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o percurso da vida do bailarino e coreógrafo Ismael Ivo, algumas cidades simbolizaram a mudança de direção: São Paulo, Nova York, Viena, Berlim e Veneza. Mas foi Salvador aquela que representou um antes e depois na carreira do paulistano de Vila Ema, Zona Leste, que morreu em 8 de abril, aos 66 anos, em decorrência da Covid-19. O Rito do Corpo em Lua era o solo que Ivo apresentava na capital baiana em 1983. Na plateia estava o lendário coreógrafo afro-americano Alvin Ailey, expoente da dança moderna. Impressionado com o magnetismo do performer que acabara de conhecer, Ailey, na mesma ocasião, ofereceu-lhe a chance de ser parte da prestigiosa Alvin Ailey American Dance Theatre.
“Alvin Ailey me viu e disse: ‘Você tem uma forma diferenciada de se mover. Onde você está aprendendo isso?’”, recordaria Ismael Ivo em 2017, em entrevista aos professorespesquisadores Noel dos Santos Carvalho e Ana Cristina Ribeiro Silva, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Eu respondi que era minha pesquisa, do meu próprio interesse. Ele, então, me convidou para ir a Nova York. Meu axé estava plantado na Bahia. É de lá que eu tinha de sair para o mundo.” PRIMEIROS GIROS
Assim, aos 28 anos, o bailarino trilhou o caminho que o levou à consagração internacional como um dos maiores nomes da dança, fiel às raízes de um Brasil moderno, mas conectado com a arte universal. Antes de Nova York, porém, fez história com obras de assinatura própria, uma dança-teatro paulistana, segundo explica a ensaísta, curadora e gestora em dança Cássia Navas, que também atua como professora-pesquisadora da Unicamp. “Suas performances já traziam, de maneira contemporânea, a marca da ancestralidade, construída em uma família de matriarcas, mulheres trabalhadoras, que o criaram numa casa com quintal, com árvore, bacias de água e roupa para lavar”, conta. Era nesse lar simples que, menino, dançava “girando e girando”, observado pela mãe, empregada doméstica, de quem sempre recebeu incentivo para ir em frente. Na juventude, deu início a uma ascensão artística memorável, quando estudou com a bailarina Ruth Rachou, compôs elencos com os diretores Takao Kusuno e José Possi Neto, fez parte do Teatro de Dança Galpão e integrou o grupo experimental de dança do Theatro Municipal de São Paulo, levado pelo coreógrafo Klauss Vianna.
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