, mas sem que o outro o prive da possibilidade última de recusar a própria experiência”. Percebemos, nitidamente, a necessidade dos professores de exporem ideias e conceitos. As discussões serviram para que pudessem validar e repensar
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sua prática. Podemos dizer que foram momentos de aprendizagem e ensino, pois quando falo da minha prática também repenso sobre ela. E isso vale também para a equipe diretiva e a coordenação regional. Com o envolvimento dos professores nesse processo percebemos mudanças no comprometimento da equipe de coordenadores, diretores e coordenação regional no que diz respeito ao trabalho realizado no coletivo. Rios (2011, p. 79) afirma que “é a partir do educador que temos que vamos caminhar para o educador que queremos ter”. Nossas mediações durante as discussões passaram a estar sempre buscando retomar as reflexões a partir dos documentos pedagógicos, como estratégias para melhorar a comunicação entre escola e família, aulas mais dinâmicas, uso dos espaços escolares de modo a melhorar os processos de ensino e de aprendizagem, utilização de materiais diversificados nas aulas, envolvimento dos alunos nos projetos pedagógicos. 97 Formação de gestores educacionais: um convite aos processos coletivos
Outro aspecto que sofreu modificações muito significativas foi a rotina nas escolas. Vale lembrar que as visitas periódicas a cada unidade eram, e são, momentos fundamentais de aproximação entre a coordenação regional, a local e os professores. Aproveitamos essas visitas para conversar com professores, apoiar as direções em questões relativas às suas especificidades tanto de ordem pedagógica quanto administrativa, vivenciar a escola, inclusive estar mais próximo dos alunos e das famílias e conhecer, junto com as direções e coordenações, o perfil da comunidade e as dificuldades inerentes à região e ao público. Nesses momentos conseguimos identificar temas que vão subsidiar nossos encontros pedagógicos e projetos futuros para a educação do Sesc no Distrito Federal.
Em processo sempre Em 2015, a partir da avaliação do trabalho de 2014, repensamos o planejamento ampliando encontros com os professores (três por semestre, antes era apenas um) modificando a estrutura de reuniões dos coordenadores (momentos coletivos e por segmento de atuação). Pensamos também em perspectivas de formação continuada relacionados à prática pedagógica. Para esses momentos contamos com a coautoria dos professores no processo pedagógico, na realização do diagnóstico das dificuldades pedagógicas e na área de formação. Por segmento, definiram o planejamento de 2015 com compromissos
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a serem cumpridos a partir das necessidades apontadas. Esse processo exigiu dos professores debate e construção de um documento denominado Ação Coletiva. A ideia é que possamos, ao final do ano, retomar os compromissos estabelecidos nesse documento e refletir sobre as ações, avaliar as necessidades apontadas e verificar se as estratégias escolhidas fizeram com que alcançassem seus objetivos. Aproveitando os momentos de troca de experiências, que foram ricos e diversificados, surgiu outra ideia para validar o processo de trabalho coletivo entre as escolas: propusemos que os projetos didáticos e de formação pedagógica desenvolvidos fossem transformados em artigos. Segundo Bottini (2015, p. 84). [...] advertem-se quanto à necessidade de pesquisas que congreguem teoria e prática, buscando entender a situação e intervir nela apresentando alternativas de construção da melhor formação possível a ser oferecida para que nossos professores sejam, de fato agentes de um ensinar transformador. 98 Formação de gestores educacionais: um convite aos processos coletivos
Desse modo, valorizamos o trabalho dos profissionais da educação e produzimos um registro das atividades desenvolvidas. Esperamos que o momento da escrita seja uma oportunidade para os professores e a equipe diretiva repensarem sua prática pedagógica, seja para reformulá-la, seja para validá-la. Ao apresentar esses artigos, também, estaremos promovendo momentos de debate e troca de experiências propiciando a construção de novos conhecimentos e alinhando saberes. Importante enfatizar que todo esse processo segue sendo construído de maneira coletiva e reflexiva. De acordo com Pimenta (2012, p. 31), “a prática reflexiva, enquanto prática social, só pode se realizar em coletivos, o que leva à necessidade de transformar as escolas em comunidades de aprendizagem nas quais os professores se apoiem e se estimulem mutuamente”. O crescimento da equipe é visível. O trabalho é árduo e merece uma atenção redobrada aos processos e não somente ao resultado final. A coerência das nossas ações, mais do que palavras, revelam qual a nossa perspectiva de educação, onde os valores e a relação dialógica refletem nos espaços escolares que ser humano, crítico e atuante na sociedade, nós estamos construindo nas escolas do Sesc no Distrito Federal.
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Referências
BOTTINI, M. E. Avaliações educacionais: um olhar para a formação de professores. In: SILVA, M. A.; SILVA, K. A. C. P. C. (Org.). Pensamento político e pedagógico na formação do pesquisador em educação. São Paulo: Autores Associados; Brasília: Faculdade de Educação, 2015. IMBERNÒN, F. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. LÜCK, H. et al. A escola participativa: o trabalho do gestor escolar. Petrópolis: Vozes, 2011. PACHECO, J. Escola da ponte: formação e transformação da educação. Petrópolis: Vozes, 2013. PIMENTA, S. G; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese crítica de um conceito. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 2012. RIOS, T. A. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 2011.
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O inusitado mundo dos projetos Silvana Ziemer Schorni
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Supervisora do Sesc Ijuí, no Sesc no Rio Grande do Sul, formada em Pedagogia Séries
Iniciais pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) e especialista em Gestão Escolar pela Universidade do Norte do Paraná (Unopar).
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101 O inusitado mundo dos projetos
RESUMO
ABSTRACT
Como surgem os projetos inusitados com temas que aparentemente os professores não gostam de trabalhar, mas que rendidos ao entusiasmo das crianças passam a ter um olhar atento às aprendizagens infantis e necessidades de alargar as possibilidades de estudo? Neste texto iremos compartilhar o percurso de uma turma curiosa de crianças do Sesc Ijuí,1 do Sesc no Rio Grande do Sul, bem como o processo pelo qual a equipe pedagógica se organiza para que possa contribuir, cada vez mais, para o desejo de aprender das crianças.
How is it that some unusual projects about topics that the teachers apparently do not enjoy working on, but that, due to the excitement of the children, the teachers start to play close attention to the learning and the needs to broaden the possibilities of studying on the part of the children come to be? In this text we will share the trajectory of an inquisitive group of children from Sesc Ijuí,1 from Sesc in the state of Rio Grande do Sul, as well as the process through which the teaching team organizes itself in order to contribute ever more to the children’s desire to learn.
PALAVRAS-CHAVE: Projeto. Inusitado. Criança.
KEYWORDS: Project. Unusual. Child.
O Sesc Ijuí é umas 18 unidades do Sesc no Rio Grande do Sul que desenvolvem a Educação Infantil. 1
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Sesc Ijuí is about 18 units of Sesc in Rio Grande do Sul that develop Early Childhood Education. 1
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Os projetos e sua importância No Sesc no Rio Grande do Sul, o estudo sobre projetos há muito tempo nos acompanha, faz parte do nosso fazer pedagógico, e estamos constantemente estudando e nos aprofundando sobre esse tema. Desse modo, realizamos várias ações de formação de professores. Alguns estudos são realizados em rede e nos dão oportunidade de crescimento. Inclusive, desde 2009 temos realizado Congressos Estaduais,2 quando as escolas apresentam vários projetos que desenvolvem e todos os participantes podem comentá-los, e isso tem contribuído muito com a qualidade do trabalho em nossas escolas. Temos também o “Procedimento Regional”,3 documento que registra a estrutura do projeto. Esse documento foi desenvolvido pelas equipes de Educação Infantil do Sesc no Rio Grande do Sul para que as práticas se afinem e possamos avaliar nossos caminhos. 102 O inusitado mundo dos projetos
Os projetos de estudo são oportunidades únicas que surgem de pequenas coisas, gestos, perguntas e/ou estranhamentos. O contato da turma com diferentes situações faz nascer o projeto, por isso é necessário a oportunidade de poder mexer, tocar, sentir, questionar, provocar, ser ouvido e, em especial, de poder ser criança, pois o ser criança já é muito curioso! De acordo com Barbosa e Horn (2008): Um projeto é uma abertura para possibilidades amplas de encaminhamento e de resolução, envolendo uma vasta gama de variáveis, de percursos imprevisíveis, imaginativos, criativos, ativos e inteligentes, acompanhados de uma grande flexibilidade de organização.
Para desenvolvermos um projeto, procuramos partir dos seguintes questionamentos: o que as crianças sabem e o que desejam saber sobre algo. Conforme vamos discutindo e o projeto se iniciando, a cada descoberta feita, vamos construindo uma espécie de “teia norteadora” 4 que fica exposta em sala de aula para que todos possam acompanhar o estudo realizado por determinado grupo. A teia Os congressos têm como objetivo divulgar, compartilhar e ampliar a ação dos projetos entre as escolas do Sesc no Rio Grande do Sul. Cada escola elege projetos que são analisados e validados por uma banca composta pelas Assessoras Técnicas do Sesc Departamento Nacional, Supervisoras Pedagógicas do Sesc no Rio Grande do Sul e Assessoras Externas das universidades. 2
Define projeto e suas características como um percurso que envolve flexibilidade, voz ativa das crianças, diálogo efetivo entre professor, crianças e crianças. 3
As teias se parecem muito com Mapas Conceituais, metodologia que permite organizar e representar graficamente, e por meio de um esquema, conhecimentos que se interligam. 4
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é prática compartilhada, registra de maneira resumida as ideias e as hipóteses das crianças sobre o que está sendo estudado, dá visibilidade ao projeto e permite também o retorno a ela, analisando junto com as crianças o que já aprenderam. O professor neste momento também tem a oportunidade de perceber objetivos alcançados. Abaixo o exemplo de um projeto sobre baratas:
Como são?
Onde moram?
103 O inusitado mundo dos projetos
Gostam de lugares úmidos e escuros. Têm hábitos de vida noturnos.
As baratas são insetos! Possuem seis patas, três de cada lado, duas antenas e dois pares de asas – Elas voam! Seu corpo é dividido em três partes, a cabeça, o tórax e obdômen
Melequentas e nojentas, surgem as baratas!
O que comem?
Qual seu ciclo de vida?
As baratas são onívoras! Elas comem de tudo, principalmente restos de comida!
Para que servem Olhos – As baratas são quase cegas, e enxergam melhor somente a noite. Boca – Serve para comer. Mandíbulas – Ajudam a mastigar e triturar os alimentos. Antenas – Servem para sentir cheiros, vibrações, perigo. Patas – Servem para caminhar e correr, são rápidas. Asas – Servem para voar.
Elas voam?
Elas têm asas?
Sim, baratas podem caminhar e voar!
Possuem dois pares de asas, um de cada lado de seu corpo!
As baratas nascem de ovos, que são protegidos pela ooteca, uma espécie de cápsula. Depois que saem dos ovos, as baratas são chamadas de ninfas e depois viram baratas adultas.
Curiosidades • Podem viver sem cabeça, sem água e sem comida. • Quando perdem patas ou antenas, nascem outras, elas se regeneram. • Existem muitos tipos (espécies) de baratas de vários tamanhos e cores.
Figura 1: Teia norteadora construída conjuntamente com as crianças acerca de seus interesses pelas baratas. Fonte: ZENI, T. M. [(20--?)].
Sim, as baratas! Partindo dos questionamentos das crianças temos vivido muitas experiências inusitadas, a última delas é com baratas. E como é difícil para as professoras cederem a coisas nojentas e melequentas...
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Tudo começou quando certo dia no pátio encontraram uma barata morta, e todos ficaram em volta daquele inseto “nojento”. No dia seguinte, isso se repetiu, e no outro dia, também. A supervisora questionou a professora se ela estava percebendo o interesse das crianças, e ela confirmou (com cara de nojo!). Em um outro dia, novamente, uma criança encontrou outra barata e chamou os colegas. Em outra oportunidade, o que ocorreu quando todos, no pátio, estavam brincando com cantigas de roda?! Entre uma e outra música, uma criança disse: “Será que não podemos ver se encontramos baratas mortas?” Diante de nítido interesse do grupo, a professora rendeu-se às nojentas baratas. Afinal, mais de metade da turma corre diariamente em busca de baratas. Ainda não muito convencida de que o interesse pelas baratas renderia um projeto, a professora organizou uma atividade de “caça ao tesouro” cujo “tesouro” seria uma barata. Quando encontraram o tão procurado inseto foi aquela festa! E logo surgiram muitos questionamentos e certezas: 104 O inusitado mundo dos projetos
“Uma barata!!!” “Temos que cuidar, se não ela morre.” “Não morre não, barata não morre. “Não, ela morre, mas só com veneno.” “As baratas caminham e voam, porque elas têm asas?” “Quero saber o que ela come, como ela escuta.” “Como ela voa?” “Come aranha e come folha?” “Ela só come bichinhos, alguns insetos de verdade.” “Barata só come ração.” “E como ela caminha? Eu acho que ela come grama, e ela mora na terra.” “Não, ela vive no esgoto” “Vive embaixo da casa?” “Ela tem duas asas? Ela voa?”
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105 O inusitado mundo dos projetos
Além de trazerem as baratas, montaram um canto de ciências com outros bichos. Nem os pais acreditavam que as crianças estavam investigando tal animal. Quando solicitados a contribuir com a pesquisa por meio da captura de baratas, alguns deles telefonaram para a escola para certificarem-se do pedido, pois lhes parecia inusitado! Foto: Elaborada pelo autor
O projeto foi vivido com muita intensidade por todos da escola. As baratas estavam por todos os lados. Os conhecimentos adquiridos foram muitos e só foram possíveis porque foi “dada” voz às crianças para que perguntassem e falassem sobre o assunto. Vejam algumas das aprendizagens:
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“Nas patas ela tem grudação, que é pra grudar o pé quando caminha.” “As baratas tão no chocolate! Ecaaa!” “E quando elas morrem elas ficam com as patas pra cima.” “Ela é dividida em três partes, a cabeça, o tórax e o abdômen.” “E elas podem viver sem cabeça.” As famílias também relatavam o quanto as crianças estavam interessadas e aprendendo sobre o assunto: “Ah, o P. H. só fala nisso em casa agora, a ooteca, a ninfa, a barata adulta, ele me dá uma aula sobre as baratas!” (Referindo-se ao ciclo de vida das baratas). 106 O inusitado mundo dos projetos
Muitas outras possibilidades de descoberta foram surgindo: como podemos fazer para combatê-las? “Pode dar duas chineladas, por que só uma ela não vai morrer, porque a gordura, aquela coisa branca que tem dentro dela, vai proteger.” “E tem o veneno de barata, só que esse só os adultos podem usar.”
Barateamos a valer! E isso só foi possível pois as crianças puderam perguntar! E como diz Freire (1997), para perguntar, pesquisar, conhecer é necessário aprender a conviver com a curiosidade; o deparar-se com o inusitado; a capacidade de assombrar-se; o enfrentar-se com o caos criador que, às vezes, parece mais um terremoto; a ansiedade e o medo no encontro ou no choque com o novo. E quando será que o grupo terminará de “baratear”? Será que podemos falar em terminar um projeto? Para nós não há uma data para que ele tenha fim. O interesse e os acontecimentos levam um projeto para muito além. Assuntos de interesse são indeterminados. Sempre ao ver uma barata o assunto volta...
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E assim também aconteceu com tatu-bola, com minhocas, com aranhas, com lagartixa, com porquinhos da índia, com sapo e com outros bichos, tudo de maneira muito inusitada.
O que é o inusitado? Inusitado é algo estranho, raro, surpreendente, extraordinário... E se permitirmos que as crianças falem, sejam ouvidas e expressem seus desejos e ideias, tudo pode acontecer. O professor com olhos bem atentos e ouvidos apurados consegue perceber, sentir e fazer com que sua aula se transforme em campo minado de curiosidade, experiências e, em especial, de muitas aprendizagens.
107 O inusitado mundo dos projetos
Dando permissão para o inusitado entrar em sala, o planejamento se modifica a cada novo dia, afinal o inusitado é fruto do inesperado. A cada dia/momento, o planejamento é revisitado e alterado, seguindo desejos, questionamentos, curiosidades das crianças que são o coração da escola, sem elas nada disso aconteceria. Estar em meio às crianças é privilégio para poucos: rico espaço de aprendizagem e refinamento da sensibilidade.
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Referências
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O planejamento como instância formadora Meire Célia Lima da Silvai
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Diretora escolar da Unidade de Educação do Sesc em Alagoas.
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111 O planejamento como instância formadora
RESUMO
ABSTRACT
As complexas transformações da vida cotidiana exigem da sociedade organização e planejamento, independentemente do ramo de atividade. Dentro desse contexto, e em uma visão do docente enquanto agente mediador do processo de construção do indivíduo, destaca-se o entendimento da necessidade do planejamento pedagógico como ferramenta essencial da evolução do ensino-aprendizagem, assim como instrumento de crescimento profissional, tanto do coordenador pedagógico como do professor.
The complex transformations of everyday life demand organization and planning on the part of society, independently of the kind of activity performed. Within this context, and under a perspective of the teacher as a mediator of the process of development of the individual, the understanding of the need to develop a teaching plan as a crucial tool in the evolution of learning and teaching, as well as a tool for the professional growth of the teaching coordinator and the teachers, is highlighted.
PALAVRAS-CHAVE: Docente. Coordenador pedagógico. Planejamento pedagógico.
KEYWORDS: Teachers. Teaching Coordinator. Teaching Plan.
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As questões educacionais são pontos da humanidade que estão envolvidos em processos de constituição e reconstituição histórica da vida, ou seja, a educação não é neutra, uma vez que é o resultado da expressão cotidiana no universo social e cultural das relações desenvolvidas entre os homens. Nesse sentido, educar se torna uma preparação para a vida em sociedade, preparando cidadãos para a convivência em um mundo de complexas transformações que exige planejamento e organização em todos os segmentos da vida.
O planejamento e o coordenador pedagógico Em quase todas as ações do cotidiano se exige planejamento, haja vista sua função norteadora na prática das atividades. Desse modo, não é diferente na área pedagógica, pelo contrário, seu exercício torna-se imprescindível no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. 112 O planejamento como instância formadora
As aulas necessitam ser planejadas. A ausência do planejamento pode resultar em monotonia e desorganização das aulas, provocando o desestímulo e o desinteresse dos alunos. Contudo, essa ação não deve ser entendida apenas como algo mecânico ou engessado, mas, sobretudo como um fio condutor do processo de ensino-aprendizagem, capaz de proporcionar à equipe de educação novas descobertas, novos conhecimentos, pois o processo educativo sofre influência das transformações sofridas pela sociedade, como afirmam Freire e Shor (1986, p. 23): Todo planejamento educacional, para qualquer sociedade, tem de responder às marcas e aos valores dessa sociedade. Só assim é que pode funcionar o processo educativo, ora como força estabilizadora, ora como fator de mudança. Às vezes, preservando determinadas formas de cultura. Outras, interferindo no processo histórico instrumental.
Desse modo, o planejamento pedagógico pode e deve ser compreendido como uma ação formativa capaz de oferecer novos aprendizados e desenvolvimento profissional, que se estabelecem por meio da colaboração e da troca de conhecimentos adquiridos nas práticas pedagógicas aplicadas em sala de aula de maneira individualizada por parte dos professores. Assim, é necessária a consciência de que essa ação se apresenta como uma ferramenta norteadora do processo educativo, haja vista sua capacidade de enxergar
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novas necessidades e prioridades, assim como os recursos necessários para melhoria da qualidade do ensino. Dentro desse contexto, a figura do coordenador pedagógico é peça fundamental no envolvimento dos profissionais, uma vez que uma equipe é formada pela heterogeneidade de pensamentos e ações que qualificam a individualidade das pessoas. Portanto, é função do coordenador pedagógico saber administrar os conflitos e extrair das diferenças, o que pode ser aproveitado para consolidar novas ideias favoráveis ao processo educacional. Dessa maneira, esse profissional tem a missão de coordenar as etapas do planejamento que devem ser seguidas em toda e qualquer atividade. Ressaltando que o professor trabalha com a articulação de saberes que possibilitam aprendizagens, que o ensino potencializa o desenvolvimento do aluno. Daí a importância da realização de todas as etapas do planejamento, como mostra a Figura 1. 113 O planejamento como instância formadora
Conhecimento da realidade/diagnóstico
Levantamento dos objetivos
Seleção dos conteúdos
Organização dos procedimentos
Seleção dos recursos
Replanejamento
Avaliação dos objetivos conquistados
Acompanhamento da ação planejada
Definição dos procedimentos de avaliação
Figura 1 Fonte: Autor.
