SG MAG #05
SUMÁRIO SG MAG Edição nº 5 Agosto 2018
EDITORIAL ........................................................................................................ CRÓNICA: Jantar de negócios – por Maurício Cavalheiro .............................. CONTO: Humano: a princesa e o sapo – por Tiago Sousa ............................ ENTREVISTA: Jonnata Henrique – por Isidro Sousa .................................... POESIA: Poemas de Jonnata Henrique .......................................................... CONTO: Enforca, enforca, vamos brincar? – por Jonnata Henrique ............ CRÓNICA: Explicando o amor – por Marisa Luciana Alves ......................... APRESENTAÇÃO: Prisioneiros do Progresso – por Isidro Sousa .............. REPORTAGEM: Lançamento de “Prisioneiros do Progresso” ................ CONTO: A promessa – por Rosa Marques ....................................................... CRÓNICA: A história do escritor que não foi – por Sandra Boveto ............. CONTO: Maria por três dias – por Fátima D’Oliveira .................................... CARTAS: Para ti – por Natália Vale ................................................................. CRÓNICA: Escolhas ruins – por Samanta Obadia .......................................... ENTREVISTA: Maria Alcina Adriano – por Isidro Sousa .............................. EXCERTO LIVRO: A Ribeira da Minha Terra – por Mª Alcina Adriano .. CRÓNICA: As viagens ao Porto – por Maria Alcina Adriano ....................... POESIA: Poemas de Maria Alcina Adriano ................................................... CRÓNICA: A aldeia que nunca foi minha – por Jorge Pincoruja ................... CRÓNICA: Dia do abraço – por Lira Vargas ................................................. APRESENTAÇÃO: Devassos no Paraíso – por Isidro Sousa ....................... CRÓNICA: Para não enferrujar – por Lenilson Silva ...................................... CONTO: Refúgio nos pinheiros – por Lira Vargas ....................................... CRÓNICA: Tralhariz, uma fonte de inspiração – por Manuel A. Mendonça ENTREVISTA: Estêvão de Sousa – por Isidro Sousa ..................................... EXCERTO LIVRO: A Profanação do Túmulo – por Estêvão de Sousa ...... RESENHA: Livro Dezoito de Everton Medeiros – por Jonnata Henrique .... CONTO: A terra de ninguém – por Ana Sophya Linares ................................ RESENHA: Romance Consorte de Sangue – por Marisa Luciana Alves ........... POESIA: Almir Floriano, Marizeth Maria Pereira, Tiago Sousa ................ POESIA: Amélia M. Henriques, Jonnata Henrique, Marilin Manrique ..... POESIA: Lucinda Maria, Renata Galbine, Lenilson Silva ........................... POESIA: Cristina Sequeira, Isabel Martins, Rosa Marques ......................... POESIA: Rafa Goudard, Vieirinha Vieira ...................................................... LIVROS: Mundo de uma Executiva, Prisioneiros do Progresso ................ LIVROS: Um Braçado de Estrofes, Romance em São Tomé, Dezoito .... LIVROS: Confissões de uma Miúda Gira, Volto Já... ................................... LIVROS: A Ribeira da Minha Terra, A Clausura de Kematian .................. BIOGRAFIA: Aquilino Ribeiro – por Serafina Martins .................................. CONTO: A pele do lombo – por Aquilino Ribeiro .......................................... REGULAMENTO: Luz de Natal ................................................................... AUTORES SUI GENERIS: Vários autores nas páginas seguintes ........... 3
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Isidro Sousa Editor da SG Mag
sg.magazin@gmail.com https://issuu.com/sg.mag
EDITORIAL Apresentamos o quinto número deste Magazine Literário, uma publicação Sui Generis ao dispor de toda a lusofonia. A presente edição dá especial atenção ao jovem autor Jonnata Henrique, residente no Estado de Pernambuco, Brasil, cujos textos, em prosa e poesia, marcam presença em variadíssimas antologias da Colecção Sui Generis e se destacou, recentemente, ao organizar, com êxito, a sua primeira obra colectiva. Publicamos também duas entrevistas com Maria Alcina Adriano e Estêvão de Sousa, dois autores portugueses com vasta obra editada, que nos falam das suas trajectórias literárias e das suas experiências com o meio editorial. Além dos diversos textos e lançamentos de livros nos últimos meses que compõem esta edição, uma especial menção para a biografia do mestre Aquilino Ribeiro, nas últimas páginas, e para o mundo rural, que se encontra abordado, de uma maneira ou de outra, em várias partes da revista: nas crónicas de Jorge Pincoruja, Maria Alcina Adriano e Manuel Amaro Mendonça, e nos contos de Fátima D’Oliveira, Lira Vargas e Aquilino Ribeiro. Agradecemos todas as contribuições que tornaram possível esta edição... e marcamos encontro na próxima edição. Boas leituras!
SG MAG – Magazine Literário Ano 2 – Edição Nº 5 – Agosto 2018 Editor e Director: Isidro Sousa Periodicidade: Trimestral ISSN: 2183-9573 Redacção e Publicidade: sg.magazin@gmail.com Endereço na Internet: https://issuu.com/sg.mag Colaboração nesta Edição: Almir Floriano, Amélia M. Henriques, Ana Sophya Linares, Cristina Sequeira, Estêvão de Sousa, Fátima D’Oliveira, Isabel Martins, Isidro Sousa, Jonnata Henrique, Jorge Pincoruja, Lenilson Silva, Lira Vargas, Lucinda Maria, Manuel Amaro Mendonça, Maria Alcina Adriano, Marilin Manrique, Marisa Luciana Alves, Marizeth Maria Pereira, Maurício Cavalheiro, Natália Vale, Rafa Goudard, Renata Galbine, Ricardo Solano, Rosa Marques, Samanta Obadia, Sandra Boveto, Serafina Martins, Tiago Sousa, Vieirinha Vieira. Os textos publicados são da exclusiva responsabilidade dos autores que os assinam; os conceitos emitidos pelos autores não traduzem necessariamente a opinião da revista.
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CRÓNICA
JANTAR DE
S
NEGÓCIOS
emana passada, reencontrei um amigo de infância que não via há anos. Quase não o reconheci POR MAURÍCIO CAVALHEIRO devido à devastação capilar, ainda mais severa do que a minha. Foi ele quem me abordou na calçada. Trocaretirar alguns livros da estante que ameaçava mos poucas palavras, pois me dissera atrasado patombar. ra certo compromisso. Dei-lhe meu cartão e o Ele chegou no horário marcado. Chegou com o convidei para jantar em casa, no dia seguinte. Ele filho que parecia ter uns oito anos, não mais. Meaceitou, entrou no porsche panamera turbo e foi nino impertinente, bichinho indomesticável. «Preembora. cisei trazê-lo. Minha esposa está com enxaqueca». Confesso que me arrependi de tê-lo convidaApós o jantar, com breves interrupções para do. Por quê? A julgar pelo automóvel, minha casa censuras ao filho, fomos para a sala de estar. Sendevia ser mansarda perto da dele, e eu não queria tamo-nos no sofá sem defeito. O moleque, aprocausar má impressão. Enfim, convite feito deve veitando o descuido do pai, subiu no avariado, ser honrado. pois vira – graças à minha miopia − teias de araNaquela noite não dormi. Apenas no fim da nha num canto do teto. Pulando sucessivas vezes, madrugada consegui me apaziguar conjecturando na tentativa de pegá-las, provocou o deslocamenque talvez ele declinasse o convite. Não declinou. to dos tijolos. Por isso, perdeu o equilíbrio e, para Estava almoçando quando me ligou pedindo o não cair, saltou sobre a mesinha que não suporendereço. Entrei em pânico. Às pressas, deixei o tou o peso. Só não enfiou a cara no chão porque escritório e fui sacar da minguada poupança desse agarrou na estante de livros. Adivinhe o que tinada à substituição de móveis. Ao deixar a agênaconteceu? A estante tombou. Por sorte (ou azar), cia, fui procurar a vizinha, ex-cozinheira do restaunão caiu sobre o pestinha. rante Fasano. Somente consegui convencê-la de Meu amigo, após inúmeras desculpas, agarrou cozinhar naquela noite, quando ofereci algumas o filho pelas orelhas, dizendo que iria pô-lo no carcédulas de cinquenta. Tudo resolvido? Não! Era ro e que voltaria para pagar o prejuízo. Pediu-me preciso deixar a casa impecável, e a diarista só vipara relacionar os objetos danificados. Assim que ria na semana seguinte. Sem alternativa, eu messaiu, lembrei que a TV estava estragada havia mo inspecionei e asseei cada pedacinho do imóanos. vel. Em algumas horas deixei tudo com um pouco No dia seguinte, minha sala possuía nova mode dignidade. Para isso, precisei ocultar tijolos debília e eu, após muitos anos, pude, finalmente, asbaixo do sofá avariado para corrigir o desnível, cosistir ao campeonato de futebol. lar os pés cambaleantes da mesinha de centro e 7
“É trágico ver como hoje se promove a literatura. É um saquinho fechado, de que toda a gente diz “é maravilhoso!”, mas que nunca chega a ser aberto. Acho que há uma futebolização da cultura. Em todos os domínios... Até na própria representação dos escritores, que antes se fazia com cuidado, colocavam-se os escritores no mesmo plano para que houvesse respeito por todos. Hoje é exatamente o contrário, estabelecese uma hierarquia violenta e muitas vezes aleatória, que corresponde ao que se faz no futebol. Pergunta-me se tenho fé na literatura... Eu continuo a ter. Figuras de proa como George Steiner ou o Alberto Manguel têm dito que a literatura não nos faz, necessariamente, melhores pessoas. Concordo... Mas faz de nós pessoas mais ricas, mais amplas. E eu acredito que a literatura melhora a vida. E que tem poder, um poder lento e invisível... Há dias, voltei a um livro de meados do século XIX, A Dama das Camélias [de Alexandre Dumas filho], e pus-me a pensar se ele melhorou a Humanidade... Concluí que sim, melhorou, de facto! Na altura, diriam: mas como é que falar duma prostituta de classe alta pode melhorar alguma coisa? Eu acho que melhorou, denunciou um cinismo, desmantelaram-se processos... A literatura tem redenção dentro, promete uma redenção.” Lídia Jorge, in revista Visão, 24 de Junho de 2018 (entrevistada pelo jornalista Pedro Dias de Almeida) 8
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CONTO
HUMANO: A PRINCESA E O SAPO TIAGO SOUSA O destino fez de Tiago Sousa, um estudante universitário de 19 anos, amante do excêntrico e do macabro. Deixou que a inspiração lhe escrevesse já diversos contos de terror e tragédia, inspirados pela escrita de autores como Poe e Lovecraft. Ultimamente, tem dado asas à sua poesia, produzindo inúmeros poemas numa base diária, em métrica regular ou verso livre. A sua arte sempre estará marcada por uma estranha sensação de alienação e uma certa melancolia derivada do profundo pensamento. Página do Autor: https://www.facebook.com/tiago.sous a.10comoseomundonaofosseloucoosu ficiente
“Subi até à única janela da torre utilizando as pernas, o braço restante e os dentes. Devo ter partido um, talvez dois ou três, mas consegui. Cheguei ao topo. E, finalmente, mais uma vez “finalmente”, consegui vê-la em pessoa: a princesa adormecida. Aprisionada durante anos naquela inescapável prisão, só um honrado cavaleiro a poderia salvar, só o seu doce beijo poderia quebrar a maldição que a mantinha ali, inerte no espaço e no tempo, eternamente conservando a beleza da sua juventude.” POR TIAGO SOUSA
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a semana passada, enfrentei um deserto sobrava. Estava quase às portas da morte quando escaldante. O sol, mesmo adormecendo pude finalmente vislumbrar o meu objetivo no hono horizonte, parecia querer matar-me rizonte: a torre de marfim. Qual não foi a motivacom as suas chamas. Os escorpiões, ocultos sob a ção que essa simples visão me trouxe! Só o saber areia grossa, recusavam-se a adormecer, consideque estava perto de concretizar a minha jornada rando-me uma ameaça digna do seu veneno. Mas me incentivou a inibir as necessidades do corpo sobrevivi, isto montando o meu querido cavalo, para tornar a atender os propósitos da minha alde armadura cintilante e elmo protegendo-me o ma. rosto. Infelizmente, o meu Ergui-me, mais uma vez querido corcel morreu dos nobre e confiante, e avanvis ataques daqueles araccei de lâmina ao peito. nídeos imundos. Só resto Nada me poderia desafiar. Perdi todos os mantimentos que eu para contar a história. Nada me poderia travar ou No final, só restarei eu. destruir. Isto porque um comigo trazia durante a demanda, Atrás de cada pedra, Homem, quando motivado e de água pouco me sobrava. certamente viviam fantasa agir por fins que o supeEstava quase às portas da morte mas, espíritos de heróis do ram, é capaz de tudo excequando pude finalmente vislumbrar passado que, enganados to a derrota. o meu objetivo no horizonte: a torre por uma astúcia desmediTive de atravessar um da, acabaram ao serviço vale de plantas tentaculade marfim. Qual não foi a motivade Hades no seu negro res e espinhosas. Sem o ção que essa simples visão me domínio. Caminhei pelos meu elmo, provavelmente trouxe! Só o saber que estava perto meus próprios pés, escateria sido cegado pelos de concretizar a minha jornada pando por entre as garras grossos espinhos que, de desses espectros sem destempos a tempos, parecime incentivou a inibir as necessicanso, não dormindo ou am seguir-me com esse dades do corpo para tornar a atentirando minutos para desseu instinto característico der os propósitos da minha alma. cansar. Não me podia dar de vegetal. A minha armaErgui-me, mais uma vez nobre a esse luxo ou tornar-medura polida terminou suja ia num deles. A minha ese desgastada. A minha lâe confiante, e avancei de lâmina pada, lâmina à qual confio mina, cada vez mais fraca, ao peito. Nada me poderia a minha vida em todos os ameaçava quebrar-se. E foi desafiar. Nada me poderia momentos de complicanesse estado deplorável travar ou destruir. ção, auxiliou-me nos pioque cheguei à torre. res instantes, quando as O edifício era enorme, hordas de almas penadas com cerca de cinquenta pareciam cercar-me. Como metros. Seria preciso escapodem ver, passados uns dias acabei por sobrevilar a parede pois não existia qualquer porta. Para ver a esse amaldiçoado lugar para, no final, vos além disso, nenhuma escada estava à vista. Inconcontar esta história. Mais uma vez vos relembro veniente, mas previsível. Já viera preparado para que, no final, só restarei eu. uma eventual escalada. Nada me impediria de A fome tornou-se depois no meu maior opoatingir o meu objetivo. Subiria aquela torre, nem nente. Perdi todos os mantimentos que comigo que fosse a última coisa que fizesse. trazia durante a demanda, e de água pouco me 10
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Porém, o azar parecia sorrir na minha cara. A torre assentava sobre um penhasco de rocha avermelhada e o solo estava claramente quente. Julguei que tal se poderia justificar pelos fluxos magmáticos tão comuns naquela região, mas não era isso. Em breve vim a saber que se tratava de algo muito mais perigoso, e vim a sabê-lo quando senti uma forte ventania a empurrar-me contra o chão. É óbvio que a minha mente, embora já submetida aos mais sinistros vilões e poderes do submundo, possuía uma maior tendência para confiar no raciocínio lógico e científico do que na superstição. Contudo, contra todas as expetativas, os responsáveis não eram os ventos fortes ou uma tempestade, como cheguei a imaginar, mas sim o bater de asas de um enorme dragão. A tétrica criatura ascendia sobre o edifício branco, expelindo da sua garganta o bafo ardente dos mais profundos infernos. De início, tentei ignorar o monstro. Julguei que seria capaz de escalar a parede sem grandes dificuldades, apesar
dos eventuais ataques da besta. Só que rapidamente o ar se tornou irrespirável. O cheiro a enxofre tornou-se demasiado incómodo para que pudesse simplesmente ignorar as ocasionais investidas do demónio alado. Era preciso agir, combater o mal de frente. Foi assim que cheguei onde cheguei, com bravura e confiança. Sempre fui esse tipo de indivíduo, aquele que não desiste até atingir a mais elevada glória. As batalhas não foram feitas para serem perdidas. Elas existem para nos superarmos a nós próprios. Munido de colossais garras e dentes, combatemos frente a frente. Não sei se passaram minutos, horas ou dias. Sei que nunca senti influência da fome e da sede. A fadiga ignorei-a ao máximo, apesar das fortes dores nos antebraços e nas pernas. Nalgumas alturas, admito, considerei a desistência, mas desistir nunca seria digno da minha pessoa. Todo o suor, todas as lágrimas. No final, valeria a pena. Nada há de mais humano que salvar uma vida. 11
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As chamas por pouco não me consumiram o torso, mas o meu braço esquerdo foi completamente fulminado. O metal da armadura derreteume sobre o braço, aqueceu-me a pele e deixou-a igualmente liquescente. Dificilmente poderia esquecer essa sensação, a minha própria proteção tentando corroer-me aos poucos. A minha carne desfazendo-se em redor do osso, os músculos cada vez mais gelatinosos até escorrerem como líquido. E, no fim, tudo evaporou. E só me restou um braço. Mas nada me travaria. Nada pode combater um coração apaixonado e uma alma fixa num determinado objetivo. Nada. Destruí o dragão. A minha espada quebrou com os sucessivos golpes do réptil, e mesmo as-
sim lhe trespassei o coração de gigante. Ele cedeu. O sangue jorrou por todos os cantos e a aberração caiu, à minha frente, a meus pés. Venci. Finalmente, venci. Só faltou escalar a maldita parede. E assim o fiz. Subi até à única janela da torre utilizando as pernas, o braço restante e os dentes. Devo ter partido um, talvez dois ou três, mas consegui. Cheguei ao topo. E, finalmente, mais uma vez “finalmente”, consegui vê-la em pessoa: a princesa adormecida. Aprisionada durante anos naquela inescapável prisão, só um honrado cavaleiro a poderia salvar, só o seu doce beijo poderia quebrar a maldição que a mantinha ali, inerte no espaço e no tempo, eternamente conservando a beleza da sua juventude. 12
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Repousava sobre uma enorme cama, oculta por cortinas de cor rosada, translúcidas. O quarto era ricamente mobilado. Intocado por eternidades, mantinha-se curiosamente limpo e arrumado. Artefactos de terras distantes enfeitavam as cómodas e roupeiros: urnas, estatuetas, joias e um espelho de longa altura. Para além disso, notáveis tapeçarias retratavam príncipes cavalgando por vales floridos, correndo a serviço das suas amadas donzelas. Agiam tal como eu, e de certeza que se moviam pela mesma força e motivação.
Aproximei-me da minha amada princesa, afastando a frágil cortina, e peguei-lhe numa mão. Era tão bela, e a sua pele tão pálida e delicada quanto uma pétala de flor. Usava um vestido luxuoso próprio, de cor azulada, e os seus lábios eram vermelhos, mas um vermelho tão mais forte e sedutor que o vermelho com que o horrível dragão me imolou o membro. Sem pensar muito, retirei o elmo. Aproximei a minha face da dela, partilhando do ar que ela por tanto tempo foi obrigada a respirar, um ar recheado do seu perfume tão jovem e encantador. Enfatuado, deixeime levar pelos instintos mais selvagens do coração. Perdi-me em mim e permiti-me que a beijasse. Os olhos abriram, aqueles lindos olhos de um azul-esverdeado. Acordou o meu mais querido e exclusivo amor. E ela viu-me. Demorou longos minutos a observar-me, as suas feições assegurando uma expressão que não me era desconhecida. As pálpebras abriram muito e a boca alongou-se nos cantos. O pescoço curvou-se um pouco para trás, aquele gracioso pescoço. Levantou-se da cama, muito devagarinho, pois já não estava habituada a andar de pé. E só nesse momento re-
Era tão bela, e a sua pele tão pálida e delicada quanto uma pétala de flor. Usava um vestido luxuoso próprio, de cor azulada, e os seus lábios eram vermelhos, mas um vermelho tão mais forte e sedutor que o vermelho com que o horrível dragão me imolou o membro. Sem pensar muito, retirei o elmo. Aproximei a minha face da dela, partilhando do ar que ela por tanto tempo foi obrigada a respirar, um ar recheado do seu perfume tão jovem e encantador.
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parei que estava enganado desde o início: afinal existiam duas janelas naquele quarto, havia outra para além daquela pela qual entrei. Digo isto porque ela se dirigiu a essa segunda janela e atravessou-a. Não me surpreendi por não ter visto a janela no começo. Afinal, aquela segunda janela era contrária àquela pela qual entrei e ia dar precisamente ao abismo para além do penhasco. Claro que já não estranhava nada. Combati fantasmas, plantas inteligentes e dragões. Depois, salvei uma jovem de uma maldição intemporal. É claro que aquela janela não era normal. Ela própria deveria estar imbuída de um feitiço. Como não havia outra forma de descer, só por aquela janela mágica seriamos nós capazes de voltar ao chão. Espreitei pela janela. Vi o fim do penhasco. Lá ao fundo, vi o mar a embater contra as rochas.
Sobre uma destas, um mineral algo longo e escarpado, estavam rasgadas as azuladas vestes da minha princesa. Não disse nada, nem sequer chorei. Voltei novamente as minhas atenções para o longo espelho do quarto. Contemplei o meu reflexo, e aí sim chorei. Voltou a acontecer. Os olhos amarelos descaídos e as bochechas carcomidas nunca enganarão ninguém. A ausência de cabelos, a pele arroxeada e as irregulares pústulas. O nariz vestigial e a boca desprovida de pele saudável. O elmo nunca seria capaz de ocultar a verdade para sempre. No final, como sempre, só restei eu. E fui obrigado a enfrentar a dura realidade. Faça o que fizer, salve quem salvar, proteja quem proteger. Para ela, para eles, para todos. Viva o que viver, morra o que morrer. Nunca serei suficientemente humano. 14
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ENTREVISTA
JONNATA HENRIQUE Brasileiro, da cidade de Brejo da Madre de Deus, Pernambuco, Jonnata Henrique mostrava, enquanto criança, certa intimidade com as letras; começou a escrever textos na sua escola e foi adentrando no mundo da escrita, onde permanece até hoje. Poeta, cordelista, contista, é autor de cerca de setenta títulos de literatura de cordel, publica poesias na sua rede social e participa em diversas antologias de editoras brasileiras e portuguesas. Romance, humor, ficção, popular, filosofia, tecnologia, tudo é motivo para escrever, ama o que faz, é ecléctico, semeando palavras. Estreou-se recentemente como antologista, organizando a obra poética «Aquarela de Emoções». POR ISIDRO SOUSA
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pequenas peças de teatro para apresentações de atividades escolares. Após um destes trabalhos, fui apresentado ao simbolismo de Alphonsus de Guimaraens e comecei a redigir poemas incentivado por minhas professoras de Língua Portuguesa, Juciene Cordeiro e Adriana Tavares.
Assíduo leitor, passava parte do intervalo e aulas vagas na biblioteca. Gostava de redações e escrevia pequenas peças
Escreve por prazer ou sente necessidade de escrever?
de teatro para apresentações Manifesto no papel diariamente devaneios personais, tal atividade confere-me muito prazer e tornou-se uma necessidade. Ando sempre com um caderno de bolso e uma caneta para onde vou.
de atividades escolares. Após um destes trabalhos, fui apresentado ao simbolismo de Alphonsus de Guimaraens
O que escreve habitualmente?
e comecei a redigir poemas
incentivado por minhas
Corriqueiramente opto pela área do romantismo, entretanto, alimento secundariamente uma linha eclética, abordando o humor, a sensualidade, o gótico, o minimalismo e concretismo.
professoras de Língua Portuguesa.
Como caracteriza a sua escrita? Como define o seu estilo nas diversas modalidades em que escreve? Em que se inspira? SG MAG – Quem é o homem que habita por detrás do autor Jonnata Henrique? Como se apresenta enquanto ser humano?
Possuo uma escrita dinâmica e objetiva, procuro fugir do lugar-comum ao nomear composições. Recebo influência direta do meio que habito, dos amigos, familiares e acontecimentos cotidianos.
JONNATA HENRIQUE – Reside um ser crítico, observador, interativo. Alguém que assimila literatura, música, cinema, animes, fotografia, dentre outros nichos culturais, interpretando os mesmos em suas composições. Enquanto ser humano, descreve-se como alguém receptivo a novas amizades e experiências, tem uma vida social deveras ativa e procura abraçar tudo o que a existência lhe proporciona.
O que o fascina no mundo da poesia? Desperta-me júbilo, a possibilidade de expressar mundos e sentimentos através da magia e atemporalidade dos versos.
E na prosa? Quais são as temáticas que mais o seduzem?
Como surgiram as letras na sua vida? Em que momento começou a escrever?
A fantasia, a ficção e o terror são as temáticas que exercem notável magnetismo sobre o que concretizo.
Durante a alfabetização. Assíduo leitor, passava parte do intervalo e aulas vagas na biblioteca. Gostava de redações e escrevia
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É autor de cerca de setenta cordéis. O que é exactamente o cordel? Como o descreve?
Ivaldo Batista e J. Borges. Na poesia, Alphonsus de Guimaraens foi o gatilho para despertar minha identificação com as rimas. Nos contos, admiro Stephen King e o casal de escritores Sandra Boveto e Everton Medeiros.
Sim. O cordel é comumente conhecido pelo seu caráter não elitista. Trata-se da manifestação dos temas que referem ao dia-a-dia popular. Onde são retratados costumes, ritos, lendas, folclore, causos e romances.
Como é que os cordéis são habitualmente publicados?
O cordel é comumente
Estampados por xilogravuras, pequenos folhetos e brochuras colorem tipicamente os centros populares e históricos de considerável parcela da região nordestina, local que é amplamente difundido e seguido por fiéis produtores e consumidores de cultura.
conhecido pelo seu carácter não elitista. Trata-se da manifestação dos temas que referem ao dia-a-dia popular.
Onde são retratados costumes,
Quais são as suas maiores referências? Quais os autores que mais admira?
ritos, lendas, folclore, causos e romances.
No cordel fui inspirado por Abdias Campos e Caxiado, inicialmente; nutro respeito por outros autores como
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Que tipo de leituras prefere? Que livros lê habitualmente?
retribuir a recepção positiva do que escrevo e posto nas redes sociais.
Páginas de antologias de prosa e poesia que integro são leituras normalmente apreciadas. Tento prestigiar a arte dos colegas que literalmente se materializam em projetos coletivos. Faço sempre que posso resenhas de respectivos impressos, adquiro livros de tais autores, visando
Para que serve a literatura? A literatura, para mim, equivale à maneira criativa e efetiva de mostrarmos ao meio onde vivemos nossos caracteres pessoais através de contos, crônicas, histórias ficcionais ou não.
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E a poesia? A poesia é o lirismo e o sentimentalismo sintetizado em nossas almas, ganhando formas e cores emocionalmente atrativas e cativantes.
A poesia é o lirismo e o sentimentalismo sintetizado em nossas almas, ganhando formas
A sua primeira participação em obras colectivas ocorreu numa antologia portuguesa: na obra inaugural da Colecção Sui Generis. O que representou para si esta estreia literária num projecto além-fronteiras?
e cores emocionalmente atrativas e cativantes.
Posso afirmar, sem titubear, que divina oportunidade que me foi propiciada! Marcou-me e ainda marca nos dias atuais. Ter material selecionado para obra de tamanha repercussão trouxe-me positivos saldos, contatos, experiências, além de um retorno afetivo notável de conterrâneos, amigos e familiares. «A Bíblia dos Pecadores» foi um divisor de águas, sem sombra de dúvida.
útil para incitar e desenvolver a criatividade de escritores e poetas, elas acabam por criar vínculos literários, fazendo com que conheçamos o ofício de outros amantes das letras. Pode-se afirmar também que as antologias são mecanismos muito eficientes para que novos autores publiquem seus excertos, com publicidade e outros benefícios comprovados.
Continuou a participar regularmente em diversas antologias Sui Generis. Só mais tarde abraçaria as obras colectivas organizadas no seu país. O que o atrai nos projectos Sui Generis? Correto. A abordagem diferenciada, com projetos climatizados em assuntos de célere campo de pesquisa para confecção de textos e poemas. Devo mencionar que a divulgação diária, por meio de posts com cards que são verdadeiras obras de arte, incentiva e desperta o leitor a absorver o conteúdo mostrado para si, posteriormente enviar candidaturas para distintos projetos.
Que importância atribui às obras colectivas? Além de uma ferramenta muito
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As antologias Sui Generis privilegiam a lusofonia. Em que medida considera importante este intercâmbio cultural? O intercâmbio é algo precioso e importante. Esta socialização de saberes enriquece os transmissores e os receptores no processo. Conhecer culturas e povos por meio da escrita e da leitura é característica fascinante.
Que diferenças verifica entre as obras colectivas organizadas em Portugal e no Brasil? E que aspectos mais marcantes destaca numas e noutras? Em que antologia, ou colectânea, gostou mais de participar? Porquê?
A diferença maior creio que esteja nas formas distintas que autores brasileiros e portugueses se expressam. Há muito de cada país inserido na estética dos poemas e contos. Como o âmbito do amor e dos sentimentos exerce impacto diário em nosso ciclo social, as antologias que exploram similares abordagens tendem a ser mais prazerosas, por oferecerem linhas que podem ser facilmente assimiladas e comparadas com fatos ocorridos na vida de quem leu.
«A Bíblia dos Pecadores» foi um projeto muito especial para mim. Não apenas por ser a primeira antologia em que publiquei, porém, por conta de tudo que a mesma trouxe de positivo. Contatos, amigos, experiências e a oportunidade de ir a Portugal.
Alguma das obras colectivas em que participou o marcou especialmente? Se sim, de que modo? A antologia «Sexta-Feira 13» organizada por Isidro Sousa. Neste projeto, pude sintetizar muitos assuntos que aprecio e consumo diariamente, e esta possibilidade foi interessantíssima.
As antologias são mecanismos muito eficientes para que novos autores publiquem seus excertos, com publicidade e outros benefícios comprovados.
Dentre as suas participações em prosa, apresentou vários contos de ficção científica, tendo procurado adaptar sempre os seus enredos à temática de cada antologia. Nesta modalidade, a ficção científica é o seu género preferido? O que o desperta neste universo? Sim. A ficção é uma área de atuação que cativa-me.
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Estreou-se recentemente como antologista, com a obra poética «Aquarela de Emoções». O que o fez envolver-se na organização deste projecto?
Como o âmbito do amor e dos sentimentos exerce impacto diário em nosso ciclo social, as antologias que exploram similares abordagens
Por ter participado de alguns projetos da Darda Editora, acabo por receber convites para novas antologias e projetos por e-mail. Ao recepcionar uma destas mensagens, que falava sobre o recebimento de ideias para organização de um livro coletivo, comecei a pensar no assunto e elaborei uma proposta que foi avaliada e abraçada pela editora. Achei que seria uma experiência diferenciada inverter papéis e me colocar do outro lado das páginas onde nunca estivera antes.
tendem a ser mais prazerosas, por oferecerem linhas que podem ser facilmente assimiladas e comparadas com fatos ocorridos na vida de quem leu.
Como decorreu esta primeira experiência enquanto antologista? Quais foram os principais desafios ao organizar uma obra colectiva?
Converter a realidade naquilo que ansiamos ou desenhamos nos traz singular satisfação pessoal. Moldar universos fabulosos, invenções milagrosas e utopias inimagináveis é a parte divertida de tudo isto.
Decorreu de forma mais que satisfatória, posso dizer. O desafio principal está em apresentar ao público de modo eficaz seu edital. Uma entrega diária se faz necessária, utilizando as ferramentas das redes sociais,
Desde a (primeira) participação na antologia «A Bíblia dos Pecadores» em 2015, abraçou largas dezenas de obras colectivas, em Portugal e no Brasil. No entanto, nunca publicou um livro solo, de sua autoria. Ainda não sentiu chegado o momento de editar o seu próprio livro ou haverá alguma razão que o impeça? Possuo uma quantidade razoável de poemas, contos e cordéis publicados em antologias. Penso sim em publicar um livro solo, entretanto, tomo conta de duas páginas, posto em sites, redes sociais, escrevo para antologias, organizo antologias; resenhas, prefácios e outras atividades têm me tomado algum tempo, o que prolonga um pouco a edição e publicação de um livro que já organizo.
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tentando persuadir os poetas e poetisas a enviarem seus escritos. Levando em conta os numerosos adeptos deste tipo de processo seletivo, torna-se necessária uma atenção especial para os que produzem material para elas.
Afirmativo. É a obra que obteve maior número de autores na história da editora. Utilizei e-mail, Messenger, Facebook, Instagram, Whatsapp, sites e páginas para divulgação. Aliado a isto, acredito que a produção de vídeos auxiliou bastante. A informalidade teve papel muito importante também, pois recebi candidaturas; e tentei simplificar e achar soluções nos locais que os interessados em encaminhar candidaturas possuíam obstáculos.
«Aquarela de Emoções» é a obra colectiva da Darda Editora que reuniu o maior número de autores participantes. A que se deve este êxito?
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De participante a organizador. O que o surpreendeu nesta bem-sucedida estreia como antologista? É oportuno frisar que tal odisseia literária proporcionou alegrias e emoções marcantes. Poder ler a obra de tantos autores, aprender com eles, descobrir novos talentos, fazer amizades sólidas através disto, seriam os pontos fortes de se organizar uma antologia.
Tenciona continuar a organizar antologias? Pretendo organizar mais projetos sim, depois que divulgar o livro do jeito que todos os participantes merecem, porque sem eles nada seria possível. Feito isto, aí sim, pensarei noutros projetos.
autor regional, preocupado em promover a cultura do seu povo, ou tem um âmbito mais alargado?
Publica regularmente textos poéticos nas redes sociais. Até que ponto estes meios são imprescindíveis para a divulgação do seu trabalho?
Considero-me eclético, já que retrato várias vertentes no que escrevo. Gosto de fotografias assim, por acreditar que devemos valorizar nossas raízes e mostrar sempre de onde viemos.
As redes sociais são imprescindíveis para quem pretende trabalhar com poesia. O nível de alcance deste meio é imensurável e tem um potencial magnífico a ser explorado. Converter
Como apresenta o ambiente cultural da sua região? E o meio literário?
a realidade naquilo
que ansiamos ou desenhamos As fotos que divulga nas redes sociais mostram sempre paisagens de meios pequenos. Não especificamente rurais mas relativamente modestos, com pessoas simples, humildes, do povo. Pode-se considerar o Jonnata Henrique um
nos traz singular satisfação pessoal. Moldar universos fabulosos, invenções milagrosas e utopias inimagináveis é a parte divertida de tudo isto.
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Existem muitos poetas e escritores na minha região, porém, poucos utilizam as redes sociais para divulgarem seus trabalhos. Meu sonho é poder convencer parte destas pessoas do contrário, ver conterrâneos tendo parecido ou maior êxito ao que tive ao desenvolver atividades na área da escrita. Sobre o meio literário, é igual
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uma família, tem todo tipo de gente e cabe a nós usar com sabedoria a arte de conviver.
projecto de Jonnata Henrique? Pretendo lançar um livro solo, um livro de duetos e organizar mais uma antologia num espaço de um ano. Se tudo prosseguir como planejado, executarei ideias em prazo acima citado.
E como analisa o universo literário do Brasil em geral? É um universo elétrico, sempre em movimento, e pronto para trazer luz ou chocar os que a ele pertencem.
Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores em geral e autores em particular?
Que recordações mantém da sua visita a Portugal durante o Verão de 2016?
A leitura é, sempre será o melhor caminho para chegarmos ao local que quisermos na vida, portanto leiam e sejam vocês.
Boas recordações. Fui a Lisboa, Óbidos, Cascais, Estoril, Sintra, Serra da Estrela. Vinho verde e os pastéis de Belém deixaram uma memória gastronómica formidável. Os azulejos e castelos, os costumes e a hospitalidade do povo português são fatos que jamais esquecerei.
Deseja acrescentar algo que não tenha sido abordado ao longo da entrevista? Queria agradecer a todos que acompanharam e acompanham meu trabalho até aqui. Desejo agradecer a Deus, aos familiares e amigos que me apoiam, amo vocês e viva a poesia.
Após «Aquarela de Emoções», quais são os seus planos para os próximos tempos? Já está a pensar numa nova obra? Em que consistirá o próximo
Fotos gentilmente cedidas por Jonnata Henrique e de Belo Fotografias (nas páginas 17 e 24)
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POEMAS DE JONNATA HENRIQUE AGRADEÇA Deus pela dádiva da vida Pai e mãe, querido, querida Amor no ambiente familiar Amigo, amiga, que lhe apoiar Pão que você tem na mesa As maravilhas da natureza A água, preciosa, essencial A saúde mental e corporal A diária poesia, orar, agradecer Rimou contigo não esquecer
ENFRENTE, EM FRENTE O AMOR... Parecendo bem, no entanto, só parece Pra ela, minha alma, houve a entrega Juro que tentei, mas falhei em trégua Lugar que vou aquele nome aparece Minha mente fica, não desaparece Boca sente e relembra doce sabor Maravilhoso beijo virou dissabor Dor e cor da saudade, estou entre Me diga este que batalhe, enfrente Em frente a um intenso amor
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CONTO
JONNATA HENRIQUE Poeta, cordelista, contista, antologista, brasileiro da cidade de Brejo da Madre de Deus, Pernambuco, publica os seus trabalhos nas páginas Gloryland e Angola-Brasil Poesias, além de participar em diversas antologias brasileiras e portuguesas. Da Colecção Sui Generis, participou em «A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Ninguém Leva a Mal», «Torrente de Paixões», «Saloios & Caipiras», «Sexta-Feira 13», «Fúria de Viver», «Devassos no Paraíso» e «Os Vigaristas». Páginas do Autor: Facebook: Jonnata Henrique facebook.com/Gloryland.com.br
ENFORCA, ENFORCA, VAMOS BRINCAR? “Camponeses rumavam devidamente trajados para a labuta. Homens de mãos calejadas e rústicas aparências exerciam suas funções, crianças brincavam na inóspita terra que habituadas estavam, fervorosas mulheres louvavam o Criador. Sociais engrenagens funcionavam impecavelmente, até que pecadora mente comprometeu a máquina tida como infalível. Num local de poucos habitantes, confinados com proximidade territorial notável, a notícia corre rápido feito pólvora, e quando estoura é devastadora.” POR JONNATA HENRIQUE
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esde que o mundo é mundo, deparamos com obstáculos evolutivos, e o modo como lidamos com tais processos nos definirá. Inclinados a abraçar a resolubilidade. Tudo que é oculto, intáctil, tratar-se-á por meio de conflituosas perspectivas, referindo-se as trevas, a bruxaria, assim são, assim hão de ser... Partindo desta premissa, em Salém não fora diferente, uma frase de Santo Agostinho descreve bem o que irá a seguir. «Fé é acreditar no que você não vê; a recompensa desta fé é ver o que você acredita.» Derivada da palavra árabe “salam”, sua etimologia contrariou a pacificidade. Era mais um dia do ano, a vida pacata e rural transcorria normalmente. Camponeses rumavam devidamente trajados para a labuta. Homens de mãos calejadas e rústicas aparências exerciam suas funções, crianças brincavam na inóspita terra que habituadas estavam, fervorosas mulheres louvavam o Criador.
Sociais engrenagens funcionavam impecavelmente, até que pecadora mente comprometeu a máquina tida como infalível. Num local de poucos habitantes, confinados com proximidade territorial notável, a notícia corre rápido feito pólvora, e quando estoura é devastadora. Boatos de que o demônio havia entrado em Salém causaram pânico e mobilização popular, os moradores não descansaram, averiguando minuciosamente fatos, até chegarem ao veredito. Culpada! A humilde casa localizada ao leste foi arrombada e uma das jovens que lá residiam arrancada pelos cabelos, tal fosse indomável animal. Posta em reservada edificação, observada, constataram as informações, estava possuída, aqueles espasmos reforçaram suspeitas.
Boatos de que o demônio havia entrado em Salém causaram pânico e mobilização popular, os morado-
res não descansaram, averiguando minuciosamente fatos, até chegarem ao veredito. Culpada! A humilde casa localizada ao leste foi arrombada e uma das jovens que lá residiam arrancada pelos cabelos, tal fosse indomável animal.
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Ela era impura, não pertencia mais a este plano, e orientados pelo que diz Deuteronômio capítulo 18, versículo 10 ao 12, e também munidos do Martelo das Bruxas, decidiram o enforcamento. Conduzida para a estrutura de madeira, ela é presa violentamente, revelando aos espectadores hematomas e sangue fresco misturado à terra, além de pele e vestes rasgadas. O laço é colocado no pescoço, enquanto escorrem inúteis lágrimas que não causariam misericórdia. A plateia clama por justiça, gritando o nome herege, ansiando pela execução. Igual todo espetáculo, o suspense é mantido, para agregar números e manipular os que assistem. Depois de algumas horas de embromação, olhos extasiados e instantes de silêncio. Ouve-se o “clac” do instrumento, a ré tem vértebras quebradas devido à falta de gravidade, lutando pela sua existência, mesmo tendo as veias jugulares e artérias carótidas obstruídas pela corda. O que nada surte, corpo balançando ao vento indicava que acabou. Toda esta encenação deveria ser apenas uma mera cerimônia alusiva ao centenário do primeiro enforcamento em Salém, uma estratégia das autoridades locais para angariar fundos provenientes dos curiosos que visitavam a cidade buscando conhecimento. Porém, algo saiu bastante errado, e cinco corpos foram encontrados nas imediações após o teatro, incluindo o do descendente do Reverendo que enforcou as bruxas no passado. Dissipados involuntariamente, a multidão é direcionada para onde deveriam pernoitar. Dia seguinte, ela acorda, uma das turistas torcendo para que tudo aquilo não passasse de um sonho deveras metafórico.
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Cumprimenta colegas e faz refeição. Saindo dali, vai para o campo, conhecer redondezas. Na volta, percebe coisa errada, pequenas manchas vermelhas no pescoço e escoriações sem causa aparente. Abismada, prossegue, e logo após sente a vertigem, acordando posteriormente onde se hospedara. Incrédula, nega-se a acreditar, aquilo não foi um sonho, e o que aconteceu à garota, e aos colegas de caravana, a ela aconteceria. O inevitável estrondo, população enfurecida retira-lhe dali, concretizando similares aspectos de oníricas suposições. Ao visualizar objeto, revida, esperneia, alegando inocência. Domada e fixada ao ceifador invento, aceita o fim, vendo algozes entoarem a palavra iniciada no “H”. A vida deixa de residir naquele corpo, e de mais indivíduos que ali estavam também, a pilha de corpos aumenta, e isolados nalgum tipo de anormalidade que os impedia de se comunicarem com o mundo exterior, padeciam com o medo do próximo round.
Ela dorme tranquilamente, agindo como se nada houvesse acontecido. Amanhece, a menina nota estranhos acontecimentos durante o dia, desmaia e acorda na forca. – Seria ela a hospedeira de uma bruxa maquiavélica e vingativa, que traçou um plano de carnificina e colheita humana? – Alguém estaria usando a história das Bruxas como disfarce para matar e se divertir? – Um feitiço engenhoso, ao ser colocado em prática, usaria a invalorável energia das almas numa diabólica conversão feita entre inferno e terra? Tudo é possível estando de volta a Salém.
Conto de Jonnata Henrique incluído na antologia «De Volta a Salém», organizada por Geana Krause e publicada pela Darda Editora
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CRÓNICA
EXPLICANDO O AMOR MARISA LUCIANA ALVES Nasceu em Vinhais, em 1976. Professora de Português-Inglês desde 1999, vê a vida como uma libertação. Apresentou e defende a tese sobre a construção da figura do ditador na literatura portuguesa, que lhe conferiu o grau de Mestre em Literatura Portuguesa. Tem quatro livros publicados: «Contando Memórias...» (2011), «De Suplicar Por Mais...» (2013), «O Sono da Primavera» (2014) e «A Tua Receita, Meu Amor!» (2015). Foi a vencedora do 3º concurso literário da Papel D’Arroz Editora (2014). Participou em colectâneas com os seus contos e poemas. Página da Autora: www.facebook.com/marisa.luciana.31
“E o nosso Amor, meu querido? Que nome dar ao nosso Amor? Vou chamar-lhe Amor Adulto. Este é aquele que já passou pelos outros amores todos e pensou não haver mais nenhum. É o que surge numa idade diferente, na vida adulta, em que duas pessoas se amam, sem dar importância ao passado que cada uma teve. Assim me amas tu. Assim te amo eu. É o amor-calma, o amor-paciência, o amor-aceitação. Nesta fase da minha vida em que pensei estar velha para voltar a amar, surgiste e mostraste-me que tenho o mesmo direito que as outras pessoas têm, o mesmo direito de ter esta minha velhice descansada, acompanhada e amada.” POR MARISA LUCIANA ALVES
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abes, este é apenas um desabafo, mas podia ser um ensaio sobre o Amor. Toda a minha vida ouvi falar de vários tipos de amor: o Primeiro Amor, o Amor à Primeira Vista, o Amor Verdadeiro, o Amor Não Correspondido e penso, de algum modo, ter vivenciado todos eles. Mas, querido, continuo intrigada com o significado que cada um ostenta. O Primeiro Amor é aquele que nos fez acordar para a vida e perceber quão belo é gostar de alguém. Por vezes, surge na mais tenra idade, mas a sensação é tão agradável que nos parece que nada mais faz sentido na nossa vida do que aquela pessoa, por quem sentimos o chão a tremer. É nele que experimentamos o beijo, sensação tão própria dos humanos e que primeiro se estranha e depois se entranha! Nada é melhor do que beijar, conhecer aquela pessoa que é o primeiro amor. Mas é apenas isso, o primeiro. Ou seja, o adjetivo
numeral “primeiro” já é por si só indicador de que podemos não ficar por ali, no que toca ao amor. O Amor à Primeira Vista assemelha-se à paixão. Surge um clique no nosso cérebro como que a dizer “Olha, este/a é o/a tal!”. Os nossos neurónios reagem positivamente à presença física daquela pessoa e ficamos apaixonados. Neste amor valoriza-se mais o aspeto exterior da pessoa, já que nem é necessário conhecê-la pormenorizadamente, nem sequer falar com ela, ouvir a sua voz e saber do que gosta e pensa, para gostar dela. É um amor que pode surgir em qualquer fase da vida, mas é na adolescência em que mais se evidencia, já que o corpo, o físico nos parece ser o mais importante, talvez fruto da faixa etária, do conhecimento/descoberta do próprio corpo. Afinal, quem não gosta de ter a seu lado um belo exemplar de Apolo? Ou uma Vénus, repleta de formas e beleza estonteantes? Por vezes, não pas-
Afinal, quem não gosta de ter a seu lado um belo exemplar de Apolo? Ou uma Vénus, repleta de formas e beleza estonteantes? Por vezes, não passa disso mesmo, uma primeira vista, já que quando se conhece melhor a pessoa se percebe
que afinal era mais atração, desejo do que outra coisa. Considero, porém, que todos os outros amores devem ter um pouco deste, pois a primeira impressão pode ser o início de uma relação afetiva mais séria.
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sa disso mesmo, uma primeira vista, já que quando se conhece melhor a pessoa se percebe que afinal era mais atração, desejo do que outra coisa. Considero, porém, que todos os outros amores devem ter um pouco deste, pois a primeira impressão pode ser o início de uma relação afetiva mais séria. Depois há o Amor Verdadeiro. Estranha esta definição, não é? Não devia todo e qualquer amor ser verdadeiro? Este é aquele tipo de amor que se acredita pouca gente ter oportunidade ou sorte, quiçá até destino escrito, de vivenciar. Sortudos os que o viveram, pois a sua memória estará sempre a lembrá-lo. Nele estão contidas sensações maravilhosas, sentimentos nobres. É o amor que perdoa, o amor que tolera, o amor que fica, apesar dos defeitos. O amor que não vive das virtudes de quem se ama, mas de todo o conjunto. Quem vive o amor verdadeiro vive para a pessoa amada e sente que é amado. Quando esse amor ocorre, as pessoas envolvi-
das sentem-no. Isso não quer dizer, porém, que seja para toda a vida. Tal como tudo, também pode um dia terminar. Este amor é um amorprisão, já que não importa o tempo que passe, a pessoa vai sempre ficar ligada a ele. Muitas vezes a pessoa continua a ter um amor verdadeiro e, contudo, não tem a pessoa amada a seu lado. Afinal, quem disse que amar verdadeiramente é estar ao lado? Muitas vezes, é deixar partir... O Amor não Correspondido. Quem nunca sofreu esse amor? Quem nunca quis ser amado por alguém com a mesma intensidade e o que recebeu foi apenas mágoa e rejeição? Este é o tipo de amor que nos ensina para a vida, aquele que nos faz abrir os olhos e nos torna mais racionais do que emotivos. Mas é um amor necessário. Depois de uma vivência deste tipo, há que aprender a ter amor-próprio. Só assim é possível poder amar novamente. Só a partir daí se pode amar, com toda a dedicação e carinho que nos merece quem surge no nosso caminho.
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E o nosso Amor, meu querido? Que nome dar ao nosso Amor? Vou chamarlhe Amor Adulto. Este é aquele que já passou pelos outros amores todos e pensou não haver mais nenhum. É o que surge numa idade diferente, na vida adulta, em que duas pessoas se amam, sem dar importância ao passado que cada uma teve. Assim me amas tu. Assim te amo eu. É o amor-calma, o amor-paciência, o amoraceitação. Nesta fase da minha vida em que pensei estar velha para voltar a amar, surgiste e mostraste-me que tenho o mesmo direito que as outras pessoas têm, o mesmo direito de ter esta minha velhice descansada, acompanhada e amada. Este amor adulto é aquele que não liga às minhas rugas, às minhas varizes, às cicatrizes de operações cirúrgicas a que a vida me foi sujeitando. Mas hoje, agora, sei que assim tinha de ser, para que pudesse continuar a viver e poder amar-te, com esta plenitude. Apenas o Destino permitiu que o Tempo percorresse o seu caminho por vezes sinuoso, para que nos encontrássemos finalmente. Mas tu tinhas de ser para mim, eu para ti. Este é o amor pateta. Tu ris-te da minha falta de memória, eu rio-me das parvoíces que me dizes. Eu olho-te e tu sorris, percebendo o que quero, sem sequer usar as palavras, porque me lês com os olhos da alma, com os ouvidos do coração...
Este é o amor que não tem ciúmes do passado. Vives bem com o facto de eu ter já dois netos e eu nem me importo que tenhas sido casado três vezes. Hoje sei que a tua procura incessante do amor e o medo da solidão te fizeram ter a vida que tiveste. Hoje quero os teus filhos como se fossem meus, afinal são uma parte de ti e, ainda que não tenha sido eu a tê-los e neles não corra o meu sangue, quero-os como tal. Os teus e os meus são os nossos, a nossa família. Hoje amo e sou amada. Sei que no dia em que feche os olhos todos os amores que tive se desvanecerão como o pó em que o meu corpo se tornará, mas tenho a certeza que o teu amor é aquele que me procurará noutra vida e eu saberei aceitálo, para então podermos estar juntos e felizes novamente. Até lá, até que a minha pele se torne pó, orgulho-me de dizer que sou a mulher mais afortunada do mundo por te ter a meu lado e por viver este Amor Adulto...
Este é o amor pateta. Tu ris-te da minha falta de memória, eu rio-me das parvoíces que me dizes. Eu olho-te e tu sorris, percebendo o que quero, sem sequer usar as palavras, porque me lês com os olhos da alma, com os ouvidos
do coração...
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APRESENTAÇÃO
PRISIONEIROS DO PROGRESSO ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, e reside no Porto. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com três editoras, participou em várias dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Publicou dois livros: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne». Blogue do Autor: http://isidelirios.blogspot.pt Página no Facebook: www.facebook.com/isidro.sousa.2
“Este novo Prisioneiros do Progresso debruça-se sobre questões assaz alarmantes que vão muito além do foro pessoal: afectam todos os seres! Porque Rosa Marques, sendo uma pessoa humana e sensível, é igualmente uma autora atenta, consciente e desassossegada. Preocupa-se com os seus sonhos, com a sua própria vida e a vida dos seus, mas também se inquieta com as vidas e as condutas de outrem... com a sociedade egoísta e materialista em que vive e o mundo cada vez mais mecânico e desumano que a rodeia.” POR ISIDRO SOUSA
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com bastante satisfação que assumo, novaquer estranheza quando ela manifestou, alguns mente, o papel de editor e torno a prefaciar meses após ter publicado Mar em Mim, a intenum livro de Rosa Marques: a sua segunda ção de editar outro livro de poesia. Não obstante, obra poética, que reflecte fortes preocupações de a temática dos poemas que constituiriam o novo âmbito social. Se Mar em Mim, o primeiro livro, livro deixou-me, numa fase inicial, um tanto apreapresenta temas que lhe ensivo... são caros e a tocam partiNeste pequeno univercularmente a nível pessoso literário em que grande al, sendo a maioria dos parte das obras poéticas São largas dezenas de textos poemas dedicada à Natuapresentam conteúdos reza, às ilhas do seu coraque obedecem (quase) escritos em momentos diferenção (Madeira e Porto Sansempre a desejos e anseites, que registam sentimentos to) e ao mar com o qual os de ordem pessoal, edide angústia e aflições em sempre conviveu, este notar um livro de poesia tovo Prisioneiros do Progrestalmente dedicado a asdiversos períodos da vida so debruça-se sobre quessuntos sociais, tecnológida autora, revelando mágoas, tões assaz alarmantes que cos, ambientais e humanidescontentamentos e revoltas, vão muito além do foro tários pareceu-me uma pessoal: afectam todos os ideia arrojada, e até arrisnão havendo, inicialmente, seres! Porque Rosa Marcada. Não que estes temas o objectivo concreto de serem ques, sendo uma pessoa não sejam merecedores reunidos num livro; em certa humana e sensível, é igualde atenções reflectidas, mente uma autora atenta, também, a nível poético. altura, porém, a autora constatou consciente e desassossePelo contrário: é de louque esses mesmos textos gada. Preocupa-se com os var! Mas surgiu-me logo poéticos seriam suficientes seus sonhos, com a sua uma questão deveras perprópria vida e a vida dos tinente: quem desejaria para formarem um volume. seus, mas também se inadquirir um livro cujos E à medida que chegavam às quieta com as vidas e as poemas se preocupam, condutas de outrem... minhas mãos, para que a obra em exclusivo, com as teccom a sociedade egoísta e nologias que isolam cada fosse organizada, convencia-me, materialista em que vive e vez mais o ser humano e o cada vez mais, de que este novo o mundo cada vez mais fazem olhar somente para mecânico e desumano que o próprio umbigo, com as livro seria, além de interessante, a rodeia. sociedades crescentemenum excelente desafio/alerta O contacto entre nós te globalizadas, impiedopela via da poesia... estabelecido em 2015 ulsas e desumanas, resultantrapassou, desde cedo, a tes de um progresso acemera relação editorial: foi lerado e descontrolado, adentrando, de modo com toda a humanidade crescente, no campo da amizade, gerando-se, de que habita o planeta Terra em perigo? Isto pordia para dia, um apreço salutar entre autora e que, na minha visão de editor, embora privilegie editor construído com pequenas/grandes cumplisempre a qualidade das obras literárias, há outros cidades. Não senti, talvez por isso mesmo, qualinvestimentos imprescindíveis à produção de um
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livro que carecem de retorno, investimentos financeiros, e esse retorno nem sempre poderá ser breve, ou tão breve como se desejaria. Mas Rosa Marques, expondo-me a sua inquietude e a razão dos temas abordados, logo me tranquilizou. A qualidade dos poemas, aliada à sensibilidade e à simplicidade que a caracterizam, também. São largas dezenas de textos escritos em momentos diferentes, que registam sentimentos de angústia e aflições em diversos períodos da vida da autora, revelando mágoas, descontentamentos e revoltas, não havendo, inicialmente, o objectivo concreto de serem reunidos num livro; em certa altura, porém, a autora constatou que esses mesmos textos poéticos seriam suficientes para formarem um volume. E à medida que chegavam às minhas mãos, para que a obra fosse organizada, convencia-me, cada vez mais, de que este novo livro seria, além de interessante, um excelente desafio/alerta pela via da poesia... e muito oportuno nos tempos que correm! Tal co-
mo atestam os versos introdutórios de Prisioneiros do Progresso, o (primeiro) poema que empresta o seu título ao livro: Deslumbrado com o grau de desenvolvimento que já conseguiu atingir / O homem não “sabe”, não quer mais parar... / Egocêntrico, cada vez mais sedento de explorar... de modificar... / Numa sede crescente de progredir... mesmo consciente de que está a destruir... De acordo com o pensamento da autora e as palavras que me transmitiu, o homem tem causado danos irreversíveis no nosso planeta, que colocam em risco toda a humanidade. Esvaziando-o das substâncias que o tornam equilibrado e habitável, sobrecarregando-o de produtos altamente poluentes e que estão a destruir a atmosfera... dando origem ao aquecimento global, ao efeito estufa, etc. Mesmo consciente de que age mal, ele dá (continua a dar) largas à insensatez. Além de promover um progresso descontrolado que poderá ter consequências nefastas para todos os seres vivos que habitam a Terra, mantém-se indiferente
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aos danos que desencadeia, ao esgotar, egoisticamente, os recursos naturais do planeta sem pensar nas gerações vindouras. Tudo isso numa ânsia de saciar desejos sem limites, com sede incontrolável de desenvolver, de evoluir sempre e cada vez mais, sem olhar a meios para atingir os fins, e insensível para o inevitável desfecho que poderá ser catastrófico. A situação é alarmante!, frisa a autora. Destruindo o seu próprio habitat, o ser humano caminha a largos passos para o abismo da destruição, da anulação de si mesmo. No entanto, o homem do século XXI, apesar de todo o desenvolvimento que alcançou, não é feliz. Tornou-se um ser insensível, sem lei, materialista e tecnológico, fruto desse progresso descontrolado que anula os bons valores éticos e morais que regem a vida, descurando a parte espiritual, a mais importante para uma vida feliz e saudável... daí todo o desequilíbrio. Existe uma insatisfação crescente, que ele procura colmatar com mais desenvolvimento... conquistando mais bens materiais. Esta sede desmesurada de poder e de conquista está originando uma cegueira geral para a verdadeira realidade, para o estado em que o mundo se encontra, para a necessidade de se valorizar a vida humana... e menos a
parte material. Criando seres insensíveis e indiferentes... A solidão entre os seres, a falta de afecto, a ausência de valores, as desigualdades sociais, o desprezo pela vida humana, a ambição desmedida, a desordem nas sociedades, as guerras e a pobreza, as alterações climáticas provocadas pela mão humana, enfim, o caos no mundo e a (consequente) desumanização que se tem verificado e acentuado a cada dia são algumas das imensas inquietações bem vincadas nos 67 poemas incluídos neste livro, que remetem, constantemente, para a necessidade de moderar e controlar o desenvolvimento a nível mundial, educando, sensibilizando e consciencializando os seres humanos para uma maior responsabilidade, o que permitirá reduzir os malefícios que a todos afectam. Sem mais delongas, deixo-lhes nas mãos este Prisioneiros do Progresso, uma belíssima obra poética que, para além do prazer que a sua leitura irá seguramente proporcionar, poderá despertar consciências para certas realidades que nos rodeiam, cumprindo também, desse modo, uma função pedagógica. Prefácio de Isidro Sousa incluído no livro Prisioneiros do Progresso, de Rosa Marques
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REPORTAGEM
LANÇAMENTO DE “PRISIONEIROS DO PROGRESSO” A autora madeirense Rosa Marques apresentou
um desenvolvimento exagerado e sem controlo,
o seu segundo livro, Prisioneiros do Progresso,
causando desequilíbrio... danos irreversíveis
uma belíssima obra poética editada com o selo
no Planeta. É um progresso anómalo que
Sui Generis, que reúne 67 poemas sobre temas
desumaniza, empobrece os seres humanos,
sociais bastante pertinentes e actuais ao longo
divide-os e leva-os à solidão, tornando-os
de 120 páginas, no passado dia 22 de Junho.
materialistas e tecnológicos. A ausência de valores
A sessão de lançamento teve o apoio do Gabinete
é uma realidade alarmante, a principal causa
da Cultura da Câmara Municipal de Porto Santo
da actual situação de instabilidade no mundo,
e ocorreu na Biblioteca Municipal de Porto Santo,
originando o desprezo pela vida humana,
tendo a obra sido apresentada pela Dra. Lucília
afastando o homem daquilo que o diferencia
Sousa e pela professora Luz Freire.
e humaniza: a sua parte espiritual. Destruindo
Os textos poéticos incluídos em Prisioneiros do
o seu habitat, o homem do século XXI caminha
Progresso expressam revolta, descontentamento,
a largos passos para o abismo da destruição,
uma mágoa profunda por tudo o que está a
da anulação de si próprio... São estas as principais
suceder à humanidade. A pobreza, a violência,
preocupações que reflectem os poemas deste
a dor provocada pelas guerras, pelos terríveis
livro, estando redigidas na contracapa da obra.
atentados, por todas as formas de injustiça
Nas próximas páginas apresentamos fotografias
e aniquilação praticadas contra o ser humano...
do evento (da Foto Colombo, Luz Freire e Manuel
A forma insensível como o homem tem vindo a
Araújo) e as palavras da autora ditas sobre o livro.
tratar a Terra nos últimos tempos, promovendo
Parabéns, Rosa Marques!
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PALAVRAS DA AUTORA
NA APRESENTAÇÃO DO SEU LIVRO POR ROSA MARQUES 22 DE JUNHO DE 2018
O
livro Prisioneiros do Progresso é um conjunto de textos poéticos que fui escrevendo ao longo do tempo como um desabafo à triste realidade que todos os dias entra nas nossas casas por meio da comunicação social, como notícias. São filhos de uma mágoa profunda e expressam revolta pela trágica e dolorosa situação que se vive actualmente no mundo. As guerras inúteis causando um sofrimento atroz à humanidade, matando e destruindo a vida de milhares de pessoas... Todos os dias morrem crianças vítimas da insensatez dos homens, outras crescem num clima de violência e privação dos seus direitos... de aniquilação constante... Actos terroristas, de uma maldade e crueldade chocantes... são praticados em nome da religião, por seres humanos... contra outros seres humanos... situação alarmante que mostra a enormidade do ódio que existe no mundo... do desprezo pela vida humana... Um progresso exagerado e sem controlo vem sendo praticado nos últimos tempos pelo homem, originando uma enorme poluição na Terra, provocando o aquecimento global... que por sua vez causa danos irreversíveis no Planeta. Obcecado pelo poder de conquista e apelando cada vez mais ao consumismo, o homem actual desvaloriza e destrói a Natureza... não olha a meios para atingir os fins... para saciar a sua sede de progresso. Indiferente às condições de vida que deixará aos seus filhos... às gerações vindouras... ignorando que ao destruir o Planeta está a destruir-se a si próprio.
A situação será trágica para a humanidade caso não haja um despertar... uma consciência para a verdadeira realidade do que está a acontecer no mundo. Se a curto prazo não for accionado um plano para reverter a situação... se não houver uma mudança de atitude por parte dos seres humanos, o Planeta não aguentará muito mais tempo... Voltado para as tecnologias e o materialismo, o homem do século XXI vive aperfeiçoando estratégias de guerra... fabricando armas e desenvolvendo tecnologias cada vez mais sofisticadas... criando à sua volta uma teia de ódios, vinganças e rivalidades intermináveis... e esquece o mais importante, que é a sua parte espiritual... o contemplar e respeitar a Natureza. Descurando a espiritualidade, o ser humano empobrece moralmente... desumaniza-se... torna-se um ser individualista e tecnológico... cada vez mais solitário e infeliz. Porque a espiritualidade é essencial e indispensável a todo o ser humano como ser racional que é... porque a força espiritual é muito mais poderosa e benéfica que todo o materialismo. Apesar do grau de desenvolvimento que já atingimos e da aprimorada tecnologia de que dispomos hoje em dia, nunca a distância e a solidão entre os seres foi tão grande. Para terminar, vou ler um pequeno texto do livro que se chama Insensibilidade [incluído na página 57 desta edição].
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INSENSIBILIDADE Que seres são esses? Que intencionalmente causam a desordem... A dor... entre a humanidade? Porquê tanta falta de amor?
Uma ganância tamanha Uma crua desumanidade... Faz que deixem o seu semelhante morrer de fome Viver nas ruas à mercê das intempéries... Porque há entre os seres tanta insensibilidade?
SENHOR, é urgente um homem novo... Com um novo saber... Um sentimento mais consciente e profundo... Que saiba amar e respeitar o seu semelhante Preservar o meio onde vive... E com as suas acções Contribuir para o bem do mundo! Rosa Marques, in Prisioneiros do Progresso
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CONTO
A PROMESSA ROSA MARQUES Nasceu na Madeira, onde viveu até aos dezoito anos. Após casar, mudou-se para Porto Santo, onde reside e trabalha como administrativa até à data. Preocupa-a a situação precária em que o mundo se encontra, a condição humana (principalmente as crianças) e todos os que vivem em condições desumanas, nos países subdesenvolvidos e nos países em guerra. Gosta de ler e de tudo o que está ligado à literatura e à arte. Participou em diversas obras colectivas, em Portugal e no Brasil, e publicou dois livros de poesia com o selo Sui Generis: «Mar em Mim» (reeditado em 2018) e «Prisioneiros do Progresso». Página da Autora: Facebook: Maria Correia
“Nossa Senhora do Monte era venerada pelos habitantes da ilha, desde o início do seu povoamento, conhecida como uma boa Mãe, pelas graças concedidas a quem com fé e devoção lhe pedia, principalmente em horas de muita angústia e sofrimento. Fora o caso de Celestina, que não esquecera o quanto tinha sofrido e lembrava ainda a expressão de desânimo e preocupação estampada na cara dos médicos que receavam perder a mãe ou a criança... ou até as duas, como infelizmente por vezes acontecia.” POR ROSA MARQUES
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to devota, por ocasião do nascimento do Luisinho, o seu filho mais novo, e Celestina estivera então entre a vida e a morte. Nossa Senhora do Monte era venerada pelos habitantes da ilha, desde o início do seu povoamento, conhecida como uma boa Mãe, pelas graças concedidas a quem com fé e devoção lhe pedia, principalmente em horas de muita angústia e sofrimento. Fora o caso de Celestina, que não esquecera o quanto tinha sofrido e lembrava ainda a expressão de desânimo e preocupação estampada na cara dos médicos que receavam perder a mãe ou a criança... ou até as duas, como infelizmente por vezes acontecia. O parto correra mal... Apesar das fortes contracções que sentia, o bebé mantinha-se numa posição desfavorável, que muito dificultava o nascimento; estava “atravessado”, como lhe explicara o médico quando ela sus-
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al acordou naquela manhã de 15 de Agosto, Celestina abandonou a cama. Eram quase sete horas, havia ainda muita coisa a fazer e a destinar antes da hora da missa. Foi para a cozinha fazer café e depois de acender o lume, verificando que havia pouca lenha na parte debaixo da lareira, voltou ao quarto e chamou o marido para que este se levantasse também e fosse buscar mais lenha, pois queria deixar o almoço pronto antes de sair de casa. Durante toda a semana andara ansiosa e nos últimos dias deitara-se tarde, atarefada a costurar a roupa que ela e o filho iriam usar na procissão. Estava decidida a pagar a promessa nesse ano... não podia adiar mais. O tempo passava tão depressa e Celestina sentia que estava já em falta... principalmente nos domingos em que ia à igreja e o seu olhar de culpa cruzava-se com o de Nossa Senhora, benevolente e piedoso. Comovida, agradecia... e rezava, pedia perdão por ainda não ter podido pagar o que prometera, renovando o seu desejo de cumprir a promessa assim que lhe fosse possível. Uma promessa feita cinco anos antes a Nossa Senhora do Monte, de quem era mui-
Celestina recorrera a Nossa Senhora e pedira-lhe, com fé, um milagre: que a salvasse e ao seu menino... para que pudesse criá-lo, e voltar para sua casa, onde a esperavam outros dois filhos e o marido. Se Nossa Senhora lhe concedesse essa graça, em agradecimento iria descalça na procissão, rezando pela paz do mundo e pelas almas do purgatório... e subiria de joelhos a escadaria da Igreja do Monte, levando com ela o filho e um círio de cera da altura da criança. 62
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peitara de que algo de anormal se passava. Consciente do perigo que corria a sua vida e a do filho, ali mesmo no meio da sua aflição, Celestina recorrera a Nossa Senhora e pedira-lhe, com fé, um milagre: que a salvasse e ao seu menino... para que pudesse criá-lo, e voltar para sua casa, onde a esperavam outros dois filhos e o marido. Se Nossa Senhora lhe concedesse essa graça, em agradecimento iria descalça na procissão, rezando pela paz do mundo e pelas almas do purgatório... e subiria de joelhos a escadaria da Igreja do Monte, levando com ela o filho e um círio de cera da altura da criança. Depois de longas horas de sofrimento e da diligência dos médicos, o bebé salvara-se e estava de perfeita saúde. Também ela, depois de ficar internada no hospital quase um mês, regressara a casa, onde aos poucos recuperara completamente. Graças a Nossa Senhora, que a ajudara em hora tão difícil, estava bem e prosseguia com a sua vida. Agora, havia que cumprir o prometido. Contava com a tia Adelina para acompanhá-la na procissão e olhar pelo menino, quando ela, de joelhos, principiasse a subir a íngreme escadaria... A tia, que nunca vira com bons olhos aquelas
austeras penitências a que muitas pessoas se submetiam, especialmente as mulheres, chegara a casa de Celestina cedo e tentara demovê-la, argumentando: – Mas descalça e de joelhos, Celestina? Que Nossa Senhora, mãe misericordiosa, certamente não desejava ver tão penoso sacrifício. Agradecer o alívio de um grande sofrimento com outra dor... com o sangue da carne ferida e exposta de livre vontade, não podia agradar a Deus nem a Nossa Senhora. Quem sabe não seria até pecado? – Ora, tia Adelina, lá vem a senhora com as suas coisas! Então eu não havia de pagar a promessa que fiz? Que fosse na procissão com o círio e o menino era justo, e com o calor que estava nesse dia a caminhada seria já bastante penosa... – Deixe-se disso, minha tia, sabe que não sou pessoa para faltar com a palavra. Só eu sei o que passei e hei-de cumprir a minha promessa, tal como a prometi. Se Nossa Senhora me ajudou quando eu mais precisei, salvando-me e ao meu menino, seria ingratidão não cumprir a promessa, ou cumpri-la apenas pela metade... 63
“Iliteracia ou iletrismo significam o mesmo, ou seja, dificuldade em ler/escrever, falta de conhecimentos básicos, analfabetismo... No entanto, eu dar-lhe-ia uma conotação muito mais abrangente. O que é analfabetismo? Dantes, considerava-se analfabeto quem não sabia ler e escrever. Hoje, é muito mais do que isso. Pior do que não saber ler, é saber e não o fazer. Considero que os analfabetos do presente e do futuro são aqueles que se recusam a aprender, a reaprender e a voltar a aprender. E é assim que se gera a iliteracia e tudo o que ela comporta de negativo. Há quem desista de aprender, se calhar porque pensa que já sabe o suficiente ou já não precisa. Nada mais errado! Ninguém sabe tudo... quem assim pensa, perde um dos maiores prazeres da vida: aprender! E nunca é tarde... estamos sempre a tempo. Provérbio: «Aprender até morrer». Lema de vida: «Mesmo que saibas que vais morrer amanhã, não desistas de aprender alguma coisa hoje». Há também quem não aceite ser corrigido... ou se considere humilhado, quando é. Outro erro e daí um pensamento muito célebre e verdadeiro: «Corrige um sábio e torná-lo-ás mais sábio; corrige um ignorante e torná-lo-ás teu inimigo»!
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Um dos principais veículos para combater a iliteracia é a leitura. Lendo, viajamos... lendo, aprendemos... lendo, conhecemos... lendo, enriquecemos... Não é uma riqueza de ter! É uma riqueza de ser! E, como diz o povo sempre sábio, ainda que analfabeto: «O saber não ocupa lugar»! Aí, está a verdadeira arma contra a iliteracia, a que conduz à cultura, ao conhecimento: ler e aprender. A avidez pela aprendizagem, o desejo de pôr a mente a funcionar, exercitar a memória são instrumentos úteis para usar e abusar. Eu penso que os livros só são maus, mesmo fatais, para a ignorância e esta é a iliteracia/iletrismo. Uma frase de que gosto muito: «Um livro é algo tão, mas tão bom, que devia usar-se como elogio. Assim do tipo: Tu és tão LIVRO»!” Lucinda Maria, in Facebook, 8 de Julho de 2018
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SANDRA BOVETO Nascida em 1969, reside na cidade de Maringá, PR, Brasil. Possui graduações académicas em Letras e Direito. É autora do livro «O Mundo Exclamante», uma obra infanto-juvenil publicada em Agosto de 2016, tem participações (poemas e contos) em várias obras colectivas, no Brasil e em Portugal, e trabalhos publicados na plataforma Wattpad. Participou nas antologias «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Sexta-Feira 13», «Fúria de Viver», «Tempo de Magia» e «Os Vigaristas» da Colecção Sui Generis. Página da Autora: www.facebook.com/sandra.bovetodas ilveira
A HISTÓRIA DO ESCRITOR QUE NÃO FOI No início, eram dezenas de romances colados nas minhas retinas. Entediados, eles se desprenderam e partiram-se em centenas de contos, que se abisonharam aqui mesmo, por dentro, em cantos sem ritmos e recantos sem ângulos. Ao longo do tempo, brotaram milhares de poemas espremidos em capilares inexpressivos. Já cansados de remar sem rumo, perderam-se em aldravias de meia vida, em vias tão agitadas quanto desertas. A morte era certa. Microcontadas por dentritos e axônios tímidos, que não se apalpavam diante das sinapses mais atraentes, as palavras desistiram. Ao final, sem Kire e sem Kigo, haicaíram das dezessete janelas de todas as minhas estações perdidas. Assim, fez-se morta minha letra. Fim. (Sandra Boveto). 72
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CONTO
MARIA POR TRÊS DIAS FÁTIMA D’OLIVEIRA Nasceu em 1970 e reside no Vale de Santarém, uma vila no concelho e distrito de Santarém. Em 1998 foi-lhe diagnosticada uma ataxia de Friedreich, uma doença rara, incurável, progressiva, altamente incapacitante e por vezes fatal. Está aposentada por invalidez desde 2009 e tem participado, sempre que lhe é possível, na divulgação das ataxias hereditárias, bem como no alerta da sociedade civil para a dura realidade das mesmas. Teve ainda o supremo orgulho de presidir à Direcção da APAHE – Associação Portuguesa das Ataxias Hereditárias, entre Março de 2011 e Março de 2014. Não tendo a presunção de se considerar uma escritora, mas sim uma autora que já teve a felicidade de ver algum do seu trabalho publicado, possui uma página no Facebook, que desde já vos convida a conhecer e a gostar, e onde fica a aguardar os vossos prezados comentários. Página da Autora: http://www.facebook.com/autora.fati madoliveira
“Ela olhou para a paisagem que se estendia à sua frente, sem fim à vista: tinha chegado, finalmente. Tinha chegado e todo o seu mundo tinha ficado lá longe, para trás do ombro. Tinha chegado, para três dias de esquecimento. Voltou as costas ao que lhe começava a magoar o olhar e centrou toda a sua atenção na sua, por três dias, fortaleza: um edifício antigo mas de beleza inequívoca, tornado ainda mais apelativo pelo crepúsculo que se aproximava.”
POR FÁTIMA D’OLIVEIRA
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1º DIA
Ela identificou-se, e depois de preencher o registo, depois de lhe indicarem o quarto, depois de lhe entregarem as chaves e depois de um «Esperemos que goste da sua estadia» entrou: atravessou a porta, e pronto, estava lá. Olhou à sua volta: o quarto era simples, rústico mesmo. Era banhado intensamente pela luz que entrava a jorros pela janela, para onde dirigiu os seus passos: uma atmosfera quente e refrescante envolveu-a, fruto de um Sol agonizante que no dia seguinte nasceria outra vez. O cansaço resultante da viagem começou a tomar conta dela: um duche frio só lhe ia fazer bem e a água fria trouxe-a de volta à vida. Mudou de roupa e desceu para jantar. Como era ainda relativamente cedo, decidiu dar uma volta por ali, para assim ficar a conhecer as redondezas. Tudo à sua volta saltou-lhe à vista como belo: não bonito, mas belo: tranquilizante e assustador ao mesmo tempo, a alma dividida sem saber para onde se voltar. «Olá» Ai, que susto!... Mas quem tinha falado?... Voltou-se e viu um rapazinho de aspecto meio selvagem. «Assustei-te?» perguntou o tal rapazinho. «O que é que achas?» «Desculpa lá» ele disse, com um sorriso malandro – pois, pois, estava mesmo arrependido, olá se estava: como se ela não tivesse sido já daquela idade... Ela encolheu os ombros «Deixa estar» «Como é que te chamas?» quis saber o rapaz, mas antes de ela ter tempo de responder, ele continuou «Não, não
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la olhou para a paisagem que se estendia à sua frente, sem fim à vista: tinha chegado, finalmente. Tinha chegado e todo o seu mundo tinha ficado lá longe, para trás do ombro. Tinha chegado, para três dias de esquecimento. Voltou as costas ao que lhe começava a magoar o olhar e centrou toda a sua atenção na sua, por três dias, fortaleza: um edifício antigo mas de beleza inequívoca, tornado ainda mais apelativo pelo crepúsculo que se aproximava. «Boa tarde» disse a recepcionista «Posso ajudá-la?» «Boa tarde» respondeu com um sorriso «Eu telefonei a fazer uma reserva» «Com certeza. E o nome, por favor?»
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digas... Deixa-me adivinhar... Já sei, Maria!» «Maria?!» ela riu-se. «Pois, Maria» e explicou «Todas as mulheres são Marias: Maria isto, Maria aquilo, Maria aqueloutro... Mas tu não: és Maria só!» «Maria só?» «Sim, só Maria, sem mais nada» «Está bem, que seja Maria» ela sorriu «E tu?» «Ivo» respondeu, enchendo o peito de ar. «Então, Ivo...» «Então...» E agora?... Ela nunca tinha sido muito boa a fazer conversa chamada de circunstância: faltavam-lhe as palavras e nunca sabia o que dizer. Mas com Ivo parecia não haver esse problema, pois logo a seguir ele falou «Estás aqui de férias?» «Mais ou menos...» «Mais ou menos?» «Mais ou menos» «Mais para mais, ou mais para menos?» «Hã?» ela estranhou «O que é que queres dizer com isso?»
«Não sei» ele disse «Mas é que me perguntam sempre que eu digo isso» «Isso?» «Mais ou menos» Ela não pôde evitar um sorriso e esclareceu Ivo «Eu realmente estou de férias, mas o problema é que são muito curtinhas, não sei se estás a ver» «Ah!...» «Pois! Tu nunca ouviste aquela expressão que a seguir a um dia de descanso nunca se deve trabalhar?» «Como é que é?» Ivo parecia baralhado «Não percebi» «Esquece» «Ivo» uma voz chamou. Quem era?... Um homem, mais próximo da meia-idade que jovem. «O que foi?» Ivo fez uma expressão amuada. «Mas que diabo estás tu a fazer?» quis saber o homem, para logo a seguir responder à própria pergunta com outra pergunta «Estás a chatear a senhora, não é verdade? Mas tu mesmo certo não encontras nada melhor para fazer?» «Não me chateies, ouviste, ó Simões?» Ivo gritou, deitou a língua de fora e fugiu.
Olhou à sua volta: o quarto era simples, rústico mesmo. Era banhado intensamente pela luz que entrava a jorros pela janela, para onde dirigiu os seus passos: uma atmosfera quente e refrescante envolveu-a, fruto de um Sol agonizante que no dia seguinte nasceria outra vez. O cansaço resultante da viagem começou a tomar conta dela: um duche frio só lhe ia fazer bem e a água fria trouxe-a de volta à vida.
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O homem, Simões, respirou fundo, resignado «Vai para casa, vai, meu diabinho» Ela olhou para o homem, sem perceber absolutamente nada do que se estava a passar. Tossiu, para lembrar a sua presença. «Ai, desculpe menina» disse o homem «Aquele pivete estava a chateá-la?» «Quem? O Ivo?» O homem anuiu com a cabeça. «Não, de maneira nenhuma» «Ainda bem» disse, quase aliviado, para acrescentar logo a seguir «O meu nome é Simões e trabalho ali na casa. Vim só avisá-la de que o jantar vai já ser servido» «Oh!» ela exclamou «Então vamos»
Caminharam, ela a pensar com os botões que não tinha, ele sabe-se lá a fazer o quê. «Sr. Simões» ela chamou. «Sim?» «Aquele rapaz, o Ivo... Quem é?» «O Ivo?» ele parou «É um rapazola que mora aqui perto» «Ah, sim?...» ela encorajou-o. «Sim, vive com os pais, que trabalham no campo» «E é filho único?» «É» E mais o Sr. Simões não disse: recomeçou a caminhada em silêncio. Ela limitou-se a acompanhá-lo. Num instante chegaram à casa e separaram-se: ela para a sala de jantar, ele para ela não sabia onde. Havia poucas pessoas para jantar, mas para ela tanto melhor: não gostava de muita gente junta. Depois da refeição, ela foi caminhar um pouco ao ar livre, para ajudar à digestão. A noite estava agradável e uma leve brisa soprava do mar, trazendo consigo o perfume salgado. Do Ivo, nenhum sinal de vida. Também já era noite escura... Respirou fundo para encher os pulmões daquele ar lavado e foi para dentro. Sentiu-se cansada – mais do que queria admitir – e foi-se deitar.
2º DIA Ela acordou sem saber porquê. Acordou, apenas. Olhou para o relógio em cima da mesinha de cabeceira e quase deu um grito: ainda era tão cedo... Mas porque é que aquilo lhe acontecia sempre? Quando tinha que se levantar cedo, era um castigo para sair da cama, mas quan76
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«Então olhe, é só esperar um bocadinho, está bem?» «Tudo bem» Ela andou pela casa a descobrir os seus segredos e viu um canto quase escondido: uma cadeira de balouço junto a uma janela e decidiu: a partir daquele momento aquele seria o canto dela, o seu cantinho. «Menina, já pode vir tomar o pequeno-almoço» era a funcionária, uma rapariguinha ainda nova com um sorriso de orelha a orelha, a limpar as mãos ao avental. Ela foi e, sem uma palavra, sentou-se para comer, mas... Deus meu, que tentação!... Tantas e tantas coisas boas... Ai, minha Nossa Senhora, a dieta... Olha, também não iria fazer mal: um dia não são dias e, afinal, estava ou não estava de férias?... Portanto, que se lixasse! Comeu e comeu bem: não era o pequeno-almoço a refeição mais importante do dia?... Pois então!... Bom, estava satisfeita. Na rua corria um vento fresco, quase frio, que arrepiava. «Maria» um sussurro nas suas costas. «Ai!» gritou e voltou-se: à sua frente estava Ivo, que ria a bom rir. «Ivo» ela começou «tu nunca mais, mas nunca mesmo, voltes a fazer isso. Mas tu queres matarme do coração?» «Hã?» Ivo ficou sério de repente «Matar-te?» Foi a vez de ela se rir. «O quê?» Ivo quis saber «O que foi? Porque é que te estás a rir? Porque é que achas que eu te quero matar? Eu não quero, juro!...» Ela ria-se cada vez mais, sem conseguir parar. «Mas o que foi?» insistiu Ivo «Diz-me» Mas ela não dizia: não conseguia.
do podia dormir até mais tarde, era infalível, acordava cedo. Frustrante, para não dizer outra coisa. Bom, mas já que o mais difícil estava feito, agora só lhe restava levantar: nunca tinha gostado muito de ficar a preguiçar na cama depois de acordar. Lá se levantou e, depois de um bom banho e depois de enfiar uma indumentária prática, desceu. «Bom dia» ela disse ao entrar na sala onde seria servido o pequeno-almoço. «Bom dia» foi a resposta alegre da funcionária que estava a preparar as mesas «Madrugou» «É verdade» «É a primeira» «Parece que sim»
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«Oh, pá» e Ivo bateu com o pé no chão. Ela fez um esforço: engoliu em seco e conseguiu parar de rir. «Até que enfim» exclamou Ivo «E agora dizme, que história é essa de te querer matar? Porque eu não quero...» Ela dominou os ataques de riso a custo «Ai, Ivo, desculpa lá» «Mas do que é que estavas a falar, que eu não percebi patavina?» «Ivo, eu não queria dizer nada» «Nada?!» «Foi só uma força de expressão, uma maneira de dizer» «...» «Deixa estar, não ligues. Foi só uma brincadeira sem importância» «Brincadeira?!...» «Sim, brincadeira» e continuou «É uma coisa que se costuma dizer quando nos pregam um valente susto...» Teve que parar, pois para seu espanto Ivo gargalhava: e que gargalhadas...
«O que foi?» ela perguntou, cada vez mais admirada. Ivo parou de repente «Então não disseste que estavas a brincar?» «Sim, disse. E depois?» «E depois?!... Depois, estou-me a rir. Não é isso que temos de fazer quando há brincadeiras?» Ela abriu a boca para fechá-la logo a seguir: não disse nada, não conseguia lembrar-se de nada para dizer – não estava à espera daquela resposta de Ivo, a sua lógica ultrapassava-a. «Então, o que vais fazer?» perguntou Ivo. «Ainda não sei» ela respondeu, encolhendo os ombros «Talvez vá dar uma volta por aí, pelo pinhal, pela praia... Não sei...» «Posso ir contigo? Posso?» Ivo começou aos saltos e a bater palmas. «E porque não?» ela disse «Anda daí. Mas primeiro pára lá com esses pulos: pareces uma barata tonta» «O quê?» «Nada»
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«Não se afoga» «Seu malandrinho» ela riu-se «Mas tu sabes...» «Aprendo depressa» «Isso estou eu a ver» Ivo agarrou-lhe a mão e começou a puxá-la «Vamos. Vamos passear» «Está bem, está bem» ela aquiesceu «Mas vamos com calma. Não há pressa» Foram. Ivo ia à frente a guiá-la e a mostrar-lhe as belezas daquele lugar. «Espera aí, Ivo» ela parou. «O que foi?» «Ivo, eu não quero só conhecer o que os outros já conhecem. Para isso, tinha comprado uma colecção de postais ilustrados e ficado em casa» ela disse «Eu também quero conhecer os outros sítios, aqueles que mais ninguém conhece» «Ah...» Ivo ficou pensativo. «Mas o que foi?» ela perguntou «Algum problema?» «Não, não» Ivo disse muito depressa. «Então?...» ela ficou na expectativa. «Maria» chamou Ivo com muita certeza «Anda
daí. Vou-te mostrar o meu sítio preferido. Mas olha lá» ele disse-lhe «é segredo» «Tudo bem. Juro não dar com a língua nos dentes» «Dar com a língua nos dentes?!...» Ivo estranhou. Ela riu-se «Dizer a alguém» Ivo franziu o sobrolho «E porque é que não disseste logo isso?» Ela encolheu os ombros «Também tens razão» e logo continuou «Mas, afinal, onde é o tal sítio? Vá, mostra-me» «Tem calma» disse Ivo «Quem é que está com pressa agora?» Ela olhou fixamente para Ivo «Ouve lá, tu por acaso estás a gozar comigo?» «Eu?!» Ivo quase gritou «De onde é que tiraste essa ideia maluca?» «De lado nenhum» ela abanou a cabeça «Então, vamos ou não vamos?» «Vamos, sim senhor» Ivo conduziu-a por sítios e caminhos que ela não julgava possíveis. 79
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«Mas onde é que me levas?» ela perguntou. «Já vais ver» foi a resposta de Ivo. Eles continuaram por atalhos escondidos, Ivo sempre à frente. «Chegámos» disse Ivo com satisfação. Ela olhou e viu que estavam numa espécie de clareira, atrás deles o pinhal, à frente as dunas, lá longe o mar. «Então, o que é que achas?» Ivo perguntou orgulhoso «Eu chamo-lhe o meu castelo» Ela não disse nada: o sítio era de uma simplicidade lancinante e era isso que o tornava tão especial.
«Vá lá, diz, o que é que achas?» insistiu Ivo. Ela fixou-o com os olhos brilhantes «Ivo, é simplesmente lindo. Não há palavras...» «Gostas?» quis saber Ivo. Ela não falou: sinal com a cabeça de que sim, olhar perdido no que via. «Agora vê lá» Ivo começou «tu juraste que não dizias a ninguém sobre o meu castelo» «Está bem» ela disse com alguma impaciência. Era claro que não ia contar a ninguém aquele segredo bem guardado, o castelo de Ivo. «Estou com fome» Ivo quebrou o feitiço. «Com fome?!» ela exclamou «E isto lá são horas de alguém ter fome?» «Eu tenho» parecia a coisa mais natural do mundo, na boca de Ivo. Ela olhou para o relógio e levou a mão à cabeça: já eram quase horas de almoço. Não admirava que Ivo estivesse com fome... «Anda» ela disse «Temos que ir embora» «Embora?» «Pois. Não disseste que estás com fome?» «Disse» «Então vamos almoçar» «Ah, então vamos» Ivo agarrou-lhe a mão e levou-a de volta ao ponto de onde tinham partido. «Aonde moras?» ela perguntou. Mas Ivo não ouviu a pergunta; ou fez que não ouviu, pois a resposta veio em forma de pergunta «Posso almoçar contigo?» «Almoçar comigo?» ela repetiu «E os teus pais não se vão importar?» «Não» Ivo respondeu com toda a certeza «Eles nem sequer estão em casa: estão a trabalhar» «Bom, se é assim... Anda lá» «Fixe!» Ivo exclamou. Entraram na casa lado a lado, mas 80
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logo apareceu o Sr. Simões em passo apressado «O que é que tu estás aqui a fazer?» «Vim almoçar com a Maria» respondeu Ivo escondendo-se atrás dela. «Maria?!» «Sim, comigo» ela apressou-se a dizer. «Consigo?!» o homem, Simões, tinha a perplexidade estampada no rosto. «Pois, com a Maria» Ivo pôs-se ao lado dela com uma expressão desafiadora «Eu não disse?» «Ah!» uma luz acendeu-se no olhar do Sr. Simões e afastou-se para lhes dar passagem. «Toma» ao passarem, Ivo deitou a língua de fora ao Sr. Simões. «Ivo, não faças isso» ela ralhou. «Porquê?» «Porque não se faz» «Porquê?» «Porque é feio» «Porquê?» «Porque sim» «Porquê?» «Porque eu digo, e pronto! Fim da conversa»
ela não era uma pessoa paciente: nunca tinha sido e também não era agora que o ia ser. Ivo amuou «Também não é preciso ficares assim zangada» «Está bem, está bem» ela disse com alguma brusquidão «Pára lá é de fazer beicinho. Se soubesses como ficas feio...» Ivo não disse nada. «Pronto, pronto» ela sorriu «Vamos mas é nos sentar, que eu quero é comer. Humm... que cheirinho bom. Não sentes?» O rosto de Ivo iluminou-se «Sim sim. Humm...» «Vamos para ali» ela apontou uma mesa afastada do centro «Gostas daquela mesa?» e voltouse para Ivo, mas qual Ivo, qual carapuça!... Ele já lá estava, todo sorrisos, sentado à mesa por ela indicada. «Bolas, que tu és rápido» ela riu-se. Ivo não respondeu: tinha o olhar preso no outro lado da janela e parecia estar a ver algo que nunca tinha visto antes, um mundo novo. E, no entanto, era tão-somente aquilo que Ivo via e vivia todos os dias. Ela ficou fascinada pela ideia 81
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de como um simples pedaço de vidro transparentarte a Ivo «É bom?» te podia transformar as coisas... «Humm... É muuito bom» Ivo respondeu. «Queres carne ou peixe?» ela perguntou. Ela continuou a comer, mas deu conta de um «Carne!» Ivo respondeu muito depressa com par de olhos que fixavam gulosamente a sua tarte: os olhos esbugalhados «Quero um bife deste taIvo. «Não me apetece mais» ela disse «Queres?» manho» e abriu os braços a todo o comprimento perguntou a Ivo, apontando para a tarte. «com muitas, muitas, muitas batatas fritas» A resposta traduziu-se num só gesto: tirar a Ela fingiu-se admirada tarte da frente dela, e co«E tens estômago para isso mê-la com sofreguidão. tudo?» «Tem lá calma» ela riu«Então não tenho...» se «Parece que tu não co«Vamos para ali» ela apontou Ela escolheu o peixe e mes há três dias» pediram: bife para Ivo, peiIvo não respondeu. No uma mesa afastada do centro xe grelhado para ela. fim da refeição, limitou-se «Gostas daquela mesa?» e Começaram a comer e, a dar palmadinhas na barvoltou-se para Ivo, mas qual Ivo, enquanto o Diabo esfrega riga. um olho, Ivo limpou o pra«Então comeste bem?» qual carapuça!... Ele já lá estava, to. «Que nem um abade» todo sorrisos, sentado à mesa «O quê, já comeste?» «E agora?» por ela indicada. «Bolas, que Ivo limitou-se a sorrir e «Agora?» Ivo abriu a a lamber os lábios. boca num enorme bocejo tu és rápido» ela riu-se. Ivo não «Mais que houvesse...» «Agora, estou com sono» respondeu: tinha o olhar preso disse ela para si, enquanto «Estou a ver que sim» no outro lado da janela e parecia acabava o seu peixe. Nisto foram interrom«E agora, o que é que pidos pelo Sr. Simões «Vá estar a ver algo que nunca tinha queres para sobremesa?» Ivo, já é tarde... Vai para visto antes, um mundo novo. ela perguntou «Há...» casa, vai dormir» E, no entanto, era tão-somente Mas Ivo não queria sa«Vou, vou» Ivo concorber o que havia, pois só lhe dou docilmente. aquilo que Ivo via e vivia todos interessava uma coisa Ela não queria acreditar os dias. Ela ficou fascinada «Mousse de chocolate!» em toda aquela súbita pela ideia de como um simples «Mousse de chocolaobediência: se até então te?» ela repetiu «Está só tinha visto aqueles dois pedaço de vidro transparente bem, que seja mousse de a engalfinharem-se... podia transformar as coisas... chocolate. Eu prefiro... deiDepois de Ivo sair, o Sr. xa cá ver... tarte de maçã» Simões esclareceu-a «Não «Dás-me um bocadinho se admire, menina. Apesar disso para eu provar?» pediu Ivo. de ralhar com o Ivo, gosto muito dele. Todos nós «Primeiro come a tua mousse» aqui na casa gostamos, aliás» «Já comi» Ela nada disse, mas compreendeu. «Já?!» Levantou-se e saiu para a rua. Agora estava caE sim, na taça em frente de Ivo não havia o mílor, muito calor; nada parecido com o vento fresco nimo resquício da mousse que ali já tinha estado. da manhã. «Pronto, toma lá» ela deu um bocadinho de Mas o que era aquilo? Um bocejo? Outro? Pa82
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recia que o sono também estava atrás dela, também a queria agarrar. Para lhe fugir, ela foi para dentro, para o seu cantinho: enroscou-se na cadeira de balouço, para trás, para a frente, para trás, para a frente, para trás... «Menina, menina» uma mão tocou-lhe no ombro. «O que foi?» ela respondeu, muito estremunhada. «Estava aqui a dormir» disse a rapariguinha do sorriso muito aberto. «Estava?» ela repetiu «Realmente, parece-me que já passei pelas brasas» «Não estaria melhor no seu quarto? É que aqui não parece muito confortável para dormir» «Sabe uma coisa?» ela levantou-se e esfregou a cara com força «Tem toda a razão. Estou com uma soneira que não me aguento» Foi para o seu quarto, estendeu-se ao comprido na cama e dormiu a sono solto. Foi de tal ordem que nem sequer teve tempo de descalçar as sapatilhas: pelo menos, quando acordou, ainda as tinha calçadas. Levantou-se da cama sentindo-se como nova e
dirigiu-se à janela: o Sol já começava a esconderse atrás das copas das árvores. Desceu e foi à recepção «O Ivo não esteve aqui à minha procura, pois não?» «O Ivo? Não, não esteve» Já se ia embora, quando se lembrou de mais uma coisa e voltou atrás «Uma coisa: se o Ivo aparecer aqui à procura de uma Maria, sou eu» «A menina?» «Sim, eu» ela confirmou. Saiu para a rua e a brisa de fim de tarde dançou à volta dela. Decidiu desentorpecer as pernas e, para isso, nada melhor que um passeio até à praia. O extenso areal estendia-se à sua frente, convidando-a a dar uns passos: ela não se fez rogada e de bom grado aceitou o convite. A areia era quente, macia, acariciava os pés. Ela sentou-se no meio de ninguém em tanto espaço e ficou a olhar o Sol: estava na sua hora de deitar e as gaivotas cantavam-lhe uma canção de embalar. Quando finalmente olhou para o relógio, viu que já iam sendo horas de voltar. 83
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ser feita com um estômago vazio. Desceu para tomar o pequeno-almoço, mas desta vez não se tinha adiantado: as mesas já estavam preparadas. «Desta vez fui mais rápida» disse a rapariguinha do costume, quando a viu. «Pois foi» ela riu-se. Comeu pouco, pois estava com demasiada pressa para ter fome. «Comeu tão pouco...» «Não me apetece mais» foi a sua resposta, enquanto corria para o quarto. Detestava sempre os últimos dias: eram tão cansativos... Até parecia que o que tinha descansado, puf!, era um ar que lhe dava. Não era justo, não senhor! Com as malas já feitas – malas não, mochilas –, ela foi à recepção fazer contas. «Esperamos que tenha gostado. Volte sempre» disseram, ao entregar-lhe o recibo. Cá fora, enquanto entrava para o táxi, ainda ouviu uma voz conhecida «A Maria?» «Foi-se embora»
O extenso areal estendia-se à sua frente, convidando-a a dar uns passos: ela não se fez rogada e de bom grado aceitou o convite. A areia era quente, macia, acariciava os pés. Ela sentou-se no meio
de ninguém em tanto espaço e ficou a olhar o Sol: estava na sua hora de deitar e as gaivotas cantavam-lhe uma canção de embalar.
Tomar banho, mudar de roupa, jantar, deitar: de Ivo não teve mais notícias naquele dia.
3º DIA Aquele era o seu último dia, o fim das suas férias. Parecia que só tinham começado na véspera e já estavam a acabar: bem, não tinham começado na véspera, mas tinham começado na antevéspera – a diferença também não era muita. Havia tanta coisa para fazer em tão pouco tempo – se se queria ir embora antes de almoço – mas nenhuma era para 84
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NATÁLIA VALE Nasceu em Vila Robert Williams, Caála, Angola, a 16 de Setembro de 1949. É licenciada em História, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tem vários trabalhos premiados, quer nacional, quer internacionalmente. Tem trabalhos publicados em diversas antologias, nacionais e internacionais. Em Setembro de 2009 editou os seus primeiros livros pela editora Mosaico de Palavras: «Emoções Inacabadas» (poesia) e «A Minha Tempestade e Outros Contos» (contos). Página da Autora: www.facebook.com/natalia.vale.39
PARA TI Não te peço que fujas dos meus sonhos nem leves este meu sentimento, que é a razão do meu viver, porque os nossos bons momentos foram tão profundos e deixaram marcas indelevelmente marcantes em todo o meu ser. Não desapareças, porque não saberei viver sem ti. Morrerei na solidão do meu existir, se não puder sentir os teus lábios húmidos nos meus, o jogo sedutor das nossas línguas, o hálito quente da tua boca, que me transmite sensações únicas, ímpares. Vem, por favor, nem que seja como uma imagem fantasmagórica, porque preciso de ti, dos nossos encontros secretos que continuam vivos na caminhada da minha imaginação, na minha procura do eldorado a que, vagando no meu mundo, chamo de nada. Já não sei se é obstinação quando olho a nossa foto pendurada na parede do nosso quarto, aquela que traduz a personificação do afeto louco que existiu entre nós. Ou apenas existiu em mim? Vejo as estações do tempo passarem, como se tratasse da areia presa numa ampulheta, medindo com rigor, minuto a minuto, segundo a segundo, os meus anseios, os meus desejos, o meu mundo utópico. Estou sozinha, com as reminiscências do sentimento que foi a minha felicidade, daquele que envolveu a minha volúpia, a minha solidão e a algazarra do meu silêncio. Neste momento de magia, que me encanta e em que a minha pele se arrepia, quero-te de novo em mim, para mim. A minha alma corrupia como uma criança agitada e o sonho vai preenchendo o vazio dos meus espaços. O tempo esgota-se e tudo se transmuta. Emoção, enlevo ou desvario? Não sei. O meu coração explode em múltiplas centelhas de esperança, na ilusão louca de quem vive de eternas lembranças. Espero por ti.
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GUERRA JUNQUEIRO (1850-1923) Retrato de Portugal, por Guerra Junqueiro hรก mais de 120 anos, mas de uma espantosa actualidade. Na prรณxima pรกgina...
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U
m povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. (...) Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao rou-
bo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas. Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar. Guerra Junqueiro in «Pátria» (1896)
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SAMANTA OBADIA Brasileira, 15/12/1967, com dupla nacionalidade portuguesa. Escritora, Psicanalista, Atriz, Filósofa e Palestrante. Tem quatro livros publicados pela Letra Capital Editora: «Pessoas, Palavras e Valores: elos em construção» (2009), «Eu me livro: da prisão das drogas até o fim» (2011), «Mengele me condenou a viver: A vivência e as sequelas de Aleksander Henryk Laks após o Holocausto» (2012) e «Café com Chantilly, contos de motel» (2015). Páginas da Autora: www.facebook.com/samantaobadia www.samantaobadia.com.br Instagram e Linkedin: Samanta Obadia
ESCOLHAS RUINS Porque as pessoas fazem escolhas ruins para si mesmas e punem os outros pela felicidade que vivem? Observo claramente que, muitas vezes, o sentimento chamado de ciúmes é uma inveja descarada. Algumas pessoas se acham no direito de interromper a alegria do outro com expressões irônicas ou humilhantes diante de alegrias singelas, quando dizem: «muito bonito, eu trabalhando e você passeando...»; «claro que você está sarado, não faz outra coisa além de malhar»; «no seu caso é fácil estar disposta... viajando toda hora»; «vive rindo à toa... também com a vida boa que leva!»; «na sua idade tudo é mais fácil...». É assustador, mas o invejoso não se contenta em deixar claro que é infeliz. Ele faz questão de deixar o outro mal, lhe incutindo culpa e até vergonha por seus bons fluidos. Afinal, nós somos os responsáveis diretos por nossas escolhas diárias. Se queremos uma vida sem estresse, com pausas para o descanso, devemos escolher isso, ao invés de maldizer quem o faz. Se queremos corpos definidos, devemos nos esforçar para tal, ao invés de depreciar os que o fazem. Se admiramos os bem humorados, porque não buscamos sentidos em nossas vidas para ter alegria? Há milhares de exemplos onde pessoas que não buscam o que desejam, seja por preguiça ou incapacidade, extrapolam julgando e desprezando os valentes e vitoriosos. Mediocridade crescente e estimulada por inúmeros grupos sociais. A preguiça é um mal na humanidade. A cobiça também. Relembrando Friedrich Nietzsche, «quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar». Por isso, sair da zona de conforto demanda um olhar para si mesmo e não para o outro. A verdadeira vitória é a daquele que vence a si mesmo, superando os seus próprios limites. Aos invejados, sabemos nietzscheanamente que «a vida vai ficando cada vez mais dura perto do topo». Contudo, isso não é problema para quem sabe voar.
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ENTREVISTA
MARIA ALCINA ADRIANO Maria Alcina Adriano nasceu em Vale Verde, concelho de Almeida. Em 1970 foi trabalhar em Lisboa, tendo recomeçado a estudar mais tarde, concluindo no ano de 1989 a licenciatura na Faculdade de Direito, conciliando a vida universitária com a familiar e a profissional. Trabalhou mais de 40 anos na Administração Pública, à qual se dedicou integral e exclusivamente, em detrimento da advocacia. Começou a escrever na sua juventude, mas só em 2011 publicou o primeiro livro. Desde então, editou outros livros, é co-autora de diversas antologias e tem participado em tertúlias de poesia. POR ISIDRO SOUSA
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SG MAG – Quem é a mulher que vive por detrás da autora Maria Alcina Adriano? Como se define enquanto ser humano?
Sente necessidade de escrever ou escreve por prazer? O que escreve habitualmente? Sinto necessidade de escrever. Como abordo situações que vivo em determinado momento, que observo no dia-a-dia, alguns poemas pretendem denunciar problemas sociais, outros exprimem a perda, a dor, a tristeza, a saudade, razão pela qual me trazem angústia e sofrimento.
MARIA ALCINA ADRIANO – É a própria autora, porque escrevo sempre e apenas o que sinto. Considero que sou uma pessoa simples, sincera, honesta, leal, trabalhadora, responsável e solidária e, parafraseando José Saramago, «tentei não fazer nada na vida que envergonhasse a criança que fui». Sou excessivamente sensível, o que contribui para me sentir desiludida e desencantada com os diversos problemas sociais da humanidade, que os políticos e os grandes grupos económicos não têm interesse nem vontade de minorar e de solucionar.