O coordenador pedagógico tem importante papel na construção, no desenvolvimento e na elaboração dessa ação educacional, devendo fomentar o diálogo entre os docentes com o intuito de refletir sobre o foco do projeto político-pedagógico e como este deve ser articulado. É dentro dessa perspectiva que se observa a necessidade de compartilhamento do planejamento por parte dos professores com o coordenador, formando uma parceria focada no mesmo objetivo, uma vez
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que o coordenador também precisa elaborar seu plano de trabalho fundamentado no projeto político-pedagógico, dentro do que exige o exercício de suas funções. Os relacionamentos no campo pedagógico não se limitam apenas à sala de aula, portanto, cabe ao coordenador administrar a distância dos espaços que envolvem convívio coletivo, agindo como intermediador de conflitos e agente pacificador de problemas que surgem no ambiente educacional. Ciente que das situações conflituosas do cotidiano surgem as soluções e descobertas que proporcionam a esse profissional o papel de desenvolver afetivamente seus professores, descartando as respostas prontas.
Conclusão
114 O planejamento como instância formadora
Ensinar é algo aparentemente simples, contudo é uma tarefa delicada, pois se trata de envolver-se diretamente com vidas que estão em formação, exigindo dos profissionais abrangidos no processo, evolução, juntamente com o tempo e com a modernização ocasionada pela globalização. E essas pessoas estão inseridas em um ambiente educacional formado por diversas rotinas e atividades realizadas por pessoas que estão correndo contra o tempo e buscando sempre por mais qualidade. Essas ações muitas vezes são complexas e envolvem não apenas o docente e o discente, mas também outros profissionais e departamentos da escola. Por isso a necessidade de planejar essas ações com o objetivo de compreendê-las e evitarmos infortúnios, e alcançando resultados positivos no processo de ensino-aprendizagem.
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Referência
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. REIS, Kleiton. O papel, a formação e os desafios do coordenador pedagógico. 2015. Disponível em: <http://blog.qedu.org.br/blog/2015/04/28/o-papel-a-formacao-e-os-desafios-do-coordenadorpedagogico/> Acesso em: 15 de mai. 2016.
115 O planejamento como instância formadora
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Os portfólios e suas histórias Francisley Araújo Silvai
i
Coordenadora pedagógica da Educação Infantil do Sesc Universitário Recanto Tia Luizi-
nha, no Departamento Regional do Sesc em Goiás.
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117 Os portfólios e suas histórias
RESUMO
ABSTRACT
E mais uma vez a roda girou, agora para revelar, discutir e refletir sobre os portfólios e as histórias que eles contêm em cada página. Também nos ateremos aos seus propósitos e seus modos de elaboração e criação, pois, é um documento que dá visibilidade à escola e seus autores e atores, revelando como se dá a roda da educação nesse espaço tão maravilhoso e intenso.
And the wheels have turned once again, now to reveal, discuss and reflect upon the portfolios and stories it contains in every page. We will also discuss its purposes and ways of developing and creating, for it is a document that provides visibility to the schools and its authors and actors, revealing how the wheel of education comes to be in such a marvelous and intense space.
PALAVRAS-CHAVE: Portfólios. Documentação. Pedagógico. Registros.
KEYWORDS: Portfolios. Documentation. Teaching. Records.
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A roda da saia, a mulata. Não quer mais rodar, não senhor. Não posso fazer serenata. A roda de samba acabou. A gente toma a iniciativa, viola na rua, a cantar. Mas eis que chega a roda viva. E carrega a viola pra lá. Roda mundo, roda-gigante. Roda moinho, roda pião. O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração. (BUARQUE, 2003)
Continuando a roda... Proponho uma discussão e reflexão sobre algumas dúvidas que se acendem como interrogações em nossa mente quando falamos em portfólios. Do que se trata? Para que serve? Como elaborar e realizar? As crianças sabem o que é isso? Elas participam? Por que esse documento se transforma em histórias? Essas histórias relatam o quê?
118 Os portfólios e suas histórias
A Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc enfatiza que é necessário, para todo professor, dispensar alguns momentos para ler, refletir e aprofundar ideias sobre infância e sua importância no planejamento da ação educativa e intervenção docente, já que temos a criança como o centro do processo de aprendizagem. Corroborando com essa ideia temos o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (BRASIL, 1998) nos esclarecendo que, para proporcionarmos um ensino de qualidade na educação infantil, a primeira atitude é tornar-se um observador desse espaço escolar. Indagar a si mesmo, que espaço é esse? Quais intervenções são necessárias? Como qualificá-lo? Observar, registrar, refletir, projetar. E, para tal fim, podemos fazer uso de diferentes modos de documentar a ação pedagógica. Meu texto evidenciará a produção de portfólios.
Trazendo à tona o ser criança Entretanto, alguns podem se perguntar o que é Documentação pedagógica. Particularmente gosto do olhar de Dalhberg, Moss e Pence (2003, p. 194), que a define [...] como conteúdo, dessa forma, ela é o material que registra o que as crianças estão dizendo e fazendo, é o trabalho das crianças e a maneira com que o pedagogo se relaciona com elas e com o seu trabalho. Tal material pode ser produzido de muitas maneiras e assumir muitas formas.
Uma dessas formas é o portfólio, que é a organização de uma coletânea de registros construídos por meio da escuta, da observação e da reflexão sobre a
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ação da criança e suas aprendizagens, permitindo à criança, suas famílias e aos professores uma visão evolutiva desse processo de aprendizagem. Na Educação Infantil do Sesc em Goiás optamos por organizar dois tipos de portfólios: os individuais e os coletivos, dos quais tratarei logo mais. Mas para que o portfólio cumpra de modo eficaz sua finalidade, tem de ser significativo, elucidativo e ter clareza de propósitos. Como compor um portfólio significativo? Isso é fácil, já que a criança é o foco do nosso trabalho, então o portfólio tem de ser composto por fatos, fotos, atividades, projetos, sequências e as produções que tiveram significado para o grupo. O professor deve, com as crianças, eleger o que vai e o que não vai ser organizado. O portfólio vem dar visão aos processos que estão acontecendo na escola, entre as turmas, com as crianças e os professores; coloca também em evidência as produções dos pequenos, revela o que tem significado para eles, ou seja, seus olhares, gostos, narrações, histórias, sua cultura. 119 Os portfólios e suas histórias
Um mundo revelado entre falas, risos e silêncios Para compor os portfólios existem alguns critérios a serem seguidos, um deles é a escuta sensível, saber escutar a criança, seus risos, suas falas e até o seu silêncio. Outro quesito é observar o fazer infantil, ver o que está acontecendo no ambiente e entre as crianças, porque a escola é um espaço em ebulição, às vezes dá uma calmaria, mas mesmo na calmaria fatos novos se revelam, coisas acontecem, e a gente registra! Entretanto, será que no portfólio só tem o nosso registro? É claro que não, o portfólio de turma deve conter o registro das crianças, da equipe pedagógica da escola e das famílias, como acontece em nossa escola, quando pais ou familiares revistam os portfólios eles podem deixar um registro com suas observações e considerações a respeito de tudo o que encontraram nesse documento. Todas essas ações de escuta, observação e registro se desdobram em reflexões sobre a ação docente, quem são as crianças da nossa escola, o planejamento, que famílias compõem a nossa comunidade escolar. Os portfólios coletivos têm gerado outra atividade na escola, a de revisitação, como ele fica disponível na sala, a turma pode folheá-lo nos momentos de atividade diversificada, então junta aquele grupinho falando, opinando sobre fotos, desenhos, eventos, escritas... as crianças começam a refletir sobre suas produções,
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seus passeios, suas atividades, é uma retomada. Essa reflexão também ocorre com os professores, que analisam o que deu certo ou não, o que fazer para tornar melhor e mais efetivo o trabalho pedagógico com as crianças.
Intenções
120 Os portfólios e suas histórias
O portfólio individual é o documento que os pais levam para casa, ao final da Educação Infantil a criança leva consigo, nele pode-se encontrar informações sobre o desenvolvimento social, cognitivo e afetivo da criança no período em que frequentou a atividade. Ele aponta ainda o que a criança já sabe, o que ela ainda precisa e quer saber, o que foi trabalhado com ela, como nosso trabalho colaborou para expandir as experiências dessa criança e seus conhecimentos. Portanto temos de pensar muito bem no que queremos incluir no documento, porque às vezes a leitura que fazemos de alguns fatos não é a mesma que outra pessoa fará — as interpretações são subjetivas, assim como as pessoas. Os registros também nos revelam como cada professor caminhou com aquele grupo ao longo do ano. Ao revisitarmos o portfólio, percebemos um equívoco comum entre a maioria das pessoas, o de acharem as crianças da Educação Infantil muito dispersas por serem muito pequenas, as imagens que observamos foi de uma criança totalmente concentrada realizando uma atividade de desenho no computador, utilizado o programa Paint. Assim, por meio do olhar atento para as fotografias, pudemos refletir junto aos professores e desconstruir este mito: criança pequena não tem atenção! Elas têm, sim, desde que a atividade proposta seja um desafio, que estejam com vontade de realizá-las, que sejam boas situações de aprendizagem. Além disso, fazemos uso de muitas maneiras e muitos lugares diferentes de se propor atividades, são eles: a sala interativa, o ambiente alfabetizador, atividades de pintura, a biblioteca onde a criança pode escolher o quer ler e não o que o professor escolheu, se meu colega escolheu um gibi, eu quero ler literatura, quero me vestir de fada para ler essa história. Nessas situações, é possível documentar as escolhas individuais dos meninos e das meninas, suas preferências, seus percursos de aprendizagem... A atividade de Corpo e Movimento ao ar livre nos revela quanta diversão há nesse momento. As atividades de campo, fora da escola, são outros momentos excelentes de registro, são tantos e todos são tão válidos porque trazem consigo as vivências individuais e coletivas daquele ano. Contam a história daquele grupo.
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O reconhecimento do ser único e coletivo Cada portfólio é único, porque cada criança, cada turma, cada professor é único, cada sujeito tem o seu jeito de ver, de sentir, de escrever, de falar, de enxergar o mundo. Nós falamos tanto com as crianças e entre nós que temos de considerar e valorizar as produções dos pequenos, falamos para elas, “faça do seu jeito”, e nas entrelinhas estamos dizendo, arrisque-se, tente, você consegue! Então quando elas escrevem as regras do bingo, e eu sou apaixonada por essa escrita, o que elas querem nos dizer? Estão nos orientando como fazer, estão ditando as regras, passando a receita, estão dizendo “Eu sei! Eu quero te ensinar!”, “Eu já sei fazer, faça assim”, sinto a empolgação dessa criança quando faz essa afirmação, revelando sua autonomia e conhecimento.
121 Os portfólios e suas histórias
Um registro escrito que me fez refletir com muita alegria foi este: “A gente se diverte muito no parque alternativo”, a criança se referiu a ela e seus amigos, senso de grupo, esse espaço traz uma visão de identidade, as crianças se identificam com ele, se divertem muito nele.
O tempo rodou em um instante nas rodas da educação E fomos rodando, rodando, neste breve passeio pelo portfólio e podemos observar que ele é portador de histórias, sim, histórias das crianças, das turmas, da escola, dos projetos, das sequências, dos passeios, das visitas, das famílias. Enfim de todos, pois as crianças trazem para a escola suas histórias que são socializadas com todos. E quem as escreve? Eu, professor, porque eu sei escrever de maneira convencional e as crianças não? Todos, professores e crianças com suas ações, são autores e atores, todos se misturam, um não é maior que o outro, escrevemos juntos sob vários olhares. Somos felizes juntos, construímos juntos, aprendemos juntos e somos responsáveis por essa grande e importante produção. Nesse momento faço meus os ditos de Barbosa; Fochi (2012, p. 9): [...] aquele que escuta é o observador, mas um observador participante que não apenas assume o papel daquele que observa de longe, mas, intencionalmente, interessa-se em registrar as cem formas que as crianças usam para comunicar-se, experenciar e experenciar-se, e, portanto, concentra-se nos processos reflexivos daquilo que vê, e posteriormente, constrói as narrativas que tornarão público os vividos das crianças [...].
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Referências
BARBOSA, M. C. S.; FOCHI, P. O desafio da pesquisa com bebês e crianças bem pequenas. In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL, 9, 2012. Caxias do Sul. A pós- graduação e suas interlocuções com a educação básica. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2012. BRASIL. Secretaria de Educação Infantil. Referencial curricular para a educação infantil. Brasília, 1998. v. 1. BUARQUE, C. Roda Viva. Disponível em: < https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45167/>. Acesso em: 24 mai. 2015. CARVALHO, M. C. de. Porque as crianças gostam de áreas fechadas?: espaços circunscritos reduzem as solicitações de atenção do adulto. In: FERREIRA, M. C. R. Os fazeres na educação infantil. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. CARVALHO, M. C. de; RUBIANO, M. R. Bonagamba: organização dos espaços em instituições préescolares. In: OLIVEIRA, Z. M. (Org.) Educação infantil: muitos olhares. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. 122 Os portfólios e suas histórias
DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação infantil da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003. PROJECTO ZERO. Tornando visível a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo. São Paulo: Phorte, 2014. REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. RINALDI, C. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2014. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica para a educação infantil do Sesc. Rio de Janeiro, 2014.
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Planejamento como instância formativa Luciene Carnielo de Godoii
i
Diretora da Educação Infantil Sesc Anápolis — Departamento Regional do Sesc em Goiás.
Licenciatura em Pedagogia na Associação Educativa Evangélica — Faculdade de Filosofia Bernardo Sayão em 1991. Pós-Graduação Lato Sensu, especialização em Educação Infantil na Universidade Estadual de Goiás.
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125 Planejamento como instância formativa
RESUMO
ABSTRACT
Este texto aborda uma das reais funções do Coordenador Pedagógico: formador da sua equipe, assegurando a qualidade de ensino e aprendizagem, juntamente com os professores, garantindo o desenvolvimento das crianças e o preparo delas para o exercício da cidadania.
This text discusses one of the actual roles of the Teaching Coordinator: the role of trainer of his/her team, ensuring the quality of the teaching and learning, along with the teachers, guaranteeing the development of children and preparing them to become citizens. The texts also Ainda no texto será compartilhada a concepção shares with the reader the conception of de formação docente subjacente no trabalho teacher training that underlies the work desenvolvido nas escolas do Sesc em Goiás que developed in the Sesc schools in the state aposta em um processo de formação/ação, no of Goiás, which invest in a training/action qual os professores se colocam como agentes process in which the teachers are agents de sua prática e, sujeitos do processo de of their practice, and are subjected to the construção e reconstrução do conhecimento process of development and redevelopment refletindo, realimentando e discutindo as of knowledge, reflecting upon, discussing diferentes instâncias educativas. and providing feedback to the different educational levels. PALAVRAS-CHAVE: Formação docente. Processo de construção. Instâncias educativas. KEYWORDS: Teacher training. Development process. Educational levels.
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O fazer pedagógico na Educação Infantil A Educação Infantil no Sesc, com base nas concepções de criança, cultura e ensino, tem o objetivo de construir, em seu tempo e espaço, uma educação voltada para o brincar, educar, cuidar, aprender a ser, aprender a viver junto, aprender a construir e aprender a fazer. Sendo assim, o mais importante é a compreensão acerca do mundo infantil. A criança deve ser o foco do trabalho pedagógico para a tomada de decisões, estudos, planejamentos, execução e avaliação de todo processo desenvolvido na escola.
126 Planejamento como instância formativa
Cabe aos professores da Educação Infantil, portanto, mediar o processo de aprendizagem, propondo situações diversas, lançando desafios de acordo com as características, potencialidades, expectativas, necessidades e desejos infantis de acordo com cada grupo de crianças ou turmas. Em consonância, a avaliação a ser adotada também deve considerar a criança em relação a si mesma, devendo o professor observar, registrar e repensar continuamente, em caráter diagnóstico e processual, tudo o que ocorre com cada um de seus alunos e orientar também os novos planejamentos favorecendo uma aprendizagem mais prazerosa e significativa para o desenvolvimento das crianças. Ensinar, nessa perspectiva didática, exige do professor estruturar situações nas quais as crianças possam ver, ouvir e falar, trazer aquilo que sabem e querem saber, interagindo com o conhecimento socialmente construído, os saberes dos adultos e de outras crianças. Estabelecendo, assim, uma relação entre as crianças e os professores. A Educação Infantil contribui para o desenvolvimento de posturas reflexivas, críticas, questionadoras e investigativas. A formação continuada do professor exige acompanhamento e assessoramento constantes, o coordenador pedagógico, enquanto formador de professores, adquire papel fundamental na condução do processo de reflexão, o qual precisa ter como objeto ou ponto de partida, o desempenho profissional do professor: “o trabalho do professor-coordenador é fundamentalmente um trabalho de formação continuada em serviço” (GARRIDO, 2001, p. 9). Nessa ótica, a observação da atuação dos professores é parte intrínseca ao trabalho do coordenador. É isso que lhe permite conhecer o processo de aprendizagem dos professores, adequar às ações de formação e avaliar seus resultados.
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O planejamento sobre o olhar do coordenador pedagógico tem como objetivo nortear o trabalho do educador em sala. Pois nos deparamos com professores que sentem muita dificuldade de registrar no papel seu planejamento e ou elaborar um projeto. Sendo assim, o coordenador precisa ser mais participativo e presente no planejamento diário. É importante também que o coordenador participe da elaboração dos projetos de trabalhos de sala junto com os professores, não somente sugerindo procedimentos durante sua elaboração, como também acompanhando seu desenvolvimento e execução, contemplando todos os requisitos necessários para a aprendizagem das crianças e mediando para que os planejamentos estejam adequados a cada faixa etária, buscando a unidade na passagem de um grupo para o outro.
127 Planejamento como instância formativa
Planejar é essa atitude de traçar, projetar, programar, elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, de interação, de experiências múltiplas e significativas para com o grupo de crianças. Planejamento pedagógico é atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso não é uma foma! Ao contrário, é flexível e, como tal, permite ao educador repensar, revisando, buscando novos significados para sua prática pedagógica. (OSTETTO, 2002, p. 177)
Nas escolas do Sesc em Goiás, o trabalho do coordenador pedagógico, como mediador e formador de grupos, está pautado em algumas funções: • Saber e fazer, garantindo e auxiliando de forma organizada e coerente a formação continuada dos professores. • O coordenador precisa estar atento ao saber fazer, ao saber pôr em ação por meio de métodos, técnicas e recursos didáticos de tal modo que possa realmente garantir, auxiliar de maneira organizada e coerente a formação continuada do professor. • Orientar o trabalho dos professores para a elaboração de um currículo escolar contextualizado. • Elaborar junto com os professores todo o currículo e o planejamento anual. Acompanhar e avaliar o plano de trabalho do professor, avaliar, juntamente com os professores, o resultado de atividades pedagógicas, projetos, entre outros. • Planejar, coordenar, acompanhar e avaliar todas as atividades pedagógicas.
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Assistência ao professor quanto ao seu desempenho em sala de aula, tanto no aspecto técnico quanto no pessoal, é visto como uma das potências facilitadoras do processo educativo. • Fazer a mediação do trabalho dos professores, levando em consideração as expectativas, conteúdos e o desenvolvimento de cada grupo. Os objetivos educacionais sempre devem estar pautados na melhoria do processo educativo, por meio de um trabalho cooperativo, em que as tarefas são bem elaboradas e planejadas a fim de somar esforços que diminuem as frustrações dos profissionais da educação e multiplique o resultado final.
Formação continuada
128 Planejamento como instância formativa
Entendemos que toda a ação docente está em processo contínuo de formação. O Departamento Regional do Sesc em Goiás faz escolhas de algumas práticas que já vêm se constituindo como uma prática formativa. Descreverei algumas a seguir, mas deixarei evidenciados os procedimentos relativos às ações formativas com o uso do planejamento, alvo central deste texto. São desenvolvidos grupos de estudo, leituras, dinâmicas, participação em congressos, seminários e outros. O coordenador deve ser um agente transformador na medida em que transforma a si mesmo e, por consequência, conseguirá desenvolver um trabalho diferenciado com qualidade e novos saberes.