Como caracteriza a sua escrita? E em que se inspira? Procuro que seja uma escrita simples, acessível a todos, gramaticalmente correcta, sem recurso a “rimas marteladas”, sem preocupação de a caracterizar. Alguns leitores dizem-me que é intimista, que me exponho sentimentalmente, e algumas leitoras referem que se sentem totalmente identificadas com determinados poemas, parecendo-lhes que foram escritos para elas. A minha inspiração poderá surgir a partir de uma simples situação que observo na rua, bem como de um sentimento que exprimo perante determinado acontecimento.
A escrita é uma paixão de sempre ou surgiu espontaneamente nalgum momento específico da sua vida? Surgiu espontaneamente, aos 14/15 anos, enquanto aluna do ex-Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, na Guarda, sendo a forma que encontrei para exprimir os meus sentimentos, que evitava partilhar com as amigas.
O que a fascina no universo da poesia?
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A forma sublime, algumas vezes próxima da utopia, de denunciar, de alertar, de descrever situações horrorosas da humanidade, na convicção de que se poderá contribuir para melhorar o mundo, bem como estados de tristeza, de angústia.
E quais foram os momentos mais marcantes nesse percurso? Foram alguns momentos dolorosos porque revivi lugares, situações, e relembrei pessoas que marcaram a minha juventude. Os primeiros três livros editados integram os poemas escritos nessa fase, encontrandose ainda alguns nas demais obras, à medida que os vou descobrindo nos livros de estudo ou nos que vou relendo ao longo destes últimos anos.
Desde que escreveu o primeiro texto, que caminho desbravou até chegar à edição de um livro? Penso que o primeiro texto que escrevi foi um conjunto de quadras dedicadas à mãe, num trabalho de casa (redacção) da aula de Português, no 3º ano do Liceu Nacional da Guarda, que a professora nunca me devolveu. A partir desse momento fui escrevendo ao longo dos anos, em qualquer bocado de papel, ou num espaço em branco de um livro de estudo ou de qualquer outro, sem pensar que alguma vez iria editar um livro. Apenas escrevia para mim e fui guardando os papéis manuscritos. A partir do momento em que me aposentei, comecei a ter disponibilidade de tempo, pelo que decidi reler os poemas que guardava numa gaveta e escrevi-os no computador. Organizei-os por datas e por temas (rasguei muitos, por os considerar demasiado íntimos) e consultei uma editora que, de imediato, se disponibilizou para editar o livro.
Foram alguns momentos dolorosos porque revivi lugares, situações, e relembrei pessoas que marcaram a minha juventude. Os primeiros três livros editados integram os poemas escritos nessa fase, encontrando-se ainda alguns nas demais obras, à medida que os vou descobrindo nos livros de estudo ou nos 92
que vou relendo ao longo destes últimos anos.
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A publicação do seu primeiro livro foi a concretização de um sonho? O que representou para si?
nas suas águas correntes ou paradas fazíamos as nossas brincadeiras de crianças e jovens.
O primeiro livro, «Flores Verdes em Tempo de Guerra», foi editado em Outubro de 2011. Não poderei dizer que foi a consagração de um sonho, porque não escrevia a pensar publicar. A ideia de publicar os poemas surgiu de repente, entendi que poderia partilhar os meus sentimentos e, a partir dessa data, tenho editado um livro em cada ano. De todo o modo, quando recebi o livro, quando o tive na minha mão, quando o desfolhei pela primeira vez, foi um momento de grande emoção e interroguei-me: o que farei com este livro?
Em que consiste este livro e em que difere dos anteriores? E que aspectos relevantes destaca na obra? No livro «A Ribeira da Minha Terra» (2017), bem como nos anteriores, constata-se a diversidade dos temas. Falam de amor, de saudade, de perdas, de esperança, de viagens. Destaco, por exemplo, os poemas sobre a minha terra – Vale Verde – que referem as vivências e as diferenças verificadas nas últimas décadas e os poemas de Florbela Espanca e de Luís de Camões, que me atrevi a glosar.
No ano passado publicou «A Ribeira da Minha Terra». Porque escolheu este título? Editou recentemente «Passeios da Memória». O que traz de novo este novo livro?
Escolhi esse título por ser uma forma de mais uma vez homenagear as gentes da minha terra, pelas quais tenho uma grande admiração e estima, e onde gosto sempre de voltar. Digo mais uma vez porque essa homenagem já está consagrada no terceiro livro, «As Searas São Vermelhas». Além disso, sempre me senti muito ligada à Ribeira, que considero uma grande fonte de vida da aldeia onde nasci. Nas lajas da Ribeira lavava-se a roupa e as tripas dos porcos no dia da matança, com as suas águas regavam-se as hortas,
O meu último livro editado – «Passeios da Memória» (2018) – é em prosa e também é sobre a minha terra, continuando a evidenciar a Ribeira de Vale Verde, na capa e na contracapa.
Apresente sucintamente cada um dos livros anteriores...
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«Flores Verdes em Tempo de Guerra» (2011), «O Meu Corpo é Como Um Rio» (2012) e «As Searas São Vermelhas» (2013) integram poemas escritos na juventude e falam de amores, de paixões, de perdas, de encontros e desencontros, alguns deles provocados pela guerra colonial, bem como de situações vivenciadas na minha terra, denunciando as carências, as injustiças sociais, a pobreza a que o interior do país tem sido sujeita, a dureza dos trabalhos rurais. «A Magia da Vida» (2014) fala da perda, da solidão, da saudade e, apesar de tanto sofrimento, da forte vontade da sua superação. «A Primavera dos Meus Sonhos» (2015) realça a esperança, a força de viver, a expectativa de uma carreira profissional diferente, pois os poemas foram escritos durante os anos em que frequentei o curso de Direito. «As Ondas dos Seus Olhos» (2016) continua a falar de amor, de paixão, de solidão, de sonhos e de viagens. Sou uma eterna apaixonada pela vida, pelo que vejo, pelos sons que ouço, pelo que sinto, pelos compromissos que assumo.
«A Magia da Vida» marcou-me muito, porque fala da saudade, da tristeza, da solidão, provocadas pela perda do meu marido e da minha mãe, mas que procuro ultrapassar, convencendo-me de que constituiria uma forma de enterrar o passado, e que vale a pena continuar a viver para ver as flores, as aves, o luar, o Sol, o Tejo, o mar, contar as estrelas do céu de Lisboa, de Vale Verde e de Monte Gordo, sentir a tranquilidade no olhar puro e ingénuo de uma criança, beijar a claridade de cada madrugada bailando na figueira onde se senta o melro sorrindo para a pomba e para a gaivota, vaguear pelas ruas e becos de Lisboa, ainda que sozinha, viajar para o norte ou para o sul, ver as rochas cinzentas esculpidas pela natureza, sentir os cheiros da terra molhada ou ressequida, em torrões, em Vale Verde ou nas margens do Côa, ver o sorriso triste das pessoas do meu país disfarçando a fome, a pobreza, a revolta, a indignação, a apatia, a desilusão, o desencanto neste sistema de democracia que promove a corrupção, a mediocridade, a incompetência, a impunidade dos governantes que têm conseguido pôr de rastos uma Nação que há-de vencer a hipocrisia, a mentira, o descaramento, a vergonha, a ingratidão, com um cravo de Abril na mão e na outra a letra de uma canção, a serenidade de uma flor a desabrochar, a volúpia do céu a beijar o mar, o ardor do raio a penetrar o corpo da noite, a alegria do melro a despertar a madrugada, o pio da gaivota no voo da conquista, o veleiro a bailar nas águas do rio,
Do conjunto dos seus oito livros, qual é aquele que considera mais emblemático? Qual deles foi o mais marcante para si? Porquê? Todos eles integram poemas que se reportam a momentos que vivi muito intensamente. Todavia,
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bebendo o amor na boca de um marinheiro, e ficar aqui, tão-somente por ficar sem amar ninguém e sem me amar a mim, passar pela vida ou deixar a vida passar por mim, como digo no poema que dá o nome à obra.
Que tipo de pessoas se interessa pela sua obra? Porque me sinto inibida e não tenho qualquer jeito para falar da minha obra, apenas os familiares e alguns amigos sabem que escrevo e me têm comprado os livros. As editoras não fizeram nada para os divulgar, apesar de se proporem, contratualmente, fazê-lo.
Como tem sido a aceitação dos seus livros por parte do público? Que dificuldades sentiu na afirmação da mesma junto dos leitores? Como contorna os obstáculos?
As pessoas que os conhecem dizem-me que gostam, que há muitos poemas com os quais se sentem identificadas, que escrevo bem, de uma forma simples e sentida.
Não contorno os obstáculos, acabo por ficar com a maior parte dos exemplares. Tenho oferecido exemplares de todos eles às bibliotecas da Junta de Freguesia da minha área de residência em Lisboa, da minha terra e da sede do meu concelho, bem como às de outras entidades, mas não me parece que daí tenha resultado algum contributo para a sua divulgação. Tomei a iniciativa de oferecer alguns exemplares de um dos livros a utentes do Metropolitano de Lisboa, exprimindo o desejo que os fizessem circular, mas nunca vi nenhum em qualquer carruagem. Tenho oferecido vários exemplares à Associação Portuguesa de Poetas, da qual sou associada, a fim de serem trocados com os de outros autores, mas também não obtive, até à presente data, qualquer resultado relativamente à divulgação da minha obra.
Apenas os familiares e alguns amigos sabem que escrevo e me têm comprado os livros. As editoras não fizeram nada para os divulgar, apesar de se proporem, contratualmente, fazê-lo.
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Como avalia as críticas e reacções aos seus livros?
contribuir para lhes proporcionar alguns momentos de bem-estar através da minha presença, do possível convívio. Enquanto tiver vontade de escrever e dinheiro para pagar as edições, continuarei a fazê-lo, pelo simples prazer de ver o livro, de o sentir na minha mão, de o desfolhar e de reviver os momentos intensamente vividos, ainda que muitos deles desencadeiem rios salgados que correm sem destino e se perdem nos meandros do meu peito.
As críticas dos meus familiares e amigos têm sido positivas, muito simpáticas. Continuo a escrever o que sinto, embora constate que a minha obra não tem muita divulgação.
E que balanço faz do seu percurso literário? Sente-se realizada? A minha realização pessoal não passa por essa vertente, mas pela de poder ajudar os outros na medida das minhas possibilidades, de poder
Em que medida a sua participação em obras colectivas, nomeadamente poéticas, promovidas por diversas editoras, tem contribuído para o êxito da sua carreira literária? Que importância confere a estes projectos? Já participei em muitas obras colectivas ao longo destes sete anos mas, até à data, não vi qualquer contributo para a divulgação da minha obra. Decidi deixar de participar, quando as editoras obrigam o autor a comprar determinado número de exemplares, uma vez que as antologias são feitas graças ao trabalho dos autores e somos nós que pagamos a edição.
Qual foi a obra colectiva que mais a fascinou? Em que antologia gostou mais de participar? Destaco a antologia «Abril – 40 Anos», coordenada pela Associação Portuguesa de Escritores, da qual sou associada, pelo seu simbolismo. Tenho gostado de participar nas antologias promovidas pela SUI GENERIS, porque me sinto muito acarinhada, estimada, enfim, muito bem tratada.
Publica com regularidade textos poéticos nas redes sociais. Até que ponto estes meios são imprescindíveis para a divulgação da sua obra? Que impacte têm no seu percurso? Poderia ser uma forma de divulgação, mas até à presente data o impacto tem sido muito limitado. As pessoas que comentam os poemas, todos eles incluídos em livros editados, são os familiares e os amigos.
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Além das redes sociais, o que acredita ser essencial para a boa divulgação de um autor e, por conseguinte, da sua obra?
Nas livrarias enchem as montras, tornando mais apelativos os autores já
As editoras e a comunicação social, sobretudo os canais de televisão, poderiam divulgar as obras editadas e promover encontros literários de autores consagrados e desconhecidos do grande público, mas sabemos que esse tipo de programas não lhes aumenta as audiências e, por conseguinte, não os incluem na sua programação.
consagrados, geralmente estrangeiros, parecendo que continuam a adoptar o lema de que “o que vem de fora é melhor”. Como é difícil mudar as mentalidades,
Existem muitas influências na sua poesia ou nem por isso? Se sim, quais são as suas referências? Que autores mais admira? Algum em especial que a inspire particularmente?
afigura-se-me que é uma missão impossível algum autor ter a veleidade de, sozinho, pensar
Quando comecei a escrever não conhecia a obra de nenhum poeta, excepto «Os Lusíadas», por os estudar no Liceu. Os livros que lia, requisitados na Biblioteca Municipal da Guarda, eram de aventuras (colecção «Os Cinco» e «Os Sete» de Enid Blyton). Quando comecei a trabalhar, com 19 anos, fui comprando alguns livros, nomeadamente de poesia, mas não tenho ideia de me deixar influenciar por qualquer deles. Aliás, não sou nada influenciável, seja em que aspecto for. Leio e gosto de vários autores, referindo apenas alguns portugueses: Manuel António Pina, Sophia de Mello Breyner Andresen, Florbela Espanca, Augusto Gil, José Carlos Ary dos Santos, Manuel Alegre, Nuno Júdice, Eugénio de Andrade, José Afonso e Vasco da Graça Moura.
que poderá melhorar ou alterar esse tipo de mercado. Em Portugal as pessoas
parece que têm vergonha de acarinharem e de elogiarem os produtos nacionais, seja em que sector ou vertente for, ou será inveja mesquinha?
Como analisa o meio literário português? O que é para si a poesia? E para que serve? É muito rico e diversificado, mas é reduzido o número de autores com implantação no mercado português, porque os editores e os livreiros não se preocupam em divulgar as obras dos novos escritores. Os editores limitam-se a receber o montante acordado no contrato de edição, deixando ao autor a responsabilidade de divulgar a sua obra.
É uma forma de exprimir os sentimentos, uma maneira particular de cada autor dizer o que sente através da melodia das palavras, uma forma de alimentar a esperança, de reinventar o mundo, descrevendo os seus aspectos mais tristes com a suavidade e com a musicalidade das palavras. Serve para alertar, para denunciar, para glorificar, para suavizar os momentos menos bons da humanidade.
Qual é a sua opinião sobre o mercado livreiro em Portugal? E o que procuraria melhorar, ou alterar, neste complexo mercado?
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Parece-me que cada vez as pessoas compram menos livros, optando pelo recurso às novas tecnologias. Nas livrarias enchem as montras, tornando mais apelativos os autores já consagrados, geralmente estrangeiros, parecendo que continuam a adoptar o lema de que “o que vem de fora é melhor”. Como é difícil mudar as mentalidades, afigura-se-me que é uma missão impossível algum autor ter a veleidade de, sozinho, pensar que poderá melhorar ou alterar esse tipo de mercado. Em Portugal as pessoas parece que têm vergonha de acarinharem e de elogiarem os produtos nacionais, seja em que sector ou vertente for, ou será inveja mesquinha? Nas escolas poderia estimular-se mais a leitura da poesia, diversificando os autores, a fim de se criar o gosto para se manter a vontade de frequentar ambientes literários, como tertúlias promovidas por diversas entidades, mormente pela Associação Portuguesa de Poetas. As livrarias também poderiam seguir esse caminho.
passam todo o tempo a utilizar, essencialmente, as novas tecnologias, designadamente, os telemóveis. Acabo por me sentir feliz quando vejo alguém a ler um livro. Um destes dias reparei em dois utentes, no Metropolitano, que liam duas obras diferentes do mesmo autor, que eu também admiro – Ken Follett.
Considerando a sua vasta obra e experiência, o que recomenda aos autores emergentes que queiram singrar no meio literário? Não deixem de escrever. Procurem uma editora que corresponda aos vossos interesses e desejos, e sintam o prazer de desfolharem um livro vosso, de relerem e de saborearem as palavras que assaltaram as vossas cabeças, que desassossegaram os vossos corações. De alguma forma, poderão em qualquer inesperado momento contribuir para desassossegarem outros espíritos e corações.
Como vê a literatura em geral e a poesia em particular que se produz, presentemente, entre nós?
Quais são os seus projectos para os próximos tempos? Já tem alguma nova obra no horizonte?
Considero que temos bons escritores, mas parece-me que se mantém a reduzida apetência e interesse por parte dos leitores, na aquisição e leitura de livros de poesia. Raramente se vêem utentes dos transportes públicos, restaurantes ou cafés a ler qualquer livro,
Tenho um livro de prosa editado [«Passeios da Memória»] que ainda não apresentei publicamente – aos familiares e amigos –, que ainda não comecei a divulgar. É um livro de pequenas histórias que vivenciei
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na minha infância e juventude, elaboradas, mentalmente, há várias décadas. Gostaria que funcionasse como um alerta para os jovens actuais (que têm tudo de mão beijada) conhecerem os trabalhos, as brincadeiras, as dificuldades, as carências, as lutas travadas pelos jovens residentes numa aldeia do interior norte do país, para atingirem a melhoria das condições de vida. Continuo a escrever, mas sem qualquer data prevista para editar um próximo livro.
Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores em geral e autores em particular? Dediquem algumas horas do dia à leitura, será uma forma de aumentarem os conhecimentos, de interagirem com diferentes culturas, de alimentarem o sonho, de viajarem no tempo e no espaço, de se tornarem melhores e com mentes mais abertas. Aos autores sugiro que não deixem de escrever, de publicar as suas obras, pois é gratificante e estimulante saber-se que há um leitor, nem que seja apenas um leitor, que se sente identificado com o nosso trabalho.
Quem quiser adquirir os seus livros, onde poderá encontrá-los? Ou como deverá proceder? As editoras têm-me informado que estão disponíveis em diversas livrarias. As que eu consultei, em diferentes locais do país, informaram-me que o meu nome consta do seu registo informático, mas não possuem os livros, os mesmos terão de ser requisitados à editora, se o leitor os pretender adquirir. Poderão contactarme pessoalmente – alcina.magro@gmail.com – porque possuo exemplares de todos eles e encontraremos uma forma de enviar a obra pretendida.
Deseja acrescentar algo que não tenha sido abordado ao longo da entrevista? Está completa e muito bem estruturada, não necessito de acrescentar mais nada.
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EXCERTO DO LIVRO
A RIBEIRA DA
MINHA TERRA POR MARIA ALCINA ADRIANO
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minha terra não tem mar. A minha terra não tem nenhum rio. A minha terra tem uma Ribeira que nasce de pequenos riachos que se unem, com alegria. A Ribeira corre à sombra dos freixos, dos amieiros, dos salgueiros, acariciando as lajas onde se lavava e corava a roupa, em tempos passados. A Ribeira abraça os barrocos e gritam de satisfação as suas cascatas de espuma que desafiam as silvas das suas margens. A Ribeira da minha terra tem muitas pontes de pedra, resistentes como as pessoas que as atravessam, em qualquer hora, em qualquer dia, em qualquer estação do ano. A Ribeira da minha terra transbordava das suas margens com as lágrimas das mulheres que viram partir os maridos, os pais, os filhos, os companheiros, para defenderem pátrias que não eram as suas, ou para distantes paragens em busca de melhores dias. As águas da Ribeira da minha terra secavam no Verão, com o regresso dos maridos, dos pais, dos filhos, dos companheiros, que convertia as lágrimas saudosas das mulheres em sor-
risos dos olhares, dos lábios gretados e dos corpos magros, tão cansados, deixando de regar as hortas, entristecendo os picanços e os animais que, nas suas águas, não se refrescavam. A Ribeira da minha terra perde-se nos lameiros, esconde-se por entre os silvados, descansando nos dias tão quentes, tão sufocantes, dos Verões de Vale Verde. A Ribeira da minha terra regressa todos os Outonos, inebriante de felicidade, com a forte vontade de acariciar, de abraçar cada lugar, de sorrir em cada meandro, de saciar as suas saudades dos que partiram e já não voltam, tal como cada um de nós, quando regressa a casa, às raízes tão profundas, que nos prendem a alma, os braços e o coração, dando-nos a liberdade que passeia pelas ruas do tempo, pelas ruas do mundo, pelas ruas do pensamento, pelas ruas de Valverde, palavra escrita com a liberdade que cada um lhe quiser dar. in “A Ribeira da Minha Terra”, página 44, de Maria Alcina Adriano
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CRÓNICA
AS VIAGENS AO PORTO “A linha do horizonte apresentava-se rubra, MARIA ALCINA ADRIANO Nasceu em Vale Verde, concelho de Almeida. Em 1970 foi trabalhar em Lisboa, recomeçou a estudar mais tarde e concluiu em 1989 a licenciatura na Faculdade de Direito. Trabalhou mais de 40 anos na Administração Pública, em detrimento da advocacia. Começou a escrever na sua juventude, mas só em 2011 publicou o primeiro livro: «Flores Verdes em Tempo de Guerra». Tem mais sete livros editados: «O Meu Corpo é Como Um Rio», «As Searas São Vermelhas», «A Magia da Vida», «A Primavera dos Meus Sonhos», «As Ondas dos Seus Olhos», «A Ribeira da Minha Terra» e «Passeios da Memória». Co-autora de diversas obras colectivas, tem participado em tertúlias de poesia e é membro da Associação Portuguesa de Escritores e da Associação Portuguesa de Poetas. Da Colecção Sui Generis, participou em «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos» e «Tempo de Magia». Página da Autora: https://www.facebook.com/mariaalcin a.adriano
sorrindo para a terra escaldante e gretada, suspirando pela humidade trazida pelo beijo da Lua, numa noite que se desejava de maior fresquidão. A minha cabeça fervilhava entre as fantasias da viagem nocturna por caminhos e veredas de terra, com acentuadas subidas e descidas por entre barrocos, giestas e silvas que cresciam à sua vontade, e as da noite, passada fora de casa. Os solavancos constantes do carro não me assustavam. O meu pai e os outros homens tinham experiência na condução da junta de vacas por caminhos que pareciam desaparecer quando, mais à frente, se vislumbrava uma curva, dando a errada percepção de que o caminho terminava ali.” POR MARIA ALCINA ADRIANO
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am crescer água na boca. Ao mesmo tempo, o meu pai junguia (jungia) as vacas que puxariam o carro onde já tinha colocado todos os estadulhos, as sacas, as mantas de farrapos, os baldes, as cestas, as enxadas e os garrafões de água e do vinho. As mantas de farrapos, tecidas em tear de madeira, eram feitas de pedaços de tecido, cortados em finas tiras, de roupas já muito gastas pelo uso de anos consecutivos. Quando as peças de vestuário se rompiam, eram cosidas ou remendadas com um bocado de tecido semelhante. Tudo era aproveitado na aldeia, onde se vivia com muitas dificuldades e com muitas carências. O Sol já se deitara, estava tudo pronto e as pessoas reunidas, iniciava-se a viagem para o Porto. A linha do horizonte apresentava-se rubra, sorrindo para a terra escaldante e gretada, suspirando pela humidade trazida pelo beijo da Lua, numa noite que se desejava de maior fresquidão. A minha cabeça fervilhava entre as fantasias da viagem nocturna por caminhos e veredas de terra, com acentuadas subidas e descidas por entre bar-
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epois da ceia, à luz sumida da candeia, minha mãe preparava as refeições do dia seguinte, que seria longo e cansativo, tanto pelo tórrido calor nos dias de Verão, na Beira Interior, como pelo árduo trabalho que nos esperava. Guardava numa saca de serapilheira o pão de centeio de três quilos, o bocado de presunto, o queijo de ovelha ou de cabra, as chouriças, o garrafão de vinho, os pimentos para assar na brasa, os condimentos necessários para temperar a salada e as batatas cozidas, e a louça suficiente para as diferentes refeições. Aqueles alimentos eram confeccionados pela minha mãe e pela ti Maria Ana, e a sua qualidade, cheiro e sabor eram muito apreciados e fazi102
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rocos, giestas e silvas que cresciam à sua vontade, e as da noite, passada fora de casa. Os solavancos constantes do carro não me assustavam. O meu pai e os outros homens tinham experiência na condução da junta de vacas por caminhos que pareciam desaparecer quando, mais à frente, se vislumbrava uma curva, dando a errada percepção de que o caminho terminava ali. A Lua estendia seus braços de luz sobre as paredes feitas de pedras soltas, encaixadas e assentes umas sobre as outras com verdadeira mestria, sem cimento, resistentes aos ventos fortes, às chuvas intensas, aos trovões que no Verão atordoavam os ouvidos das gentes de Vale Verde e assustavam os animais, que se manifestavam com suas vozes enfurecidas. Algumas vezes, as chuvas torrenciais inundavam, repentinamente, as terras, aumentavam as águas da Ribeira que galgavam as pontes, e as paredes, arrastavam as colheitas e os
animais, deixando mais pobres e muito tristes os seus habitantes que viviam da agricultura. A viagem para o Porto era sempre uma aventura, imaginava as raposas e os lobos a esconderem-se atrás das paredes, dos barrocos, das árvores ou dos silvados, que iam ficando para trás. Chegados ao destino, descarregava-se o carro das vacas, colocavam-se umas mantas de farrapos no chão do lameiro, onde todos nos deitávamos vestidos, tapados com outras mantas que muitas vezes afastávamos, porque a noite era quente, sufocante. Em sossego, eu contava as estrelas, embora os mais velhos sempre dissessem que nunca se deveriam contar, porque nasciam cravos no corpo. Não sei se foi castigo pela minha desobediência ou rebeldia, ou se por mero acaso, apareceram-me cravos nas mãos e nos joelhos. Utilizei diversos tipos de medicamentos para os queimar, 103
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ficava descansada, porque a ouvia piar continuamente e, por conseguinte, nenhuma das pessoas que ali dormia, em sossego, partiria nessa noite. Quando o cansaço já pesava nos olhos e no cérebro, adormecia em sobressalto e pouco tempo depois despertava e voltava a adormecer com a sinfonia dos passarinhos, ao sabor da brisa matinal e ao cheiro da terra e das plantas que salpicavam a paisagem agreste, onde predominava o granito que resiste a todas as intempéries. Levantávamo-nos quando a manhã bocejava pela primeira vez e esfregava os seus olhos sonolentos. Lavávamos as mãos e a cara na água da Ribeira e sentávamo-nos à volta da manta de farrapos estendida no chão, sobre a qual se colocava uma toalha de plástico, para almoçar. Na primeira refeição do dia comíamos pão com presunto, queijo ou chouriça e bebia-se água da fonte. Os homens acompanhavam a desejada refeição com vinho
mas eram persistentes, tão teimosos e incomodativos, muito dolorosos quando sangravam e não queriam desaparecer. Passados uns anos, esfregando esses cravos com folhas de tomateiro, colhidas no quintal, acabaram por desaparecer, sem saber se devido ao tratamento sugerido pelos mais experientes da aldeia ou, simplesmente, por uma feliz coincidência. Na noite calma, em que se ouvia o silêncio, em que se ouvia o bater do coração, parecia-me escutar o rastejar de uma cobra, de um lagarto ou de um verdugo, que vinha espreitar-nos e, quem sabe, atacar-me? Sempre senti repulsa pelos répteis e, nessas noites, o medo tolhia os meus movimentos. Ficava imóvel, a olhar para o céu tão azul e tão alto, e ao longe começava a ouvir o pio da coruja, que se ia aproximando. A ti Maria Ana costumava dizer que quando a coruja piava três vezes seguidas anunciava a mormorte de alguém. Eu
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tinto caseiro, que bebiam pela botelha, pelo cantil ou pelo garrafão. Os talos ressequidos das ervas das batatas olhavam-nos com avidez, com sofreguidão, não queriam ficar mais tempo na terra. As batatas queriam ser arrancadas e acarinhadas pelas mãos ásperas que as apanhariam para os baldes, ou para as cestas, despejados para as sacas que, erguidas na sua sobranceria vertical, iam enchendo as leiras. A meio da manhã era reforçado o almoço, descansavam-se as costas e as pernas de tão árduo trabalho, em que os homens se vergavam ao peso da enxada e as mulheres e as crianças se levanta-
vam e baixavam, repetidamente, para apanharem as batatas, separando as grossas das miúdas, das da semente e das rachadas, deixadas estas para o fim de tudo. Quando o cansaço se apoderava do corpo, ajoelhava-me ou sentava-me no chão, apoiada no balde tal como outras pessoas, e apanhava-as
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apenas com a mão direita. Fazia o trabalho com gosto, muitas vezes ao ritmo dos arrancadores e merecia os seus elogios, designadamente, do Dinis da senhora Laura, que dizia que era a apanhadora de batatas mais desembaraçada de Vale Verde. Chegada a hora do jantar, minha mãe fazia uma fogueira, onde na panela de ferro cozia as batatas acabadas de arrancar e assava os pimentos. Na mesma fonte (prato fundo e redondo de louça) molhávamos as batatas e tirávamos os pedacinhos de carne guisada, de porco ou de galinha, acompanhados da salada dos pimentos assados e da tomate (na minha terra o tomate da salada é do género feminino). À merenda comia-se mais pão e dos mesmos peguilhos, que nos davam força para acabar de arrancar as batatas no chão do Porto, tão distante da povoação. Os homens carregavam as sacas no carro das vacas e, já noite cerrada, regressávamos a casa, acompanhados pela Lua que, sorridente, no céu azul estrelado, nos alumiava o caminho tão acidentado, depois do árduo e longo dia de trabalho. Trabalhava-se desde as avé-marias até à hora do toque das trindades que coincidiam, respectivamente, com o romper do dia e com o pôr-do-sol, assinaladas pelo bater do sino. Quando se pretendia concluir um trabalho, para não ter de se voltar no dia seguinte, e porque nas hortas mais distantes não se ouvia o sino, trabalhava-se até mais tarde, sem que alguém levantasse qualquer obstáculo.
Os homens carregavam as sacas no carro das vacas e, já noite cerrada, regressávamos a casa, acompanhados pela Lua que, sorridente, no céu azul estrelado, nos alumiava o caminho tão acidentado, depois do árduo e longo dia de trabalho. Trabalhava-se desde as avé-marias até à hora do toque das trindades que
coincidiam, respectivamente, com o romper do dia e com o pôr-do-sol, assinaladas pelo bater do sino. Quando se pretendia concluir um trabalho, para não ter de se voltar no dia seguinte, e porque nas hortas mais distantes não se ouvia o sino, trabalhava-se até mais tarde, sem que alguém levantasse qualquer obstáculo.
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Esse desejo mantém-se, permanece na minha mente, na minha imaginação. Não sei dizer porquê, desconheço a verdadeira razão, não encontro uma explicação, apenas sei que gostava de voltar à tapada do Porto, mas agora já não terei a sua companhia. Recordo com frequência a frase que muitas vezes ouvi ao meu pai: «Não hei-de morrer sem voltar ao Chão do Porto». Como essa promessa ou esse desejo não se cumpriu, não a quero pronunciar, certamente por recear que a situação se repita comigo e eu gostava muito de um dia lá voltar e ficar sentada à beira da Ribeira, apenas uns minutos, para ouvir o silêncio e o murmurar das águas que passam e não voltam a passar.
Enquanto as sacas erram descarregadas para a respectiva tulha, minha mãe e minha tia faziam a ceia, que era saboreada entre o cansaço dos corpos e as histórias que os mais velhos contavam, e eu e os meus irmãos ouvíamo-las com encantamento e muita atenção. Que saudades eu tenho das viagens e das noites em que dormi no lameiro do Porto, contíguo à horta, deitada numa simples manta de farrapos, nos vários anos em que ali semeávamos as batatas, regadas com a água da Ribeira, tirada com um balde dependurado no picanço. Tantas vezes, nos últimos anos, eu e o meu pai demonstrámos uma forte vontade de lá voltarmos, em jeito de passeio, mas nunca se concretizou, ou porque estava muito calor, ou porque a um de nós não apetecia andar muito, naquela tarde, daquele dia de Verão.
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MARIA ALCINA ADRIANO
OBRA LITERÁRIA
FLORES VERDES EM TEMPO DE GUERRA Chiado Editora, 2011 O MEU CORPO É COMO UM RIO Chiado Editora, 2012 AS SEARAS SÃO VERMELHAS Chiado Editora, 2013 A MAGIA DA VIDA Chiado Editora, 2014 A PRIMAVERA DOS MEUS SONHOS Sinapis Editores, 2015 AS ONDAS DOS SEUS OLHOS Sinapis Editores, 2016 A RIBEIRA DA MINHA TERRA Euedito, 2017 PASSEIOS DA MEMÓRIA Euedito, 2018
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PASSEIOS DA MEMÓRIA O tempo não tem tempo para esperar por mim, passa como passa a água debaixo das pontes da Ribeira da minha terra e já não volta a passar, como também já não voltam as pessoas que se perderam no tempo, que em todo o tempo nos deixam saudades que não se apagam com o tempo, e antes que o tempo deixe de ter tempo, a todas deixo o meu afecto, o meu sentido e forte abraço, a minha permanente saudade. (Maria Alcina Adriano)
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POEMAS DE MARIA ALCINA ADRIANO Dos livros A Ribeira da Minha Terra, As Ondas dos Seus Olhos
e A Primavera dos Meus Sonhos
NÃO SEI SE SENTES Em cada regresso a casa Não sei se sentes a ternura no olhar A segurança no apertado abraço O contentamento no silêncio A calma nos dedos entrelaçados O desejo nos beijos esmagados O sonho na mão que agarra a minha mão A paixão na roupa espalhada pelo chão O amor na minha cabeça encostada ao teu peito A felicidade no sorriso constante A tranquilidade no simples estar Neste simples ficarmos aqui, sentados. Maria Alcina Adriano in página 18 do livro “A Ribeira da Minha Terra”
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NOITE DE INVERNO Nas tuas águas Hoje não se estendem Os cabelos prateados do sol. Ainda não se levantou, Depois de uma noite escura, Em completo desatino. Vi a chuva revoltada Bater-me à janela E eu estava como ela, Acompanhada Pela solidão. Ouvi o vento soprar Fustigando as camélias, As malvas, as estrelícias, As violetas de várias cores Que, da varanda, Sorriem de encantamento Para o Tejo, que se estende a seus pés, Ansiosas pelas suas carícias. Vi os raios mergulharem No Rio escuro e profundo. Hoje, a lua não o quis apertar Nos seus longos braços, Ternos e envolventes, Deleitada com os poentes Rubros e quentes Que enlouquecem as gaivotas Beijando, em voos rasantes, As águas salgadas Acariciadas Pelos veleiros Ou pelos cruzeiros Que navegam pelo mundo E vejo passar Ao sabor das marés, Entristecendo o meu coração. Maria Alcina Adriano páginas 28 e 29 do livro “As Ondas dos Seus Olhos”
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O GRITO DE UM POVO
Hoje vi a ternura, o amor, A melancolia e a tristeza nos olhos das crianças, A vergonha e a fome nos rostos e nas mãos Das mulheres que pedem esmola nos cafés, nas ruas, Nos meios de transporte, Alimentando as suas ténues esperanças.
São os poderosos, os mensageiros, os donos Deste “povo que cala a desgraça”, Que afundam a economia, a saúde, a educação. Nunca tiveram a barriga colada às costas, Pela falta de um bocado de pão, Nunca se levantaram de madrugada, Pisando a neve ou o poeirento caminho Para irem estudar na cidade distante da sua terra, Nunca pariram um filho em casa, sem condições, Nunca mastigaram o vazio à luz fraca da candeia, Nunca trabalharam doze horas a fio, Em pé, diante de uma máquina,
Hoje vi a coragem, a revolta, O confronto de ideias, O desafio ao regime estabelecido, A denúncia de situações, A falta de sensibilização do poder político, Económico, social e cultural, Que desconhece a miséria, A infelicidade do povo E nunca parou para escutar as vozes, A guitarra, a flauta, o acordeão Que gemem nas ruas de Lisboa, Em constantes manifestações, Trazendo de novo Na boca e no coração A letra da canção «O povo é quem mais ordena Dentro de ti, ó cidade...». O poder não conhece, não ouve, não vê A realidade de um país desiludido, Afundado na sua própria desgraça Que é o bálsamo da oposição Que grita, protesta, contesta Mas aceita de bom grado As mordomias, as regalias No parlamento nacional e no europeu, E outras merdas, com a mesma terminação.