Estratégias utilizadas para a formação contínua do grupo de professores A formação contínua pedagógica de professores visa contribuir para a mudança e melhoria do processo. Estas são pautadas em três vertentes estratégicas que incluem a pessoa e a sua experiência, a profissão e os seus saberes que lhe estão subjacentes, e a escola e os seus projetos, que ao nosso entendimento viabilizam a formação em diferentes estratégias em que consiga ter como eixo de referência o desenvolvimento profissional. Citamos algumas destas: • Reuniões pedagógicas com planejamentos coletivos, reflexões, troca de experiências e avaliações.
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• Semana Pedagógica com palestras, dinâmicas, apresentações por segmentos das escolas do Sesc em Goiás, debates, estudos e orientações gerais. • Planejamento anual e quinzenal por grupos de acordo com as turmas trabalhadas. • Reuniões quinzenais e outras que forem necessárias para planejamentos de eventos, reuniões de pais ou assuntos pertinentes à unidade. • Acompanhamentos e devolutivas de planejamentos. • Planejamentos, projetos didáticos, atividades e tudo que for proposto é passado com antecedência por meio de cronograma para coordenação pedagógica e devolvido com as devidas orientações quando necessárias.
129 Planejamento como instância formativa
• Acompanhamentos das aulas de acordo com os planejamentos, o coordenador faz a escala de acompanhamentos das aulas em diferentes momentos, quando são observadas de acordo com expectativas, conteúdos, metodologias e todo o desenvolvimento das propostas. A partir da análise dessas situações, organizamos devolutivas escritas e orais no sentido de orientar o professor a cada vez mais qualificar sua prática. Para o professor é possível, com o apoio do acompanhamento, se perceber em constante formação. • Planilha de observações e devolutivas são as pautas de registros, os itens que o coordenador pretende observar de acordo com as propostas que serão desenvolvidas durante os acompanhamentos das aulas. As devolutivas são feitas logo após os acompanhamentos, o objetivo é ajudar no crescimento da equipe, acompanhar o desenvolvimento das turmas, dos alunos, o que é possível avançar, o que precisa ser melhorado, o que está sendo bom etc. • Tematização da prática são as trocas de experiências que podem ser contadas pelos próprios professores, filmadas ou fotografadas, e, a partir daí, o grupo discute e relaciona as situações vivenciadas por meio de uma roda de debates e aprofundamentos buscando a avaliação das suas práticas de maneira construtiva. • Registro das formações de professores, todo trabalho desenvolvido fica registrado, seja por meio de pautas, fotografias, filmagens ou relatos e assim ficam documentados, para que possam até mesmo servir de pesquisas em determinados momentos. O coordenador pedagógico precisa estar atento a todas as estratégias formativas aqui citadas. Primeiramente deve preocupar-se com sua própria formação, manter-se constantemente atualizado, procurando realizar leituras de conhecimento geral
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e leituras específicas de sua área de ação para que possa ter uma ampla visão pessoal e profissional. Deve centrar o seu trabalho na ação humana, voltar a sua prática à teoria para o outro acreditar sempre nas mudanças, tendo assim a capacidade argumentativa que fundamente suas orientações. Para finalizar, é necessário que o coordenador pedagógico planeje, coordene, acompanhe e avalie todas as atividades pedagógicas, que consiga organizar dentre tantas funções que lhe cabe, permitindo-se auxiliar e ajudar seus professores quanto ao planejamento de suas ações e na elaboração dos projetos. Dessa maneira, o coordenador será um agente transformador na medida em que transforma a si mesmo e, por consequência, conseguirá desenvolver um trabalho diferenciado com qualidade. “A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e formando” (NÓVOA, 1997, p. 26). 130 Planejamento como instância formativa
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Referências
GARRIDO, E. O coordenador pedagógico e a formação docente: espaço de formação continuada para o professor-coordenador. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2009. GASPARRI, A. P.; PORTO, G. Os desafios da formação: o papel do coordenador pedagógico. Rio de Janeiro: Sesc, 2011. NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1997. OSTETTO, L. E. Encontros e encantamentos na educação infantil: partilhando experiências de estágio. Campinas: Papirus, 2002.
131 Planejamento como instância formativa
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Pressupostos para a abordagem da documentação pedagógica Paulo Sergio Fochii
i
Doutorando em Educação na linha de Didática e Formação de Professores pela Universi-
dade de São Paulo (USP), mestre em Educação na linha Estudos sobre Infância pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista em Educação Infantil pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), especialista em Gestão e Organização de Escola pela Universidade do Norte do Paraná (Unopar) e pedagogo também pela Unopar. Professor do curso de Pedagogia e coordenador e professor do curso de especialização em Educação Infantil da Unisinos. Pesquisador colaborador do Contextos Integrados em Educação Infantil (USP/CNPq). Consultor da Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil do Ministério da Educação (MEC). Membro do Special Interest Group — SIG Birth to Three (EECERA). Atua no assessoramento de Redes Municipais de Educação Básica, a Escolas Infantis e produções culturais e artísticas para crianças. Autor do blog Catadores da Cultura Infantil e coordenador do Obeci — Observatório da Cultura Infantil. Trabalhou como supervisor do projeto de assessoramento técnico-pedagógico do MEC/ UFRGS a 165 municípios do Rio Grande do Sul que aderiram ao Proinfância, e consultor e formador de professores.
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133 Pressupostos para a abordagem da documentação pedagógica
RESUMO
ABSTRACT
O texto aborda sobre o tema da documentação pedagógica a partir da visão de um modelo curricular, apontando alguns dos pressupostos importantes a serem observados na reflexão deste assunto. São destacados na tríade observação-registro-progettazione (interpretação) como uma maneira de recolher dados para projetar o trabalho educativo, colocar em prática alguma proposta nascida dos dados gerados e, por fim, comunicar as experiências das crianças.
The text discusses the topic of Teaching Documentation under the perspective of a curricular model, indicating some of the important presuppositions that should be observed when reflecting upon this issue. They are highlighted in the observationrecord-progettazione (interpretation) triad as a way of collecting data in order to design the educational work, to put into practice any of the proposals originated from the generated data and, finally, to communicate the experiences of PALAVRAS-CHAVE: Documentação pedagógica. the children. Educação Infantil. Escuta das crianças. KEYWORDS: Teaching Documentation. Preschool Education. Listening to Children.
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Notas introdutórias O argumento que quero desenvolver neste texto tem o objetivo de ampliar noção a respeito da abordagem da documentação pedagógica em escolas infantis. Muito tem se ouvido a respeito e, com frequência, tal abordagem é compreendida como sinônimo de portfólios, sequências fotográficas, pareceres, avaliação ou, simplesmente, como compilação de registros.
134 Pressupostos para a abordagem da documentação pedagógica
Ao contrário dessas ideias que circulam, compreendo a abordagem da documentação pedagógica como algo muito além dos exemplos citados anteriormente. Percebo-a como um modelo curricular que envolve o engendramento de concepções, escolhas teóricas e de uma postura prática que coloca a criança no centro do projeto educativo. Vale dizer que modelo curricular é “uma representação ideal de premissas teóricas, políticas administrativas e componentes pedagógicas de um programa destinado a obter um determinado resultado educativo” (BROWN; SPODEK, 1996, p. 15). Entendo aqui por “um determinado resultado educativo”, o direito dos meninos e meninas acessarem o patrimônio de conhecimento atribuindo sentido e significado, distantes de propostas de reprodução ou de sequências de atividades descontextualizadas. É importante destacar que a documentação pedagógica envolve a conjugação da tríade observação-registro-interpretação (FOCHI, 2015). Tais fatores não acontecem isoladamente, mas no engendramento destes é que se torna possível cumprir com alguns dos pressupostos deste modelo curricular. O primeiro desses pressupostos é a compreensão da prática educativa como um caminho que não é improvisado, mas tampouco naturalizado. Um dos aspectos importantes deste modelo curricular é o de contribuir para que o professor reflita sobre a ação pedagógica e tome decisões mais conscientes. Isso não significa planejar uma prática fechada, diretiva e voltada para alcançar objetivos pré-fixados. Nesse sentido, destaco um segundo pressuposto: a escuta. Escutar as crianças, escutar os companheiros de trabalho, escutar as famílias é um princípio ético da documentação pedagógica. Não é possível imaginar esse modelo curricular na solidão, ele está situado na abertura ao diálogo, ao confronto, à participação. Daí sua função em envolver as famílias e outros profissionais da escola nas experiências de aprendizagem das crianças.
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O terceiro pressuposto diz respeito ao posicionamento dessa perspectiva enquanto uma teoria plural. Ou seja, o propósito da documentação pedagógica é romper com as crenças lineares, absolutas e fechadas sobre o conhecimento e propor uma perspectiva mais complexa e provisória, em que a produção de sentidos está diretamente envolvida com os sujeitos da própria experiência e suas percepções sobre o mundo. Sua busca é evidenciar os múltiplos significados que surgem durante o percurso educativo das crianças e dos professores. Com isso, para exemplificar o argumento de que a documentação pedagógica pode ser compreendida enquanto um modelo curricular, tratarei de maneira mais detalhadas três grandes momentos de um percurso da documentação pedagógica: (i) a observação e o registro como auxílio para a tomada de decisão; (ii) a execução de uma proposta a partir dos registros gerados e interpretados; e (iii) a narratividade das experiências com a finalidade de comunicar os percursos das crianças. 135 Pressupostos para a abordagem da documentação pedagógica
Para começar: é preciso escutar as crianças para projetar o trabalho O trabalho educativo neste modelo curricular parte do princípio da escuta das crianças, envolve “um processo cooperativo que ajuda os professores a escutar e observar as crianças com que trabalham, possibilitando, assim, a construção de experiências significativas com elas” (GANDINI; GOLDHABER, 2002, p. 150). Esse primeiro passo implica no adulto estar disponível para escutar as crianças, não com ideias a priori, mas aberto a surpreender-se com os mundos possíveis que os meninos e as meninas criam em suas experiências diárias. Assim, o início de um processo documental ocorre diante da produção de registros a partir das falas, de imagens, das produções dos meninos e das meninas, ou seja, evidências que tornam possível chegar à intepretação de alguns caminhos a serem trilhados. Muitas vezes esse é um processo longo, e sempre que confrontado com outros pontos de vista, pode ser enriquecido e encaminhado para possibilidades mais abertas e menos previsíveis. Por isso a necessidade de se ter materiais concretos ou aquilo que chamo de observáveis. Observáveis são os materiais que se pode consultar, compartilhar e retomar sempre que necessário para refletir a respeito das múltiplas experiências possíveis que são propostas junto com as crianças.
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É durante este momento que o professor poderá elaborar perguntas guias para o trabalho que proporá às crianças. Com isso, destaco que a prática não é improvisada, tampouco fechada. A utilização de observáveis gera indícios importantes para o professor compreender as teorias provisórias das crianças e, ao mesmo tempo, criar estratégias para ajudá-las a avançar nas próprias elaborações. Sintetizando esta primeira etapa, podemos dizer que o professor (i) observou as crianças em suas relações e experiências cotidianas; (ii) registrou por meio de anotações ou imagens (fotográficas ou audiovisuais) e resgatou produções realizadas pelos meninos e pelas meninas; e (iii) interpretou tais observáveis para conseguir compreender os interesses, teorias, assuntos ou perguntas que as crianças estão fazendo sobre si, sobre os outros e sobre o mundo. Perceba-se que a tríade observação-registro-interpretação está diretamente envolvida nesta etapa do trabalho.
136 Pressupostos para a abordagem da documentação pedagógica
Definindo rumos Com base nas perguntas guias elaboradas a partir dos observáveis, o professor encaminha sua prática pedagógica em dois sentidos: o primeiro, organizando o contexto (tempo, espaço e materiais) de tal modo que potencialize as investigações e explorações das crianças. O segundo, elaborando algumas estratégias para propor a pequenos grupos para que possam refletir sobre as pistas projetuais encontradas na fase anterior. Nisto reside o grande sentido de projetar. Etimologicamente, projetar significa lançar de si, fazer incidir, tornar conhecido. Projetar é um poderoso instrumento para garantir que as perguntas das crianças permaneçam vivas. Projetar, no sentido “malaguzziano”, está relacionado com a capacidade do adulto de tornar visíveis as estratégias utilizadas pelas crianças para compreender algo (MALAGUZZI, 2001). É importante notar que não se está entendendo, aqui, o termo projeto como um tema que sugere atividades relativas a ele, ao contrário, projetar é a ação que as crianças utilizam para levar a cabo suas teorias. Daí a importância de novamente a tríade observação-registro-interpretação acompanhar esta fase. Partindo de um exemplo de projeto: meninos e meninas estão buscando compreender o que acontece quando a água entra no ralo do banheiro. Tal questão mobiliza o professor a oferecer um contexto possível para que as crianças elaborem concretamente, por meio de desenhos, esculturas, construções com
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material não estruturado, suas hipóteses a respeito da pergunta gerada por elas e restituída pelo adulto. A partir do acompanhamento e da retroalimentação da prática, o adulto contribui para que as crianças possam elaborar suas teorias e, ao mesmo tempo, vai compreendendo como as crianças procedem, que hipóteses têm, quais estratégias utilizam, como se relacionam com seus pares. Ou seja, é sempre mais uma maneira de aprender o como as crianças aprendem.
Tornar visível para reelaboração e produção de novos horizontes
137 Pressupostos para a abordagem da documentação pedagógica
A última fase deste ciclo está envolvida com o momento em que, finalizado o percurso, o professor já conseguiu reunir as pistas projetuais, as hipóteses das crianças e as histórias ou mini-histórias de cada sujeito envolvido no projeto. De posse deste rico material, o adulto torna visível as experiências das crianças “como uma estratégia ética para dar voz às crianças, para a infância e para devolver uma imagem pública para a cidade” (HOYUELOS, 2006, p. 197). Neste momento, ao tornar público, o professor não só permite que outros possam produzir novas interpretações sobre as crianças e sobre a prática educativa, mas também deve reconhecer essa ocasião para formular novas hipóteses para alimentar as perguntas que permitam o conhecimento ir mais fundo. É, também, quando se acompanha a evolução dos percursos projetados e, enquanto adulto, assume uma postura de curiosidade, como atitude vertical que não quer responder as suas próprias perguntas imediatamente para deixar espaços que abram novos horizontes. Desse modo, é importante lembrar que um material documentativo precisa se fazer claro e compreensível, convidando aqueles que não estão diretamente envolvidos a interpretar e construir sentidos diversos sobre as experiências das crianças e dos adultos. Esse é sempre um momento de comunicar a imagem que temos de criança, adulto e conhecimento, por isso, é uma oportunidade de confronto e debate que afrontem nossas certezas e gerem outras perspectivas possíveis.
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Considerações finais A documentação pedagógica é um modelo curricular que facilita o encontro e o confronto entre diferentes culturas e que pode colocar a criança no centro. Afirma a imagem de um adulto que se interroga de que maneira pode valorizar as peculiaridades da ação pedagógica com os meninos e as meninas em seus percursos na vida coletiva.
138
Esse modelo curricular pode ser um lugar privilegiado em que teoria e prática são evidenciadas, no qual as diferentes dissonâncias culturais e de pensamentos presentes no interior de um grupo educativo são aceitos como valores e transformados em oportunidades de compreensão mútua. Por meio dos materiais documentativos é possível serem novamente interpretadas as ações e práticas e, especialmente, é possível continuamente alimentarem as ideias, as hipóteses em torno de um grupo de crianças e do processo de pesquisa e de experiências que eles mesmos estão construindo e testando.
Pressupostos para a abordagem da documentação pedagógica
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Referências
BROWN, P. C.; SPODEK, B. Alternativas curriculares na educação de infância: uma perspectiva histórica. In: OLIVEIRA, J. F. (Org.). Modelos curriculares para a educação da infância. Porto: Porto Editora, 1996. FOCHI, P. Afinal, o que os bebês fazem no berçário?: comunicação, autonomia e saber-fazer de bebês em um contexto de vida coletiva. Porto Alegre: Penso, 2015. GANDINI, L.; GOLDHABER, J. Duas reflexões sobre a documentação. In: EDWARDS, C.; GANDINI, L. Bambini: a abordagem italiana à educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2002. HOYUELOS, A. La estética en el pensamento y obra de Loris Malaguzzi. Barcelona: Ocatedro, 2006. MALAGUZZI, L. La educacion infantil en Reggio Emilia. Barcelona: Octaedro, 2001.
139 Pressupostos para a abordagem da documentação pedagógica
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Projetos didáticos e lúdicos Adriana Klisysi
i
Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), diretora da Calei-
doscópio Brincadeira e Arte (www.caleido.com.br), autora dos livros Quer jogar? (Edições Sesc); Ciência, arte e jogo (Editora Peirópolis), entre outros.
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141 Projetos didáticos e lúdicos
RESUMO
ABSTRACT
Todo projeto nasce de um desejo e de propósitos claros para realizá-lo. No meio educativo os projetos integram o desejo de professores e crianças em ampliar o conhecimento, finalidade máxima da escola. Refletiremos neste texto como as escolas de Educação Infantil do Sesc têm procurado desenvolver projetos didáticos com um viés lúdico, se debruçando em entender como o complexo mundo interno da criança dialoga com o conhecimento da humanidade.
Every project is born from a desire and clear goals to develop it. In the educational environment, projects integrate the desire of the teachers and children to broaden their knowledge, the school’s ultimate purpose. In this text, we reflect upon how Sesc Preschools have been developing teaching projects with a playful perspective, trying to understand how the complex inner world of the children interacts with humanity’s knowledge.
PALAVRAS-CHAVE: Projeto. Projeto didático. Projeto lúdico.
KEYWORDS: Project. Teaching Project. Playful Project.
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Eu escuto e eu esqueço Eu vejo e eu lembro Eu faço e eu entendo. (Provérbio chinês)
142 Projetos didáticos e lúdicos
A tríade “Projetos didáticos e lúdicos” traz em sua nomenclatura uma forte afinidade com o conhecimento íntegro, autoral, protagonista e pleno de sentido. O termo “projeto”, por definição, supõe implicação pessoal em construir um caminho para atingir um determinado objetivo que diz respeito ao que se almeja alcançar; já o termo “didático” está relacionado às ferramentas eficazes de ensino que podem potencializar boas aprendizagens e, por fim, a palavra “lúdico” nos remete ao prazer autotélico, de contentar-se com o presente da ação. A inter-relação desta trindade, quando efetivamente cultivada na escola, cria uma sintonia fina entre crianças e adultos que vibram com o universo do conhecimento. Não à toa, os relatos da equipe educativa do Sesc, durante as Rodas de Conversa, eram tão entusiasmados, mostrando não só o processo de autodescoberta infantil, mas também o processo do adulto que se descobre aprendendo com as indagações das crianças.
Projeto na escola: fruto de elaboração coletiva e saberes compartilhados A Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc traz a definição de projeto como Processos de elaboração coletiva das crianças com o professor, com o compromisso constante de construção compartilhada dos conhecimentos, envolvendo discussões, interação e socialização com alunos de outras classes, com os pais, outros profissionais da escola e até com a comunidade mais ampla. (SESC, 1997, p. 4)
A escola é um espaço privilegiado de experiência coletiva e colaborativa de construção do conhecimento no qual as crianças são copartícipes de uma comunidade de aprendizado que deve transcender os próprios muros da escola. O contato com os múltiplos informantes da cultura que podem dialogar com a intensa curiosidade das crianças é uma possibilidade que os projetos didáticos contemplam com vistas a favorecer a construção da autonomia infantil diante da busca do conhecimento. Seus esforços investigativos encontram confluência de ideias e nessa interação, que não está centrada no professor, apreendem o conhecimento dinâmico, tal como ele é na vida real.