Nunca se levantaram com a estrela d’Alva Para apascentarem um rebanho, Nunca trabalharam um dia inteiro numa leira de terra, Com uma foice ou uma enxada na mão. Como dói a impotência, a corrupção, O fausto do podre poder Que se alimenta do trabalho físico e intelectual De todo um povo que agride, quando grita Nas frequentes manifestações, Que é tratado de forma desigual E pede para respeitarem os seus direitos, Constitucionalmente consagrados, A uma igualdade social.
Maria Alcina Adriano páginas 81, 82 e 83 do livro “A Primavera dos Meus Sonhos”
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COISAS MINHAS
A ALDEIA QUE NUNCA FOI MINHA JORGE PINCORUJA Residente em Londres, escreve sempre em Português. Embora a sua escrita seja maioritariamente em verso ou prosa poética, de vez em quando escreve contos. Nascido na Beira Alta, tem por meta escrever de forma original e muito sua. Umas vezes melódica, outras vezes ríspida, mas sempre com verdade. Já com algumas obras editadas, pretende deixar um cunho próprio na escrita que se faz actualmente. Participou nas antologias «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções» e «Devassos no Paraíso» da Colecção Sui Generis. Página do Autor: www.facebook.com/jorge.pincoruja
“Ainda que a Beira Alta tenha as suas belezas, que as tem de todo e isso ninguém nega, levei muitas vezes a me perguntar: porque nasci aqui? Lembram-se da parábola do semeador, que lançou as sementes ao campo e umas caíram em terra fértil, outras caíram à beira do muro e outras saltaram para o caminho e ali foram comidas pelas aves...? Pois bem, eu nasci à beira do muro, com as sombras das pedras e o afronto das ervas daninhas... E para não fazer grande explanação... direi que nasci numa espécie de colónia penal com uma pena de vinte e quatro anos! Só aos vinte e quatro anos me consegui libertar do jugo de viver numa terra de que nunca gostei.” POR JORGE PINCORUJA
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Há pessoas que nascem no Paquistão, em qualquer canto das Filipinas, na Suécia, no Japão, num qualquer estado da Índia, mas eu... eu nasci na Beira Alta! Sou beirão por conseguinte. Ainda que a Beira Alta tenha as suas belezas, que as tem de todo e isso ninguém nega, levei muitas vezes a me perguntar: porque nasci aqui? Lembramse da parábola do semeador, que lançou as sementes ao campo e umas caíram em terra fértil, outras caíram à beira do muro e outras saltaram para o caminho e ali foram comidas pelas aves...? Pois bem, eu nasci à beira do muro, com as sombras das pedras e o afronto das ervas daninhas. E para não fazer grande explanação... direi que nasci numa espécie de colónia penal com uma pena de vinte e quatro anos! Só aos vinte e quatro anos me consegui libertar do jugo de viver numa terra de que nunca gostei. Refiro-me mais propriamente à minha aldeia – sim, porque eu nasci numa aldeia. Há plantas que nascem num vaso, mas devido à sua estrutura não podem viver num vaso – têm que ser transplantadas – o meu transplante demorou vinte e quatro anos. A minha aldeia é típica da Beira Alta... constituída por meia dúzia de famílias todas conhecidas pelas alcunhas e não por seus nomes de família, vai-se lá saber porquê? Havia os “cereeiros”, os “malaguetas”, os “pataratas”, “ujos”, “rebecas”, “faias”, e por detrás destes magníficos nomes havia uma razão que eu entretanto nunca conheci. A alcunha da minha família era “os sapateiras”... não era porque gostávamos de sapateiras... a pri-
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abei, senhores e senhoras, que no dia 15 de Agosto comemorei trinta anos de residência ininterrupta no Reino Unido. Já vivi mais anos aqui, neste país, do que propriamente no “nosso” cantinho. Trago-vos um resumo do que fui e das razões que me levaram a procurar outro lugar. Depois de lerem os cinco capítulos tirem as conclusões que quiserem – não escrevi isto ontem, mas trago-vos isto hoje porque muita gente ainda não leu. Quem já leu passa à frente. Estes cinco capítulos foram escritos em 2014 mas a história continua actual.
CAPÍTULO 1 Comove-me essa gente que quando fala da sua terra as lágrimas lhe afloram os olhos. Estremecem-lhes as cordas vocais... e precisam de um tempo para se recompor. Comove-me essa comoção, mas não sou capaz de sentir esse desgaste da alma. 114
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meira vez que eu vi uma sapateira tinha treze anos, provei e gostei... e foi na Figueira da Foz! Buarcos... e em Buarcos vi pela primeira vez o mar e pela primeira vez queimei a pele das costas.
CAPÍTULO 2 Nessa aldeia, de que não vou dizer o nome (não quero que se transforme numa Meca turística que vá causar grandes implicações ambientais), porque até o nome é algo surreal. No entanto e para que, quem me ler, fique melhor situado, direi que é aldeia típica na encosta da Serra do Caramulo e de onde, em seus terraços, se avista a Serra da Estrela sempre com os cumes brancos de neve. Os habitantes dedicam-se quase em exclusividade a uma agricultura de subsistência, mais uns dinheiritos que fazem da venda dos excedentes
agrícolas... as couves, as batatas, o vinho, o milho, algum azeite. Antes mesmo de eu conhecer outras paisagens eu já não gostava do meu fim do mundo. Tipicamente na minha aldeia havia duas famílias burguesas (essas não tinham alcunhas, mas nomes decentes) quase reais de sangue (?) com uma áurea de seres extraplanetários, tão distantes da minha realidade. Na aldeia ainda há uma rua principal (estilo farwest) e ao cimo, vizinha da capela, vivia esta família na sua opulenta casa senhorial. O chefe da família era um doutor, não sei se de leis ou das maleitas do corpo, que se havia casado, claro está, com a filha mais velha da segunda família burguesa... dinheiro e amor atados no mesmo fervor! Naquele tempo (década de cinquenta) um dos seus ancestrais havia pago para que a rua principal fosse calcetada a paralelepípedos... Acto magnífico, só isto por si mesmo quase elevou a aldeia a vila... bem me lembro que antes disto acontecer a rua principal era um lamaçal de bradar aos céus. Mas, e nestas coisas há sempre um mas... os paralelepípedos chegavam só até à porta da casa da sogra, uns trezentos metros mais abaixo. A boa vontade altruística do antepassado do doutor não chegou para finalizar o calçamento da rua toda. Onde não precisavam de ir, as coisas continuaram iguais, terra batida no Verão... lamaçal no Inverno. Eu era muito criança para me dar conta destes absurdos abismais na realidade de uma separação
Os paralelepípedos chegavam só até à porta da casa da sogra, uns trezentos metros mais abaixo. A boa vontade altruística do antepassado do doutor não chegou para finalizar o calçamento da rua toda. Onde não precisavam de ir, as coisas continuaram
iguais, terra batida no Verão... lamaçal no Inverno.
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missa. E todos íamos à missa, os muitos que eram pobres e os poucos que sempre foram ricos. Dentro da capela da Nossa Senhora da Penha (que teve o seu dia comemorado no dia 15 de Agosto) havia um espaço denominado coro onde ficava o restante dos pobres... de salientar que nesse tempo os homens ficavam à frente e as mulheres sempre atrás. Segregação sexual como era da praxe. Acoplada ao coro havia uma extensão que tinha jeitos de camarote (desses que se vêem nos teatros) para uso exclusivo das duas famílias abastadas (segregação de classe) – era o camarote da família da sogra e da família do genro. Mas falemos da esposa do genro, filha da sogra abastada. Falemos, porque sempre teve um fascínio sobre mim, fascínio que nunca soube entender. Era uma senhora fina, já nos seus cinquenta, de maneiras elegantes e gestos cuidados. Não usava make up porque não seria aceitável, ali na
de classes... hoje entendo e dá-me raiva. Mas cicudera é de princípio e nos princípios do mundo eram assim as aldeias. Não sei o significado da palavra “cicudera” mas esta frase enfeitava as conversas dos meus familiares. Foi assim que cicudera ficou-me na memória.
CAPÍTULO 3 Domingo, na aldeia era o dia mais importante da semana! Era dia de ir ver a Deus! Era dia de
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aldeia, mas tenho a certeza que a usava nas suas deslocações a Lisboa. Faziam muitas deslocações a Lisboa, se calhar para fugirem do marasmo da aldeia – convém realçar que Lisboa para nós tinha a mesma conotação de uma via láctea. Esta senhora que já esqueci o nome sempre tinha o cabelo arranjado num penteado tipo bola, vazio por dentro, bastante ao estilo dos anos sessenta. Podia-se ver o outro lado da rua pelos intervalos do cabelo. Falava numa voz quase inaudível, sempre com um sorriso, ainda que do género amarelo, mas sempre o dava a quem se lhe dirigia. Para mim tinha-a como boa pessoa, quase no grau de uma santa menor (cérebro de criança é muito criativo). Pensando bem, vem-me à memória que eu com seis anos de idade observava estas pessoas como se fossem almas de outro mundo, esbarrando no mundo da minha aldeia.
CAPÍTULO 4 A minha aldeia fazia-se completar com uma população de moscas de fazer qualquer Australiano invejoso! Havia juntas de bois, vacas, vitelos, galinhas, coelhos... domesticados e bravos, porcos e aviários – muitos aviários. A única indústria que havia naquelas paragens era a indústria de criar frangos para abate. Mas voltemos às moscas... Havia duas classes (que pena que não escolhi biologia). As que picavam – Cristo, como picavam! – davam-nos ferroadas furiosas, que em torno nos deixavam furiosos a nós. Viviam sustentadas pelo sangue dos bois e vacas e o resto dos animais, mas como não eram racistas... se estivéssemos a jeito não nos desprezavam. A segunda classe de moscas eram as chatas. Estas, em vez de aguilhão, tinham uma boca modificada que terminava numa espécie de ventosa. Metiam-se pelos olhos, pelo nariz, por todos os orifícios que encontrassem desprotegidos... com elas aprendi a fechar a boca!
A segunda classe de moscas eram as chatas. Estas, em vez de aguilhão, tinham uma boca modificada que terminava numa espécie de ventosa. Metiam-se pelos olhos, pelo nariz, por todos os orifícios que encontrassem desprotegidos... com elas aprendi a fechar a boca!
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Mais um grande ingrediente que com o tempo me radicalizou completamente das benesses de uma vida na aldeia. Sempre ouvi dizer aos “Lisboetas” que vinham passar férias à província (a nossa aldeia) «Em Lisboa não há moscas». Eu Deus nos livre de bocas abertas e de maus vizinhos na soleira da porta – que perfeito ditado popular este que já naquela época era tão válido. No que respeita ao assunto das moscas garanto-vos que era um inferno!
ficava a imaginar como seria um lugar sem moscas... Todos os dias era dia de alguma coisa! Não me refiro a comemorações, mas sim a actividades que eram necessárias para a vida. Depois da escola, havia que descavar videiras, ou seja, cavar uma covinha ao redor da cepa, para que assim esta caldeira pudesse reter a água das chuvas. Desta forma assegurava-se à planta mais água para ser usada nos Verões quentes da Beira. Isto fazia-se depois da vindima, outra das actividades de fugir a sete pés... cortar as uvas ao calor do Sol, transportá-las em carros de bois para os lagares, pisar, para delas extrair o vinho... uma actividade cansativa e penosa. Logo por meados de Novembro vinha a poda (cortar as extremidades das vides) e apanhar as vides em feixes do mesmo tamanho e volume. Estes feixes eram depois, no decorrer do ano, usados para aquecer o forno de cozer o pão de milho ou mistura – milho e trigo. Também eram usados para fazer brasas para assar sardinha, nesse tempo tudo tinha um uso, nada era desperdiçado – hoje há muito desperdício e pouco uso para as coisas!
Depois da escola, havia que descavar videiras, ou seja, cavar uma covinha ao redor da cepa, para que assim esta caldeira pudesse reter a água das chuvas. Desta forma assegurava-se à planta mais água para ser usada nos Verões quentes da Beira. Isto fazia-se depois da vindima, outra das actividades de fugir a sete pés... cortar as uvas ao calor do Sol, transportá-las em carros de bois para os lagares, pisar, para delas extrair o vinho...
uma actividade cansativa e penosa.
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E a apanha da azeitona era coisa com requinte de tortura medieval. Havia uma pequena trégua desta tortura com a quadra natalícia – eu, por mim, nunca estive à espera do Pai
e veio de mãos a abanar... sem nada! Pobre Pai Natal, hoje eu sei que nem para ele tinha. A colheita era sempre feita com temperaturas negativas, com chuva fria de neve derretida e vento de tirar os dentes da boca – mas fazer o quê? Essas danadas das azeitonas só ficam pretas e maduras com o frio. Tenho e terei sempre implantados na minha memória esses dias em que eu tinha que apanhar uma a uma essas benditas azeitonas do meio da erva gelada. Outro dos ingredientes que causou a minha aberração pela “idílica” forma de viver numa aldeia. Janeiro logo chegava, a largos passos, e agora era tempo de ceifar erva para alimentar o gado – molhos e molhos de erva ceifada. Nesses tempos chovia todos os dias do Inverno. Os rios e riachos transbordavam e a encosta da serra era sempre azul aguada da chuva que por lá vinha... andáva-
Natal. Uma vez esperei por ele e veio de mãos a abanar... sem nada! Pobre Pai Natal, hoje eu sei que nem para ele tinha. A colheita era sempre feita com temperaturas negativas, com chuva fria de neve derretida e vento de tirar os dentes da boca – mas fazer o quê? Essas danadas das azeitonas só ficam
pretas e maduras com o frio.
Deus queira que sobre alguma coisa desta loucura... Entretanto Novembro e Dezembro eram ocupados na colheita do azeite, que no vocabulário local se dizia: apanha da azeitona. E a apanha da azeitona era coisa com requinte de tortura medieval. Havia uma pequena trégua desta tortura com a quadra natalícia – eu, por mim, nunca estive à espera do Pai Natal. Uma vez esperei por ele 119
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agricultura de miséria... Porque só de contar estas peripécias já fiquei cansado – adiante!
CAPÍTULO 5 Se ainda não tiverem uma ideia do porquê, que não gosto da minha aldeia, jamais hão-de ter. Tentei fugir... fugi e tive sucesso. Contudo não menosprezo esses anos vividos na aldeia, ainda que pouco agradáveis, foram o alicerce no qual a minha personalidade hoje assenta. É imperativo ter algo que sirva de alicerce à nossa personalidade... valores, responsabilidades e senso de sacrifício. Mas voltando à meada... empreguei-me numa empresa de distribuição de frangos, e ia de Norte a Sul no meu camião frigorífico fazer entregas aos maiores supermercados nacionais (o povo sempre comeu muito frango). – Deixei o microcosmos de minha aldeia para conhecer o microcosmo do meu país...
mos sempre molhados de pés gelados e dedos engatinhados e cheios de frieiras. Íamos ceifar a erva para os animais... andávamos sempre vergados, de nariz no chão e desembaraço na foice. Abril e Maio eram os meses do calendário para lavrar a terra. Sempre com a ajuda das vacas, pobres bichos resignados à sua sorte – lembro-me delas, de pêlo castanho-claro e de longas pestanas que cobriam olhos de um negrume meigo de mãe. Semeava-se o milho, sachava-se o milho, cortava-se-lhe a bandeira e estendia-se na beira dos caminhos para secar. Apanhava-se depois de seca para alimentar as vacas dóceis... e não vou continuar com mais descrições dos afazeres de uma
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Conheci o Porto, Barcelos, Braga, Famalicão e conheci Lisboa e Rio Maior e por aí abaixo sem parar. Tudo era tão limpinho, só havia doutores e senhoras finas, às ordinárias não se lhes passava cartão. Não havia moscas, nem milho, nem azeitonas entre as ervas geladas nem videiras para podar. Eram só jardins e parques, trânsito, muito trânsito, avenidas e prédios altos e o aeroporto. Como eu me enamorei do aeroporto!!!... Apaixonei-me pelas caudas dos aviões. Essas caudas que tinham em letras vermelhas a sigla TAP. Nas minhas idas quase diárias a Lisboa, eu queria ver os aviões, principalmente aqueles que levantavam voo com destino ao mundo, ao macrocosmos do desejo da minha ilusão... das minhas
conquistas que tardavam em ser conquistadas. Então eu soube que o meu destino era o mundo. Jurei que um dia haveria de entrar num desses aviões e deixar a minha aldeia. E deixei! Em Londres fiz vinte e cinco anos, perdido numa rua como um tolo sem norte... sem saber dizer uma palavra. Mas achei-me! Porque eu sempre me acho, porque eu uso os meus instintos de gato bravo. E encontrei forma de aprender a língua – os “BILLBOARDS” foram muito úteis para mim. Não só faziam publicidade ao que queriam vender, mas as imagens e as letras mostravam-me os significados – ensinei-me a falar Inglês. A minha aldeia tornou-se uma memória distante, tão distante que parece que vivi nela outra encarnação. Retornei algumas vezes; como que para dizer adeus mais profundamente... Voltei para lhe segredar que não iria mais voltar. E à mente vêm-me as palavras da Beatriz Costa na canção «Despedi-me das ovelhas e das altas casas velhas... do lugar onde eu nasci. Ai, ai, não me importo de ir à toa, que o meu sonho é ver Lisboa, mais o mar que eu nunca vi». Não sou, nunca fui dessa aldeia. Tudo foi um plano de Deus para me colocar no mundo. Contudo acredito que, nesse plano, ELE já havia decidido que essa aldeia nunca seria minha.
Nas minhas idas quase diárias a Lisboa, eu queria ver os aviões, principalmente aqueles que levantavam voo com destino ao mundo, ao macrocosmos do desejo da minha ilusão... das minhas conquistas que tardavam em ser conquistadas. Então eu soube
que o meu destino era o mundo. 121
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LIRA VARGAS Nascida em 1952, reside em Niterói, RJ, Brasil. Formada em Letras, publicou 16 livros. Tem diversas participações em Feiras de Livros, TVs e Rádios, em obras colectivas e em movimentos literários no Brasil e em Miami, EUA, e classificações em vários festivais de literatura. Página da Autora: www.facebook.com/clira.lira.7
DIA DO ABRAÇO O abraço agora tem dia de comemoração, mas como! Se todos os dias o abraço traduz sem palavras o amor, o afeto, a solidariedade e até o perdão. Se a solidão invade como a neblina em manhãs de outono, um abraço em forma de palavras, de carta ou de sinal, dissipa a névoa e leva a solidão. Se o amor sufoca, se magoa, se fere, um abraço alivia e como a bonança leva a tempestade. O abraço é assim, tem calor, tem sabor e deixa uma lembrança sem fim. Ah! Quem nunca suspirou depois de um abraço na chegada e chorou no abraço de despedida ou leu em um bilhete “um abraço pra você”? Pensando bem, o abraço mereceu ter um dia de comemoração, não é de aniversário porque o abraço começou sem data e nunca vai ter fim. Um abraço para você e um para mim. O abraço não tem forma nem fim. Lalinha, que a Luz de Deus esteja sempre iluminando seus caminhos. Que os anjos de Deus estejam sempre do seu lado protegendo você e conduzindo você por caminhos do bem, da alegria, da saúde. Meu céu minha lua, minha lua minha estrela, meu tudo. Agradeço a Deus ter você e todos meus netos em minha vida, minha família abençoada. Obrigada meu Deus.
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APRESENTAÇÃO
DEVASSOS NO PARAÍSO ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, e reside no Porto. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com três editoras, participou em várias dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Publicou dois livros: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne». Blogue do Autor: http://isidelirios.blogspot.pt Página no Facebook: www.facebook.com/isidro.sousa.2
“O erotismo é o estímulo sexual sem apresentar o sexo de forma explícita; embora possa significar também uma representação explícita da sexualidade, podendo ser relacionado com o amor lascivo, designa, de um modo geral, não só um estado de excitação sexual mas também a exaltação do sexo no âmbito das artes (literatura, pintura, escultura, dança, etc). E é através desse apelo artístico que o conteúdo erótico se diferencia, nalguma medida, da pornografia.” POR ISIDRO SOUSA
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ensualidade e erotismo são dois temas que descrever e muito subjectivo. se acham presentes nas artes desde tempos O erotismo, por sua vez, é uma manifestação remotos, tendo para a maioria das pessoas da sexualidade cujas características variam segunsignificados similares já que se esbarram constando a sociedade que se tome como modelo. Apesar temente como sinónide definido num primos por serem ambos meiro instante como associados à volúpia “paixão de amor”, é (prazer sexual, luxúria, necessário salientar o Há traços singulares entre o erotismo deleite) ou à lubricidaseu carácter revalorizae a pornografia que nos possibilitam de (lascívia, sensualidor das formas própridade, libidinagem). No as da sexualidade, tanestabelecer uma diferenciação aceientanto, existem difeto na vida pessoal e sotável. Uma das diferenças mais corenças entre eles. cial como nas manifesmuns diz respeito ao teor nobre do A sensualidade é tações culturais. Sendo uma qualidade humamais objectivos: o eroerotismo (que possui componentes na relacionada com os tismo é o estímulo seabertamente sensuais, e do ponto sentidos. Através da vixual sem apresentar o de vista cultural é valorizado na sua são, da audição, do olsexo de forma explícifacto, do tacto e do pata; embora possa signidimensão estética) em oposição ao ladar podemos perceficar também uma recarácter vulgar da pornografia. O que ber a realidade ao nospresentação explícita lhe confere esse grau de nobreza é o so redor – embora a vida sexualidade, podensão tenha um papel do ser relacionado com facto de o erotismo não se vincular fundamental, os outros o amor lascivo, desigdirectamente ao sexo, enquanto a sentidos também são na, de um modo geral, pornografia, na qual tende a haver activados com intensinão só um estado de dade. Considera-se que excitação sexual mas uma maior preocupação sexual do algo é sensual quando também a exaltação do que estética, encontra no sexo explídesperta o interesse de sexo no âmbito das arcito o seu espaço privilegiado. Dessa alguém de maneira estes (literatura, pintura, pecial e intensa, e escultura, dança, etc). forma, o erotismo, que tem sido fonte abundam os elementos E é através desse apelo de inspiração constante na literatura que tornam algo senartístico que o conteúe nas artes, estará mais próximo do sual: alguns movimendo erótico se diferentos, certas formas, uma cia, nalguma medida, sexo implícito (portanto, aceitável) atmosfera envolvente, da pornografia. e a pornografia do sexo obsceno, uma música de fundo, Há traços singulares directo, explícito e comercializável. um perfume, etc. Além entre o erotismo e a disso, conota-se frepornografia que nos quentemente o sensual possibilitam estabeleao erotismo e à sexuacer uma diferenciação lidade pois imensos estímulos provocam desejo, aceitável. Uma das diferenças mais comuns diz atracção. Porém, o sensual opõe-se ao usual e ao respeito ao teor nobre do erotismo (que possui vulgar; o prazer que se sente é subtil, difícil de componentes abertamente sensuais, e do ponto 128
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de vista cultural é valorizado na sua dimensão estética) em oposição ao carácter vulgar da pornografia. O que lhe confere esse grau de nobreza é o facto de o erotismo não se vincular directamente ao sexo, enquanto a pornografia, na qual tende a haver uma maior preocupação sexual do que estética, encontra no sexo explícito o seu espaço privilegiado. Dessa forma, o erotismo, que tem sido fonte de inspiração constante na literatura e nas artes, estará mais próximo do sexo implícito (portanto, aceitável) e a pornografia do sexo obsceno, directo, explícito e comercializável, sem nenhuma magia. A reflexão sobre o erotismo nasce com a civilização. Já em Platão está presente um dos aspectos mais fecundos da reflexão erótica: a função libertadora de Eros, problema que foi retomado pela psicanálise ao descrever o seu aspecto libertador para o indivíduo e para a sociedade, bem como para ressaltar o seu carácter de confronto com o sistema. As primeiras representações artísticas de clara
intenção erótica foram realizadas pelos Gregos e Romanos. Surgem na ornamentação de vasos de cerâmica, em pinturas murais, como nos frescos da Villa dos Mistérios em Pompeia, e nas esculturas inspiradas em cenas mitológicas de jogo amoroso. Nas paredes de Pompeia existem inúmeras pinturas eróticas – um exemplo notável é o do bordel com desenhos dos vários serviços sexuais oferecidos, em cima de cada porta. Encontram-se também figuras fálicas nas calçadas desta antiga cidade do Império Romano (destruída durante uma grande erupção do vulcão Vesúvio no ano 79), que mostram a direcção para o prostíbulo e casas de entretenimento. Na Idade Média, estas representações inscreveram-se com frequência na estrutura geral dos edifícios civis e religiosos, esculpidas em mísulas, capitéis e gárgulas. Em paralelo, entre os séculos X e XIII, a arte hindu desenvolveu uma forma de ornamentação escultórica de carácter religioso centrado no tema do maithuna, ou casal de deuses realizando o acto sexual em diversas posições,
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nero evoluiu para uma liberdade cada vez maior, sobretudo na poesia dos goliardos (clérigos pobres, desamparados pela Igreja Católica, de espírito transgressivo e provocador), ao mesmo tempo que surgia, quase contemporaneamente, a poesia do amor cortês, em que a inspiração erótica acontece de uma forma altamente sublimada e codificada segundo certas regras, fiel reflexo da sociedade feudal e cavalheiresca na qual se desenvolve. No Renascimento e no Barroco a poesia erótica atinge o seu último momento de esplendor, pois nos séculos seguintes perderia a sua especificidade como género distinto da poesia amorosa.
No Renascimento e no Barroco a poesia erótica atinge o seu último momento de esplendor, pois nos séculos seguintes símbolo da união da alma com a divindade. A introdução dessa perspectiva na pintura e na escultura facilitou, a partir da Renascença, o diálogo erótico entre o espectador e a obra, mas só no século XX o erotismo adquire uma autêntica definição como tema independente, através das obras de Aubrey Beardsley, Gustav Klimt, Henri Matisse e Pablo Picasso, entre outros. No campo da literatura, ao analisar as diversas obras que têm como tema central ou se inspiram no erotismo é preciso distinguir as de ficção poética ou narrativa e as que possuem um sentido gnómico ou didáctico. A esta última categoria pertence o Kama Sutra, por exemplo. Por sua vez, o Cântico dos Cânticos (ou Cantares de Salomão), livro da Bíblia, está repleto de uma profunda dimensão erótica, dando voz a «dois amantes que se elogiam e se desejam com convites para o prazer mútuo». A poesia erótica encontrou no mundo romano uma nova amplitude ao incorporar elementos da linguagem coloquial que facilitaram a expressão da sensualidade. Durante a Idade Média, esse gé-
perderia a sua especificidade como género distinto da poesia amorosa. Já nos séculos XIX e XX o género erótico é cultivado por um extraordinário número de escritores que mostra uma vitalidade que outros tipos de narrativa não têm tido. Nestes últimos séculos, alguns dos autores mais famosos desse género foram Alfred de Musset, George Sand, Oscar Wilde, Henry Miller, Anaïs Nin, Georges Bataille, entre outros.
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Já nos séculos XIX e XX o género erótico é cultivado por um extraordinário número de escritores que mostra uma vitalidade que outros tipos de narrativa não têm tido. Nestes últimos séculos, alguns dos autores mais famosos desse género foram Alfred de Musset, George Sand, Oscar Wilde, Henry Miller, Anaïs Nin, Georges Bataille, entre outros. Pessoalmente, escrevi o primeiro texto erótico, sob a forma de conto, no ano 2001, para o publicar na revista Korpus – tendo-se seguido largas dezenas de contos eróticos para outras publicações, jornais e revistas, nas quais publiquei regularmente até ao ano 2012. Desde então, o erotismo jamais abandonaria a minha escrita... quer sendo abordado explicitamente ou com bastante subtileza, todavia, caminhando sempre de braço dado com a sensualidade – quando não se vislumbra erotismo nalguma das minhas narrativas, a sensualidade impõe a sua presença, mesmo no drama mais profundo ou num texto de carácter policial. De facto, tanto o erótico quanto o sensual, dependendo do contexto em que sejam tra-
tados, são temas que, na escrita literária, me fascinam de um modo quase insano. Por essa mesma razão, mas não só, seria inevitável, depois de ter explorado diversas temáticas de diferentes naturezas noutros projectos literários, organizar uma obra colectiva com a presença dominante destes dois ingredientes, o sensual e o erótico, ou com a junção de ambos, mesclando-os, a sensualidade erótica, nas suas narrativas, independentemente das abordagens que cada autor lhes confere – ora explícitas, ora subtis ou mesmo latentes, consoante as sensibilidades de quem escreve. Resultou numa antologia de Contos Sensuais e Eróticos que reúne contos e/ou pequenas estórias de trinta autores lusófonos, cujo título, Devassos no Paraíso, reflecte magistralmente os conteúdos da obra. Uma nova antologia na Colecção Sui Generis plena de sensualidade e erotismo, que irá proporcionar, seguramente, prazenteiras leituras. Pois então... boas leituras! Prefácio de Isidro Sousa incluído no livro Devassos no Paraíso – Contos Sensuais e Eróticos
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LENILSON SILVA Professor de Língua Portuguesa na escola Getúlio Guedes, município de Pedras de Fogo, PB, Brasil. Graduado em Letras, especialista em Linguagem e Ensino e Mestrando em Ciências da Educação. As suas actividades de pesquisa envolvem a análise de letramento e género textual, produções de textos em língua materna. Página do Autor: www.facebook.com/LenylsonSylva
PARA NÃO ENFERRUJAR Pedale, pedale, quantas vezes for necessário, mas não deixe que a correria do dia a dia enferruje sua bicicleta, nem todo trabalho é perto de casa, temos que pegar um metrô ou ônibus, sou testemunha disso, mas você pensou no que aconteceria se sua bicicleta enferrujasse? Pois é, não só sua bicicleta pode enferrujar, mas uma vez sou testemunha disso, tente ir mais cedo para o trabalho, ou tente levar sua bicicleta e voltar nela, você verá a vida passar devagar, e quantos amigos na calçada você irá encontrar se vier de bicicleta para casa, faça isso, assim sua bicicleta e suas amizades não irão enferrujar.
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REFÚGIO NOS PINHEIROS LIRA VARGAS Nascida em 1952, reside em Niterói, RJ, Brasil. Formada em Letras, publicou 16 livros. Tem diversas participações em Feiras de Livros, TVs e Rádios, em obras colectivas e em movimentos literários no Brasil e em Miami, EUA, e classificações em vários festivais de literatura. Página da Autora: www.facebook.com/clira.lira.7
“Uns pássaros voaram no céu em direção à estrada, olhei para o horizonte e montanhas embaçadas cortaram minha vista, e pensei em que horizonte estaria o Brasil? E num gesto infantil corri até à estrada, dei conta naquele momento da perda de meus dois filhos. Corri como se a chamá-los poderia trazê-los de volta, corri, corri, e quando cheguei na curva avistei uma poeira ao longe, imaginei que pudesse ser da charrete, retornei até o portão e tentei ser rigorosa, e num gesto de mãe autoritária gritei em meus pensamentos “Alberto e Augusto... voltem”, mas esse pensamento de nada valeu.” POR LIRA VARGAS
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inda sofria a dor da perda de minha mãe. pedir. Os dois subiram na charrete, fiz recomenMinhas vestes ainda de luto. A dificuldade dações de cuidados, de notícias, mas que notíde minha vida simples, com quatro filhos, cias? Se onde morava nem correios tinham, e para e na precária informação dos anos 50 sabia apeonde eles iam será que tinha? As rodas secas da nas que os destinos dos portugueses eram o Bracharrete foram resmungando a força de meus sil. pensamentos “não vá”. Amanheci naquele dia No céu as nuvens coloricom o peito apertado, mal am os raios de sol. A charreconsegui cumprir com as tate foi se afastando lentarefas domésticas, talvez quimente, os dois olharam para Arrumava suas malas com os sesse atrasar as horas. Altrás, eu apenas os olhava simesmos cuidados de quando berto com quinze e Augusto lenciosa. A estrada curta, locom dezesseis anos, meus go a charrete se perdeu nupequeninos iam para a escola, dois filhos, iriam naquele dia ma curva. Nesse momento, arrumei uma maleta com partir para o Brasil. Terra segurando o moerão do porbolos, doces, etc, como se distante, a terra prometida tão, senti algo sair de meu onde o ouro brotava à flor peito e despencar de meus aquela refeição durasse para da terra. olhos as primeiras gotas de a vida inteira, como se a Foi chegada a tarde, arlágrimas, que inundaram viagem fosse breve, como rumava suas malas com os meus olhos de uma dor nunmesmos cuidados de quanca antes sentida. se eles fossem voltar breve, do pequeninos iam para a Uns pássaros voaram no em minha mente ainda não escola, arrumei uma maleta céu em direção à estrada, havia a certeza da longa com bolos, doces, etc, como olhei para o horizonte e se aquela refeição durasse montanhas embaçadas corpartida, de dias sem fim para a vida inteira, como se taram minha vista, e pensei de uma saudade imensa. a viagem fosse breve, como em que horizonte estaria o Eram quatro horas quando se eles fossem voltar breve, Brasil? E num gesto infantil em minha mente ainda não corri até à estrada, dei conta a charrete parou em frente havia a certeza da longa naquele momento da perda à minha casa e meus filhos partida, de dias sem fim de de meus dois filhos. já prontos, num silêncio triste, uma saudade imensa. Eram Corri como se a chamáquatro horas quando a charlos poderia trazê-los de volseus olhinhos arregalados, rete parou em frente à mita, corri, corri, e quando como prontos para uma nha casa e meus filhos já cheguei na curva avistei uma prontos, num silêncio triste, poeira ao longe, imaginei missão patriota. seus olhinhos arregalados, que pudesse ser da charrete, como prontos para uma misretornei até o portão e tensão patriota. Fomos camitei ser rigorosa, e num gesto nhando até à porta, nas escadinhas de barro não de mãe autoritária gritei em meus pensamentos cabíamos todos nós, e de um a um descemos até “Alberto e Augusto... voltem”, mas esse pensao portão. mento de nada valeu. O cachorrinho Dic acompanhou silencioso, baSubi com dificuldades os três degraus até à tia o rabo, parecia prever a saudade, parecia desporta da sala num silêncio triste, passei pelo quar136
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to deles e vi as camas vazias, fui até à cozinha e o fogão de lenha ainda em brasa, e na pequena mesa as canecas do café tomadas às pressas e os farelos de bolo ainda pela mesa, as lágrimas faziam aquelas cenas turvas. Fui até à janela do quintal, o galo cantou tristemente, bateu as asas e foi embora, olhei os matos, as árvores, pareciam ter crescido, senti-me pequena naquele instante, passei as mãos em meus seios e lembrei quando os amamentei, passei as mãos em meu ventre, estava gelado, parecia que havia um buraco que vazava até minhas costas. Chorava em silêncio enxugando as lágrimas na velha saia preta, luto de minha mãe. Perambulei pela casa, que como as árvores ficou enorme, era a saudade em vida, enterrar os filhos por morte
em vida, tinha o mesmo sabor, um sabor amargo, uma dor sem fim. Minha filha mais nova não entendia minha dor e perguntou, na sua inocência, quando eles voltariam e por que tinham ido embora. Nesse momento dei conta da pergunta e da resposta: não sabia. Era assim com muitos patrícios, era assim a dor de muitas mães portuguesas. Foi assim desde os 137
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primeiros navegantes. Talvez por isso os poetas e cantores eram tão melancólicos em suas obras e canções. Voltei até à porta da sala, tentei ir até o portão, mas não tive forças. Era tardinha, ainda cedo para ir para a cama, mas fui. Deitei lentamente em minha cama, escondi meu rosto no travesseiro e chorei, chorei muito, tanto, mas tanto que adormeci e sonhei que Alberto e Augusto estavam em um navio. O mar batia e os dois estavam abraçados, de calças curtas e boné, perto da proa, as ondas imensas ameaçavam o navio, eu estava em outra embarcação e tentava alcançá-los para os salvar, nesse momento eles gritavam por mim. Joguei uma corda até eles, queria trazêlos para o meu navio, a chuva castigava, a tempestade era terrível, a corda foi até perto de meus filhos, eles segura-
O mar batia e os dois estavam abraçados, de calças curtas e boné, perto
da proa, as ondas imensas ameaçavam o navio, eu estava em outra embarcação e tentava alcançá-los para os salvar, nesse momento eles gritavam por mim. Joguei uma corda até eles, queria trazê-los para o meu navio, a chuva castigava, a tempestade era terrível, a corda foi até perto de meus filhos, eles seguraram e tentei puxá-los até o meu navio, mas uma imensa onda arrastou o navio deles.