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Um bom projeto lapida a intenção de aprimorar o conhecimento, impulsiona a caminhada em direção à realização, é combustível para a vontade de transformar a intenção inicial de pesquisa em um desdobramento contínuo de imersão no objeto de estudo. E o mais interessante é que este é um caminho que pode ser compartilhado por crianças e adultos em uma cumplicidade própria de quem descobre e redescobre o mundo. [...] A metodologia de trabalho de projeto em uma perspectiva construtivista aponta para um novo papel do professor, a meu ver o único possível: O professor como cocriador de saber e de cultura com seus educandos. Tenho observado que os melhores projetos em ação, mesmo os que envolvem crianças bem pequenas, são aqueles que implicam não apenas as mentes das crianças, mas as mentes dos adultos; são aqueles que apresentam um conjunto de dificuldades que o adulto tem de resolver. (VASCONCELOS apud BARBOSA; HORN, 2008, p. 10)
143 Projetos didáticos e lúdicos
O sentido dos projetos Projetar para preparar terreno fértil para a criatividade e para o aprofundamento do conhecimento parece ser o principal objetivo que podemos esperar de um projeto didático. Logo, a busca de soluções é uma constante no trabalho com projetos. Os projetos possibilitam avanços em direção aos seus propósitos. O projetar-se, lançar-se para diante é o que nos impulsiona seguir caminhando, tendo vontade de realizar! Quando as crianças estão envolvidas em um projeto estão basicamente tendo a oportunidade de se aprofundar no conhecimento de mundo e no intrínseco campo da subjetividade. O que elas irão estudar é pretexto para esse enriquecimento pessoal. Nesse sentido, todo projeto diz delas mesmas e de seu imenso interesse acerca do mundo do qual começam a fazer parte e de como podem se relacionar pessoalmente com o conhecimento e com sua própria transformação gerada por esse conhecimento. Como todo projeto supõe aprofundamento, a criança está constantemente sendo convidada a experimentar, investigar e lançar perguntas acerca da natureza da vida e de tudo que ela implica. Assim as crianças do Sesc Araguaína — Departamento Regional do Sesc no Tocantins,1 ao investigarem a evolução tecnológica da humanidade, ficam admiradas ao apreciarem fotos em monóculos e se Departamento Regional do Sesc no Tocantins que participou das Rodas de Conversa apresentando relato sobre projetos planejados pelo professor. 1
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questionam: como uma foto de dimensão minúscula, do tamanho de sua digital, pode ser vista tão nitidamente em um monóculo sem uso de energia quando colocada contra a luz, algo muito diferente do que estão acostumadas em seu mundo que usa o meio digital: computadores, tablets e celulares para visualizar de imagens.
144 Projetos didáticos e lúdicos
E o mais interessante é que o projeto, por ajudar a alinhavar o conhecimento, revisitando um mesmo assunto, leva a uma busca que não tem mais fim. O que acontece é que os assuntos mudam, mas as questões por trás deles são muito parecidas e de ordem cada vez mais complexa, dados aprendizados anteriores. Assim, uma turma que acaba de investigar a cultura africana, quando vai conhecer melhor a realidade de seu próprio país ou de outra época histórica, vai se deparar com questões muito próximas em relação à arquitetura, hábitos e costumes, cultura, arte etc., mas em um grau de intimidade com o conhecimento cada vez mais complexo, afinal, quando conhece mais de determinada cultura, conhece a respeito de si mesma. (Projetos) são elaborados e executados para as crianças aprenderem a estudar, a pesquisar, a procurar informações, a exercer a crítica, a duvidar, a argumentar, a opinar, a pensar, a gerir as aprendizagens, a refletir coletivamente e, o mais importante, são elaborados e executados com as crianças e não para as crianças. (BARBOSA; HORN, 2008, p. 34)
Projetos estão sempre comprometidos com a realização, seja fazer um livro, um documentário, organizar uma exposição ou o que quer que seja. Todo bom projeto acolhe desvios de percurso, contempla etapas não previstas e desdobramentos que só podem ser descobertos ao longo do caminhar, portanto, longe de serem previsíveis, são campo aberto de possibilidades para aprender.
O papel da experiência nos projetos lúdicos O projeto, sendo também mundo aberto ao desconhecido, guarda afinidade com o jogo na educação, que é experiência por excelência. Não à toa as crianças experimentam, por meio da brincadeira, diversas situações que lhe são inusitadas. Ao longo de um projeto brincam de viver em uma época em que não a sua, brincam de experimentar lamparina, brincam de experimentar o peso de um ferro de passar roupa antigo com energia do fogo em brasa, brincam de experimentar os modos de vida de um país distante, e assim por diante.
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Larrosa (2002, p. 21), em seu texto “Notas sobre a experiência e o saber da experiência” , fundamenta o papel da experiência na formação humana. Diz ele: É experiência aquilo que ”nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao passar-nos nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto a sua própria transformação... A experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem “pré-ver” nem “pré-dizer”.
Brincadeira e projeto, embora partam de pressupostos diferentes, o primeiro é espaço de educação informal (processo) e o segundo, espaço da educação formal (produção), ambos trazem a semelhança de trabalhar no campo dos desejos, das possibilidades vindouras de tudo o que se imaginar! Ambos têm na experiência uma aliada para seus propósitos. Em matéria de conhecimento, um mundo se tem a conhecer, explorar, experimentar e brincar. Entramos então na esfera de um projeto didático e lúdico. 145 Projetos didáticos e lúdicos
Quando conseguimos encarar o conhecimento de uma forma lúdica nos aproximamos de como a criança compreende o mundo. Então tudo passa a fazer sentido dentro da escola.
Interdependência entre jogo e projeto Pensar na interdependência jogo e projeto com seriedade na escola é abrir margem para viver processos criativos compartilhados entre professores e crianças, uma oportunidade de aprender de modo relacional e assumir as diferenças entre adultos e crianças, para melhor dar conta de encontrar pontos de encontro. Quem nos ajuda a pensar nessa questão de um modo muito generoso é o professor da Universidade de São Paulo (USP) Lino de Macedo (2006), no livro Jogo e projeto: pontos e contrapontos. Vejamos, no quadro a seguir, um resumo da exposição de Lino de Macedo neste livro, no qual considera o jogo e projeto complementares:
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Jogo
146 Projetos didáticos e lúdicos
Projeto
Ser
Tornar-se
Perspectiva da criança
Perspectiva do adulto
Sistema de perguntas ou desafios
Sistema de respostas
Jogo: projeto de criança
Projeto: um jogo de adulto
Acontece de modo natural e espontâneo
Intervenção direta e organizada de adultos
Natureza autotélica (dirigida para si mesma)
Natureza mediada
Imanente
Transcendente
Assimilação
Acomodação
Lúdico
Sério
Objetivo ocupacional
Objetivo profissional
Quadro 1: Resumo do capítulo “Jogo e projeto: irredutíveis, complementares e indissociáveis”, do livro Jogo e projeto: pontos e contrapontos, de Lino Macedo. Fonte: MACEDO (2006).
A complementaridade proposta por Macedo (2006), e sintetizada em forma de tabela ilustrativa que mostra o quão diverso e correspondente são jogo e projeto, nos direciona a uma questão fundamental na escola que é o diálogo entre o universo infantil e o adulto. Diálogo entre saberes, imaginações, pensares e agires que pode ganhar corpo se há um esforço coletivo de integração jogo e projeto, ação e pensamento, realização e compreensão. Realizar e compreender, segundo Piaget (apud MACEDO; MACHADO, 2006, p. 33) são nossas formas fundamentais de conhecimento. [...] Se realizar é compreender em ação, então o jogo é um bom promotor de realizações [...]. Se compreender é realizar em pensamento, então o projeto é um bom promotor de compreensões.
O diálogo entre jogo e projeto é um diálogo entre presente e futuro. A realização no plano da ação (imediato) do jogo dialoga com a realização no plano do pensamento (mediato) do projeto. Ambos: jogo e projeto estão intimamente atrelados à necessidade de compreender, seja compreender na ação ou no pensamento. Portanto, no ponto de encontro entre “jogo: projeto de criança” e “projeto: jogo de adulto” a escola encontra um rumo muito instigante para gestar conhecimento. Afinal, para se conhecer, é preciso,
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antes de tudo, desejar conhecer, desejar brincar com o conhecimento, desejar ir de encontro ao que não se sabe, desejar realizar caminhos por conta própria e em colaboração com todo o legado cultural construído pela humanidade. É do desejo, em última instância, que nascem as possibilidades. Do desejo nascem a ciência, a arte e até a humanidade! Tudo o que existe na vida existe primeiro em sonho (sementes de realização). Todo o mundo tangível, material, nasceu do intangível, do campo das ideias, do desejo, dos sonhos. O desejo de voar da humanidade nasceu primeiro de um sonho, a realização veio depois, a galope!
Onde encontrar uma sineta que soe dentro de teus sonhos?2 147 Projetos didáticos e lúdicos
Onde encontrarmos essa sineta para despertar para nossos sonhos de conhecimento, de estar na escola? Como manter a chama viva de realizar projetos de desfrutar o conhecimento como iguaria que desperta o desejo insaciável de seguir projetando-se na vida? A resposta à provocação estimulada pelo poeta Neruda, cada um poderá encontrar por conta própria, mas fica aqui a dica de olhar sempre para os dois lados da moeda do conhecimento: o campo da razão e o campo da emoção. Qualquer projeto que desenvolvemos na escola é a soma de muitas atividades que realizamos durante um período de tempo para alcançar um objetivo que foi estabelecido em comum acordo entre professores e crianças no início do trabalho. E essa é só a faceta racional do projeto, porque a faceta emocional é igualmente importante, é aquela vai acionar a sineta do desejo de aprender! É alma do projeto!
Algumas condições fundamentais para projetos de corpo e alma • Ser de interesse (desejo, sonho) do grupo como um todo (alunos em primeiro lugar, mas também do professor). • Contemplar espaço para brincar. • Abarcar o conhecido e o desconhecido. O professor e as crianças devem ter uma visão geral do começo até o fim das etapas que precisam ser realizadas para o projeto, considerando as etapas não previstas como muito bem2
NERUDA, 2007.
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-vindas, presentes conquistados no percurso de pesquisa. (Desconfie de um projeto 100% previsível!). • Ter fortes elos culturais permeando os estudos e investigações: diversidade de fontes de informações e, preferencialmente, que haja diálogo real com diferentes informantes da cultura. Neste sentido passeios a campo, contato com professores e alunos de universidades, visitas a bibliotecas públicas, livrarias, museus e equipamentos culturais são mais do que necessários. • Ter sintonia fina entre crianças e adultos. O professor deve estar totalmente conectado em aprender com as crianças, escutá-las, observá-las, admirá-las em toda sua potência, e então 100% disponível para alimentar, trazer recursos para que possam explorar por conta própria o vasto mundo do conhecimento. Afinal...
148 Projetos didáticos e lúdicos
[...] A criança É feita de cem [...] Cem mundos Para descobrir [...] Cem mundos para inventar[...] Cem mundos para sonhar [...] (MALAGUZZI apud EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999)
E o adulto, tem cem olhares atentos para desvendar o mundo infantil?
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Referências
BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. da G. S. Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artmed, 1999. KLISYS, A. Ciência, arte e jogo: projetos e atividades lúdicas na educação infantil. São Paulo: Peirópolis, 2010. LARROSA, J. Nota sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, jan./fev./mar. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/ n19a02.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2016. MACEDO, L. de. Jogo e projeto: irredutíveis, complementares e indissociáveis. In: MACEDO, L. de; MACHADO, N. J.; ARANTES, V. A. (Org.). Jogo e projeto: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus Editorial, 2006.
149 Projetos didáticos e lúdicos
MACEDO, L. de; MACHADO, N. J.; ARANTES, V. A. (Org.). Jogo e projeto: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus Editorial, 2006. NERUDA, P.; FERRER, I. Livro das perguntas. São Paulo: Cosac & Naif, 2007. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil no Sesc. Rio de Janeiro, 1997.
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Projetos propostos pelo professor Francisca Nunes de Limai
i
Orientadora pedagógica da Educação Infantil do Sesc Escola de Araguaína (TO), for-
mada em Pedagogia com especialização em Avaliação Educacional pela UFPI, em 1995.
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151 Projetos propostos pelo professor
RESUMO
ABSTRACT
Este texto trata de assuntos referentes à prática pedagógica na escola de Educação Infantil do Sesc Araguaína (TO). Nele serão compartilhados a concepção de trabalho com projetos como construção coletiva entre os personagens do processo de “ensinagem” por meio da constante troca de conhecimentos, interação, socialização e discussões com as crianças, os professores, os pais e a comunidade como um todo.
This text is about issues that concern the teaching practice in the Sesc Araguaína Preschool, in the state of Tocantins. In it, the authors share with the reader the conception of the work with projects as a collective development among the players involved in the teaching process though a constant exchange of knowledge, interaction, socialization and discussions with children, teachers, parents and the whole community.
PALAVRAS-CHAVE: Projetos. Professor. Crianças. Propostos.
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KEYWORDS: Projects. Teacher. Children. Proposals.
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Projetos a favor da aprendizagem A escrita a seguir pretende estabelecer uma abordagem acerca do trabalho com projetos, que visa criar possibilidades para a criança aprender de maneira significativa e contextualizada. O trabalho com projetos, em especial na Educação Infantil, sugere ações mediadas pelos professores e pelas crianças. Seus temas partem das áreas de conhecimentos contidas no currículo (Matemática, Ciências, Práticas de Linguagem, Arte, Corpo e Movimento e Expressão) e, ainda, dos sujeitos mediadores da ação de ensinagem e aprendizagem, ou seja, alunos e professores. Seus temas podem partir tanto das necessidades observadas/registradas pelo professor, considerando as características do grupo, a faixa etária e o contexto sociocultural, como nos diálogos traçados entre as crianças nas rodas de conversas diárias, quando surgem assuntos de seus interesses, contendo uma grande riqueza de conhecimentos (prévios) trazidos de suas vivências. 152 Projetos propostos pelo professor
A relevância do projeto está na possibilidade de favorecer que a criança amplie sua capacidade de leitura de mundo justamente porque faz a ponte entre as características internas das áreas de conhecimento com a forma peculiar da criança pensar, agir e sentir o mundo à sua volta.
Considerando os elementos da prática pedagógica com projetos O trabalho com projetos propostos pelo professor suscita alguns elementos essenciais a serem considerados antes mesmo do planejamento, da execução e da avaliação. São eles: a crença na criança potente, capaz de aprender e compartilhar seus saberes, e uma proposta pedagógica que privilegie o espaço e o tempo como favoráveis às interações entre as crianças, incentivando iniciativas, descobertas infantis e fortalecendo a construção da autonomia. Considera-se que a escola tem o papel crítico de proporcionar projetos que saiam da obviedade, evitando alimentar questões midiáticas tão frequentes na sociedade. O professor observador, que tem elementos para uma boa escuta, conseguirá identificar o que move a curiosidade infantil. Um primeiro ponto de partida é a análise da documentação pedagógica (portfólios, registros fotográficos, relatórios individuais etc.) a fim de verificar quais aprendizagens anteriores foram vivenciadas.
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Após analisar o perfil do grupo, deverá estar constantemente atento às narrativas do grupo nos momentos de roda de conversa e rotina. A escola de Educação Infantil [...] constitui contextos onde se pode captar a competência relacional e a inteligência construtiva das crianças. São características desse contexto, entre outras, a possibilidades de encontros com outras crianças, de diferentes idades e de outras relações diferenciadas, norteadas por uma estrutura organizada, estável e regular. Então, documentar as experiências das crianças na escola é fundamental para que se possam estudar as próprias crianças e, consequentemente, refletir sobre práticas pedagógicas mais ajustadas ao que é necessário aprender nessa fase da vida. (SESC, 2015, p. 28)
Diante do levantamento de tais informações, é preciso pensar no envolvimento das crianças no projeto. Para tanto, o planejamento da atividade inicial é o pontapé para instigar a curiosidade. A partir dela, o professor tem um conhecimento melhor das crianças: O que sabem? O que precisam saber? Quais relações com o conhecimento os alunos fazem? 153 Projetos propostos pelo professor
Para fazer o levantamento dos conhecimentos junto ao grupo, o professor deve provocar contato com situações reais e significativas e evitar que as rodas de conversas planejadas para esse momento se restrinjam apenas a perguntas e respostas. O professor compartilha o objetivo do projeto e do produto final, reconhecendo as crianças como coautoras do planejamento, provocando sentimento de pertencimento nos fazeres e saberes do cotidiano. Paralelo a isso, há que se ter uma visão plural dos pais como colaboradores do projeto.
Planejamento e execução do projeto Parte do planejamento é pensada a partir dos conhecimentos prévios das crianças. A construção do quadro “O que sabemos?” é a próxima etapa.1 Na roda de conversa, a intenção do professor é instigar os saberes que o grupo já tem sobre o assunto, assim os dados do quadro alinhavam o projeto de outra maneira, pois a partir das respostas das crianças o projeto vai tomando outros direcionamentos. Nesse sentido, durante a execução do projeto, é preciso alinhavar as hipóteses levantadas pelas crianças e as descobertas feitas por meio das leituras, pesquisas, experimentações e trocas. Em nossas escolas organizamos um quadro que vai sendo preenchido junto com as crianças, com as seguintes colunas: O QUE SABEMOS? (Primeiras hipóteses e saberes sobre determinado assunto)/O QUE QUEREMOS SABER? (são as dúvidas e curiosidades que temos sobre o assunto)/E O QUE DESCOBRIMOS? (registro das respostas que vamos dando àquelas sugestões ou mesmo novos saberes). 1
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O projeto didático Evolução Tecnológica é um exemplo da ponte que deve ser feita entre os saberes prévios das crianças e sua transformação em conhecimento científico. A proposta foi desenvolvida pelo grupo “Baladeira” (5 anos) em 2012 no Sesc Escola de Araguaína, e teve como intenção pedagógica proporcionar às crianças o conhecimento de algumas tecnologias do passado comparando-as com as do presente, considerando a realidade em que vivem. Uma das etapas do projeto foi a Manhã na Roça, em que as crianças puderam reproduzir situações vivenciadas em lugares que “talvez” não tivessem a oportunidade de conhecer, como: pilar arroz, moer café, brincar com a baladeira/estilingue, dançar ao som do disco vinil, fazer comida na panela de ferro e no fogão a lenha, passar roupa com o ferro a brasa, fazer plantação com a matraca/plantadeira e, por fim, ouvir história à luz de lamparina.
154 Projetos propostos pelo professor
Figura 1: Ferro a brasa: experimentando pesos, texturas e força de utensílios antigos. Fonte: VIEIRA, L. (2012).
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Para dar mais intensidade à manhã na Roça, fez-se o “fogo” confeccionado com papel celofane, o fogão a lenha com tijolos, e o carvão para simbolizar a brasa do ferro.
155 Projetos propostos pelo professor
Figura 2: Fogo a lenha e quibano: experimentando sabores por meio do manuseio de alimentos com utensílios antigos. Fonte: VIEIRA, L. (2012).
À medida que os alunos manuseavam os objetos, trocavam ideias e informações, iam estabelecendo relações de conhecimento, já que algumas crianças tinham vivências no ambiente rural e conheciam alguns utensílios. Outra etapa que instigou a curiosidades dos alunos foi a Roda de Histórias sob luz de lamparina. A proposta foi uma contação de histórias da roça realizada pela professora, sob as luzes apagadas da sala e a luz da lamparina acesa. As crianças perguntavam como aquele pedaço de tecido ficava iluminado se não havia nenhum
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interruptor próximo. Dessa maneira, o grupo era provocado a pesquisar, observar, trocar ideias e registrar. As buscas pelas respostas para as curiosidades do grupo surgiam a todo momento. Livros, enciclopédias, conversas com os avós, entrevistas com fotógrafos ajudaram os alunos a entenderem o funcionamento do monóculo. Como um objeto tão pequeno podia reproduzir com detalhes as pessoas de décadas passadas? O que vivenciam, as roupas da época, os penteados, as calças de cós alto e “boca de sino”.
156 Projetos propostos pelo professor
Figura 3: Máquina fotográfica antiga: aprendendo que as lentes podem visualizar e aumentar o tamanho das coisas e objetos. Fonte: VIEIRA, L. (2012).
O papel do professor é fazer observações e registros sobre as aprendizagens construídas, estes são pontos para avaliação do projeto e validação das etapas.
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Considerações finais Levando em conta Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1997), a escola tem o papel de ampliar a compreensão de mundo das crianças a partir da construção de um processo de ensino-aprendizado que considere como ponto de partida o nível de desenvolvimento real do aluno, e, como ponto de chegada, as intenções pedagógicas estabelecidas pela escola e as expectativas de aprendizagem para cada faixa etária. Hoje, é preciso assumir o papel de coadjuvante na construção de saberes e conhecimentos propostos às crianças. Segundo Barbosa e Horn (2008, p. 28):
157 Projetos propostos pelo professor
Passou-se de uma concepção segundo a qual as crianças eram vistas como seres em falta, incompletos, apenas a serem protegidos, para uma concepção das crianças como protagonistas do seu desenvolvimento, realizado por meio de uma interlocução ativa dos seus pares, com os adultos que as rodeia, com o ambiente no qual estão inseridas. As crianças são capazes de criar teorias, interpretações, perguntas e são coprotagonistas na construção dos processos de conhecimento. Quando se propicia na educação infantil a aprendizagem de diferentes linguagens simbólicas, possibilita-se às crianças colocar em ação conjunta e multifacetada esquemas cognitivos, afetivos, sociais, estéticos e motores.
Quanto ao professor, os projetos propostos possibilitam uma abordagem corpo a corpo das aprendizagens da criança, já que faz uso de diversos instrumentos avaliativos para repensar sua prática, levantar conhecimentos prévios, traçar objetivos, fazer intervenções que visam avanços significativos, e, acima de tudo, reestruturar novas etapas do projeto com desafios novos. Nesse sentido, estabelece-se a transformação dos conhecimentos prévios e os conhecimentos científicos e, ainda, o diálogo entre as áreas ressaltadas no currículo. O trabalho com projetos propostos pelo professor tem o caráter de “provocar” a criança, proporcionar que conheça um objeto de estudo, um momento histórico específico e ainda a interação com tal objeto. O espaço para o trabalho com projetos deve ser compartilhado com as crianças, afinal, elas são autoras dos seus próprios conhecimentos, pensam, levantam hipóteses, desejam saber, propõem soluções para as situações-problemas e aprendem. Segundo a Proposta Pedagógica da Educação Infantil no Sesc (SESC, 2001, p. 32):
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Não é à toa que (as crianças) vivem em constante experimentação misturando terra com água, empurrando objetos pesados com toda força, escutando atenciosamente as histórias de pessoas mais velhas e se interessando profundamente pelas histórias de outras civilizações. Como cientistas e historiadores, a todo momento tecem comentários, levantam hipóteses e elaboram teorias a respeito de suas observações, buscando dar significado às situações com as quais convivem e criam: fazem leituras do mundo.
A todo o momento é preciso avaliar a postura do professor-mediador diante da construção do conhecimento, pois a intencionalidade pedagógica deve ser sempre colocar as crianças em situações nas quais possam ter uma relação prazerosa com tal conhecimento. E os projetos pensados pelo professor podem ser um caminho muito interessante.
158 Projetos propostos pelo professor
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Referências
BARBOSA, M. C.; HORN, M. G. S. Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008. OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil no Sesc. Rio de Janeiro, 2001. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil. Rio de Janeiro, 2015. SESC. Departamento Regional de Araguaína. Projeto evolução tecnológica: grupo 3. Araguaína, 2012. VIEIRA, L. Ferro a brasa: experimentando pesos, texturas e força de utensílios antigos. 2012. 1 fotografia. 159 Projetos propostos pelo professor
VIEIRA, L. Fogo a lenha e quibano: experimentando sabores através do manuseio de alimentos com utensílios antigos. 2012. 1 fotografia. VIEIRA, L. Máquina fotográfica antiga: aprendendo que as lentes podem visualizar e aumentar o tamanho das coisas e objetos. 2012. 1 fotografia.
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Registro como instância formativa Ana Mara de Sousai
i
Coordenadora Pedagógica do Sesc Centro Educacional de Floriano, no Sesc no Piauí,
graduada em Pedagogia no Instituto Superior de Ensino São Judas Tadeu (ISESJT) e especializada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade Evangélica Meio Norte.
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161 Registro como instância formativa
RESUMO
ABSTRACT
Como transformar a escrita do professor em um espaço de interlocução, de escuta, de problematização, de crescimento pessoal, profissional e de aprendizagem? Esse é um dos enormes desafios que move o trabalho de mediação do coordenador pedagógico na formação dos professores apresentado neste relato de experiência.
How to turn the writing of professor in a space of dialogue, listening, questioning, personal, professional growth and learning? This is one of the huge challenges that moves the mediation work of the pedagogical coordinator in training of teachers presented this case studies.
PALAVRAS-CHAVE: Coordenador. Registro. Reflexão.
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KEYWORDS: Registration. Coordinator. Reflection.
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O coordenador pedagógico: mediador da escrita reflexiva no espaço escolar Por tudo isso, escrever é muito difícil. Compromete mais que falar. Escrever deixa marca, registra pensamento, sonho, desejo de morte e de vida. Escrever dá muito trabalho porque organiza e articula o pensamento na busca de conhecer o outro, a si, o mundo. Envolve, exige, exercício disciplinado de persistência, resistência, insistência, na busca do texto verdadeiro. (FREIRE, 1992)
O coordenador tem um papel fundamental no processo de construção da escrita reflexiva do professor, o de mediador, garantindo um espaço efetivo para a escrita-reflexão e o de formação permanente a partir do seu olhar atento às necessidades e conquistas da equipe pedagógica.
162 Registro como instância formativa
Nesse processo, ele assume o desafio que emerge da escrita reflexiva: a construção de um lugar de constante pesquisa que utiliza o registro escrito, não como algo estático, mas uma escrita que revela saberes e dúvidas, que gera movimento, constrói hipóteses, interrogações e afirmações, um lugar de estudo sobre a sua própria escrita e suas revelações. Um lugar para visitação do professor ora individualmente ora de forma coletiva (professor-coordenador/professor-professor/professor-coordenador-professor). E para que o coordenador possa definir o caminho, o primeiro passo é saber aonde a escola quer chegar: Qual o sentido do processo de ensino e aprendizagem dentro do espaço escolar? Pois é a partir das concepções sobre educação apresentadas no projeto político pedagógico que o coordenador organizará seu projeto de formação e as escolhas de estratégias formativas. O planejamento da formação precisa ser pautado em relações interpessoais éticas e espaços de diálogos, articulado com o gestor e a equipe docente que devem atuar não apenas como ouvintes, mas protagonistas da sua própria formação. Isso implica não só a identificação das necessidades formativas dos professores, mas o acolhimento das potencialidades da equipe. Despertando no grupo o desejo pela produção escrita, compreendendo-a como aspecto importante para a autoria da sua prática. Aprofundar o conhecimento sobre a proposta pedagógica do Sesc, os documentos do MEC e bons referenciais teóricos subsidiam o trabalho de organização do planejamento da coordenação e produção do próprio registro.
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Assim como o professor, o coordenador precisa fazer a gestão do tempo dentro do espaço escolar. Para isso o planejamento semanal apoia a tomada de decisões que tem alicerce no projeto de formação, garantindo efetivamente a presença junto à formação dos professores. Essa presença sensível e constante do coordenador pedagógico, além de construir confiança, faz nascer a parceria e a capacidade de colocar-se no lugar do outro, fazendo surgir espaço para uma efetiva formação e o desejo de constante aprendizagem. De acordo com o Ministério da Educação (BRASIL, 2010, p. 25),
163 Registro como instância formativa
Essa opção pressupõe considerar o professor um sujeito ativo de seu processo de formação e enfatizar o trabalho com situações-problema que demandem a utilização de saberes adquiridos – pressupõe, portanto, um outro “lugar” para os conhecimentos teóricos, um outro tipo de relação teoria-prática, diferente do que orienta os modelos tradicionais de formação.
Sobre a leitura dos registros e as devolutivas Ao falarmos sobre a leitura dos registros, é importante ressaltar que essa estratégia formativa está ligada ao acompanhamento dos planejamentos e a observação da prática pedagógica. Esses três elementos formativos, apesar de acontecerem em momentos diferentes, se completam, e, quando realizados com frequência na rotina, o coordenador possibilita a identificação de necessidades formativas e a organização de outras importantes estratégias. O diagrama apresentado a seguir apresenta o ciclo de acompanhamento da coordenação organizado a partir do planejamento elaborado pelo professor:
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Elaboração da devolutiva pelo coordenador
Reunião individual (Professor + coordenador para reflexão da aula observada e entrega da devolutiva
Leitura dos registros
Planejamento
Observação Leitura e análise dos planejamentos com dicas e observações escritas feitas pelo coordenador
164
Quadro síntese do trabalho de acompanhamento individual do coordenador pedagógico do Sesc Centro Educacional de Floriano. Fonte: Elaborado pelo autor.
Registro como instância formativa
Ao ler a escrita do professor, cabe ao coordenador uma postura atenta, reflexiva e sensível, que tem como intuito contribuir com o processo de formação, tendo como foco conhecer o que já sabe o professor, apoiá-lo na reconstrução de conhecimento, valorizando seus saberes, experiências, dúvidas e reflexões. A interação entre o coordenador e o professor permite ao professor espelhar-se, perceber suas conquistas e suas falhas na situação refletida. O coordenador ao ler um registro, precisa ter uma atuação vivamente reflexiva. É necessário que se coloque no lugar do outro e busque estratégias para mobilizá-lo a ponto de enxergar aquilo que não viu, escutar aquilo que não ouviu, se perguntar sobre aquilo que não pensou e explicar aquilo que realizou. (BRASIL, 2007, p. 71)
A seguir, o trecho de uma devolutiva enviada a uma professora a partir da leitura do registro diário. [...] o registro que mais me fez pensar e quero te convidar a continuar pensando até que as fumacinhas do cérebro se acalmem foi a sua escrita sobre a ação de tirar as folhas porque eles (crianças) só queriam fazer desenhos ao chegar a escola. Minha primeira reflexão: “Quando você tira a folha porque gostam de desenhar, não acho que seja o melhor caminho; afinal a nossa luta diária é escutar o interesse das crianças. Podemos pensar em outros recursos para o desenho. Claro que conversar sobre o meio ambiente é importante. Pensei no papel em outra expectativa, a de conhecimento: estudar sobre o
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papel, de onde ele vem? Existem brinquedos de papel? Reciclagem de papel, reutilização do papel, diversidade de textura do papel, quais são os artistas da cidade e do mundo que usam o papel como matéria-prima? O primeiro país a produzir o papel? Na cidade há fabrica para reciclagem do papel: e qual o nosso papel diante de tantos papéis? Existem múltiplos caminhos para repensarem o assunto”. (ANA MARA)
A reflexão em dupla (professor-coordenador) após essa devolutiva fez surgir na turma um novo projeto didático denominado De onde vem o papel? Juntamente com a leitura dos registros e a identificação das necessidades e potencialidades do professor surgem novas estratégias de formação. O professor, em parceria com o coordenador, acompanha a produção de registro do estagiário durante essa estratégia, além de apoiá-los na sua formação. O professor tem a oportunidade de refletir sobre a qualidade de um texto que apresenta dados importantes para análise do processo de ensino e de aprendizagem. 165 Registro como instância formativa
A roda de leitura dos registros e textos de diferentes gêneros, como uma atividade permanente, é outra estratégia que favorece a construção de um ambiente reflexivo e transforma a escola em um espaço de aprendizagem. À medida que acompanha os registros, o coordenador tem a possibilidade de reconhecer as competências de cada professor e usá-las na formação de todos os integrantes do grupo ou traçar caminhos para a formação individual de cada professor, e foi com esse intuito que nasceu o espaço “Dica do professor”. Atividade que acontece nos encontros coletivos de formação onde o professor responsável pelo espaço realiza pesquisas de referências teóricas e apresenta uma relação entre a teoria e sua própria prática.
Considerações finais São inúmeros os desafios na produção da escrita reflexiva, ela exige do seu escritor dedicação, disciplina e tempo para a elaboração de hipóteses sobre os registros. Confiança e disposição para compartilhar com diferentes parceiros, que com seu novo olhar fortalece, a necessidade de pensar sobre o escrito. Cabe então ao coordenador pedagógico, enquanto mediador da construção dessa escrita, oferecer ao professor ferramentas para a coleta de dados e a reflexibilidade dos acontecimentos dos processos de ensino e de aprendizagem, a construção de conhecimento e a tomada de consciência sobre a prática pedagógica.
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Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Guia de orientações metodológicas gerais. Brasília, 2001. BRASIL. Secretaria de Educação a Distância. Coleção proinfantil: textos de apoio à formação inicial para professores em exercício na educação infantil. Brasília, 2007. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (Brasil). Resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as diretrizes curriculares para a educação infantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18 dez. 2009. FREIRE, M. A paixão de conhecer o mundo: relato de uma professora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. FREIRE, M. Observações, registro, reflexão: instrumentos metodológicos I. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1992. GUIMARÃES, A. A. O coordenador pedagógico e a educação continuada. São Paulo: Loyola, 1998. PERRENOUD, P. 10 novas competências para ensinar. São Paulo: Artes Médicas, 2000. 166 Registro como instância formativa
SALVADOR (BA). Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer. Coordenador pedagógico: caminhos, desafios e aprendizagens para a prática educativa. Salvador, 2012. SCARPA, R. Era assim, agora não...: uma proposta de formação de professores leigos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. ZABALZA, M. A. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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Registro da prática pedagógica Andréa Relva da Fontei
i
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro — Proped/Uerj. Pedagoga, professora de Educação Infantil, com experiência em coordenação pedagógica e formação em serviço de profissionais da educação na rede pública e privada.
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169 Registro da prática pedagógica
RESUMO
ABSTRACT
Este texto reflete sobre as valorosas ações de observar e registrar a prática pedagógica na Educação Infantil, tendo como premissa a perspectiva sócio-histórico-cultural do desenvolvimento. Aponta para o compromisso com a reflexão acerca da prática, visando a permanente ressignificação do fazer docente.
This text reflects upon the valuable actions of observing and recording the teaching practice in Preschool Education, and it has as a premise the social, historic and cultural perspective of development. It points out to the commitment with the reflection concerning the practice, with the goal of permanently resignifying the teaching practices.
PALAVRAS-CHAVE: Observação. Registro. Educação Infantil.
KEYWORDS: Observation. Record. Preschool Education.
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Reencontrando o fio da meada O que somos, ou melhor, o sentido do que somos, depende das histórias que contamos. (LARROSA, 1994, p. 48)
Retomamos aqui o diálogo iniciado em nossa Roda de Conversa que teve como tema o “Registro da Prática Pedagógica”. Rememorando esse momento, volto a trazer para a prosa o convite para refletirmos sobre o nosso fazer pedagógico, permeado por práticas de sucesso que contemplam o trabalho coletivo como elemento fundamental para a sua constituição e reiteram a centralidade das crianças na ação educativa. Nesse sentido, compreender as crianças em relação ao contexto social no qual estão imersas constitui princípio central deste texto. Afinal, como percebemos quem elas são, como as vemos e as compreendemos, com certeza, influencia a nossa ação docente. 170 Registro da prática pedagógica
Há meninos e meninas que vivem com pais, avós, tios, amigos e os que vivem em instituições. Há os que moram em diferentes pontos das cidades, pertencentes a diferentes grupos sociais, étnicos e religiosos, e há os que têm necessidades educacionais específicas. Enfim, há um panorama repleto de diversidade, e a partir dele podemos considerar que as crianças têm múltiplos modos de inserção e compreensão do mundo físico e social que as rodeiam. O conhecimento a respeito dos outros, de si mesmas e da realidade social é constituído pelas ações e interações por elas vivenciadas. Acreditamos, portanto, que contextos tão heterogêneos geram modos de compreensão do mundo e acesso a conhecimentos também bastante diversos. A partir dos múltiplos panoramas no qual vivem nossas crianças, propomos a reflexão sobre os percursos e contextos nos quais estão inseridas, envoltas por singularidades e contradições, pois muitas são as suas infâncias. Conhecer e compreender essa diversidade são passos fundamentais para a efetivação do ato de refletir, pois “Não existe ação reflexiva que não leve sempre a constatações, descobertas, reparos, aprofundamento. E, portanto, que não nos leva a transformar algo em nós, nos outros, na realidade” (FREIRE, 1996, p. 39).
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Observação e registro: possibilidades para refletir e recriar a prática Mediados pelo registro deixamos nossa marca no mundo. (FREIRE ,1996, p. 41)
Compreendemos a observação e o registro como estratégias privilegiadas para a reflexão sobre a ação docente e para o planejamento dessa ação. O modo como concebemos a educação e a função da escola na vida das crianças exerce forte influência na atribuição do valor que imprimimos aos atos de observar e registrar enquanto instrumentos de fortalecimento da prática pedagógica, orientadores dos rumos a serem vivenciados para a promoção do desenvolvimento/aprendizagem de nossos pequenos. Afinal, “Os tempos mudam, porém a escola tem uma função específica para a qual foi pensada e criada: socializar por meio do conhecimento” (SESC, 2014, p. 18). 171 Registro da prática pedagógica
Por ser um instrumento de pesquisa, a observação envolve um processo investigativo voltado para a descoberta. Nesse sentido, é importante que os professores proponham investigações sistemáticas que lhes possibilitem conhecer mais sobre as crianças, apostando em suas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem. A observação ocorre a partir do olhar atento sobre o cotidiano, ancorada nos eixos norteadores propostos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010): interações e brincadeira, tendo como referência as crianças em suas singularidades, o grupo, o espaço e o tempo vivenciado, os materiais envolvidos, as expectativas de aprendizagem, as práticas pedagógicas... Segundo a Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc (SESC, 2014), a observação também pode ser organizada sob a forma de pautas prévias, elaboradas a partir de um planejamento específico. O foco dessa observação pode ser, portanto, aspectos de uma situação didática determinada. A prática do registro diário fundamenta a ação docente, sendo um valioso instrumento do pensamento e do acompanhamento pedagógico. Ao registrar, o docente conta sua história, a história do seu grupo e de cada criança, bem como do processo de desenvolvimento/aprendizagem, deixando marcas e construindo histórias (BRASIL, 2007). Oliveira et al. (2012, p. 375) destacam a importância da escrita para o percurso profissional, pois “proporciona um balanço do ocorrido, provoca a estruturação deliberada do significado e é uma expressão ativa e pessoal”.
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Não há um sujeito isolado, individual. O sujeito é necessariamente cultural e social, até porque seu próprio desenvolvimento se dá graças à existência de outro. A partilha de registros entre os pares (nesse contexto, o coordenador pedagógico assume papel relevante, sendo um interlocutor de destaque), reveste-se em estratégia eloquente para o fortalecimento da prática educativa conduzida pelo viés da reflexão. Destarte, a troca entre os pares traz para a centralidade do processo educativo a linguagem, concebida por Vigotski (1896-1934) como propulsora do desenvolvimento e da constituição da consciência do sujeito. Vigotski (1993, p. 108) diz que “o pensamento não é expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir”. As palavras concretizam o pensamento, assim como a escrita o materializa. Nesse sentido, o registro é a materialização do pensamento que possibilita a reflexão sobre o já vivido e o planejamento para as próximas ações a serem vivenciadas, enquanto tecida a trama do momento presente. 172
E o desafio continua...
Registro da prática pedagógica
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições. (BARROS, 2010, p. 346)
Registramos na memória diversas cenas do cotidiano, mas nem todas permanecem. Nesse sentido, Freire (1996, p. 41) destaca que “o registro escrito amplia a memória e historifica o processo, em seus momentos e movimentos [...]”. Registrar, portanto, é relatar história, é ampliar as possibilidades da memória, é apreender, por meio de palavras, momentos reveladores vivenciados. Nos registros urge pulsar a vida, vida que ecoa a partir da observação docente sobre o coletivo e sobre as singularidades de cada pequeno sujeito que compõe o grupo. Nesse contexto, cabe também ao docente relatar as próprias ações/intervenções, sentimentos, dúvidas e hipóteses, possibilitando a reflexão acerca da própria ação enquanto sujeito ativo e produtor de conhecimento. Deixamos aqui o desafio de continuarmos essa roda constituída por palavras narradoras de histórias. Palavras que expressam experiências de crianças e docentes no contexto educativo por meio do registro da prática pedagógica. Prossigamos na trilha do fortalecimento de nossa atuação profissional, pois como disse o poeta: [...] A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. (BARROS, 2003)
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Referências
BARROS, M. de. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003. BARROS, M. de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010. BRASIL. Secretaria de Educação a Distância. Coleção proinfantil: textos de apoio à formação inicial para professores em exercício na educação infantil. Brasília, 2007. BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília, 2010. FREIRE, M. (Org.). Observação, registro, reflexão: instrumentos metodológicos I. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996. LARROSA, J. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, T. T. O sujeito da educação. Petrópolis: Vozes, 1994. p.35-86. OLIVEIRA, Z. R. et al. (Org.). O trabalho do professor na educação infantil. São Paulo: Biruta, 2012. 173 Registro da prática pedagógica
SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil do Sesc. Rio de Janeiro, 2014. VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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Roda de leitura para professores: o registro como prática de formação Teresinha de Jesus Conceição Souzai
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Pedagoga pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Tupã/SP; pós-graduação em
Didática Geral pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Jales/SP; pós-graduação em Educação Infantil e Psicopedagogia pelo Instituto MT de Pós-graduação (IMP/Cuiabá/MT); pós-graduação em Gestão Escolar e Didática Geral pela Faculdade de Ciências Administrativas Cuiabá (MT); coordenadora geral da Escola Sesc Pantanal.