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ram e tentei puxá-los até o meu navio, mas uma imensa onda arrastou o navio deles. Gritei, mas gritei tanto que acordei. Deparei com minha filha e meu marido a olharem para mim perguntando o que havia acontecido, e por que gritei tanto. E novamente caí num choro de mãe, como se uma parte de meu corpo tivesse sido arrancada e dessa vez não escondi meu choro, chorei no silêncio de todos que olhavam aquela mãe sofrida. A noite chegou, servi o jantar, meu corpo doía muito, meu marido e minha filha foram dormir, acenderam os candeeiros, perambulei pela pequena casa, passei pela cama de meus filhos viajantes e senti vontade de juntar as duas camas e deitar como se eles estivessem ali. Recusei a vontade e fui até à janela, o vento quente trouxe a voz melancólica de um sanfoneiro, e as lágrimas brotaram duplicando as estrelas no céu. Fui até o quarto de meus filhos, peguei duas blusas velhinhas deles, caminhei até os pinheiros ainda sentindo o cheiro deles. Dobrei o mais que pude, tapei minha boca para que ninguém ouvisse meus gritos e gritei seus nomes, gritei o mais que pude, quase sufocando meu rosto, chorei até que as lágrimas desceram tão quentes que pareciam
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E quando a saudade apertava cortar minha face, retornei até à casa, meus passos agora trôpegos, como uma anciã, mas era a dor que envelheceu minha alma, a dor da saudade de meus filhos. Fui para a cama, a noite longa só trouxe recordações de suas vidas, dos sorrisos, dos choros, das voltas do pomar com frutas nas cestas, dos banhos de chuva em tardes de verão, das brincadeiras de meninos, dos primeiros passos, dos primeiros dias de vida quando aconchegavam em meu colo, sugavam a fonte de vida tirada de meus seios, das dores que senti para a porta do mundo, num parto de dor e alegria, das noites com meu marido onde sonhei com uma casa cheia de filhos e netos para perpetuar a família, para dar alegria à minha vida. Nessas recordações, amanheci. Mas a dor doía ainda mais. Os dias se arrastavam sem nada. Sem notícias, sem esperança, às vezes ficava olhando o caminho e parecia que logo a charrete traria de volta meus meninos. Mas a esperança se perdia quando olhava para as montanhas ao longe e as lágrimas inun-
meu peito, a esperança findava com as tardes, ia até os pinheiros, tirava de dentro de meus seios as blusas de meus filhos, e para que ninguém ouvisse sentia o cheiro deles, envolvia o mais que podia a minha boca e gritava seus nomes, um grito
de dor, um grito de mãe.
davam meus olhos, e quando não conseguia distinguir mais nada pensava, assim é o Brasil, nada sabia como era esse país, e da distância que nos separou. E quando a saudade apertava meu peito, a esperança findava com as tardes, ia até os pinheiros, tirava de dentro de meus seios as blusas de meus 139
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jardim. Lembrei de meus filhos correndo atrás das borboletas, e de quando um deles pegava o outro lamentava e pedia que saltasse, pois elas deixaram seus filhotes em algum ninho. Achava engraçado e não desmentia, gostava de saber que eles respeitavam a natureza. Caminhei lentamente até o portão. Senti uma emoção, não sabia se de felicidade ou de saudade, quando um entregador de correspondências aproximou-se e disse que tinha uma carta para mim. Estendi as mãos, numa pressa como temendo que ele não a entregasse. Senti meus dedos trêmulos e com medo de rasgar, levei até meu coração e beijei. Era a primeira carta que eles escreveram depois de tempos sem notícias, já nem sabia quanto. Sentei no degrau de barro. Abri e li lentamente, para não acabar. Falavam do trabalho no botequim de um patrício. Falavam que no término do expediente sentiam tanto cansaço que deitavam e
filhos, e para que ninguém ouvisse sentia o cheiro deles, envolvia o mais que podia a minha boca e gritava seus nomes, um grito de dor, um grito de mãe. O tempo foi passando, e fiquei mais silenciosa. Quando o inverno chegava, imaginava que eles poderiam estar sentindo frio. Abraçava suas blusas e cantava uma canção de ninar, chegava a ouvir algum murmúrio, e adormecia. O outono chegou. As árvores ficaram coloridas. Os pássaros voavam nas flores de meu pequeno
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rança permitiu uma gargalhada sem fim. Entrei em casa e reli a carta em voz alta para meu marido e minha filha. E tantas vezes li que cheguei a decorar cada palavra. Procurei uma folha no caderno de minha filha e iniciei uma carta para eles. Falei do pomar, das borboletas e dos pinheiros. Falei da saudade e das lembranças, mas não tive coragem de dizer que trazia suas blusas sobre meus seios e que quando a saudade afogava minha alma corria até os pinheiros e gritava seus nomes. Comprei um envelope, dobrei a carta com tanto amor e reli tantas vezes que decorei o que escrevi também. Caminhei até os correios, cheguei a sentir felicidade e um sorriso no rosto que não se apagava. Mas, ao chegar, descobri que eles não haviam escrito seus endereços. Voltei para casa e chorei como uma mãe que perde outra vez seus filhos. Por muitos anos ficava à espera de outra carta. Aquela guardava em baixo de meu travesseiro. E vez ou outra acordava de madrugada segurando a carta em cima de meu coração. Hoje estou com oitenta anos, não posso mais ir até os pinheirais, minhas pernas não permitem, não posso mais gritar, minha voz está fraca, ainda guardo suas blusas rasgadas de tanto que enxugaram minhas lágrimas, mas na cadeira de balanço, quando estou sozinha... ainda posso chorar. Ontem minha filha disse que recebeu uma carta. Dizia que meus filhos viriam no próximo verão. Sorri. Mas não poderei ver seus rostos, perdi a visão. Ainda bem, assim não verei o que o tempo fez com seus rostos. Se passaram sessenta anos de saudade. Os pinheiros ainda são os mesmos, ainda guardam meus gritos e minhas lágrimas.
ficavam olhando para o céu, e que muitas vezes se perguntavam se as estrelas que eles viam eram as mesmas que eu via. As lágrimas desceram pelo meu rosto marcado e desejei afagá-los em meus braços. E terminaram dizendo que gostavam de quando recebiam o pagamento do final de mês, pois estavam guardando para um dia retornarem para casa. Sorri de saudade e uma ponta de espe-
Comprei um envelope, dobrei a carta com tanto amor e reli
tantas vezes que decorei o que escrevi também. Caminhei até os correios, cheguei a sentir felicidade e um sorriso no rosto que não se apagava. Mas, ao chegar, descobri que eles não haviam escrito seus endereços. Voltei para casa e chorei como uma mãe que perde outra vez seus filhos.
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“Como é que se define ficção? Quando escreves ficção é suposto que não haja nenhuma ligação com a realidade? Para mim, a ficção é a verdade. A ficção é a forma mais bonita de lidar com a realidade.”
Arundhati Roy (escritora indiana) in GPS, Nº 133, páginas 38-39 – Suplemento da edição Nº 698 da revista Sábado, de 14 a 20 de Setembro de 2017
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CRÓNICA
TRALHARIZ UMA FONTE DE INSPIRAÇÃO
MANUEL AMARO MENDONÇA Licenciado em Engenharia de Sistemas Multimédia pelo ISLA de Gaia. Nasceu em Janeiro de 1965, na cidade de São Mamede de Infesta, no concelho de Matosinhos, a Terra de Horizonte e Mar. Ganhou prémios em dois concursos de escrita e os seus textos foram seleccionados para mais de uma dezena de obras colectivas de contos, de diversas editoras. É autor dos livros «Terras de Xisto e Outras Histórias» (Agosto 2015), «Lágrimas no Rio» (Abril 2016) e «Daqueles Além Marão» (Abril 2017), todos editados pela CreateSpace e distribuídos pela Amazon. Outros trabalhos estão em projecto; mantenha-se atento às novidades no blogue abaixo indicado. . Blogue do Autor: http://debaixodosceus.blogspot.com Páginas do Autor: http://manuelamaro.wixsite.com/autor www.facebook.com/manuel.amarome ndonca
“Quando comecei as minhas deslocações para esta aldeia, há mais de trinta anos, a paisagem transmontana era-me completamente desconhecida. Conhecia os largos braços da ria de Aveiro, as verdejantes paisagens do Gerês ou do Buçaco e as planícies infindáveis do Alentejo. O Douro era na Ribeira do Porto ou na Foz, pelo que o verde dominante das margens do Alto Douro e as serras a perder de vista, que nos esmagam na nossa pequenez, deixaram-me sem palavras e ainda hoje me emocionam... foi um amor à primeira vista.” POR MANUEL AMARO MENDONÇA
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ralhariz é uma das mais antigas aldeias da menos precárias para os trabalhadores, no entanfreguesia do Castanheiro do Norte, que to, apenas foram encontrados restos de colunas, pertence ao concelho de Carrazeda de Analgumas moedas e vestígios de paredes pintadas e siães, distrito de Bragança. chãos decorados com mosaicos policromáticos, O nome, pouco comum, segundo o abade de possivelmente por a escavação não ter sido suficiBaçal na sua extensa obra sobre Trás-os-Montes, entemente exaustiva. As peças que foram levadas deriva de talhariz, e este por calhariz e este por pelos arqueólogos, espero que se encontrem nos calhandriz, que é um sítio em que abundam camuseus, ou outros lugares públicos, devidamente lhandras, aves. No entanto já ouvi dizer que estaidentificadas, para serem apreciadas pela popularia especificamente relacionado com o papa-mosção da região e do país, mas as ruínas que existicas cinzento, ave conhecida por “Tralhão”. am no local parecem ter-se perdido para sempre. A ocupação da zona é muito antiga, pois nos Alguns historiadores referem que é possível que territórios anexos à aldeia este núcleo tenha sido foram encontrados vestídestruído durante as invagios pré-históricos e cassões bárbaras, no final do trejos, nomeadamente nos Império Romano, visto haAs casas humildes de xisto locais chamados da “Pala ver sinais de incêndio em e as opulentas de cantaria da Moura” e no “Monte alguns locais. estão firmemente entrelaçadas das Chãs”. Cerca do ano A aldeia atual encontrade 1900, no local da Quinse na mesma encosta, mas ao longo da rua central, numa ta da Ribeira, ruínas do umas boas centenas de cumplicidade e convivência que teria sido uma vila rometros acima do local desde séculos, fechadas sobre mana. Normalmente, este tes achados, na margem conjunto era constituído esquerda do rio Tua, vigielas próprias, mas as suas pela “domus” ou casa seando-o sobranceiramente gentes são de coração nhorial, os edifícios relaciaté à sua foz, no rio Douro. e braços abertos. onados com a exploração Como todas as aldeias da agrícola e um aglomerado região do Alto Douro, cerde habitações, mais ou ca-se de vinhedos e olivais, 144
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que são a principal fonte de rendimento da população, em conjunto com a exploração de hortas dispersas. Tem cerca de dois quilómetros de extensão. A poente assinala-se um solar brasonado setecentista, construído possivelmente durante uma fase de expansão da aldeia, uma vez que se encontra numa zona mais ou menos periférica, o que só comprova a antiguidade da povoação. Outras casas importantes, embora em melhor ou pior estado de conservação, existem nas zonas mais centrais, como a Casa de São Jorge dividida por várias famílias (conhecida pela Casa do Pátio), ou a Casa dos Botelhos, em avançado estado de degradação e descaracterização. O casario estende-se depois em direção a nascente e à sede da freguesia, pelo que era chamado o “caminho do concelho”, agora Rua Central e que se subdivide em várias ramificações, os “canelhos”, que dão acesso às casas periféricas ou aos terrenos de cultivo. Seguindo essa linha chegamos à igreja da freguesia, do patrono São Brás, no alto do monte que separa Tralhariz do Castanheiro. Quando comecei as minhas deslocações para esta aldeia, há mais de trinta anos, a paisagem transmontana era-me completamente desconhecida. Conhecia os largos braços da ria de Aveiro, as verdejantes paisagens do Gerês ou do Buçaco e as planícies infindáveis do Alentejo. O Douro era na Ribeira do Porto ou na Foz, pelo que o verde dominante das margens do Alto Douro e as serras a perder de vista, que nos esmagam na nossa pequenez, deixaram-me sem palavras e ainda hoje
me emocionam... foi um amor à primeira vista. As casas humildes de xisto e as opulentas de cantaria estão firmemente entrelaçadas ao longo da rua central, numa cumplicidade e convivência de séculos, fechadas sobre elas próprias, mas as suas gentes são de coração e braços abertos. Não é de admirar, portanto, que não consiga evitar de retratar alguns destes aspetos fascinantes nos meus trabalhos e, embora os personagens sejam completamente fictícios, empreguei expressões regionais e modos de falar e agir de pessoas que conheci. É, no entanto, na paisagem que pretendo focar a minha análise e em «Terras de Xisto» estão patentes estes retratos:
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«Nos remotos montes do Norte do país, muito para trás deles, havia uma aldeia. Vista de cima, até não era pequena, com quase dois quilómetros de ponta a ponta. O casario estendia-se ao longo de uma sinuosa rua monte acima ramificando-se
em pequenos becos. O ponto mais baixo da rua central era dominado pelo palacete setecentista onde vivia a família mais importante da região e no extremo mais alto pela Igreja tornada rica pelo fervor dos pobres e ostentação dos abastados.» A Maria Sobreira, a protagonista, era filha de um fidalgo que habitava uma casa senhorial afastada da aldeia, e a irmã deste numa outra de cantaria, no centro da povoação. Tratavam-se da Casa de Tralhariz e da Casa do Pátio respetivamente. A escadaria de pedra do solar, onde caiu André Samões, existe – caminhei nela muitas vezes; não leva às cozinhas, mas sim à entrada principal e a alguns anexos de armazenamento. Por último, o próprio solar é transformado numa pousada, tal como a “Casa de Tralhariz” é um aproveitamento turístico também. Em «Lágrimas no Rio», a existência do túmulo de família no chão da igreja não é exclusivo de Tralhariz, mas o certo é que na igreja da freguesia, apesar de removidos todos os vestígios dos antigos enterramentos, ainda existe uma campa com
Em «Lágrimas no Rio», a existência do túmulo de família no chão da igreja não é exclusivo de Tralhariz, mas o certo é que na igreja da freguesia, apesar de removidos todos os vestígios dos antigos enterramentos, ainda existe uma campa com inscrição visível na capela-mor e pertença de um dos antigos proprietários do solar. 146
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inscrição visível na capelamor e pertença de um dos antigos proprietários do solar. A igreja situa-se num ponto elevado e curiosamente acede-se por dois caminhos que entroncam num só: o “Caminho de Cima” e o “Caminho do Povo”. Também em Tralhariz há a Rua Central que atravessa a aldeia em direção à igreja e à sede da freguesia e que é entroncado pela Avenida do Pinheiro Manso, mais recente e que representa o acesso norte do solar. O terceiro caminho referido nesta obra é imaginado a partir de outra aldeia da mesma freguesia, Foz-Tua, localizada nas margens do rio Douro e a poucos quilómetros de Tralhariz. Da junção das duas localidades imaginei “São Cristóvão do Covelo”, anichada à sombra do monte: «Sempre fora o “Caminho de Cima”, que nascia no lado norte do solar dos
Montenegro, que percorria a parte superior da aldeia, a meia encosta do monte do Covelo até entroncar com o “Caminho do Povo”. Este passava em frente ao lado sul do solar, atravessava a povoação e encontrava, mais à frente, o “Caminho de Baixo”, que passava entre o rio Douro e as casas e conduzia à estrada principal.» No extremo poente da aldeia, temos uma vista maravilhosa do vale do Tua, ao mesmo tempo que somos assoberbados pela grandiosidade do espaço em redor e, à semelhança de Avelino Montenegro, também eu passei muito tempo tisnado pelo sol ou mordido pelo frio, a observar a paisagem que não cansa e a ouvir a voz da natureza: «O nevoeiro deixara um ar húmido e frio, mas límpido. Conseguiam-se enxergar quilómetros, a partir daquele temível promontório, debaixo das nuvens negras e ameaçadoras. O vento era a voz de Deus, que sussurrava pelo vale com o restolho dos pinheiros e sobreiros das encostas. De chapéu bem enterrado na cabeça e cachecol a proteger o nariz e a boca, deixou-se ficar por ali, olhar perdido nos montes longínquos. O imponente Marão, no limite do horizonte, exibia as cristas cobertas de neve.» Se em «Lágrimas no Rio» abordei o tema da apanha da azeitona, no conto «Corrécio» a colheita é a das uvas, a vindima que dá vida à região do Douro. A aldeia transmontana espelha bem o velho ditado do povo «Nove meses de inverno e três
No extremo poente da aldeia, temos uma vista maravilhosa do vale do Tua, ao mesmo tempo que somos assoberbados pela grandiosidade do espaço em redor e, à semelhança de Avelino Montenegro, também eu passei muito tempo tisnado pelo sol ou mordido pelo frio, a observar
a paisagem que não cansa e a ouvir a voz da natureza.
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de inferno» que eu pessoalmente pude comprovar nestes anos e que é referido nesta história: «O sol estonava as pedras da calçada e as paredes das casas causando ondulações de calor transmitindo uma sensação de irrealidade. A rua deserta, que levava ao centro da aldeia e à sua casa, era um forno que o cozia lentamente sem que ele notasse.» «Corrécio» envolve uma vez mais ricos e pobres que, embora incapazes de viverem uns sem os outros, travam relações tensas e de reações inesperadas. A vida dos trabalhadores divide-se entre o trabalho no campo quase de sol a sol, a casa onde dormem e ceiam e a taberna, igual a tantas outras por esse Trás-os-Montes fora: «O interior era escuro e apenas umas poucas velas davam alguma luz às paredes enegrecidas por décadas do fumo da lareira que acendiam nos dias frios. Três mesas com os respetivos bancos corridos preenchiam o espaço em conjunto com o balcão sebento de milhares de mãos que pousavam
moedas e levantavam géneros.» No conto «Tudo em Jogo» também a taberna é descrita: «Naquele fim de tarde, a pequena e escura taberna estava enevoada de fumo de tabaco e as vozes tonitruantes de homens enchiam o espaço. Por entre as mesas toscas de madeira, ladeadas de bancos corridos, o chão de lajes grosseiras estava manchado e sujo de anos de vinho entornado. Os candeeiros a petróleo, nas paredes de madeira enegrecida, travavam uma luta desigual com as trevas e o fumo que dominavam o estabelecimento. Uma enorme lareira crepitava e emprestava mais um pouco de luz bruxuleante ao ambiente.» De resto, em todas as histórias tentei falar um pouco sobre a vida dura no campo, que pode ser visualizada nos fantásticos painéis de azulejos existentes nas estações ferroviárias do Pinhão e Pocinho, na linha do Douro, e que utilizei como capa do livro «Daqueles Além Marão».
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E é assim que a minha imaginação vai sendo alimentada com estas paisagens e estas gentes maravilhosas que povoam esta região tão bela, mas que consegue ser tão agreste. Brevemente sairão mais histórias onde as paisagens transmontanas estarão representadas. Para encerrar, coloco aqui as palavras de agradecimento que utilizei em «Lágrimas no Rio» e que acho que são bem aplicadas neste contexto: «No alto de um cabeço coroado de granito e espraiando o olhar pela imensidão de montes e vales a perder de vista, é difícil não nos sentirmos esmagados pelo poder da Criação. As fragas ciclópicas, os olivais alcantilados e inacessíveis, as vinhas esculpidas pela tenacidade do Homem, são estes os adornos dos vales do Tua e do Douro e são a minha fonte de inspiração.
O meu agradecimento vai para o Grande Arquiteto, que estava certamente inspirado, no dia em que criou uma das mais belas regiões do mundo.»
Bibliografia: BAÇAL, F. M.-A. (2000). Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança. Bragança: Câmara Municipal de Bragança. MORAIS, C. (2014). Por Terras de Ansiães. Carrazeda de Ansiães: Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães. O ARCHEOLOGO PORTUGUÊS (1900). Estação Romana da Ribeira (Tralhariz). Lisboa: Museu Ethnologico Português. QUEIROZ, A. M. (2007). A Casa de Tralhariz e a Capela do Bom Jesus. Edições Universitárias Lusófonas.
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“A literatura pode ser transformadora, mas não necessariamente. Uma pessoa pode ler a Divina Comédia e não sentir nada, entediar-se. Porque o livro que o leitor cria lendo-o é o produto da troca entre essas palavras que estão na página e a experiência íntima do leitor. (...) A Comédia que eu leio responde a dúvidas secretas, desejos ocultos, paixões não confessadas que estão diante de mim. Então eu respondo à leitura da Comédia que me dá a possibilidade de transformação. Eu me sinto transformado depois da leitura de certos livros. Mas essa transformação ocorre porque, nos elementos que o texto me dá, eu encontrei a matéria para estimular a minha transformação. É um verbo activo o verbo “ler”. É um verbo que precisa de um sujeito que quer transformar-se, que busca transformar-se.” Alberto Manguel, Escritor argentino e Director da Biblioteca Nacional da Argentina
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ENTREVISTA
ESTÊVÃO DE SOUSA Estêvão de Sousa nasceu em Lisboa, em 1937. Estudou em Tomar, no Colégio Nuno Álvares e Escola Comercial Jacome Ratton, e viveu em Angola entre os 15 e os 36 anos. Como funcionário da Junta Autónoma de Estradas de Angola, exerceu as funções de técnico de estradas (chefe de trabalhos). Já em Portugal, fez um curso de gestão e administração de empresas e exerceu as funções de gerente comercial e Director Administrativo. Hoje, aposentado, escreve. Tem oito obras literárias publicadas por editoras portuguesas e também na Amazon, e participações em diversas obras colectivas. POR ISIDRO SOUSA
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SG MAG – Quem é o Estêvão de Sousa e em que momento surgiram as letras na sua vida?
ao seu lado, e com quem teve três adoráveis filhas. Assim, a jeito de confidência, posso dizer que... incluindo 23 maravilhosos anos vividos em Angola, país do qual tive oportunidade de conhecer, aproximadamente, dois terços e em que percorri milhares de quilómetros; na sua maioria, em condições de segurança extremamente difíceis (anos 60!), na qualidade de técnico da Junta Autónoma de Estradas de Angola. Após o regresso em 1974, já em Portugal, radicado em Coimbra, fui o homem dos sete ofícios! Desde chefe de escritório, diretor administrativo a gerente comercial, passando por empresário unifamiliar e vendedor por conta própria, fiz um pouco de tudo. De toda esta minha actividade – com muitas viagens, de permeio, por essa Europa fora – resultou que surgiu, aí por volta dos 60 anos, a necessidade de transpor para o papel algumas das muitas vivências até então tidas. E tantas elas eram! Foi nessa altura que escrevi o meu primeiro livro, «Pedaços de Mim», que só recentemente editei.
ESTÊVÃO DE SOUSA – Ao iniciar a presente entrevista achei por bem começar por preencher dois formalismos de primordial importância. Primeiro... Agradecer à SG MAG, na pessoa do seu editor Isidro Sousa, a oportunidade que me é dada de poder vir a público falar um pouco de mim. Oportunidade que é tanto mais importante quanto é certo eu não ser dado a muita exposição, sendo até algo avesso à mesma. Segundo... Visto que vou falar de mim, devo começar por me apresentar. Chamo-me Francisco Estêvão de Sousa. Nasci em Lisboa, no ano de 1937. É isso mesmo! Fiz, a 17 de Julho, 81 anos! Como é expectável, tenho uma longa experiência de vida! Mas isso é outra história, que não vem ao caso. O certo é que estou velhote, mas ainda com os neurónios bem alinhados.
Fale, então, um pouco sobre si... até ao momento em que se deixou envolver pelo universo literário. Até editar o primeiro livro em 2014, que caminho desbravou? E quais foram os momentos mais marcantes nesse percurso?
O Estêvão de Sousa, nome com que assino as minhas obras, é uma pessoa de bem com a vida, que teve o privilégio de ter contraído matrimónio há 59 anos com a mulher que, graças a Deus, ainda hoje está
Após ter escrito o romance «Nesta Terra Abençoada»,
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Este livro, em que punha
editado em 2014, que se encontra esgotado, deparei-me com os escolhos com que normalmente se deparam os marinheiros de primeira viagem. A incerteza de... se o livro iria ter boa aceitação. Como havia de o editar, visto não conhecer nenhuma editora. A celebração do contrato com a que me pareceu dar melhores garantias, etc. Todo este processo culminou com a apresentação do livro, feita na Fnac, que, para quem, como eu, se viu nestas andanças pela primeira vez, constituiu um facto deveras marcante e, porque não reconhecê-lo, até um pouco envaidecedor!
muitas expectativas, dada a importância e atualidade do tema que abordava,
acabou – por falta de qualidade da editora – por não corresponder às mesmas. Esta deceção levou a que só voltasse a publicar um novo livro em 2017.
Publicou quatro romances até finais de 2017. Que temas abordam os seus livros e em que diferem? Pode caracterizar sucintamente cada um deles?
entre um conimbricense e uma natural de uma aldeia limítrofe de Coimbra, que ocasionalmente se conhecem e vão para aquele país, onde vivem uma vida de aventuras, sucesso e intenso amor. Também publiquei, ainda em 2014, o «Tráfico no Rio Geba», romance de ação e aventura, desenrolado na Guiné-Bissau, em que é abordado o fenómeno do tráfico de cocaína, que, como se sabe, prolifera naquele país. Em 2015, publiquei o «Irina – A Guerrilheira», livro que, embora fantasiado, aborda a vivência de uma adolescente conimbricense que, conhecendo, através da internet, um rapaz árabe com quem se relaciona, deixa-se convencer por ele e parte para Mossul, no Iraque, onde se converte ao Islão e se transforma numa guerrilheira. Passadas muitas lutas e combates, cai em si e, revoltada com tanta crueldade, acaba por desertar. Regressa a Portugal, para desenvolver uma campanha de consciencialização da juventude, procurando evitar por todos os meios que outros jovens, como ela, caiam em situação idêntica. Devo aqui dizer que este livro, em que punha muitas expectativas, dada a importância e atualidade do tema que abordava, acabou – por falta de qualidade da editora – por não corresponder às mesmas. Esta deceção levou a que só voltasse a publicar um novo livro em 2017: o «Rapto em Londres».
Publiquei em 2014 o «Nesta Terra Abençoada», romance passado em Angola, que relata o amor vivido
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Que aspectos relevantes destaca em «Rapto em Londres», o livro mais recente que publicou numa editora portuguesa? E qual é a temática dominante nesta obra?
graças ao empenho e argúcia de um inspetor-chefe da Scotland Yard e do luso-inglês Robert de Sousa, que por ela se vem a apaixonar. Estes dois heróis não dão tréguas aos “maus”, de que fazem parte dois lordes da Câmara Alta do Parlamento Britânico, a quem perseguem através de dois continentes, tudo vindo a terminar em bem, no nosso Douro Vinhateiro, numa quinta perto de Cinfães.
O «Rapto em Londres» é um romance policial que, por isso mesmo, me deu muito gozo escrever. Desde muito novo (ui!... há quanto tempo!) que a literatura policial me apaixona. Os enigmas e a ação sempre me causaram uma certa apetência detetivesca e, embora Desde muito novo (ui!... este tenha sido o meu primeiro há quanto tempo!) que romance policial, julgo que consegui algumas dessas a literatura policial me premissas. Thriller, passado apaixona. Os enigmas na alta burguesia londrina, em que uma formosíssima cientista, e a ação sempre me especialista em física nuclear, causaram uma certa é mandada raptar pelo próprio marido – antropólogo na apetência detetivesca Universidade de Greenwich – e, embora este tenha sido a soldo de uma tenebrosa organização de terrorismo o meu primeiro romance internacional que, empenhada policial, julgo que consegui na construção de uma bomba de neutrões, necessita dos algumas dessas premissas. conhecimentos da linda Elizabeth. Esta só é salva
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O que o fez escrever um romance policial? Desde muito cedo que sou fã dos policiais! Assim, nada mais natural que, já tendo escrito outros géneros, me predispusesse a abarcar também este.
O que distingue o policial de outros géneros que tenha escrito? E o que o fascina neste tipo de literatura? Julgo que o que distingue o policial dos outros géneros é o que lhe dá o elã: o seu mistério! É precisamente isso que me
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fascina neste género literário.
Nós, autores, só interessamos Depois de «Rapto em Londres», publicou outras obras, com curtos intervalos de tempo, através da Amazon. Após várias experiências com editoras consideradas “tradicionais”, o que o levou a aderir a este sistema de publicação?
a certas editoras para pagar; para dar dinheiro a ganhar! Assinamos os contratos que, como é óbvio, obrigam as duas
Esta pergunta é absolutamente pertinente e, embora não vá ser politicamente correto, vou responder com toda a honestidade, e o que vou dizer a seguir poderse-á considerar um aviso à navegação. Após quatro obras editadas, cheguei a conclusões que me dececionaram um pouco, relativamente a algumas editoras. Ou por inépcia minha na escolha, ou porque as boas editoras não editam obras de “ilustres desconhecidos”, constatei que nós, autores, só interessamos a certas editoras para pagar; para dar dinheiro a ganhar! Assinamos os contratos que, como é óbvio, obrigam as duas partes, mas só nós é que cumprimos! E porquê? Porque, para essas editoras, o negócio termina na altura em que entregam os livros ao autor, já pagos antecipadamente! Quanto ao resto do clausurado é letra morta! Acompanhamento no pós-edição, rede de distribuição, venda, fornecimento anual dos mapas de vendas ao autor, divulgação da obra, nada disso existe! Mais, a editora é a única que tem possibilidades de proceder à colocação dos livros, que afinal o autor lhe pagou, sendo dele! Mas que só ela pode colocar nas livrarias de referência, por acordos existentes entre as editoras e esses espaços, vedando ao autor a colocação das obras que, além de serem fruto do seu trabalho, pagou a bom preço! Esta prática revela a proteção que os grandes espaços dão às editoras. Tudo bem! E o autor, que é a génese do circuito, onde fica? Não sendo as edições baratas e não tendo o autor forma de comercializar as suas obras, sujeitando-se a, depois de na apresentação ter vendido dez ou doze livros, ficar em casa com os restantes! É óbvio que qualquer edição resulta em prejuízo!
partes, mas só nós é que cumprimos! E porquê? Porque, para essas editoras, o negócio termina na altura em que entregam os livros ao autor, já pagos antecipadamente! Quanto ao resto do clausurado é letra morta! Acompanhamento no pós-edição, rede de distribuição, venda, fornecimento
anual dos mapas de vendas ao autor, divulgação da obra, nada disso existe!
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de lojas, ocupando também um espaço de excelência na internet! Acresce ainda dizer que, aquando da feitura do livro, é-lhe atribuído um preço pelo autor, dentro da bitola fornecida pela editora, sendo estabelecido o valor de royalties a receber, em caso de venda, quer pelo livro de capa rígida, quer pelo e-book, encontrando-se permanentemente disponível, na página do autor, um gráfico atualizado das vendas que tenham existido.
Foi por essas razões que mudou, então, para a Amazon...
Como apresenta cada uma das obras publicadas pela Amazon?
Por tudo o que referi – devendo dizer que não pretendo generalizar os processos a todas as editoras – ficaram implícitas as razões que me levaram a passar a editar através da Amazon. Acresce ainda dizer que, se o autor residir numa localidade relativamente pequena, onde as pessoas se conheçam bem, tem mais possibilidades de êxito, pois, para além de o seu núcleo de conhecidos ser muito mais abrangente – toda a gente se conhece – tem, inclusive, o apoio das entidades oficiais locais (Câmaras Municipais, Casas de Cultura, etc) que, de um modo geral, se envolvem no evento, contribuindo para o seu sucesso. Nos chamados meios grandes, isso já não acontece. A não ser que o autor pertença a uma camada social privilegiada (políticos, colaboradores de canais televisivos, jornalistas, etc).
Até agora publiquei, através da Amazon, os seguintes livros: inicialmente, em Dezembro de 2017, o «Romance em São Tomé», que escrevi em 2015 e que relata
Se o autor residir numa localidade relativamente pequena, onde as pessoas se conheçam bem, tem mais possibilidades de êxito, pois, para além de o seu núcleo de conhecidos ser muito mais abrangente – toda a gente se conhece – tem, inclusive, o apoio
das entidades oficiais locais
Qual é a vantagem da Amazon em relação às demais editoras com as quais tenha editado? Na sua perspectiva, qual é a mais-valia?
(Câmaras Municipais, Casas de Cultura, etc) que, de um modo geral, se envolvem no evento,
A Amazon possibilita-me poder comprar, se assim o entender, um só exemplar de uma qualquer obra por mim editada; ou até nenhum, ficando, ainda assim, a obra disponível para venda e publicitada através do catálogo da empresa. O que, aliás, é muito bom, se tivermos presente a enorme montra que esta organização é a nível mundial, onde detém dezenas
contribuindo para o seu sucesso. Nos chamados meios grandes, isso já não acontece.
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o grande amor existente entre um geólogo português e uma linda santomense, narrando a fatalidade que os atinge ao saberem que ele se encontra contaminado pelo terrível Ébola, que naquela época tantas vítimas fez, nos países limítrofes. Nesta obra, é também realçada a beleza deste país, que faz dele um autêntico paraíso. Seguidamente, ainda em 2017, publiquei «Pedaços de Mim», as memórias já escritas há bastante tempo, mas que só agora publiquei, graças ao sistema da Amazon, pois noutras condições não as publicaria. Já em Janeiro deste ano publiquei «Contos, Estórias & Companhia», coletânea que engloba quase todos os meus escritos publicados, quer em prosa ou verso, abarcando géneros como: conto, sátira, opinião ou estória. Mais recentemente, em Março, publiquei o meu último livro, «A Profanação do Túmulo», romance de aventura em que três aventureiros têm, ocasionalmente, conhecimento da existência do maior diamante do mundo que, após ter sido descoberto numa mina na África do Sul, é trazido e escondido no túmulo do primeiro rei de Portugal, por um serviçal de um missionário pertencente à ordem dos Cónegos
Regrantes de Santo Agostinho. Serviçal que, sub-repticiamente, o trouxe daquele país. Após esta descoberta, revolvem céu e terra para conseguirem roubar o diamante e tentarem a sua posterior venda em Antuérpia.