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175 Roda de leitura para professores: o registro como prática de formação
RESUMO
ABSTRACT
A prática de registrar é uma das ferramentas que possibilita benefícios ao trabalho docente, tais como tecer reflexões sobre a prática a partir de uma revisitação a esta mesma prática. Começar a escrever reflexivamente sobre o cotidiano escolar é certamente um desafio a ser perseguido no processo formativo. Ao longo deste texto saberemos como a equipe da Escola Sesc Pantanal encontrou um caminho para que esse processo se tornasse possível. O presente artigo sintetiza o percurso da implementação da prática do registro do professor como uma metodologia de formação junto com a coordenação.
The practice of recording is a tool that brings benefits to the teaching work, such as making reflections regarding the practice through a perspective of revisiting said practice. To begin to write pensively about the everyday life in school is surely a challenge that should be pursued during the training process. Throughout the text, the reader will get to know how the team at Escola Sesc Pantanal has found a way to make this process feasible. The article summarizes the process of implementation of the practice of recording by the teachers along with the coordination as a training methodology.
PALAVRAS-CHAVE: Prática. Registro. Reflexão. Formação.
KEYWORDS: Practice. Record. Reflection. Training.
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Registrar o que e para quê? Preocupar-se com a formação em serviço dos professores talvez seja a inquietação de qualquer coordenador comprometido com o trabalho de sua escola. O olhar do coordenador precisa ser atento à realidade tendo como referências as ações que nela acontecem para oferecer ajustes ao processo formativo docente. Foi com esse olhar que resolvemos acrescentar, ao processo de formação continuada da Escola Sesc Pantanal, o registro do professor como prática formativa.
176 Roda de leitura para professores: o registro como prática de formação
Desde que a nossa escola começou, em 2002, temos recebido orientações do Departamento Nacional do Sesc sobre a importância do registro. Mesmo aprofundando conhecimentos teóricos sobre a prática, realizando leituras de registros de outros professores do Sesc, essas considerações ainda ficavam no plano das ideias e nunca conseguíamos colocá-las em prática. O discurso entre os docentes era: “Não temos tempo para escrever.”“Registrar o que e para quê?” Alguns até demonstravam o desejo de registrar, mas não sabiam como colocar no papel suas experiências de sala de aula. Outros desconheciam totalmente esta prática, logo, não entendiam sua importância. Contudo, embora poucas professoras (do segmento Educação Infantil) já escrevessem sobre suas vivências, nós da coordenação não realizávamos nenhum trabalho efetivo sobre essa prática. Líamos os cadernos somente para acompanhar o trabalho. Mas, e depois? O que fazer com esses cadernos? Não dávamos-nos conta da necessidade de estabelecer um diálogo reflexivo com o registro dos educadores. Se considerarmos que a escrita cria a condição de nos distanciarmos da prática e reflertirmos mais profundamente sobre ela, a devolutiva mais adequada que poderíamos compartilhar com o educador seria seguir o mesmo princípio: escrever nossas impressões acerca da situação didática analisada por ele e ainda oferecer ajudas para que pudessem avançar na condução das situações individuais e grupais de aprendizagem que acontecem na escola. Então, era preciso que também a coordenação pusesse a “mão na massa” dos registros e lê-los com atenção, anotar aspectos, fazer perguntas aos professores: o registro como prática de formação de professores.
A primeira roda de leitura de registros O ano de 2010 foi um divisor de águas nesse processo. A equipe de coordenação avaliou que havia a necessidade de fazer uma ação por meio da qual os professores
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pudessem contar suas práticas e refletir sobre elas. Se queríamos que o registro se tornasse uma prática da equipe, precisávamos que todos percebessem sua importância. Foi aí que pensamos em criar as “rodas de leitura de registros”. O ponto de partida foi uma reunião com professores e estagiários sobre a organização e sistematização dos registros. Nessa reunião apresentamos a ideia da roda de leitura de professores, quando cada um poderia ler registros que tivesse feito sobre seu cotidiano com as crianças. E se haveria leitura, teria de haver registros... E considerando aquelas observações dos professores sobre registrar ou não, sugerimos alguns pontos para definir, coletivamente, como: data, local e horário para a primeira roda de leitura; quantidade de aulas a serem registradas (duas ou mais aulas interessantes) relatando as ações positivas que desencadearam a aprendizagem das crianças e as dificuldades encontradas no momento de executar o planejamento. Durante a roda de leitura, cada professor teria liberdade no modo de compartilhar seu registro. 177 Roda de leitura para professores: o registro como prática de formação
Com base na sistematização desses pontos, os objetivos foram se concretizando: a primeira roda cumpriu sua função primordial, que era convidar os professores a compartilharem seus registros. E como todos estavam, praticamente, no mesmo barco, não houve clima de comparação ou meros elogios. Aquele momento foi único, ali pudemos compartilhar nossas vivências pedagógicas e vibrar com elas. Então, percebemos que todos, ao relatá-las, expunham experiências tão particulares que talvez em outros encontros não teria sido fácil falar sobre elas, pois quando compartilhamos o que escrevemos abrimos uma porta para o outro entrar na nossa intimidade. No decorrer dos anos, esse momento de estar relatando e expondo o que fizemos na nossa sala de aula foi se tornado uma prática tranquila. Aos novos professores que chegavam provocava uma certa “estranheza”, mas quando foram convidados a participar das rodas de leitura de registro, começavam a compreender o objetivo desta prática. O caminho da escrita foi um modo de nos aproximarmos mais. Falar das experiências positivas é fácil, mas falar das negativas é muito mais difícil. No entanto, fomos desenvolvendo uma escuta de cooperação, de solidariedade, de respeito e empatia pelos nossos pares. As discussões em torno do assunto compartilhado foram gerando soluções para o problema do outro. Era como se disséssemos:
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“Olha, você não está sozinho”, “Eu também já vivi essa situação!”, “Que tal se você experimentar uma outra dinâmica?”. Muitas vezes nos emocionávamos ao ouvir os relatos que descreviam uma situação de aprendizagem que trouxe bons frutos. As impressões das crianças deixam muitas pistas para o professor; observar e documentar o que elas pensam, realizam e falam, ou até mesmo ignoram, são vestígios importantíssimos para pensar e rever a nossa prática. Elas são as nossas maiores protagonistas.
O registro como diálogo entre professores e coordenador pedagógico
178 Roda de leitura para professores: o registro como prática de formação
Ao documentar a ação, o professor pode fazer um resgate de sua memória com possibilidade de voltar uma ou mais vezes às próprias práticas, refletir sobre elas e planejar situações de aprendizagem que conduzam as crianças ao avanço. Tomemos como referência um pequeno fragmento do registro da professora Lúcia Félix sobre um jogo de trilha, envolvendo leitura de dados e contagem: Expliquei as regras e combinados da brincadeira e então começamos. Nos grupos da turma da manhã, dos vinte alunos que estavam presentes nesse dia, apenas dois fizeram a correspondência exata entre número e quantidade. Os outros iam “chutando” na tentativa de acertarem. Uns até identificaram o número, porém a quantidade foi incompatível com o mesmo. No grupo da tarde, entre os 22 alunos, apenas três fizeram a correspondência exata entre número e quantidade. E os outros ficaram também nas tentativas. Fiquei um pouco preocupada ao perceber que a maioria das crianças ainda não estabelece uma relação estreita com os números, porém me senti ainda mais estimulada a iniciar o trabalho com o Projeto de Matemática. (PROF.ª LÚCIA, Grupo I)
Assim, então, para ajudá-la a pensar sobre a sua primeira reflexão, foi feita a seguinte devolutiva em seu caderno de registro: Essa sua descoberta surgiu a partir de uma brincadeira bem divertida. As crianças em situações de jogos ficam mais descontraídas e é um ótimo momento para observá-las, no seu caso, saber sobre as suas experiências matemáticas. E quantas revelações! As experiências das crianças, quando observadas individualmente, nos remetem a uma leitura única, por isso você conheceu em que grau e amplitude estão os conhecimentos matemáticos delas e daí suas inquietações. (Devolutiva da Coordenação para a Profª Lúcia)
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Além desse diálogo por escrito, ofereci-lhe um trecho do texto “Aritmética na Pré-escola” (MARINHO, 1994) para que pudesse refletir acerca de suas inquietações a respeito da construção do conceito de número pela criança pequena: O conceito de número é uma síntese que a pessoa faz em sua mente. Não é ensinável, é construído por cada pessoa nas relações que esta faz entre quantidades. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 1994) As crianças pequenas não construíram ainda o conceito de número e não se pode ensinar a elas como fazê-lo. Este conceito vai sendo construído aos poucos em situações cotidianas em que as crianças realizam operações aritméticas: ao fazer cálculos para a compra de balas na venda, por exemplo, ao conferir o troco na compra de figurinhas na banca de jornal. A pré-escola deve, no entanto, pensar em questões que as levem progressivamente à construção deste conceito. (Devolutiva da coordenação para a Profa Lúcia)
Reafirmando a importância do uso de registro, Warschauer (1993, p. 65) afirma que: 179 Roda de leitura para professores: o registro como prática de formação
A prática do registro é importante por nos permitir construir a “memória compreensiva”, aquela memória que não é só simples recordação, lembranças vãs, mas é base para a reflexão do educador, para análise do cotidiano educativo e do trabalho desenvolvido com o grupo. O ato de escrever o vivido desencadeia um processo reflexivo no qual a vivência restrita e singular torna-se pensamento sistematizado, apropriação do conhecimento.
Dessa forma, o registro da professora, em diálogo com o da coordenação, abre possibilidades para a retomada da atividade pela professora e também dos saberes das crianças. O registro como diálogo entre todos os atores envolvidos é essencial nesse processo, mas é relevante afirmar que o coordenador desempenha um papel de responsabilidade na condução da formação, pois ele é o interlocutor do professor, e o registro é um dos veículos. Mas, como foi dito no início deste texto, como fazer para acompanhar os registros? Não basta só ler e rubricar, esse acompanhamento necessita ser planejado, monitorado e avaliado. Caso contrário, perde-se a credibilidade e o incentivo dos seus pares. Ao conduzir o trabalho, o coordenador precisa observar as necessidades formativas e particularidades de cada um de sua equipe para traçar um plano de ação que contemple o coletivo e o individual. É preciso respeitar os professores como pessoas e como profissionais, reconhecer seus méritos, ajudá-los a superar suas dificuldades. Todos esses aspectos poderão ser concretizados se houver diálogo e confiança entre
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ambas as partes. Muitas vezes, tais necessidades tornam-se ocultas para o próprio professor, e é o coordenador, com olhar sensível, sua tomada de decisão (a partir da leitura do registro do professor, por exemplo) e a observação de sua prática que poderão ajudar a encontrar respostas para tantos questionamentos e dúvidas.
Novos saberes
180 Roda de leitura para professores: o registro como prática de formação
Foi nesse exercício de planejar, viver o planejamento, documentá-lo, compartilhar leituras de registros e refletir sobre os mesmos que a equipe foi se qualificando. Grandes avanços vêm acontecendo: a fluência na leitura em voz alta, a mudança da escrita dissertativa para reflexiva, melhora na produção escrita (ortografia, coesão e coerência textuais) e valorização dos professores entre si e seus tempos de aprender. Para Freire (1995, p. 56), é necessário “reaprender a olhar, romper com visões cegas, esvaziadas de significados, onde a busca de interpretar, dar significados ao que vemos, lemos da realidade é o principal desafio”. Seguramente, uma das competências do formador é desenvolver ações que remetam à reflexão, à mudança. Muitas vezes, uma prática formativa torna-se um ponto de partida para outras necessidades desde que esteja pautada em uma perspectiva reflexiva, na provocação, na problematização e na construção de novos saberes. É preciso considerar a eficácia do processo, avaliá-lo e ressignificá-lo, pois são inúmeras as possibilidades de partilhar, compartilhar e propagar conhecimentos. No decorrer das rodas de leitura de registro foram surgindo atitudes formativas que nem imaginávamos que pudessem ocorrer. A disseminação de outras leituras como entrevistas de educadores, sinopse de um livro bacana, indicação de um bom filme, um artigo interessante, uma notícia de jornal foram enriquecendo esses momentos, provando-nos que o conhecimento é de todos e que é muito bom estar juntos nessa caminhada. A gênese do registro como uma metodologia formativa suscitou a possibilidade de nos fortalecermos enquanto pessoas, profissionais e equipe, pois “A ação reflexiva [...] exige ainda emoção e paixão que animem na adversidade, mas não ceguem perante a realidade, nem gerem impaciência” (ALARCÃO, 1996, p. 58).
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Referências
ALARCÃO, I. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Editora, 1996. FREIRE, M. Observação, registro, reflexão: instrumentos metodológicos II. 2. ed. São Paulo: Ver Curiosidades, 1996. FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO. Professor da pré-escola. 3. ed. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 1994. LAZZARI, H. M. Importância do registro feito pelo professor para repensar a prática. Disponível em: <http://alfabetizacaoecia.blogspot.com.br/2015/04/importancia-do-registro-feito-pelo.html>. Acesso em: 26 mai. 2015. WARSCHAUER, C. A roda e o registro: uma parceria entre professor, alunos e conhecimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
181 Roda de leitura para professores: o registro como prática de formação
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Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores Natália Moura Dias de Lucenai
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Pós-graduada em Psicomotricidade pela Universidade Estadual do Pará (Uepa) e Gestão
Escolar (Senac). Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Bahia (Uneb). Foi coordenadora pedagógica de Educação Infantil e Fundamental do Sesc Ananindeua (Sesc no Pará), coordenadora regional de educação e coordenadora do Sesc Ler (PA). Atualmente é assistente técnico da Assessoria de Planejamento e Controle — Asplan (Sesc no Pará).
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183 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
RESUMO
ABSTRACT
A experiência adquirida ao longo de 18 anos de formação continuada dos professores do Sesc no Pará, por meio de encontros anuais que denominamos Semana Pedagógica, é compartilhada neste texto com o objetivo de contribuir com a busca de caminhos para a formação de professores. A reflexão se inicia abordando as reuniões nas escolas e entre as escolas que deram origem à organização de um espaço maior de formação e integração entre as equipes de educadores. Cada um com sua bagagem de conhecimento e experiências que se transformam, reconstruindo suas ideias, interagindo com os demais e compartilhando seus saberes.
The experience accumulated throughout 18 years of continuous training of the Teachers of Sesc in the state of Pará through annual meetings that we call Teaching Week is shared with the reader in this text with the goal of contributing to the search of ways to train teachers. The reflection begins discussing the meetings in the schools and among the schools that gave birth to the organization of a larger space for the training and integration of the teams of educators. Each team has their own set of knowledge and experiences that transform themselves, reforming their ideas, interacting with the other groups and sharing their knowledge.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores. Formação continuada. Semana Pedagógica.
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KEYWORDS: Teacher Training. Continuous Training. Teaching Week.
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Formar-se é um processo de toda a vida. Somos pessoas, temos possibilidade de aprender permanentemente mediante interações e as relações que vamos construindo com as outras pessoas em nossos ambientes culturais e sociais, nas situações cotidianas. Formar-se é um processo de aprendizagem individual e coletivo, no qual criamos e recriamos nossos saberes e não saberes. Acreditando nessa perspectiva de formação continuada e considerando o professor como sujeito da construção de sua prática de forma reflexiva, contamos aqui o percurso feito pela equipe de educadores do Sesc no Pará, que, ao longo dos últimos 18 anos, vem se encontrando, anualmente, nas Semanas Pedagógicas, momentos de formação quando estudam, refletem, avaliam, convivem e planejam juntos.
184 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Vale ressaltar que as Semanas Pedagógicas nasceram a partir de outras modalidades anteriores de formação já ocorridas nas escolas,1 encontros pedagógicos ou reuniões semanais, quando cada equipe se encontrava para trocar experiências, discutir problemas e planejar ações pedagógicas, pensando em suas turmas. Esses espaços de formação são permanentes e organizados por cada coordenador pedagógico que lidera uma equipe de trabalho. A Semana Pedagógica é um espaço de encontro, reflexão e diversidade entre as escolas, mais do que simples organização do ano letivo; espaço voltado para a busca de subsídios que sustentem a prática, o desenvolvimento pessoal e profissional, em um exercício de troca de informações, ideias, opiniões, propostas e possibilidades. Nesses espaços coletivos, os professores vão se formando, confrontando suas concepções de vida, de sociedade, de escola, de educação, seus interesses, necessidades, habilidades, além de seus medos, dificuldades e limitações, desenvolvendo, assim, sua trajetória profissional.
O Sesc no Pará possui seis unidades educacionais, sendo quatro do projeto Sesc Ler (Educação de Jovens e Adultos e Projeto Habilidades de Estudo) e duas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, localizadas em seis municípios distintos, respectivamente Benevides, Inhangapi, Salinópolis, São Francisco do Pará, Ananindeua e Castanhal. 1
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Começando Entre 1995 e 2000, éramos apenas duas coordenadoras pedagógicas e dez professoras, distribuídas em dois grupos de educação, trabalhando nos municípios de Ananindeua e Castanhal, em Centros de Atividades do Sesc no Pará.
185 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Incentivados pelo Departamento Nacional do Sesc,2 que entre outras atribuições tem a de desenvolver a formação profissional do corpo técnico espalhado pelo Brasil — nesse caso, por meio de ações realizadas pela Gerência de Educação —, a equipe do Sesc no Pará foi organizando encontros de estudo entre as duas equipes, aos sábados pela manhã, com duração de quatro horas, trazendo a prática pedagógica para o centro do diálogo, relacionando teoria e prática, já que nossa metodologia educacional reflete uma concepção de escola como espaço de vida, lugar em que crianças e adultos se encontram diariamente e compartilham tempo, espaço, emoções e aprendizados. Aprendizado que significa acesso à linguagem universal, às áreas de conhecimento científico, como a Matemática, as Ciências, a Música, a Arte... Acesso ao mundo letrado que nos abre as portas para a criação, a imaginação, a produção de ideias e de novas realidades sociais e ambientais. Esses momentos serviram para o crescimento do grupo à medida que a ação em parceria possibilitava a ampliação das experiências individuais e a análise das situações sob diferentes aspectos e pontos de vista. Quanto mais estudávamos juntas, mais íamos registrando aspectos comuns e outros distintos em nossa maneira de atuar, planejar e avaliar, apontando nossos avanços e nossas dificuldades. É imprescindível a formação de uma equipe cooperativa de trabalho, que se apoie mutuamente, para trabalhar as necessidades identificadas, que reflita em conjunto, socialize ideias e as conquistas alcançadas. Assim, as possibilidades de transformação da prática cotidiana são responsabilidades de toda equipe apoiada pelo formador. (CARVALHO; KLISYS; AUGUSTO, 2006, p. 78)
O exercício constante do trabalho coletivo e os registros organizados fizeram-nos sentir necessidade de pensar melhor o tempo para aprofundar questões importantes e sinalizadas pelas professoras.
Órgão Executivo da Administração Nacional do Sesc que tem um órgão deliberativo — Conselho Nacional — e um órgão de fiscalização financeira — Conselho Fiscal. 2
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Durante o Encontro Pedagógico realizado em 2 de abril de 2011, houve alguns relatos de experiência sobre a correção de erros em matemática cometidos por alunos. Segundo a professora Socorro, do Sesc Ananindeua, o “erro” faz parte da aprendizagem, no entanto é preciso usar estratégias para ajudar nossos alunos a reconstruir a partir de seus “erros” as descobertas para novos conhecimentos. Outro ponto importante destacado pela professora Tarciana, do Sesc Castanhal, é o caminho que os alunos encontram para a resolução de determinados problemas de matemática, pois para ela é preciso que o professor faça intervenções, faça perguntas aos alunos incentivando-os a descobrir os conteúdos em matemática. Nesse momento, Adonai (Coordenadora Pedagógica Sesc Castanhal) interfere dizendo: “Não haverá boas respostas se não houver a elaboração de boas perguntas. E ainda completa, ‘ensinar é favorecer’.” 186 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Enquanto coordenadoras, desejávamos ressignificar, cada vez mais, a formação do grupo, dar unidade ao trabalho educativo e de educação no Sesc no Pará, mobilizar recursos e conhecimentos e continuar refletindo sobre nossa prática de maneira coletiva. Partindo da análise e da prática realizada, por meio de avaliação consolidada no final do exercício de 1996, após o encerramento das aulas, organizamos a primeira Semana Pedagógica,3 — que marcava o início daquele ano letivo, reunindo as professoras das duas escolas —, cujo objetivo maior era encontrar respostas às questões orientadoras do aprimoramento do nosso projeto educacional. Em relação aos registros, conversamos e percebemos:
A primeira Semana Pedagógica foi um encontro de cinco dias, com sete horas de formação — 9h às 12h/13h às 17h. 3
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Castanhal O registro tem sido garantido enquanto instrumento de memória para a maioria dos professores. No entanto, precisamos avançar quanto: Registro como instrumento de pesquisa, ou seja, que deve ser retomado para nortear novas ações para o redimensionamento da prática pedagógica. Caso contrário, torna-se apenas um instrumento burocrático — “eu cumpro e faço”. Perceber a importância do registro para a formação permanente e como incentivador no processo de aprofundamento teórico de melhoramento da prática pedagógica é o desafio maior para os coordenadores.
Ananindeua
187 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Precisamos retomar o sentido da importância do registro, garantindo sua execução diária, em vez de semanal, porque muitas informações se perdem. Em relação aos teóricos: Paulo Freire — retomar discussão sobre a função social da escola; que espaço é esse? O atendimento que deve ser a todos; considerando aspectos sociais e políticos de mudança. Emília Ferreiro — reestudar a função social da leitura e da escrita, o entendimento dos níveis de escrita, aprofundando sempre aspectos metodológicos para práticas de sala de aula. Isso não somente com os professores iniciantes, mas também com quem já está conosco há algum tempo. Piaget e Vygotsky — ao longo do ano estudamos sobre esses dois, buscando entender o que falam sobre desenvolvimento e aprendizagem, para realizarmos atividades mais significativas, no sentido de desafiar cada vez mais os alunos. Às vezes, parece que estamos fazendo sempre as mesmas coisas, as mesmas atividades, as mesmas “tarefas”. Nosso planejamento precisa ter maior fundamentação teórica. Precisamos de mais tempo para conversar e discutir. Podemos aproveitar o período de férias dos alunos, antes das aulas. Além de estudar em grupo, discutir o que fazemos, trocarmos experiências, poderemos promover momento de integração entre os profissionais e a efetivação de um melhor planejamento no início do ano letivo. Registro de Natália Lucena e Júlia Rodrigues, 1996.
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Segundo Nascimento (1997, p. 222): Os saberes da experiência possuem, assim, um lugar de destaque dentro do conjunto de conhecimentos que constituem os saberes docentes e são constituídos no exercício da função, na interação com outros educadores, alunos, especialistas e demais pessoas envolvidas com o trabalho escolar.
No cerne dos estudos estavam o estabelecimento da rotina com as crianças, o planejamento e a avaliação, o registro, as teorias de Vygotsky e Piaget, Emília Ferreiro, Paulo Freire e Freinet, e as áreas de conhecimento que faziam parte do currículo que defendíamos. Durante seis anos consecutivos, a realização das Semanas Pedagógicas ocorreu na cidade de Belém, no Centro de Atividades Sesc Doca, cuja localização e infraestrutura favoreciam ao trabalho de formação a que nos propúnhamos, apesar da necessidade de deslocamento diário das equipes que moravam em outros municípios.4 188 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Ressaltamos, ainda, que nesse mesmo período de tempo recebemos da Gerência de Educação do Departamento Nacional do Sesc acompanhamento sistemático, anual, duas ou três ações por ano, o que muito nos beneficiou, instrumentalizando-nos para melhor exercício de nossa prática, tanto junto às professoras quanto junto a nós, coordenadoras, que atuávamos com Educação Infantil e o Projeto Habilidades de Estudo.5 Sendo os dois grupos de educadores oriundos de municípios desprovidos de espaços culturais, os dias em Belém também eram importantes para que as professoras tivessem oportunidades de conhecer museus, teatros, exposições, ampliando seus horizontes pessoais e vivenciando a cultura que a cidade oferecia. Acreditamos que todo projeto de formação de professores também passa pelo conhecimento das manifestações culturais, promovendo e incentivando a participação em atividades artísticas, estéticas, potencializando seu desenvolvimento intelectual e o desencadeamento de processos criativos. A reflexão sobre a prática não se alimenta apenas de conhecimentos pedagógicos, há um amplo leque de experiências culturais que podem aguçar a sensibilidade e ampliar a compreensão que os professores têm das coisas. Os coordenadores e orientadores devem procurar, sempre que possível, engajar os professores em atividades culturais — idas Ananindeua e Castanhal.
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Projeto Habilidades de Estudo — Ações educativas voltadas para alunos do Ensino Fundamental no contraturno escolar. 5
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a exposições de arte, teatro, cinema, rodas de leitura e música —, além de pô-los em contato permanente com livros, jornais, programas informáticos ou comunicação via internet. Enfim, criar oportunidades de acesso a bens culturais também é uma forma eficiente de realizar a formação continuada dos professores. (SESC, 2003, p. 23)
Nosso trabalho de coordenação na elaboração de cada Semana Pedagógica voltava-se para que as professoras encarassem os alunos como pessoas que precisam ter sucesso em suas aprendizagens; que planejassem atividades significativas e desafiadoras; que ressignificassem seus instrumentos de registro, de planejamento e de documentação do trabalho pedagógico. Entendíamos e, ainda assim entendemos, que a Semana Pedagógica é momento de reflexão inicial para um ano de trabalho. Com sua realização, temos mais tempo e melhor oportunidade para aprofundar estudos que nos exigem maior concentração e mergulhos profundos. Daí a importância, de executarmos ações de desdobramentos ao longo do ano em cada escola. 189 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Registro da Coordenação — Semana Pedagógica 2007 Ainda sobre o registro assistimos ao filme Como se fosse a primeira vez, que conta a história de uma moça que perdeu a memória após um acidente e precisa recuperá-la todos os dias, para que não fique presa ao passado. [...] Após discussão sobre as impressões do trecho do filme assistido, em grupos, realizamos a leitura dos textos: “Como fazer um diário” e “Análise do registro individual — diário das atividades realizadas com as crianças”, de Jussara Hoffman. Era preciso trazer para a plenária reflexões sobre: Quais excessos cometemos ao escrever? O que deixamos de dizer sobre nossos alunos? Nossos registros falam mais do comportamento ou do processo da aprendizagem das crianças? Como realizar tantos registros de tantos alunos diferentes? [...] O espaço virou uma “feira de trocas e negociações”. Cada professor questionou, duvidou e provocou também na coordenação o desequilíbrio de seus conhecimentos, sua ação e suas estratégias [...]. O momento foi fechado com o resumo, no quadro, dos pontos importantes considerados por todos, escritos ali, coletivamente. Elencamos ações que precisamos fazer ao longo do ano e no dia a dia:
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Escrever durante a meia hora que temos, após a saída dos alunos. Escolher algumas crianças para melhor acompanhá-las em cada dia — podendo ser cinco por dia. Escrever pequenas notas durante a aula, deixando o caderno sempre aberto para as anotações, sobre o que vai acontecendo na classe. Incentivar que o estagiário também registre, não somente para confrontar o que escreveram (a professora e ele), mas também para que exercite a prática da escrita. Ousar em fazer um registro semanal como se contasse uma história, a sua história sobre aquela semana com os alunos: O que fizeram ou estudaram? Reler o que escreve.
190 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Escrever sobre os alunos mostrando mais o que sabem do que registrar o que ainda não sabem. Escrever o que dizem, o que perguntam, o que respondem. Partilhar com a coordenação as inquietações. A leitura dos registros não é para dizer se está certo ou errado, mas para contribuir com o trabalho pedagógico.
Recomeçando, repensando Em 2004, o grupo de educadores e coordenadores aumentou significativamente. De dez, passamos a nos constituir um grupo de 50 pessoas. Isso em decorrência do projeto Sesc Ler6 ter sido incorporado à equipe de educação já existente, e o Ensino Fundamental ser implantado paulatinamente, exigindo-nos repensar nossos rumos. Novos desafios se fizeram presentes. Era necessária outra metodologia para o encontro, um novo local, rever conteúdos, enfim.
Projeto educativo de alfabetização para jovens e adultos não escolarizados.
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Nesse momento, o papel da equipe de coordenação7 foi fundamental, instaurando um trabalho de elaboração colaborativa, conhecendo os interesses de seus pares, as ideias e as propostas dos educadores que, aos poucos, foram se conhecendo, se integrando, se organizando. “A atividade do formador articula o dizer com o escutar, a demonstração com a imitação e tem sempre subjacente a atitude de questionamento como via para a decisão” (ALARCÃO, 2000, p. 19). Em decorrência do número de educadores e de municípios envolvidos, um desafio foi reunir todos em uma semana. Tivemos a experiência de alugar uma casa grande, de veraneio, em Salinópolis, município onde o Sesc mantém uma de suas unidades do projeto Sesc Ler, e organizar um alojamento.
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Durante quatro anos mantivemos essa prática visando não haver deslocamento diário das equipes, entre suas cidades e o local do encontro. Passávamos o dia no Centro Educacional do Sesc Ler e, após o trabalho, no fim da tarde, retornávamos, para o nosso alojamento.
Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Distribuíamos tarefas para o cuidado com o espaço, os horários de trabalho pedagógico, toda infraestrutura de alimentação e limpeza. Contávamos, também, com as merendeiras e os auxiliares de serviços gerais de nossas escolas e um motorista. Duas palavras e um texto marcaram esse período para a equipe: integração e afetividade e “A construção do grupo”, de Madalena Freire (2003). Tínhamos necessidades semelhantes, objetivos comuns, até mesmo motivações, no entanto, cada um é diferente do outro, mostrando-se diferente diante do outro. Além de horas de estudos e discussões em torno de nossas ações pedagógicas, precisávamos compartilhar convivência, exercitar nossa identidade, alteridade, jeito de ser, nossa fala, nossa opinião ou até mesmo nosso silêncio. A vida de um grupo tem vários sabores. No processo de construção de um grupo, o educador conta com vários instrumentos que favorecem a interação entre seus elementos e a construção do círculo com ele. A comida é um deles. É comendo junto que os afetos são simbolizados, representados, socializados. Pois comer junto, também é uma forma de conhecer o outro e a si próprio. A comida é uma atividade altamente socializadora num grupo, porque permite a vivência de um ritual de ofertas. Exercício de generosidade. Espaço onde cada um recebe e oferece ao outro o seu gosto, seu cheiro, sua textura, seu sabor. Momento de cuidados e atenção. O embelezamento da travessa em que vai o pão, a “forma de coração” do bolo, a renda bordada no prato... Frio ou quente? Que Nove pessoas — quatro orientadores pedagógicos do Projeto Sesc Ler, dois coordenadores pedagógicos da escola de Ananindeua, dois coordenadores pedagógicos da escola de Castanhal, um coordenador regional do projeto Sesc Ler. 7
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perfume falará de minhas emoções? Doce ou salgado? Todos esses aspectos compõem o ritual de comer junto que é um dos ingredientes facilitadores da construção do grupo. (FREIRE, 1993, p. 23)
É preciso considerar que os coordenadores também são sujeitos em formação e vivem em processo de desenvolvimento profissional. Além dos aspectos que envolviam a logística da Semana Pedagógica, da organização institucional prevendo tempo e recursos financeiros, era preciso estudar, selecionar materiais didáticos de suporte teórico, discutir metodologias, dividir atribuições. Em reuniões mensais ao longo do ano, o grupo de coordenação partilhava e aprofundava sua prática formadora, pois “o formador coloca em jogo seus anos de experiência [...] à medida que o formador dá contorno ao trabalho do educador, o educador também marca o formador: troca justa e estimulante” (CARVALHO; KLISYS; AUGUSTO, 2006, p. 84).
Encerrando, continuando 192 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Muito mais que um simples evento de professores, a realização da Semana Pedagógica há 18 anos se constitui em um momento ímpar entre tantos educadores de modalidades educativas diferentes que se encontram para trocar saberes e estudos teóricos implicando, ainda, no exercício da escuta, da crítica, do diálogo e da autocrítica. Atualmente somos em torno de cem educadores com perspectiva de ampliação de novos níveis de ensino. Parte do grupo inicial continua ainda hoje, junto, aprofundando e registrando o trabalho, não obstante aos desafios que se colocam. Ao longo dos anos, fomos buscando novas metodologias, criando ambientes para o debate, para a apresentação de projetos, para a reflexão, para aprendizagem e o crescimento profissional; estreitando relacionamentos e formando vínculos; distribuindo tarefas e funções; errando, acertando, enfrentando problemas, mas sempre defendendo a garantia de um espaço coletivo de formação permanente continuada em serviço, uma vez que a compreendemos como necessária e importante. E, ainda, que essa formação não se apoia apenas em cursos, congressos ou tão somente eventos dessa natureza. Mas na reflexão diária de nossa prática. Cooperação entre professores, formador, coordenadores e comunidade viabiliza a realização de projetos e planejamentos apoiados em princípios pedagógicos onde as coordenadas para as ações se atualizam no momento em que se realizam. As melhores soluções muitas vezes não aparecem a priori ou de forma imediata, elas precisam ser construídas.
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Assim, erro e acerto são formas de investigação que expressam as vicissitudes do processo pedagógico quando este pode acontecer num contexto de autonomia e cooperação. (SCARPA, 1998, p. 47)
Cada encontro gera um novo encontro, cada reflexão gera uma nova reflexão, por isso se registra, avalia-se para (re)planejar o futuro tendo certeza de que não estamos sós. Somos muitos, em diferentes escolas, mas um único grupo: os educadores do Sesc no Pará.
193 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
Reconhecemos que a prática docente de alguns nem sempre se alinha aos nossos propósitos, mas assumimos o compromisso com a transformação dessas práticas buscando maior coerência com as concepções de desenvolvimento e aprendizagem que acolhemos. E para que isso se efetive, acreditamos que a solução seja o caminho da formação permanente e em serviço. Somente um movimento de formação continuada é capaz de fomentar mudanças em nosso trabalho educacional, mesmo sabendo que nem sempre, as mudanças são imediatas. A cada fim, um novo começo. Tudo é assim enquanto há vida. Terminar e recomeçar. Recomeçar e continuar. Mas o melhor de tudo é saber que a cada vez que recomeçamos é sempre de um novo jeito... Algo novo... Uma nova maneira... Só temos certeza do incerto... Acreditamos que sempre podemos fazer melhor, mesmo nos alegrando com o que já realizamos até aqui. Na verdade, nada termina... Somos mesmo inacabados... E isso nos move... Não nos faz parar...
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Referências
ALARCÃO, I. (Org.). Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Editora, 2000. CARVALHO, S.; KLISYS, A.; AUGUSTO, S. (Orgs.). Bem-vindo, mundo!: criança, cultura e formação de educadores. São Paulo: Peirópolis, 2006. FREIRE, M. et al. Grupo, indivíduo, saber e parceria: malhas do conhecimento. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1993. NASCIMENTO, M. das G. de A. De ser professor: trajetória, formação e profissão. In: FRANCO, C.; KRAMER, S. Pesquisa e educação: história, escola e formação de professores. Rio de Janeiro: Ravil, 1997. PAQUAY, L. et al. (Org.). Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais competências? 2. ed. rev. Porto Alegre: Artimed, 2001.
194 Semana pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores
SCARPA, R. Era assim, agora não...: uma proposta de formação de professores leigos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. SESC. Departamento Nacional. Diretrizes para a orientação pedagógica do Projeto Sesc Ler. Rio de Janeiro, 2003.
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Uma escola só: a integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental Adonai Macedo Ferreira Reisi
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Graduada em Pedagogia e pós-graduada em Matemática para o Ensino Fundamental pela
Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Universitário de Castanhal. Foi estagiária na Educação Infantil, no Projeto Habilidades de Estudos e na Coordenação Pedagógica e professora na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Atualmente é coordenadora pedagógica de Educação Infantil na Escola Sesc Castanhal, do Sesc no Pará.
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197 Uma escola só: a integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental
RESUMO
ABSTRACT
Este artigo conta parte da história da Escola Sesc Castanhal, localizada no interior do Pará, que desde 1991 vem construindo uma longa história de conquistas, de superação de dificuldades estruturais e muitos desafios, sendo o principal deles fortalecer na comunidade escolar a compreensão de que “a Escola é uma só”, uma única escola que atualmente trabalha com infâncias de 4 a 12 anos, cada uma delas com suas próprias histórias, cultura e experiências, seus pensares e formas de linguagem, tornando a escola um espaço de infâncias de diferentes idades que dialogam e compartilham brincadeiras e saberes nos diferentes espaços da escola, seja no pátio, refeitório, quadra e nas salas de aula, mas que, por questões legais, fica dividida em dois segmentos: Educação Infantil e Ensino Fundamental. A integração entre os dois segmentos educacionais iniciou com as experiências educativas das gestoras e se expandiu a partir de um planejamento que perpassa por ações com professores, alunos e as famílias. Afinal, não pode ser uma ação ou desejo apenas das gestoras, mas algo que precisa ser compartilhado e acreditado por todos que compõem a escola.
This article tell part of the story of Escola Sesc Castanhal, a school located in the backcountry of the state of Pará, which since 1991 has been developing a long history of accomplishments, overcoming structural difficulties and many challenges; the main challenge is to strengthen within the school community the understanding that “there is only one School”, a single school that currently works with children aged between 4 and 12 years, and each of those children has their own history, culture and experiences, ways of thinking and of expressing themselves through language, which makes the school an environment in which children of different ages can dialogue and share games and knowledge about the different spaces within the school, be them the school yard, the cafeteria, the sports fields and courts, or the classrooms; due to legal reasons, these spaces are divided into two segments: Preschool and Elementary School. The integration of these two educational segments began with the educational experiences of the managers, and was expanded due to a planning that encompasses actions with the teachers, students and their families. After all, it cannot be an action or desire only on the part of the managers; it is something that must be shared and in which everyone that composes that school must believe.
PALAVRAS-CHAVE: Escola. Infâncias. Experiências. Integração. Planejamento.
KEYWORDS: School. Chilhoods. Experiences. Integration. Planning.
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Memórias de uma gestão participativa em sala de aula Registrar a história da Escola Sesc Castanhal, uma escola que trabalha com infâncias de diferentes idades em um contexto de integração entre os segmentos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, é também registrar o meu percurso de educadora. Meu trabalho na escola se iniciou dentro de sala de aula, primeiro como estagiária, depois como professora e enfim como gestora empenhada na construção de uma identidade única para a escola, pois, a meu ver, não pode ser repartida por fronteiras. A Escola Sesc Castanhal deve ser uma só, a partir de uma perspectiva de identidade e integração, mas nem por isso precisa ser toda igual, com práticas que se repetem, pelo contrário, deve valorizar a diversidade.