Como tem sido a aceitação dos seus livros por parte do público? Que tipo de leitores se interessa mais pela sua obra? No que concerne à aceitação por parte do público, não tenho tido um feedback que me permita avaliar se tem sido muita ou pouca. E isto porque as editoras tradicionais portuguesas, com quem editei, me não forneceram, até agora, elementos que me permitam aferir o grau de aceitação. Quanto aos livros publicados na Amazon, embora sendo ainda muito cedo para tirar conclusões, pelo que tenho analisado nos gráficos tenho motivos para estar satisfeito.
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a construir um belíssimo acervo, enaltecendo generosamente a minha capacidade de produzir. Bondade a dessa prezada amiga, a quem aproveito para saudar!
No que concerne à aceitação por parte do público, não tenho tido um feedback que me permita
avaliar se tem sido muita ou Em paralelo aos livros, participa frequentemente em obras colectivas promovidas por diversas editoras, dentro e fora de Portugal. Que importância atribui a estes projectos?
pouca. E isto porque as editoras tradicionais portuguesas, com quem editei, me não forneceram, até agora, elementos que
Aqui está uma pergunta à qual muito me apraz responder! Julgo que foi a participação em antologias e coletâneas que me motivou a escrever! Julgo ainda, se a memória me não atraiçoa, que participei em coletâneas antes da publicação do «Nesta Terra Abençoada». Este tipo de obras proporcionou-me travar conhecimento com outros “companheiros de luta”, fazendo amizade com alguns, para além de possibilitar “mostrar-me”. No meu entender, acho que devem, todos quantos gostam de escrever, mas que nunca se abalançaram a publicar, começar por recorrer a publicações colectivas para sentirem o prazer de os seus trabalhos serem lidos.
me permitam aferir o grau de aceitação. Quanto aos livros publicados na Amazon, embora sendo ainda muito cedo para tirar conclusões, pelo que tenho analisado nos gráficos tenho motivos para estar satisfeito.
Qual foi o projecto colectivo que mais o fascinou? Em que antologia, ou colectânea, gostou mais de participar? E porquê?
Como avalia as críticas e reacções aos seus livros? Tive algumas críticas favoráveis publicadas em dois jornais; para além das opiniões positivas dadas por pessoas amigas, mas essas são gentis!
Tive vários projetos coletivos que, pela qualidade dos escritos contidos, número de autores e qualidade
E que balanço faz do seu percurso literário? Sente-se realizado? Não me sinto realizado! Pois, embora com a minha provecta idade, ainda pretendo fazer muito mais e melhor, assim as forças me não faltem! Há dias alguém, também das escritas, lisonjeiramente me dizia que eu estava
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da obra em si, no que respeita à apresentação gráfica, ou diversidade de temas, me satisfizeram. Acho, no entanto, que talvez a «Eclética», das Edições Colibri, de 2017, tenha sido a que mais me agradou. Gostei também muito de «A Bíblia dos Pecadores – Do Génesis ao Apocalipse», da Sui Generis; embora, neste tipo de trabalhos, talvez o texto que mais gozo me deu a escrever tenha sido o «A Saloia Maria Rosa e o Caipira Zé Pé de Boi», na «Saloios & Caipiras», também da Sui Generis.
Alguma dessas obras o marcou especialmente? Não posso dizer que alguma destas obras me tenha marcado especialmente. O que devo, sim, é afirmar que foi um enorme prazer ter participado em trabalhos coletivos nos quais tantos e tão bons autores participaram, e que todas as minhas modestas participações me deram imenso gozo!
Este tipo de obras proporcionoume travar conhecimento com outros “companheiros de luta”, fazendo amizade com alguns, para além de possibilitar
Colabora também, de um modo bastante regular, com revistas literárias e publica textos nas redes sociais. Até que ponto estes meios são imprescindíveis para a divulgação da sua escrita?
“mostrar-me”. No meu entender, acho que devem, todos quantos
gostam de escrever, mas que nunca se abalançaram
Efetivamente, há uns tempos a esta parte que procuro participar, com regularidade, especialmente em duas revistas literárias, uma portuguesa e uma brasileira. Já houve uma altura em que participei em três. Mas, dada a fraca qualidade de uma, acabei por a excluir. Atualmente tento participar, sempre que possível, na Divulga Escritor, revista brasileira, e na portuguesa SG MAG. Considero ser, para mim, uma honra colaborar nestas revistas, quer pelo valor dos autores que nelas participam, quer ainda pela qualidade gráfica
a publicar, começar por recorrer a publicações colectivas para sentirem o prazer de os seus trabalhos serem lidos.
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Salgari e Alexandre Dumas. Mais tarde, Júlio Dinis marcou-me pela simplicidade da sua narrativa. Atualmente adoro Dan Brown.
O que é para si a literatura? E para que serve? A literatura, tal qual a vejo, é um veículo de cultura e de comunicação entre os povos.
Como caracteriza o meio literário português? Eis outra pergunta pertinente! No meu entender, estamos numa época em que felizmente – pese embora remando contra tudo e contra todos – existem muitos e bons autores. Talvez mais os muitos do que os bons! Mas existem: Muito bons, alguns! Bons, muitos! E um vasto universo de aspirantes a bons, onde me incluo! Quanto aos editores, aí o assunto é mais complexo. Existem editores como os que já descrevi e continuam a existir, em pequeno número, os bons editores. No que concerne aos livreiros também o assunto é preocupante.
e conteúdos apresentados. Estão de parabéns os meus amigos Shirley Cavalcante e Isidro Sousa, que tanto estão a contribuir para a cultura com a divulgação de tantos e tão bons autores.
Quais são as suas maiores preocupações quando escreve um conto literário para uma obra colectiva? E quando começa a escrever um novo livro? A minha maior preocupação ao escrever um conto para uma obra coletiva é: não fugir ao mote dado pelo organizador e enquadrar o texto nos parâmetros previamente estabelecidos, para além de o procurar dotar com algum interesse.
Qual é a sua opinião sobre o mercado livreiro em Portugal? O mercado livreiro, retalhista, atravessa uma enorme crise (veja-se a quantidade de livrarias tradicionais que encerraram nos últimos tempos). A crise que a todos afetou, afetou sobremaneira o livro e toda a cadeia que o envolve, desde o autor ao pequeno livreiro. Senão, vejamos: mais ou menos coincidente com o surgir da crise que nos assolou, surgiram os grandes espaços livreiros. Fnac, Bertrand, CTT, Box e outros, aos quais não podemos excluir os grandes vendedores
Existem muitas influências na sua escrita ou nem por isso? Se sim, quais os autores que mais admira? Algum em especial que o inspire particularmente? Ora aqui está uma pergunta a que não me será fácil responder. Pensando bem, julgo que existem algumas influências. Quando muito novo, adorava ler Emílio
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digitais como: Amazon, Wook, etc. O surgimento destes grandes meios de comercialização, aliado ao desinteresse manifestado pelos jovens na leitura tradicional, aliciados que foram pelas novas tecnologias, fez com que, para além de o produto “livro” passar a ter menos saída, essa passou a ser feita nos espaços acima indicados, levando as pequenas livrarias a fecharem as portas. Ou as poucas que ainda se mantêm a só receberem os livros à consignação. Este estado de coisas leva a que a maioria dos autores tenha imensas dificuldades na colocação/escoamento das suas obras, visto não ter acesso às grandes livrarias, onde, como já disse, só as editoras podem colocar.
E o que procuraria melhorar, ou alterar, neste complexo mercado? Para pôr termo a este estado de coisas era necessário atingir algumas premissas que se me afiguram muito difíceis. Não vejo como, a curto prazo, se possam alterar os hábitos da nossa juventude, introduzindolhes hábitos de leitura, em detrimento da dependência das novas tecnologias. Teria de passar por um trabalho nas escolas, com continuação no seio familiar. Mais difícil será alterar os hábitos de leitura dos adultos no nosso país, onde em pleno século XXI só cerca de 80% pegam num livro de lazer, e isso normalmente uma vez por ano, nas férias!
Não vejo como, a curto prazo, se possam alterar os hábitos da nossa juventude, introduzindo-lhes hábitos de leitura, em detrimento
Como avalia a literatura que se produz, presentemente, entre nós?
da dependência das novas tecnologias. Teria de passar
Presentemente em Portugal não se pode dizer que se produza muito boa literatura. Ou melhor: produz-se boa literatura em pequena quantidade! Dado que praticamente só os autores consagrados têm incentivos para produzir.
por um trabalho nas escolas, com continuação no seio familiar. Mais difícil será alterar os hábitos de leitura dos adultos no nosso país, onde em pleno século XXI
Considerando a sua vasta obra e experiências acumuladas, o que recomenda aos autores emergentes que queiram singrar no meio literário?
só cerca de 80% pegam num livro de lazer, e isso normalmente
Trabalharem com muita paixão. Pondo no que
uma vez por ano, nas férias! 165
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escrevem muito amor, sem estarem a pensar colher resultados materiais do que fazem. Esses, se ocorrerem, virão por acréscimo. Em meu entender, o escritor deve transpor para o “papel” toda a sua sensibilidade. Só assim vale a pena!
Quais são os seus planos para os próximos tempos? Certamente, está a pensar numa nova obra... Em que consistirá o próximo livro de Estêvão de Sousa? Não me é permitido não responder a esta pergunta? É que, neste momento, tenho um turbilhão de ideias, mas ainda as não filtrei ao ponto de poder dizer com exatidão em que consistirá o próximo “filhote”. [Em momento posterior à realização desta entrevista, Estêvão de Sousa informou: «Quanto a novo livro: Já estou a escrever um romance de Aventura com o título Pânico no Subúrbio.»]
Quem quiser adquirir os seus livros, onde poderá encontrá-los? Ou como deverá proceder? Quem estiver interessado em adquirir algum dos meus livros poderá fazê-lo através da minha página no Facebook (Francisco Estêvão de Sousa), pelo e-mail estevaodesousa@hotmail.com, na Wook, na Bertrand on-line ou ainda na Amazon.
Deseja acrescentar algo que não tenha sido abordado ao longo da entrevista? Não quero terminar esta entrevista sem mais uma vez agradecer à SG MAG e ao seu mentor Isidro Sousa esta inesquecível oportunidade, aproveitando para, junto dos mais novos, o apontar como exemplo de valor e perseverança a seguir. Se me é permitido, desejo aproveitar este espaço, sabendo que o Isidro comigo concordará, para também deixar um bem-haja, bem à maneira portuguesa, à Shirley Cavalcante [editora da revista brasileira Divulga Escritor] pelo inestimável contributo que também tem vindo a dar à cultura lusófona. Aos dois o meu Muito Obrigado!
Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores em geral e autores em particular? Aos autores, especialmente aos novos, que ponham toda a alma no que escrevem, que escrevam com amor, que não desanimem e nos presenteiem com muitos e bons textos. Aos leitores, que leiam mais, porque a leitura, quando boa, é uma ótima terapia.
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EXCERTO DO LIVRO
A PROFANAÇÃO DO TÚMULO ESTÊVÃO DE SOUSA Nasceu em Lisboa, em 1937. Já aposentado, dedicou-se à escrita. Editou oito livros: «Nesta Terra Abençoada», «Tráfico no Rio Geba», «Irina – A Guerrilheira», «Rapto em Londres», «Romance em São Tomé», «Pedaços de Mim», «Contos, Estórias & Companhia» e «A Profanação do Túmulo». Tem ainda trabalhos publicados em diversas obras colectivas. Da Colecção Sui Generis, participou nas antologias «A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro», «Saloios & Caipiras», «Fúria de Viver», «Crimes Sem Rosto», «A Primavera dos Sorrisos», «Os Vigaristas» e «Devassos no Paraíso». Página do Autor: www.facebook.com/francisco.estevao desousa
“Chegados ao fundo do túmulo os dois agentes depararam-se com duas urnas em bastante mau estado. Uma maior, outra mais pequena. A maior estava intacta, enquanto a mais pequena tinha a tampa um pouco deslocada, apresentando, com isso, vestígios de ter sido violada. Abriram-na e... para espanto dos dois homens, estava vazia! Toda a gente estava convencida de que naquela urna se encontravam os restos de D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques. No entanto, ali estavam todos incrédulos, vendo que das ossadas da senhora não havia nem sinais! Que mistério seria aquele com que eram confrontados?” POR ESTÊVÃO DE SOUSA
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depararam-se com duas urnas em bastante mau estado. Uma maior, outra mais pequena. A maior estava intacta, enquanto a mais pequena tinha a tampa um pouco deslocada, apresentando, com isso, vestígios de ter sido violada. Abriram-na e... para espanto dos dois homens, estava vazia! Toda a gente estava convencida de que naquela urna se encontravam os restos de D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques. No entanto, ali estavam todos incrédulos, vendo que das ossadas da senhora não havia nem sinais! Que mistério seria aquele com que eram confrontados? Em face de tão macabra descoberta, várias perguntas ficavam no ar: 1º – Onde estava o corpo de D. Mafalda que se supunha repousar em Santa Cruz? 2º – O que esteve dentro da urna e que supostamente os ladrões levaram? 3º – Por onde entraram e saíram os ladrões? Sem respostas para estas perguntas, os elementos da PJ tiraram fotografias à urna vazia e, voltando a colocar a tampa, abandonaram o túmulo, visivelmente intrigados. Sabiam que, aquando da inspeção científica feita à urna de D. Afonso Henriques, só esta havia sido inspecionada, partindo os cientistas do pressuposto que naquela, por estar junta e ser mais pequena, estaria o corpo de D. Mafalda. Sabiam agora que, com certeza, tal não corresponderia à verdade. Mas voltavam a interrogar-se: o que esteve dentro daquela urna?
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ma vez no interior, os agentes vestiram uns fatos que mais pareciam de astronautas, colocaram máscaras, calçaram luvas e muniram-se de machados, lanternas e cordas. Tudo isto com o João olhando-os estupefacto. Dirigindo-se para o túmulo, junto do qual se encontrava o padre Alberto e os dois padres auxiliares, trataram de afastar um pouco mais a pesada laje, para poderem entrar à vontade. Lançaram as cordas com uns ganchos na ponta, fixando-as na boca do túmulo, e desceram empunhando as lanternas. Cá em cima, os padres, o representante do Ministério e o João acotovelavam-se para ver melhor. Chegados ao fundo do túmulo os dois agentes 168
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Pensativos, despiram as roupas especiais, arrumaram todos os apetrechos e, após colocarem a laje do túmulo na sua posição normal, despediram-se dos presentes, informandoos que a investigação iria continuar, pelo que continuavam a contar com a colaboração de todos. O padre Alberto, quando caiu na realidade, disse ao sacristão para reabrir a igreja ao público e tratou de ir telefonar ao bispo, informando-o do que se havia passado. – Está? É o Senhor, D. António? Sim, é o padre Alberto. D. António: os inspetores da Judiciária saíram agora daqui e temo que Vossa Reverendíssima possa cair quando ouvir o que tenho para lhe dizer, pelo que aconselho a que se sente numa poltrona. – Diga padre Alberto, diga! – Senhor D. António: a urna onde deveriam estar os restos de D. Mafalda... está vazia! – Ohhh... – Catrapum!!! Ouviu-se um corpo cair, com estrondo. – D. António! Vossa Reverência! Ó meu Deus, mas o que foi que aconteceu? – Interrogava-se, do lado de cá, o padre Alberto, sem saber o que fazer. Teria dado algum chilique ao bispo? – Está? Está? E esta, hein? Agora ninguém atende! Entretanto, uma voz do lado de lá, que o padre notou não ser a do bispo, atendeu: – Está? Quem está aí?
– É o padre Alberto, de Santa Cruz! – Mas que foi que você fez ao bispo, que ele está aqui a roncar que nem um desgraçado! – Quem fala? – Perguntou o padre Alberto. – Homem, daqui é o padre Inácio! Você fê-la bonita, fez! – Mas, ó colega, o que foi que aconteceu? Eu acabei de comunicar ao bispo que a urna da D. Mafalda está vazia e... ouvi um estrondo, a seguir! – Pois, foi o bispo que se “esbandalhou” todo aqui, no chão! Olhe: está aqui a chegar o padre Antunes, que me vai ajudar a colocá-lo na poltrona. Ó padre Antunes! Dê aqui uma mãozinha, se faz favor! Irra!... Que é pesado! Eu bem venho dizendo que o nosso bispo anda a comer demais! O padre Alberto, ouvindo isto, desatou a rir com a graça do colega. Excerto do livro A Profanação do Túmulo, de Estêvão de Sousa, editado em Março de 2018 pela Amazon
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ESTÊVÃO DE SOUSA
OBRA LITERÁRIA
NESTA TERRA ABENÇOADA Edições Ecopy, 2014 TRÁFICO NO RIO GEBA Edições Vieira da Silva, 2014 IRINA – A GUERRILHEIRA 1ª Edição: Pastelaria Studios, 2015 2ª Edição: Amazon, Abril 2018 RAPTO EM LONDRES Edições Hórus, 2017
ROMANCE EM SÃO TOMÉ Amazon, Dezembro 2017 PEDAÇOS DE MIM Amazon, Dezembro 2017 CONTOS, ESTÓRIAS & COMPANHIA Amazon, Janeiro 2018 A PROFANAÇÃO DO TÚMULO Amazon, Março 2018
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SG MAG #05
COMO ADQUIRIR ESTES LIVROS? AtravĂŠs da Amazon ou contactando o autor por e-mail ou pelo Facebook. Facebook: https://www.facebook.com/francisco.estevaodesousa E-mail: estevaodesousa@hotmail.com
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SG MAG #04 | OUT 2017
JONNATA HENRIQUE Brasileiro da cidade de Brejo da Madre de Deus, Pernambuco, Jonnata Henrique mostrava ainda criança certa intimidade com as letras, escrevendo textos, redacções e peças escolares na sua escola; adentrou no mundo da escrita onde está até hoje. Poeta, cordelista, contista, antologista, é autor de cerca de 70 títulos de literatura de cordel, publica poesias em décimas, sextilhas, septilhas, sonetos, entre outros estilos poéticos, na sua rede social, e participa em antologias de prosa e poesia de editoras brasileiras e portuguesas. Romance, ficção, popular, filosofia, tecnologia, humor, tudo é motivo para escrever, ama o que faz, é ecléctico, semeando palavras. Da Colecção Sui Generis, participou nas antologias «A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Ninguém Leva a Mal», «Torrente de Paixões», «Saloios & Caipiras», «Sexta-Feira 13», «Fúria de Viver», Devassos no Paraíso» e «Os Vigaristas». Página do Autor: Facebook: Jonnata Henrique
LIVRO «DEZOITO» DE EVERTON MEDEIROS Poeta, astrônomo, filósofo, roteirista. Versatilidade de aptidões que é concretizada também no primeiro livro de contos deste grande escritor chamado Everton Medeiros. Quem folhear distintas páginas irá encontrar o trabalho de um hábil contador de histórias, que transita entre estilos, temáticas e abordagens textuais. Dramas vividos num cenário de guerra, descritos com tamanha verosimilhança que somos naturalmente transportados para peculiar cenário. Mistérios em torno de uma rodovia e as intersecções sobrenaturais nela encontradas. Narrativa ambientada no universo streampunk mostra também uma notável habilidade do mesmo para retratar universos e personagens com similar ou superior talento em quaisquer assuntos escolhidos para escrita. Prova disso é o conto «Uma Graça de Conversa», que imprime um “Everton” astuto e muito bem humorado. Para finalizar a conversa, parabenizo-o pelo belíssimo livro que muito agradou-me, recomendo a leitura para quem estiver buscando algo agradável, diferenciado, que te envolve do começo ao fim. 176
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CONTO
A TERRA DE NINGUÉM ANA SOPHYA LINARES Participou em diversas obras colectivas: «Perdidamente II» do Grupo Múltiplas Histórias, «Antologia de Poesia Fã Clube, Vol. 1» da editora Poesia Fã Clube, «Contos Fantásticos II» da Edições Hórus e «Um Livro Num Dia» Vol. IV da Chiado Books. Colaborou na revista digital «Cultuliterarte» da Hórus e na revista «Estúpida» da Edições Mortas. É colaboradora do jornal «A Ponte», de Ponte de Sor.
“O verão estava a chegar ao fim, em breve faria frio. E ele não tinha roupas necessárias. Ou voltava a casa, interrompendo o seu ano sabático, ou passava frio. E ali fazia mesmo muito frio. Achou por bem voltar. Afinal,
Página da Autora: https://www.facebook.com/AnaSophy aLinares
não estava assim tão distante. Eram só
Blogue da Autora: http://sophyawritting.blogspot.com
Quando voltou, todos olhavam para ele como
cerca de cem quilómetros de casa.
se fosse um fantasma. Ele não entendia, qual o mistério? Afinal, só estivera fora de casa dois meses. Até que chegou a casa e entendeu o mistério. A porta de casa estava coberta de fita da polícia. Algo se havia passado. Ao longe ouviu alguém gritar «Assassino!», mas ele não entendeu porquê.” POR ANA SOPHYA LINARES
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cessárias. Ou voltava a casa, interrompendo o seu ano sabático, ou passava frio. E ali fazia mesmo muito frio. Achou por bem voltar. Afinal, não estava assim tão distante. Eram só cerca de cem quilómetros de casa. Quando voltou, todos olhavam para ele como se fosse um fantasma. Ele não entendia, qual o mistério? Afinal, só estivera fora de casa dois meses. Até que chegou a casa e entendeu o mistério. A porta de casa estava coberta de fita da polícia. Algo se havia passado. Ao longe ouviu alguém gritar «Assassino!», mas ele não entendeu porquê. Entretanto, alguém chamara a polícia. – Senhor Alexandre Morais, podemos falar consigo? – Disse um polícia. – Sim, claro. Estava a tentar entrar em casa, mas não encontro a chave sobressalente… – Nós levámo-la, para que ninguém entrasse. Importa-se de nos seguir? – Sim, claro. Mas podiam me dizer o que se
A
lexandre tinha decidido conhecer o mundo. Saíra de casa com esse propósito. Tendo vivido no campo, sabia caçar para comer, sabia desenrascar-se. E era isso que fazia agora. Havia caçado um pequeno veado e feito uma fogueira, para o assar aos bocados. Primeiro, tinha de o partir. Para isso, tinha levado uma faca de mato. Servia perfeitamente. Após lhe tirar a pele e cortar, começou a parti-lo em pedaços mais ou menos grandes. Depois, antes de assar, cortaria em pedaços mais pequenos. Trazia uma mochila apenas com o essencial. Como evitava as grandes cidades, andando apenas pelo mato, não tinha contratempos. Ele não precisava de dinheiro. De nada lhe servia. Com uma arma que levara consigo, e um fio e um anzol, ligados a um pau, improvisando uma cana de pesca, saía-se bem. A arma era a única coisa que não lhe cabia na mochila. E ele não ia para a cidade com uma arma nem a ia abandonar. Sabia que o verão estava a chegar ao fim, em breve faria frio. E ele não tinha roupas ne-
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passou? Porquê este dispositivo todo? – Senhor Alexandre, o senhor é procurado pelo homicídio dos seus pais. Traz uma arma, que parece confirmar o facto. – Esta arma é para a caça... Os meus pais estão mortos? Como assim? Eu não sabia. Quando saí de casa eles estavam vivos! – Acalme-se, por favor. Venha connosco para a esquadra, onde falaremos melhor. Alexandre assentiu. Ele estava em choque, ainda não conseguia assimilar que os seus pais haviam morrido. Como era possível isso acontecer? Na esquadra, falaram com ele calmamente. Pediram-lhe a arma para fazer análises, se havia sido aquela arma a usada para assassinar os pais. Disseram-lhe que, dentro de poucos dias, teriam o resultado. Mas, por enquanto, derivado do perigo de fuga, teria de aguardar na esquadra da polícia. Esperou três dias, três dias miseráveis, em que se sentiu o pior homem do mundo. Mas quem havia aproveitado a sua ausência para efetuar um
Esperou três dias, três dias miseráveis, em que se sentiu o pior homem do mundo. Mas quem havia aproveitado a sua ausência para efetuar um ato tão
bárbaro como esse? De repente, quando ele já não esperava nada nem ninguém, ela apareceu. Era a sua namorada, tinha-lhe pago a fiança. Ele era livre, por enquanto.
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baixo, mas subindo de tom aos poucos e poucos. Até que Cecília, reparando, ficou pasmada. – Porque estás a rir-te? – Perguntou, enquanto seguia Alexandre até à cozinha. Alexandre abriu uma gaveta de talheres e tirou de lá uma faca. Pôs-se a brincar com ela. – Sabes, és muito ingénua. – Disse, enquanto se dirigia até Cecília, sempre com a faca na mão. – Achas que vou fugir? Nunca! Não me vão conseguir ligar ao assassinato. Porque foste tu que os mataste. – Como? Não, eu não tenho nada a ver com isso. Estás louco? – Perguntou Cecília. – Não, tu é que estás, tanto que te vais matar enquanto eu sair para dar uma volta. – Estás doido, só podes. Eu não me vou matar. O que estás a fazer? – Vais sim... – E atingiu-a com a faca no peito. Cecília cambaleou para trás e para a frente,
ato tão bárbaro como esse? De repente, quando ele já não esperava nada nem ninguém, ela apareceu. Era a sua namorada, tinha-lhe pago a fiança. Ele era livre, por enquanto. Por não poder ir para sua casa, pois a sua ainda estava a ser investigada pela polícia, foi com ela para a casa dela. – Obrigado, mas não precisavas de me vir buscar. Vai tudo ficar esclarecido... – Disse Alexandre. – Não tens de quê. Mas não sei se ficará esclarecido... – Também tu desconfias de mim? Fiz-te assim tanto mal? – Não me fizeste mal algum, eu é que decidi terminar, lembras-te? E isso não tem nada a ver com o caso. Apenas te quis ajudar, vais ter de partir para nunca mais voltares... – E vou para onde, Cecília? Não tenho para onde ir, nem tenho culpa nesse caso. Os meus pais morreram... – Disse Alexandre, chorando. – Eles morreram e eu não fiz nada... – Não fiques assim. – Disse Cecília, chorando também. – Também me estás a fazer chorar... Abraçaram-se e choraram os dois. Mas, naquele abraço, Alexandre parou de chorar e começou a rir-se. Primeiro 180
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chocada. Depois, caiu morta. – O que tu me fizeste fazer... Mas alguém vai acreditar que fui eu!? Hahahahahahahaha... Dito isto, saiu de casa. Levou só o essencial e voltou à floresta, louco… Mas a polícia estava a segui-lo. Vendo-o com a roupa ensanguentada à luz de um candeeiro de rua, não foi muito longe. Desconfiando da origem do sangue, dirigiram-se à casa de Cecília, onde a encontraram morta, deitada no chão. Levaram, novamente, Alexandre para interrogatório. – Pois bem, senhor Alexandre, aqui nos encontramos de novo. – Disse o polícia. – Pois, parece que sim. – Respondeu Alexandre. – O que pretendem, desta vez? – Incrível como o senhor consegue ser frio, depois de matar a sua ex-namorada. – Desculpe, isso é uma acusação falsa. Eu não matei ninguém. Ela é que esteve com cenas e matou-se à minha frente. – Que cenas? O senhor vinha com a roupa ensanguentada, estava a rir-se. Isso não é normal. – Eu vinha a rir-me porque... Oh, está bem,
Pesquisaram os esgotos, coisa que não tinham feito anteriormente. E lá encontraram outra arma. Suspeitando de que seria a arma do crime, mandaram para análise, onde foi confirmado. Apesar de estar no esgoto e não se conseguir uma impressão digital sequer, o facto de ser a arma do crime e se encontrar perto de casa, e Alexandre ser
o único membro vivo da sua família, fazia ligação.
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matei-a. Não é isso que quer ouvir? Eu matei-a. Mas em relação aos meus pais, eu não fiz nada. Eu nem estava cá. – Isso é o que vamos ver. – Disse o polícia. Dito isto, levantou-se e pediu a Alexandre para tirar a roupa. Depois de vestir roupa de prisão, levaram-no para a penitenciária. Enquanto isso, analisaram a roupa de Alexandre. Fizeram, também, uma nova peritagem à casa dos pais de Alexandre. Pesquisaram os esgotos, coisa que não tinham feito anteriormente. E lá encontraram outra arma. Suspeitando de que seria a arma do crime, mandaram para análise, onde foi confirmado. Apesar de estar no esgoto e não se conseguir uma impressão digital sequer, o facto de ser a arma do crime e se encontrar perto de casa, e Alexandre ser o único membro vivo da sua família, fazia ligação. Como tal, inquiriram-no novamente. Ele recusou ser culpado do crime. – Enquanto me inquirem, o verdadeiro culpado foge. – Disse Alexandre. – Meu caro, você é culpado e vou testemunhálo em tribunal. Você matou a sua família. – Disse o polícia. – Mas porque o fez? – Porque matei a Cecília? Porque ela era uma intrometida. Em relação aos meus pais, não lhe
posso responder, pois eu não os matei. – Que raios, você acaba com a minha paciência. Você é culpado. – Disse o polícia. Alexandre respirou fundo. – Está bem, é o que quer ouvir? Eu matei-os a todos. Matei-os pelo dinheiro. Tanto que nem levei nenhum... – Não goze comigo... – Disse o polícia. – Não estou a gozar. Estou a dar-lhe a resposta que você quer. O polícia foi buscar um papel e uma caneta. – Escreva aí o que disse. E Alexandre escreveu. Não era grande confissão, mas podia ser que resultasse. Havia uma razão para o polícia mandar pesquisar os esgotos pela arma. Só o criminoso sabia onde a arma estava. Ele já o tinha debaixo de olho há algum tempo, era uma questão de tempo até ele fazer alguma asneira. Alexandre nunca tinha sido puro da cabeça. E o polícia sabia-o, pois havia sido colega de escola de Alexandre. Mas nunca fora seu amigo. E, por essa razão, atacara os pais de Alexandre. Vira a sua oportunidade na mesma noite em que Alexandre partira. Agora, ele iria pagar por um crime que era seu...
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SG MAG #04 | OUT 2017
MARISA LUCIANA ALVES Nasceu em Vinhais, em 1976, e é professora de Português-Inglês desde 1999. Apresentou e defende a tese sobre a construção da figura do ditador na literatura portuguesa, que lhe conferiu o grau de Mestre em Literatura Portuguesa. Tem quatro livros publicados e participa em obras colectivas. Foi a vencedora do 3º concurso literário da Papel D’Arroz Editora (2014). Página da Autora: www.facebook.com/marisa.luciana.31
RECENSÃO CRÍTICA AO ROMANCE «CONSORTE DE SANGUE», DE JOÃO PAULO BERNARDINO “Qual viagem ao século XVIII, este romance demonstra a envolvência entre personagens históricas, agora ficcionadas, como as da família real, e personagens fictícias, construídas para a narrativa. Essa atuação conjunta confere à ação um relevo fulcral na revisitação da História de Portugal e obsequiam o leitor com um relato de inúmeras descrições de momentos fulcrais da vivência da época.”
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onsorte de Sangue, da autoria de João Paulo Bernardino, é um romance que, a meu ver, contribui para o engrandecimento da História de Portugal, visto que nos oferece uma cuidadosa descrição da sociedade portuguesa do século XVIII, marcada pela magnificência da corte portuguesa. O título causa impacto no leitor e remete-o logo para a trama que surgirá ao longo do romance, assumindo aqui a palavra “sangue”, ainda que metaforicamente, uma referência ao sofrimento. Enquanto género literário, as características desta obra permitem classificá-la como romance histórico, na medida em que a ficção se relaciona com a História, ou seja, em que há alusão a factos históricos, conhecidos como verdadeiros e registados em documentos autênticos. Neste registo literário, a História assume uma nova aparência, uma reinterpretação, já que é reescrita e, como tal, usando as palavras de José Saramago, “supostamente acrescenta algo que não se sabia ou que se sabia, mas que se está a interpretar de uma maneira distinta”1 (Reis, 1998:84). Consorte de Sangue estrutura-se em 34 capítulos. Qual viagem ao século XVIII, este romance demonstra a envolvência entre personagens históricas, agora ficcionadas, como as da família real, e
personagens fictícias, construídas para a narrativa. Essa atuação conjunta confere à ação um relevo fulcral na revisitação da História de Portugal e obsequiam o leitor com um relato de inúmeras descrições de momentos fulcrais da vivência da época. Assim, vê-se alusão à grandeza da corte portuguesa (representada nas festas da corte portuguesa, na forma de vestir da sociedade, na linguagem); à ascensão de D. João V, o Magnânimo, a Rei de Portugal; à história das sucessões dos reis; às viagens marítimas para o Brasil; aos tempos faustosos do ouro no Brasil; à venda de escravos no mercado e à importância que Deus e a religião exerciam na sociedade. A forma como o discurso é representado é muito rica, com diálogos e descrição dos vários episódios históricos, com recurso à adjetivação expressiva, às interrogações constantes do narrador e às comparações, que transmitem vivacidade ao texto e transportam o leitor para os episódios referidos. No que toca às categorias da narrativa, Consorte de Sangue apresenta uma ação principal: a relação entre Luís e Maria, constituída por várias sequências que são narradas alternadamente, ora em diferentes espaços (como em casa de Luís, no palácio, no mercado, no Brasil), ora com diferentes personagens. O tempo histórico em que se desenrolam as sequências narrativas remete-se ao século XVIII. Nesse registo da escrita de João Paulo Bernardino, é evidente a capacidade e a preocupação que o
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José Saramago in Reis, Carlos (1998), Diálogos com José Saramago, Lisboa, Caminho, p.84
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mesmo tem de guiar o leitor a um tempo passado. O tempo do discurso é narrado com alteração da ordem temporal (anisocronia), em que o narrador faz uso da analepse (recuo a acontecimentos passados) ou da prolepse (antecipação de acontecimentos futuros, como, por exemplo, no final de capítulo em que deixava questões que suscitavam determinados acontecimentos). A linguagem utilizada é condizente à época referida, tendo para isso recorrido à pesquisa histórica. Afinal, não esqueçamos que estamos a aludir a um período histórico em que as formas de tratamento eram diferentes das de hoje e o vocabulário era mais formal nas relações entre as pessoas, principalmente quando se tratava de um ambiente da monarquia. Quanto à caracterização física das personagens no romance, a mesma é predominantemente direta, feita pelo narrador, que pode ser considerado omnisciente, uma vez que sabe tudo sobre o enredo e tem conhecimento do que se passa no interior das personagens, emoções e pensamentos, os antecedentes das ações e o futuro. Este narrador exibe uma voz feminina que, apesar de não poder ser considerado personagem, pois não participa na história ao longo do romance, tem uma relevância na ação, na medida em que o romance inicia com ela a contar a história e é com ela que a termina. Pertinente é a pergunta final do romance, “De que mais necessitarei para morrer em paz e feliz?”, que parece convocar o leitor a participar nesta narrativa, quase como pedindo respostas, que seriam forçadamente diferentes em cada leitor, conforme as suas experiências e vivências. No final do romance, cumpriu-se a vontade da narradora: contar a história de Luís, assim como toda a sua grandeza de alma, a infelicidade e o amor verdadeiro. À guisa de conclusão, e feita a minha apreciação de Consorte de Sangue, considero que esta obra é uma forma de ler e reviver a História refletida na ficção e por isso recomendo a sua leitura. Convicta de que quem o ler vai decerto dar o seu tempo por bem empregue, cabe-me então reco-
Qual viagem feita ao século XVIII, Consorte de Sangue é uma apaixonante história cheia de sonhos e ambições, estratégias e traições, glórias e desastres, amores e desamores. Este romance concilia a ficção com a História de Portugal, num relato de inúmeras descrições de momentos fulcrais da vivência da época, como a grandeza da corte portuguesa; a ascensão de D. João V, o Magnânimo, a Rei de Portugal; a história das sucessões dos reis; as viagens marítimas para o Brasil e os tempos faustosos do ouro no Brasil. É com este pano de fundo que surgem as vivências de Luís e Maria como casal: ele, um homem apaixonado e devoto a Deus, que passa por várias provações ao longo do romance; ela, uma mulher gananciosa e voluptuosa que apenas pensa em si. Com tanta peripécia eminente ao longo do romance, será que o destino os fará permanecer juntos?