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Uma escola que respeita a diversidade, sobretudo na infância em suas peculiaridades,1 deve lutar para que ambos os segmentos reafirmem suas identidades e seus saberes sem formar “escolinhas” dentro de uma mesma escola. Seria, primeiramente, fortalecer a Educação Infantil longe da ideia de preparatória do Ensino Fundamental ou um espaço do “não saber”. Em segundo lugar, compreender o Ensino Fundamental como uma continuidade natural da vida das crianças que crescem dentro de uma mesma escola. Durante sete anos exerci o cargo de professora na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental na Escola Sesc Castanhal. Em sala de aula me encontrei com os mais profundos desejos, encantos, desencantos e desafios de ser educadora, em uma relação de ser simultaneamente ensinante e aprendente, falante e ouvinte, que aprende com os alunos, com suas falas, seus pensamentos e suas visões de mundo. Neste período, mais aprendi do que ensinei. Aprendi e ajudei os meus alunos a verem o outro dentro de um contexto coletivo, aprendi a compartilhar o planejamento em uma escala crescente ao ponto de torná-lo propriedade da classe. Além de aprender muito com meus alunos, tive a oportunidade ímpar de aprender como professora junto com minha colega de profissão, Franci,2 que fazia O conceito de infância é socialmente construído, logo houve e há diferentes formas de se ver as crianças. Compartilho da ideia de que a infância é peculiar. Cf. GUIMARÃES et al., 1996. 1
Francinaide Soares da Cruz Alves: fomos professoras no Sesc Castanhal na mesma época. Atualmente é diretora da escola e coordenadora da Educação Fundamental, com quem continuo na busca por uma gestão compartilhada. 2
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de seu ambiente de trabalho um espaço de vida própria, recheado de combinados coletivos, práticas de rodas de conversas e de ações realizadas em conjunto com os alunos. Um ponto marcante na dinâmica diária do seu planejamento era que a aula sempre finalizava com avaliação do dia e com a sala organizada para o dia seguinte, sendo os próprios alunos também responsáveis pelo cotidiano escolar. Embora em salas diferentes, nossas práticas e ideias nos uniam, pois em comum tínhamos o pensar que éramos apenas uma parte da escola, que embora estivéssemos liderando um pequeno mundo dinâmico de sala, ele compunha um espaço escolar maior, pois mesmo nós estando como professoras no Ensino Fundamental, compreendíamos e acompanhávamos o percurso das crianças que entravam aos 3 anos na Educação Infantil e, ano após ano de aprendizagem, elas chegavam até nós com suas histórias e formas peculiares de conhecer.
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Outros aspectos comuns nos aproximavam: um era o planejamento coletivo, que permitia a cada aluno participar efetivamente da elaboração, realização e avaliação das atividades; ultrapassava a mera ação informativa e executiva, comumente relacionada ao papel do planejamento. O outro ponto era a valorização das memórias das crianças sobre suas trajetórias na escola. Solicitávamos fotos de quando elas iniciavam sua vida escolar, algumas eram com elas chorando ou se apegando a brinquedos ou objetos que lhe ofereciam conforto, junto com a realização de outros registros. A possibilidade de acessar tais memórias permitia o reconhecimento dos caminhos de aprendizado e crescimento individual e grupal. Nesse caso, resgatar a história das crianças, desde as turmas de 3 anos até as turmas de 5o ano, foi fundamental para estabelecer a valorização da produção e aprendizagens infantis ao longo de sua vida escolar. Foi em sala de aula e junto com colegas de profissão que aprendi e fortaleci a ideia da relação de pertencimento ao grupo. Portanto, como integrante, deveria permitir-me ser conhecida e questionada, fazer e sofrer intervenções da turma. Mesmo sendo o sujeito supostamente mais experiente do grupo, muito me emocionei com as aprendizagens das crianças, contei e ouvi histórias, brinquei, planejei e replanejei sempre acreditando na força da ação coletiva do grupo, cujas experiências não começaram ali, mas que tinham toda uma história anteriormente construída fora da escola. E um bom gestor de relações precisa sempre pensar nisso.
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Da gestão de sala de aula para a gestão da Escola Sesc de Castanhal Após 12 anos de gestão em sala de aula, Franci assumiu a coordenação do Ensino Fundamental e a direção escolar. Anos mais tarde, eu assumi a coordenação da Educação Infantil, marcando então nosso reencontro, agora na gestão da Escola Sesc Castanhal.
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Na gestão em sala de aula víamos claramente que todos os alunos eram importantes, respeitando as diversidades, mas em uma dimensão pequena, com menos conflitos e intervenções. Já na gestão da escola, o foco de atuação se ampliou, nosso olhar agora era para um universo maior de diversidade e complexidade formado por diferentes turmas, com professores de diversas formações, maior número de famílias e muitos jeitos de pensar. Surgia então o nosso primeiro e grande desafio de integração entre as turmas e os segmentos escolares, perpassando pela construção de identidades de pertencimento a uma mesma escola, pois cada vez mais acreditávamos que “a Escola é uma só”, embora composta por pessoas de diferentes idades, cada uma com suas experiências de infância, de vida e de formação, compondo um espaço de identidades peculiares e diversidade. Diante desse nosso novo e amplo campo de atuação que foi a gestão escolar, surgiram os desdobramentos dos desafios a serem superados considerando a necessidade de integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. Seria necessário construir uma relação de pertencimento do professor para com a escola, para com cada criança. Daí que, em vez de crianças, havia professores. Em vez de gestão de classe, havia gestão de equipe, o que implica integração. E não se pode pensar em uma integração se cada professor somente tiver olhos para sua classe, principalmente se desqualificar o trabalho do outro, sobretudo das classes menores da escola.3
Gestão integrada: planejamento compartilhado O diálogo e afinação entre as coordenadoras do Ensino Fundamental e da Educação Infantil foram de grande importância para repensar o cotidiano escolar dentro de um contexto de integração e respeito das identidades. Assim, como primeira Silva (2003) me inspirou para pensar que os processos compartilhados de formação são frutos da prática, logo, precisam ser acompanhados e avaliados constantemente e envolver todos da escola. 3
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estratégia, no campo da gestão, passamos a elaborar o planejamento compartilhado entre nossas coordenações, de modo que ambas tivessem conhecimento da ação diária de cada uma e pudessem contribuir com as especificidades de suas experiências e reflexões, contando com a unidade do aporte teórico, embasado nos documentos oficiais balizadores da Educação Nacional e nas Propostas Pedagógicas do Sesc (SESC, 1997; SESC, 2001).
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Outras estratégias que foram surgindo ao longo do planejamento foram: destinar um tempo na rotina semanal das coordenadoras para realizar leituras, assistir a vídeos e compartilhar as observações realizadas nas turmas e na escola como um todo, contando os diálogos tidos com as crianças nas diversas situações e locais, em que as próprias crianças, a seu modo, contavam fatos, faziam reclamações a partir de sua ótica infantil e davam sugestões para os mais diversos assuntos e espaços da escola. Ouvir as turmas foi mais uma estratégia da gestão, afinal, as crianças têm muito a dizer, sobre elas mesmas, sobre as outras crianças, sobre os adultos e sobre o espaço escolar. Assim passamos a organizar planejamentos conjuntos de modo a pensar em ações específicas para o trabalho de formação com cada um dos grupos da escola: professores, estagiários, equipe de apoio, crianças e as famílias. Na própria gestão começava o trabalho de integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.
Ação com os professores Como primeiro desdobramento do desafio maior, o de integrar os segmentos da escola, elegemos como tema a afirmação da identidade do professor que trabalha com crianças pequenas, sejam elas da Educação Infantil, sejam elas do Ensino Fundamental, para que ele perceba que atua em uma das fases mais importantes da vida de uma pessoa. Na infância se aprende muito, nela se inicia o desenvolvimento da linguagem4 que nos acompanham pela vida toda, se aprende a andar, correr e tantas outras coisas que compõem o universo lúdico infantil e a própria vida das crianças. As ações de formação de professores iniciam com a realização da Semana Pedagógica5 que reúne todos os educadores das seis escolas do Departamento Regional do Sesc do Pará e têm seu desdobramento durante o ano a partir do estudo de Para saber mais, ver MEDEIROS, 2013.
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Para saber mais sobre Semanas Pedagógicas, ver texto neste livro: Semana Pedagógica no Sesc: uma possibilidade de formação continuada para professores em serviço, de Natália Lucena. 5
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temas decorrentes das dificuldade observadas e outros aspectos elencados pela coordenação ou sinalizados pelos professores em cada escola.
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A formação dos professores na Escola Sesc Castanhal tem sua continuidade por meio de um acompanhamento individual e coletivo planejado, que contempla a realização de visitas em sala de aula, quando cada coordenadora observa um segmento para trocas posteriores de informações entre si, acompanha as salas de aula para reconhecimento dos cotidianos pedagógicos, das atividades, das dificuldades e dos interesses das turmas, estabelecendo também relação de conhecimento e confiança com as crianças e com o professor. Nesses momentos registramos as necessidades individuais e coletivas dos professores que serão foco de nossas ações formativas. Ressalta-se que, durante as observações, também são pontuadas atividades relevantes que são socializadas durante a formação para os demais da escola, por meio do relato de experiência, permitindo a divulgação e visibilidade dos trabalhos realizados em sala de aula, reiterando trabalhos integrados onde um aprende com o outro. Uma das maneiras de aproximar tantas diferenças em uma escola que tem como propósito a aprendizagem significativa das crianças seria valorizar as autenticidades das produções de cada turma e dos professores por meio de socialização das experiências nos encontros de formação continuada em serviço. Nosso processo de formação inicia com visitas a todas as salas de aula da escola, para que todos se apropriem das atividades desenvolvidas da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, permitindo a cada professor compartilhar, com os demais, as experiências vivenciadas que se refletem em cada produção, em cada mural ali exposto, bem como os resultados traduzidos nos relatos sobre as ideias e falas das crianças. Os momentos de estudos também são planejados e realizados por meio de encontros individuais ou reuniões coletivas, em horários específicos destinados à formação em serviço, sendo que lançamos mão de diferentes estratégias como leituras, socialização de projetos, registros e atividades consideradas relevantes para a escola. Participam dos momentos coletivos tanto os pedagogos quanto os demais professores de áreas específicas6 adotadas pela escola, levando esses profissionais a também se apropriarem das discussões e produções na Educação Infantil, a exemplo o estudo de textos da Proposta Pedagógica da Educação Infantil no Sesc, nas áreas de Artes e Música. Professores com formação em Música, Artes, Educação Física e Inglês com atuação no Ensino Fundamental.
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Além da formação conduzida pela coordenação, acontecem formações organizadas pelos próprios professores, como no caso dos professores de Música. Como esses professores trabalham somente com os alunos do Ensino Fundamental, realizam formação com os professores de Educação Infantil para que planejem e realizem atividades nessa área. Esses momentos surgiram da preocupação em melhorar o trabalho com música junto às crianças pequenas.
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Se por um lado os professores pedagogos ampliaram seu repertório sobre a área de Música, por outro, os professores de Música também ampliaram seus conhecimentos sobre o universo lúdico da Educação Infantil, pois a formação entre pares não se dá em uma só direção. Esses professores melhoraram a condução de rodas de conversa com as crianças e o planejamento, o que muito favoreceu a criação de jogos e atividades mais voltadas ao brincar. Além disso, estabeleceram-se novas parcerias em projetos que contavam com a ida do professor de Música às salas de aula da Educação Infantil. Conhecer esses professores, principalmente para as crianças de 5 anos, as aproximou do Ensino Fundamental quando passavam para o 1o ano, no qual a convivência com os professores específicos é ampliada.
Ação com as crianças Também compõe a ação da coordenação compartilhada o trabalho de articulação entre os alunos dos dois segmentos. Permite-se escutar, dar voz às crianças, olhar a escola sob a ótica delas, e isso só é possível pelo contato direto, quebrando barreiras comumente encontradas em outros espaços escolares. Aqui a coordenação é próxima, vai às salas de aula, atende aos alunos em suas reclamações, sugestões e reinvindicações. Mas essa abertura ao diálogo foi gradativamente construída e fortalecida por meio da escuta, porém sistematizada e registrada, como nas “assembleias de turma”, que são momentos de conversas conduzidas pela coordenação.7 É um momento em que adultos e crianças falam e escutam, por vezes registram em textos ou desenhos as temáticas conversadas. Por meio das assembleias, as crianças tomam conhecimento de diversas informações, como o Regimento escolar, sobretudo nos itens que se referem aos alunos, conhecendo formas de participação que lhes são oferecidas, bem como regras coletivas, direitos e deveres ali registrados. As assembleias se constituem momentos
Fica a critério do professor da turma participar ou não das assembleias.
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de reflexão sobre o cotidiano escolar, em que sugerem e questionam a partir de sua ótica infantil, criando estratégias que marcam a efetiva participação das crianças.
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Durante uma das assembleias, por sugestão de um grupo de crianças, criamos duas equipes: a de “Colaboradores na elaboração do cardápio da escola” e a de “Coordenadores da leitura no pátio da escola”, formadas por crianças do Ensino Fundamental e pelas coordenações. A equipe de crianças colaboradoras na elaboração do cardápio da escola realiza pesquisas de satisfação do lanche coletando sugestões em toda escola, inclusive com os alunos da Educação Infantil, escutando o que falam, suas ideias e opiniões, além de favorecer o escutar entre elas próprias, em um contexto de a infância respeitar a própria infância. Já as crianças responsáveis pelo espaço de contação de história e rodas de leituras (coordenadores da leitura no pátio da escola) se organizam, “treinam” a leitura das histórias antes de contá-las, separam materiais, visitam as salas, recuperam livros rasgados e realizam reuniões para avaliação e organização da equipe, e tudo isso para, no fim de cada turno escolar, quando as crianças aguardam no pátio os pais chegarem, contarem histórias. As crianças do Ensino Fundamental aprenderam a ouvir e a dialogar com os pequenos da Educação Infantil, sobretudo tiveram a oportunidade de se emocionar ao relembrarem do tempo em que estavam na Educação Infantil. Assim, reaprendem o significado de ser criança pequena e a importância das rodas de conversas. Tal oportunidade de encontro oferece aprendizado a ambas as partes. Para as crianças do Ensino Fundamental, a possibilidade de reconhecerem nas crianças da Educação Infantil parte de seu passado educacional, afirmando como seguem avançando em seus conhecimentos, além do desafio de comunicarem com as crianças que ainda parecem falar todas ao mesmo tempo, ou que simplesmente repetem a última palavra falada por um colega ou que ainda precisam de uma mediação mais próxima do adulto. E como todo encontro não é de mão única, os menores da Educação Infantil também aprendem muito nesses encontros com os maiores. Vislumbram na autonomia crescente das crianças do Ensino Fundamental o desejo de seguirem aprendendo novas maneiras de se relacionar com o universo do conhecimento, participarem de assembleias e serem cada vez mais atuantes em seu meio. Com a continuidade do trabalho que acontece mensalmente, observa-se a constante articulação entre os segmentos, pois ambos se tornaram conhecidos, passando do campo da impessoalidade, de serem só crianças que se cruzam pelos corredores sem se verem. Passaram a ter nome, a ter preferências e a ter cuidado uns com os outros. O resultado dessas ações educativas que buscam integrar a
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Educação Infantil com o Ensino Fundamental demonstrou, e continua demonstrando, como é possível a aproximação entre crianças de diferentes níveis de escolaridade, criando uma identidade grupal que caminha no aprimoramento das interações e troca de conhecimentos.8 Em uma das avaliações acerca da implantação da hora da leitura no pátio, levantaram dois pontos a serem solucionados: a falta de cuidado com o manuseio dos livros pelas crianças da Educação Infantil e a falta de interesse ou pouca procura pelos momentos de leitura pelas crianças do Ensino Fundamental. Com base em suas observações realizaram visita às salas utilizando estratégias como a própria contação de histórias por meio de fantoches, dedoches e rodas de leitura, conseguindo o reconhecimento tanto das professoras sobre o trabalho realizado quanto pelas crianças, o que, em muito, fortalece os conteúdos procedimentais e atitudinais diariamente trabalhados em sala, além de maior colaboração e participação da escola no espaço de leitura no pátio. E isso sem contar a aprendizagem da leitura silenciosa e oral. 205 Uma escola só: a integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental
Ainda na ação com as crianças, destaca-se a visita das turmas de 5 anos às salas de aula da Educação Fundamental, que visa quebrar barreiras e medos na passagem de um segmento para outro. Durante esses momentos conhecem a sala e um pouco da nova rotina que os espera, conversam com os maiores, olham cadernos, jogos, tirando assim suas próprias conclusões de que não se trata mais de algo totalmente desconhecido, pois descobrem que as crianças do Fundamental fazem rodas, ouvem histórias, realizam brincadeiras, embora por vezes sejam outras, dispõem de jogos, registram e desenham, mas que um pouco a mais, mesmo sendo maiores, inclusive as cadeiras precisam ser maiores também. Desde o início deste trabalho conseguimos diminuir o medo, a ansiedade, o choro das crianças, tranquilizando também as famílias, passando realmente a vislumbrar o que chamamos de continuidade dentro da escola, superando antigas ideias como a de que a escola iria começar, “de verdade”, no ingresso ao Ensino Fundamental, que “agora não seria mais brincadeira”, negando todo o conhecimento anteriormente produzido e a valorização da experiência pequena na escola. As crianças aprendem umas com as outras no cotidiano escolar. Enquanto os maiores ensinam suas experiências e brincadeiras com regras, os menores ensinam
Para saber mais sobre a importância da aproximação de crianças de diferentes faixas etárias, ler sobre o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal — ZDP. Cf. VYGOTSKY, 2000. 8
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o quanto é bom reaprender a brincar “sem” regras e sem esperar um resultado, ensinam a rir, a se reencantar com o faz de conta dos personagens infantis.
Ação com as famílias A ação com as famílias tem em vista reafirmar a parceria existente, levando-lhes ao conhecimento documentos9 que balizam a Educação no Sesc. Desenvolvem-se diferentes ações integradas que perpassam pelo acolhimento diário com atenção especial aos ingressantes na escola, pois ainda estão se apropriando do cotidiano da escolar. Permitimos que perguntem, observem o trabalho do professor, enfim, comecem a compreender e a fazer parte da escola.
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Realizamos reuniões com pais novos antes de iniciar o ano letivo estabelecendo o contato entre casa e escola,10 damos atenção especial às famílias de alunos novos de 4 anos e no 1o ano do Fundamental; nas turmas de 5 anos realizamos muitas ações de integração por meio de informativos e pesquisas de opinião sobre o trabalho da escola, palestras com temas diversos, contação de histórias, entre outras ações que trazem os familiares para escola, independentemente de convocação para reuniões.
E nossa história continua Nossa história continua sendo construída e registrada a cada dia, a cada ano letivo, se reinventando pelas situações novas, em cada acolhimento de aluno e família, ou mesmo de um professor iniciante que, muitas vezes, pouco ou quase nada conhece dos propósitos da chamada Escola Sesc Castanhal. Seguimos no intuito de acolher e fortalecer cada vez mais a sensação de pertencimento ao grupo e à escola, diminuindo o fosso entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental por meio de um caminhar que integre e aproxime os sujeitos. Assim, vamos trabalhando na formação de professores, na valorização das produções e conhecimentos das crianças e suas famílias, aprendendo e reaprendendo com o novo, com a escuta para as crianças e entre elas, falando em nome de uma escola que ensina, acolhe e aprende com elas: uma escola só! Propostas Pedagógicas da Educação Infantil e da Educação Fundamental no Sesc, Diretrizes Curriculares para Educação Infantil e para Educação Fundamental; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/1996) Regimento Escolar Interno. 9
Já na matrícula mapeamos vários aspectos sobre o perfil das famílias, como o melhor horário para que sua maioria compareça às reuniões, maneiras de contribuir com o trabalho da escola, como oferecimento de oficinas ou disponibilidade para contar histórias. 10
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Referências
GUIMARÃES, D. et al. Vem que no caminho eu te conto. In: KRAMER, S.; SOUZA, S. J. Histórias de professores: leitura, escrita e pesquisa em educação. São Paulo: Ática, 1996. MEDEIROS. C. S. de. Concepção de infância e leitura como experiência coletiva: algumas implicações na formação de leitores na educação infantil do Sesc. Revista Práticas de Linguagem, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, jul./dez. 2013. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação fundamental no Sesc. Rio de Janeiro, 2001. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil no Sesc. Rio de Janeiro, 1997. SILVA, I. de O. Profissionais da educação infantil: formação e construção de identidades. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. VYGOTSKY, L. S. Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 207 Uma escola só: a integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental
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Títulos anteriores • Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores • Mediação de linguagens nas Salas de Ciências • Gerontologia • Música na escola: caminhos e possibilidades para a Educação Básica
Este é o quinto volume da série Educação em Rede, publicação que visa divulgar a reflexão dos participantes das ações de formação veiculadas por videoconferência promovidas pelo Departamento Nacional do Sesc. A série de textos que compõe este livro é fruto de reflexões sobre a prática docente no cotidiano das escolas de Educação Infantil do Sesc em diferentes Departamentos Regionais, a partir da ação de formação “Rodas de Conversa na Educação Infantil”, realizada em 2015.
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