Dados do livro: Título: Consorte de Sangue Autor: João Paulo Bernardino Editora: MP Edições 1ª Edição: 2018 Depósito Legal: 442984/18 ISBN: 978-989-691-752-4
mendar este romance, acreditando que o leitor será envolvido a cada página virada. 186
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ALMIR FLORIANO ALMIR FLORIANO Brasileiro, 58 anos, natural da cidade de Urânia, interior paulista, morador na capital de São Paulo. Filósofo, artista plástico, pesquisador e livre pensador. Escreve contos e poesias desde que se lembra ter aprendido a magia das palavras. Sempre escreveu apenas pelo hábito de gostar de homenagear pessoas, coisas e situações. Tem textos premiados em concursos nacionais e internacionais e participa em diversas colectâneas lançadas pela AVEC e Movimento Literatura Clandestina, Projeto Apparere, editoras Pastelaria Studios e Perse e revistas LiteralLivre e Inversos. Livros editados: «Metamor/fases» (autoajuda com textos e poemas); «Ramalhete» e «O Jardineiro» (poesias e crónicas); «Ufologia – As Verdades Que Não Te Contaram» (livro de realidades universais escondidas pelos governos e pelas religiões); «Folhetim» (contos, poesias e crónicas); «Florilégio» (poemas de amor). Contacto do Autor: almir_ponte@hotmail.com
O PECADO DO AMOR Que bom que ela provou a maçã Naquele jardim de ilusões Se o pecado não tivesse ocorrido Também não haveriam canções Condenados foram os personagens Por um ato sublime e frugal Mas a história fala tantas bobagens Porque assim foi criado um casal O pecado é invenção humana A melhor coisa que inventaram Pois se amar é pecado Também para sempre nos condenaram Talvez por isso Alguns amores viram infernos Mas não sem antes serem o céu E nos levam aos píncaros dos desejos Contados também em cordel Pois se a mulher deu origem ao pecado E tudo isso fez acontecer Me declaro corrupto e pecador Pois sem elas eu não sei viver!
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MARIZETH MARIA PEREIRA MARIZETH MARIA PEREIRA Nascida em Brotas de Macaúbas, BA, Brasil, em 1968, reside na cidade de Osasco, SP, onde participa em vários eventos culturais. Eleita Conselheira Municipal pelo direito da mulher na Coordenadoria da Mulher, Igualdade Racial e Diversidade Sexual, faz parte da Directoria de Cultura do partido político PROS MULHER, no qual luta pela inclusão cultural e igualdade social. Autora dos livros «Reflexos da Vida» e «Segredos de Uma Vida», usa os seus poemas em palestras e eventos culturais com os quais chama a atenção das pessoas para situações polémicas e reais da sociedade. Da Colecção Sui Generis, participou nas antologias «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Ninguém Leva a Mal», «Torrente de Paixões», «Sexta-Feira 13», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Tempo de Magia» e «Os Vigaristas». Página da Autora: www.facebook.com/marizeth.mariape reiraii
AINDA CONSIGO SORRIR Ainda consigo sorrir... E por mais que acontecimentos me aprisionam... Tento sair livre por aí... Tento esquecer o que chorei... E as traições das quais provei... Ainda consigo sorrir... Inventando um mundo novo... Tento descobrir... Onde se esconde a paz... Há muito tempo encontro-me com a dor... Mas sigo brindando à vida... Ainda acredito no amor... E no fim do arco-íris... Deve haver uma saída... Para um mundo de esperança... Com estradas floridas... Deve haver neste lugar... Pássaros livres no ar... Sorrisos incansáveis... E abraços a me esperar... A luz lá... Deve ser gratuita, infinita e bonita... E creio que iluminará... Toda a essência do meu existir... Por isto... – Ainda consigo sorrir! 189
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TIAGO SOUSA TIAGO SOUSA O destino fez de Tiago Sousa, um estudante universitário de 19 anos, amante do excêntrico e do macabro. Deixou que a inspiração lhe escrevesse já diversos contos de terror e tragédia, inspirados pela escrita de autores como Poe e Lovecraft. Ultimamente, tem dado asas à sua poesia, produzindo inúmeros poemas numa base diária, em métrica regular ou verso livre. A sua arte sempre estará marcada por uma estranha sensação de alienação e uma certa melancolia derivada do profundo pensamento. Página do Autor: https://www.facebook.com/tiago.sous a.10comoseomundonaofosseloucoosu ficiente
MURO DAS LAMENTAÇÕES Quem me dera ter a confiança de Whitman, E a eloquência de Bocage. Quem me dera tomar por meus os versos de um Camões Ou a personalidade de um Pessoa... Quem me dera ser eles, mas não eu. Quem me dera ser todo eles, mas nada de mim. Moro na cidade grande. A vida dança em todo o meu redor. Como é possível não conseguir inspirar nem um pouco dela? Os mendigos passam, e mesmo assim parecem animados no seu peditório. Enquanto isso, arrasto-me, Uma alma leve carregando um fardo demasiado pesado. Por que raio não consigo vibrar na mesma corda em que os outros vibram? Por que diabo não serei capaz de tudo o que eles fazem e muito mais? Será o azar do mundo assim tão pouco incerto?
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Mesmo adormecendo, não me dá o sono. E vejo o horizonte a percorrer o espaço Muito mais rápido que os meus olhos. Isto porque o músculo oculomotor não me permite tanto, Consequência de um já recorrente ataque de tédio. Sinto-me cansado, Mas não é um cansaço de corpo. É um torpor mais fundo. Se pudesse, deitar-me-ia em mim e esqueceria as gentes. Esqueceria os outros e as outras, Mas, acima de tudo, esquecer-me-ia eu! Deixar-me-ia como bagagem ou lixo desusado. Deitar-me-ia fora, como trapo já passado do seu prazo. Em dois ou três instantes, perder-me-ia nos anais da História. Porém, talvez um dia voltasse, Consciente da minha maldade inconsciente. Irresoluta insensatez me obrigaria ao retorno. De mãos atadas, novamente me pegaria como casaco, Agora sujo e amarrotado, Quatro ou cinco mil vezes embrulhado sobre si próprio, Maltratado pelas intempéries. Novamente, vestiria o capuz que é a cara E empunharia aqueles óculos que me são olhos. Suportado pelo fraco andarilho que me são as pernas, Andaria. Saltaria. Correria. Não mais infeliz do que no início. Sob o brilho do sol posto, Reconheceria a minha casa como único destino. Novamente me afogarei nos meus problemas E lutarei por tirar uma bem merecida noite de sono. No dia seguinte, acordarei Para de mim me tentar livrar de novo. (Só mais uma vez...)
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AMÉLIA M. HENRIQUES O FRIO ASSOLA A MINHA ALMA AMÉLIA M. HENRIQUES Nasceu em 1963, em Espinho, onde reside. Os seus gostos e hobbies são, na maioria, de inclinação artística. É artista plástica; participa em várias exposições individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro, destacando-se a última exposição colectiva, em Outubro de 2015, no Carrossel do Louvre, em Paris. É também artesã e faz parte do projecto-loja comunitária Artyspinho, destacando-se como ceramista e em joalharia com peças únicas; em 2013, foi seleccionada por oito designers de Nova Iorque. Editou um livro de poesia: «Manta de Retalhos» (Artelogy, 2015). Da Colecção Sui Generis, participou nas antologias «O Beijo do Vampiro», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Tempo de Magia» e «Devassos no Paraíso». Formada também em línguas, fala quatro idiomas. Gosta de viajar, pratica natação e não vive sem a música; é fã de jazz. Página da Autora: facebook.com/amelia.henriques178
O frio assola a minha Alma Derretida pela frigidez humana Fustigada pelas intempéries do tempo Rodopiando em círculos pelo vento Todo o meu ser treme cheio de medos... Como um animal acossado e indefeso... Olhar... ansiando o desvendar... do futuro Uma leoa rugindo... o semblante defensivo No âmago... um cordeirinho frágil e sensível Tapeando o lobo mau... a vida dura e incerta Medo de falhar... medo de perder os seus sonhos Medos... um Karma de Fé... não acreditar nele... Arrisca e atira-se... com medos, inseguro... voa! Tenta, não desiste... acredita mais... nele... Segue na correnteza da vida... amedrontado Valente na sua insegurança e abandono... Cresce... aprende a evoluir... objectivamente Será capaz? Mesmo que errando... tentou... A sua Alma purificou-se... sem medos Aproximou-se mais da pureza... eterna! Enquanto isso, despia o seu corpo do material Irradiando muita Luz, na perfeição imortal. Num perfeito Ser diáfano e cintilante!
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JONNATA HENRIQUE JONNATA HENRIQUE Poeta, cordelista, contista, antologista, brasileiro da cidade de Brejo da Madre de Deus, Pernambuco, publica os seus trabalhos nas páginas Gloryland e Angola-Brasil Poesias, além de participar em diversas antologias brasileiras e portuguesas. Da Colecção Sui Generis, participou em «A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Ninguém Leva a Mal», «Torrente de Paixões», «Saloios & Caipiras», «Sexta-Feira 13», «Fúria de Viver», «Devassos no Paraíso» e «Os Vigaristas». Páginas do Autor: facebook.com/Gloryland.com.br Facebook: Jonnata Henrique
CÂNONE Igual massa que fora acrescentada Algum ingrediente antes inexistente Perde o ponto ficando inutilizada Irreconhecível, mudando tão somente Similar a frágil castelo feito de cartas Quando nipe arrancado da edificação Base abalada, tendo as colunas fartas Não resiste, avariado, ele vai ao chão Mecanismo que faltando uma peça Comprometido fica, perde a eficiência Caos e dor de cabeça então proclama Volúveis mentes, única verdade é esta Obstáculo basta, tá explicada a ciência Que define a complexa máquina humana
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POESIA
MARILIN MANRIQUE MARILIN MANRIQUE Goiana, nascida em São Luís de Montes Belos, em 1955, reside em Uberlândia (MG), Brasil. Publicou os livros «Dia a Dia em Poesia» (Books Editora), «A Busca Pela Felicidade e Outros Contos» (Editora Becalete), «Momentos Poéticos» (Editora Becalete) e «O Presente» (Editora Futurama). Participações em obras colectivas: «Sarau Brasil 2014» e «Sarau Brasil 2015» (Vivara Editora); «Emoções Poéticas II» e «Inspiração em Verso II» (Editora Futurama); «Rede de Palavras» e «Memórias e Passagens de um Tempo» (Editora Scortecci); «Poesias Encantadas IX» (Editora Becalete); em Portugal, é co-autora de seis antologias organizadas por Isidro Sousa: «Boas Festas», «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Fúria de Viver» e «Tempo de Magia». Página da Autora: www.facebook.com/marilin.molina.5
LIVRO ABANDONADO Quando deixo um livro de lado Deixo esquecido e abandonado Um professor que orienta e ensina Quando deixo um livro de lado Abandono um coração que chora Em lindos versos de amor Quando deixo um livro de lado Deixo de fazer uma viagem E de conhecer várias pessoas Livros guardam muitas histórias Que podem servir de exemplos De vida, que podem ser seguidos Por isso não devem ser esquecidos Quem não se interessa por livros Deixa de conhecer e admirar Novas paisagens de lugares Por outros visitados e fotografados Quando desprezamos os livros Deixamos de conhecer autores Que podem se tornar amigos Bons companheiros e professores.
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LUCINDA MARIA LUCINDA MARIA Lucinda Maria Cardoso de Brito nasceu em Oliveira do Hospital, em 1952. Fez um percurso académico muito bom e tirou o curso do Magistério Primário, começando a leccionar em 1972. Encontra-se aposentada, mas continua a ensinar, agora artes decorativas, na Universidade Sénior de Rotary de Oliveira do Hospital. Tem cinco livros publicados – «Palavras Sentidas» (2013), «Alma» (2014), «Divagando...» (2015), «Terra do Meu Coração» (2016) e «Sonho?... Logo, Existo!» (Sui Generis, 2017) – e participações em variadíssimas obras colectivas. Da Colecção Sui Generis, participou em «A Bíblia dos Pecadores», «Graças a Deus!», «Vendaval de Emoções», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos» e «Tempo de Magia». Como autora, gosta de identificar-se apenas por Lucinda Maria e não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990. Página da Autora: facebook.com/lucindamaria.brito
COMO UMA FÉNIX... Ah! Como seria bom ser uma ave livre e esvoaçante, Desenhando no ar círculos iluminados de esperança, Incendiar-me de carinho... de meiguice... de ternura, Num mar de chamas flamejante, em fogo pintado... Ah! Como seria bom ser como uma fénix estonteante, Numa pira feita de ervas doces, ardendo numa dança, De asas ao alto, como braços esculpidos em candura, Consumindo lentamente, exalando um odor adocicado. Depois, ressurgiria das cinzas dum passado que não vivi, Numa apoteose de vida, numa espiral feita de esplendor, Uma escultura bela... doirada... jovem... feminina... Rodeada de uma auréola de brilho, espalhando alegria... Começaria, de novo, a viver, a sentir o que não senti, A lutar pela felicidade, a perseguir com afã aquele amor, Que nos faz seres completos, que nos apoia e domina... Como uma fénix, desta vez, não... nada desperdiçaria!
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RENATA GALBINE RENATA GALBINE Paulistana, 30 anos, virginiana. Desde muito nova, gosta e tem facilidade em escrever. Escreve sobre tudo aquilo que a inspira. A Renata é uma mistura de letras e músicas. Ama dançar. É intensa. Sentimental. Quase que uma Bomba Relógio. Praticamente, um campo minado que é necessário tomar cuidado a cada passo que der, ao caminhar. Página da Autora: https://www.facebook.com/MaisUma VezOSilencio
REFLEXO DE SI MESMO A Vida é reflexo. Reflexo do que você é. Reflexo do que você faz. Reflexo do que você pensa. A vida é reflexo das suas atitudes. De como você age. De como você faz ou deixa de fazer. A vida é reflexo das suas decisões. Das suas qualidades. Das suas intenções. Das suas imperfeições. Das suas entregas. Ou imprecisões. A vida é uma moeda de troca. A vida é reflexo do seu empenho. Trabalho. Conquistas. Dificuldades. E superações. É buscar forças para ser forte o suficiente. Independente do que vier pela frente. Não é só pedir. Mas principalmente e, acima de tudo, saber agradecer. Não é só esperar que façam por você. Mas fazer pelo outro. Estender a mão. Oferecer o ombro. Estar aberto de coração. 196
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Se hoje estiver nublado. Aproveite do silêncio para refletir o que precisa ser mudado. Se hoje for tempestade. Aja com serenidade. A chuva rega, limpa, lava, leva as impurezas. E passa. Se hoje for Sol. Saiba aproveitar. Desfrutar. Valorizar desse dia de luz. A tempestade, às vezes, assusta. Dependendo do que traz consigo. Excesso de água e algum tipo de perigo. Mas uma hora ela para. Assim é a vida... O que você faz dos seus dias nublados? Como você lida com as tempestades? Com qual sentimento você recebe um dia de sol? O que você faz por você? E pelo seu bem-estar? Você enxerga a sua auto-estima? Você se valoriza? Quais são seus planos? De que forma você conduz a sua vida? Você sabe o que é problema? Como você lida com eles? Você já realizou muitos sonhos? Já se deu conta que está vivo e que para realizar o que ainda não realizou basta ter a coragem de tentar? E pelo outro, você é capaz de ajudar? Quando foi humano pela última vez? E esses preconceitos que você ainda não se desfez? Você sabe dar “Bom Dia” às pessoas à sua volta, inclusive desconhecidos? No seu Dicionário existem aquelas palavras indispensáveis, como: “Por favor” e “Obrigada(o)”? Você já elogiou alguém hoje? Você já perdeu um amor por bobagem? Você cultiva as suas amizades? Não cobre da vida. Não cobre de Deus. Não cobre do outro. Não cobre do mundo. Não cobre de ninguém aquilo que não estiver saindo de você. A vida nada mais é do que isso... O reflexo do seu próprio ser! 197
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LENILSON SILVA LENILSON SILVA Professor de Língua Portuguesa na escola Getúlio Guedes, município de Pedras de Fogo, PB, Brasil. Graduado em Letras, especialista em Linguagem e Ensino e Mestrando em Ciências da Educação. As suas actividades de pesquisa envolvem a análise de letramento e género textual, produções de textos em língua materna. Página do Autor: www.facebook.com/LenylsonSylva
AS MÃOS DAQUELE ARTISTA A idade vai chegando As mãos não obedecem fazer arte O maestro tenta tocar, Mas não tem tanta força As notas não soam bem... Logo procura um médico Escuta que precisa de repouso, Mas quando chega em casa Ousa a tocar Mesmo com os dedos enfaixados A arte está em seu sangue Efervescendo, Pulsando alto, Não pode ficar parada... E a dor que ele sente? Parece que não está sentido Eu aqui de longe sinto e muito Não é possível ele não sentir 1% Ele toca intensamente aquelas teclas... Mas acredito que a arte costuma falar mais alto Ou melhor, 101%.
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CRISTINA SEQUEIRA CRISTINA SEQUEIRA Cristina Maria Xavier Sequeira, nascida em 1972, é natural de Cinfães do Douro (onde reside), distrito de Viseu. Participou nas antologias «Torrente de Paixões» e «A Primavera dos Sorrisos» da Colecção Sui Generis. Tem como hobby a sua página «Cristina Sequeira – Pedaços de Mim II» no Facebook, na qual publica a sua poesia. Páginas da Autora: www.facebook.com/CristinaSequeira-Pedaços-de-mim-ll1373559636013295 www.facebook.com/cristina.sequeira. 54390
DESEJO DE TI Convoquei teu nome no silêncio Logrando resposta ao coração E no silêncio esperei o tempo No tempo a seu tempo... Vejo laços e abraços Nos ecos da loucura Guardo dentro do meu retrato A janela da alma Com um sorriso convincente Espelhado na dimensão De olhares entrelaçados Num mar de emoções... Colho flores da lezíria Num lugar e num espaço Ao som do amor Acreditando na magia Da escrita veloz que brota sentimentos Em dia fértil de afetos...
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ISABEL MARTINS ISABEL MARTINS Leitora atenta que acompanha diversos e variados eventos literários. Escreve pontualmente poemas e divulga-os na sua página do Facebook. Participou em quatro antologias organizadas pela Sui Generis: «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver» e «A Primavera dos Sorrisos». Reside em Palmela. Página da Autora: facebook.com/isabel.martins.395669
SE EU SOUBESSE Se eu soubesse que falando com a Lua, Ela te abraçaria e te abriria um caminho, Se eu pudesse ser o Sol do teu carinho, Se uma nuvem chegasse para te embalar E soubesse ouvir o que tens para contar, Se eu soubesse e pudesse pedir à chuva Que te lavasse todos os teus pesadelos E te curasse dessas mágoas que tu tens, Se uma flor bastasse para saíres por aí Sem pensamentos em nada, senão em ti, Se eu soubesse, meu amor, eu rasgaria Os céus, eu cruzaria os mares, suplicaria À Lua, ajoelhar-me-ia ao Sol, colheria a flor, Oh, mas o que eu não faria por ti, amor!...
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ROSA MARQUES ROSA MARQUES Nasceu na Madeira, onde viveu até aos dezoito anos. Após casar, mudou-se para Porto Santo, onde reside e trabalha como administrativa até à data. Preocupa-a a situação precária em que o mundo se encontra, a condição humana (principalmente as crianças) e todos os que vivem em condições desumanas, nos países subdesenvolvidos e nos países em guerra. Gosta de ler e de tudo o que está ligado à literatura e à arte. Participou em diversas obras colectivas, em Portugal e no Brasil, e publicou dois livros de poesia com o selo Sui Generis: «Mar em Mim» (reeditado em 2018) e «Prisioneiros do Progresso». Página da Autora: Facebook: Maria Correia
SÃO JOÃO AINDA MENINO São João ainda menino Segura um balão com jeitinho Desfila no cortejo, traz com ele O seu belo cordeirinho! São João, belo e amável menino Por seus pais foi tão desejado... Querido por todos, através dos tempos Com foguetes e balões coloridos festejado! Imagem divina... criança adorável Que todos amam e gostam de admirar Tez plácida e branca... Com caracóis de ouro a enfeitar! São João bate palminhas e sorri... Ao ver o cortejo passar... Solta a sua mão da mão da mãe E vai com as outras crianças brincar! Também gosta de correr e alegre saltar À volta da fogueira... Que por tradição se mantém acesa Durante a noite inteira!
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RAFA GOUDARD SABEDORIA Os conhecimentos obtidos pelo estudo diário, Durante nossa jornada, Utilizamos desde conversas informais até As de negócio, além de em outros momentos. É fundamental adquirirmos conhecimentos, Colocarmos na prática tudo que aprendemos. É essencial irmos a palestras. Investir em nós mesmos Não é apenas comprarmos roupas, joias e carros, Para preenchermos o vazio de nossas almas, É essencial tornarmo-nos seres com sabedoria.
Administrador, músico, pianista, escritor, poeta, cronista e compositor. O seu hobby é ler livros; também adora tocar piano nas horas vagas, escrever poesias de madrugada, andar a cavalo quando sobra um tempo e escutar e estudar vários estilos de músicas. Tem poesias publicadas, desde 2015, em várias editoras do Brasil e de Portugal. Em 2016, participou em três concursos e obteve um prémio literário. Em Portugal, participou nas antologias «Boas Festas», «Vendaval de Emoções», «Saloios & Caipiras», «Torrente de Paixões» e «Fúria de Viver». Página no Facebook: www.facebook.com/rafa.goudard
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VIEIRINHA VIEIRA VIEIRINHA VIEIRA Nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal. Usa os heterónimos Lo Escrita e Maria de Mais, mas o seu nome mais conhecido é o pseudónimo Vieirinha Vieira. Formou-se em Contabilidade e Gestão, foi membro do Clube Juvenil Verbo na década de 90 e representou o jornal escolar “Nascente” em 1994. É mentora do projecto de leitura “Ginástica ao Cérebro”, frequentou cursos de teatro (da FLUP e do Palácio do Bolhão) e integra o Teatro Experimental do Orfeão da Feira. Colaborou em revistas, rádios, antologias e e-books, tem mais de 25 participações em livros colectivos e marcou presença em feiras do livro de Braga e Lisboa. Tem dois livros publicados: «A Menina Que Fui» (Pastelaria Studios Editora, 2016) e «Vestigium d’Arbor» (Chiado Editora, 2017). Página da Autora: www.facebook.com/vieira.vieirinha.5
TODOS OS DIAS PELA MANHÃ Todos os dias Todos os dias pela manhã oro pelos meus erros E peço para que além de corrigi-los não cometa os dos outros Todos os dias pela manhã eu olho o espelho E tento olhar para lá do que meus olhos vêem Todos os dias pela manhã clamo pelas forças E faço tudo o que estiver ao meu alcance para atingir o melhor de mim Todos os dias pela manhã eu nasço de novo E peço ao novo para me fazer morrer melhor Todos os dias pela manhã vai existir um amanhã E como amanhã eu posso ser algo novo O presente é desfrutar disso
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LIVROS
MEMÓRIAS DE UMA EXECUTIVA
MEMÓRIAS DE UMA EXECUTIVA Autor: Tito Lívio Editora: Chiado Editora Nº de Páginas: 78 páginas 1ª Edição: Setembro 2012 ISBN: 978-989-679-884-6 Encomendas: www.chiadobooks.com/livraria Facebook: Tito Lívio
O dia-a-dia, no emprego e fora dele (por exemplo nas conversas com as amigas) e, sobretudo, as reflexões da protagonista, contadas na primeira pessoa, sobre os homens e o seu “estranho” comportamento, acções, atitudes e linguagem. Resta acrescentar que a narradora é directora financeira de uma grande empresa multinacional, cargo habitualmente vedado às mulheres. Esta executiva é uma mulher altamente independente, segura das suas convicções, dotada de uma enorme e pragmática experiência de vida, que contudo nunca vê o chamado “sexo forte” como um inimigo mas como um tema de reflexão e de uma perspicaz observação, tudo embalado de uma corrosiva e bem-disposta ironia. «Bem sei que o facto de ser uma mulher atraente – constato-o, diariamente, nos olhares dos homens – faz com que pululem, na empresa, os mais variados rumores de que teria conseguido o lugar de directora financeira depois de “dormir” com a maior parte dos “bosses”, algo de profundamente falso. Isto porque não há nada que mais assuste os machos do que uma mulher inteligente num cargo de poder, habituados, como estão, a partir para qualquer situação como potenciais vencedores. Mas, uma vez aqui chegada, não me é permitido dormir sobre os louros acumulados, visto que o mais pequeno erro nunca me será perdoado, sendo ainda motivo para comentários de chacota ou, o que é pior, de uma piedosa comiseração, tais como “coitada, é mulher, que outra coisa se poderia esperar...” Comandar um departamento, em que os homens se encontram em maioria, não é tarefa fácil, visto que tenho de, diariamente, vencer o machismo dominante. Mas são, sobretudo, as mulheres, profundamente colonizadas por tais preconceitos ou acomodadas ao seu estatuto de género “inferior e subsidiário”, que têm oferecido a maior resistência, tecendo sobre mim os mais fantasiosos e abjectos comentários...» O AUTOR – Crítico de cinema e de teatro no Diário Popular, República, A Capital, vencedor de dois prémios no Diário de Lisboa Juvenil. Colaborador de vários jornais como Notícias da Amadora, Jornal do Fundão, Jornal de Letras, Diário do Algarve, O Setubalense e revistas Seara Nova e Manifesto. Membro do Conselho Editorial da revista Korpus, editada por Isidro Sousa entre 1996/2008. Durante dez anos (1995/2005), docente de Dramaturgia, História do Teatro, História do Cinema e História da Televisão. Júri de diversos Prémios da Casa da Imprensa, da Crítica e dos Globos de Ouro (SIC). Autor dos livros A Escrita e o Sono, Senhor Partem Tão Tristes, Ruy de Carvalho – Um Actor no Palco da Vida, Teatro Moderno de Lisboa (19611965) – Um Marco na História do Teatro Português e As Tuas Mãos Sobre o Meu Corpo. Autor de Sobreviventes: Dez Mulheres à Procura da Voz, peça de teatro concorrente ao prémio de originais de teatro da Sociedade Portuguesa de Autores. Co-autor de diversas antologias Sui Generis: O Beijo do Vampiro, Vendaval de Emoções, Ninguém Leva a Mal, Torrente de Paixões, Saloios & Caipiras e Os Vigaristas.
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LIVROS
PRISIONEIROS DO PROGRESSO
PRISIONEIROS DO PROGRESSO Autora: Rosa Marques Colecção Sui Generis Editora: Euedito Nº de Páginas: 120 páginas 1ª Edição: Dezembro 2017 ISBN: 978-989-8896-02-5 Depósito Legal: 434950/17 Encomendas: rccorreiamarques@gmail.com www.euedito.com/suigeneris Telefone: (+351) 968237834 Página da Autora: Facebook: Maria Correia
Os textos poéticos incluídos em Prisioneiros do Progresso expressam revolta, descontentamento, uma mágoa profunda por tudo o que está a suceder à humanidade. A pobreza, a violência, a dor provocada pelas guerras, pelos terríveis atentados, por todas as formas de injustiça e aniquilação praticadas contra o ser humano... A forma insensível como o homem tem vindo a tratar a Terra nos últimos tempos, promovendo um desenvolvimento exagerado e sem controlo, causando desequilíbrio... danos irreversíveis no Planeta. É um progresso anómalo que desumaniza, empobrece os seres humanos, divide-os e leva-os à solidão, tornando-os materialistas e tecnológicos. A ausência de valores é uma realidade alarmante, a principal causa da actual situação de instabilidade no mundo, originando o desprezo pela vida humana, afastando o homem daquilo que o diferencia e humaniza: a sua parte espiritual. Destruindo o seu habitat, o homem do século XXI caminha a largos passos para o abismo da destruição, da anulação de si próprio... São estas as principais preocupações que reflectem os poemas deste livro. Rosa Marques nasceu na ilha da Madeira, na freguesia da Camacha, onde viveu até aos dezoito anos de idade. Após o seu casamento mudou-se para Porto Santo. Preocupa-a a grande instabilidade em que o mundo se encontra e a situação precária em que muitas pessoas vivem. Gosta de ler e de tudo o que está ligado à cultura; por vezes escreve um pouco do que lhe vai na alma: sobre recordações da infância e sobre a Natureza, a quem declara um amor incondicional. Colabora com duas revistas literárias e tem participações em mais de vinte obras colectivas, em Portugal e no Brasil. Em 2016, publicou o seu primeiro livro de poesia, Mar em Mim, com o selo Sui Generis. Prisioneiros do Progresso é o seu segundo livro. 206
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LIVROS
UM BRAÇADO DE ESTROFES «Este Braçado de Estrofes, mais do que procurar seguir um tema que o defina, é por natureza um conjunto de palavras e versos que se passeiam, suavemente, à flor da minha pele procurando abraçar quem me lê», revela Maria Lascasas, autora deste livro, cuja apresentação pública ocorreu no passado dia 2 de Junho. E acrescenta: «Surgiram, como os demais, sem hora marcada, sem ideia préconcebida, e são, isso sim, flashes de um par de mãos frente à folha branca que por vezes se sente esmagada. Traduzem um olhar sobre a natureza e desmontam algum mal-estar do nosso quotidiano, como que um grito que se funde, de emoção, na arte de escrever. «Juntinho à minha pele existe um grito pronto, um abraçar ligeiro, uma lágrima retida, dois pés a caminho, para qualquer lado. Assim reescrevo o meu Mundo. E neste mundo procuro dar vida aos sentimentos e emoções, num diálogo que se entenda na música poética onde o título do livro se forjou.»
UM BRAÇADO DE ESTROFES Autora: Maria Lascasas Editora: Modocromia Nº de Páginas: 136 páginas 1ª Edição: Maio 2018 ISBN: 978-989-54025-7-1 Depósito Legal: 441473/18 Encomendas: marbelha.ferreira@gmail.com Página da Autora: Facebook: Maria Dos Santos https://www.facebook.com/maria. dossantos.37266136
SOBRE A AUTORA: Maria Lascasas é um pseudónimo de Maria Beatriz Ferreira. Nasceu em São Pedro da Cova, Gondomar, em 1950. Licenciada em História pela Universidade do Porto (1983), obteve o grau de Mestre pela Universidade do Minho (1998). É praticante de actividades de ar livre (montanha), sendo sócia Nº 156 da Federação de Montanhismo de Portugal. Tem cinco livros de poesia editados a solo: «Reflexos» (1975), «Despertar» (1976), «Trinta Anos de Silêncio» (2015), «Vesti as Palavras» (2016) e «Um Braçado de Estrofes» (2018). Publicou três livros em co-autoria: «Seis Ruas de Inspiração» (2016), «Dois Sentires» (2016) e «Entre Murmúrios» (2017). Publicará brevemente: «Qualquer Vida Poderá Dar um Filme», um livro de Crónicas resultante de um concurso da Papel D’Arroz Editora, com patrocínio do grupo Múltiplas Histórias. Tem colaborado com vários editores em diversas Antologias e Colectâneas desde 2014. Da Colecção Sui Generis, é coautora da antologia de Natal «Tempo de Magia» (2017). 207
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ROMANCE EM SÃO TOMÉ Um jovem licenciado em geologia, ao aceitar desempenhar um lugar de responsabilidade na Agência Nacional de Petróleos de São Tomé, não poderia prever os acontecimentos que lhe mudariam por completo o rumo da vida. A bela mulher com quem se veio a cruzar, a beleza e sortilégio do arquipélago, a par da fatalidade de que veio a ser alvo, ocasionaram uma tão grande viragem no seu destino que levou a que os seus próprios progenitores alterassem, também eles, radicalmente a vida cómoda que tinham até então. E... quando se entra no paraíso e se encontra um anjo, nada mais interessa!
ROMANCE EM SÃO TOMÉ Autor: Estêvão de Sousa Editora: Independently Published (Amazon) Nº de Páginas: 141 páginas 1ª Edição: Dezembro 2017 ISBN-10: 1973565099 ISBN-13: 978-1973565093 Encomendas: estevaodesousa@hotmail.com www.boa-leitura.simplesite.com www.amazon.com Página do Autor: www.facebook.com/francisco.estev aodesousa
Estêvão de Sousa nasceu em Lisboa, em 1937. Estudou em Tomar, no Colégio Nuno Álvares e Escola Comercial Jacome Ratton, onde fez o curso geral de comércio. Foi, aos 15 anos, para Angola, permanecendo nesse país até aos 36 anos. Aí, fez um curso de geotecnia e mecânica de solos, no Laboratório de Engenharia de Angola. Como funcionário da Junta Autónoma de Estradas de Angola, exerceu as funções de técnico de estradas, com a categoria de chefe de trabalhos. Já em Portugal, fez um curso intensivo de gestão e administração de empresas e exerceu as funções de gerente comercial e Director Administrativo. Hoje, aposentado, escreve. Tem várias obras literárias editadas: «Nesta Terra Abençoada», «Tráfico no Rio Geba», «Irina – A Guerrilheira», «Rapto em Londres», «Romance em São Tomé», entre outras. Tem participações em diversas obras colectivas e colabora, também, em algumas revistas digitais. Da Colecção Sui Generis, participou em «A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro», «Saloios & Caipiras», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Crimes Sem Rosto», «Devassos no Paraíso» e «Os Vigaristas». 209
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DEZOITO Na Cabala, o número 18 tem um significado especial e corresponde ao poder de vontade da alma. Ele é equivalente ao valor numérico da palavra hebraica “Chai”, que tem como significado “vivo” ou “vida”. E vida é aquilo que é dado por Everton Medeiros aos inúmeros personagens, humanos ou não, que compõem os dezoito contos desta variada obra: Dezoito. Neste livro, o autor viaja no tempo, no espaço e por diversos géneros de conto. A obra inicia-se com o drama vivido por um tenente canadense na Segunda Guerra Mundial, seguindo para uma viagem de carro sobrenatural numa sexta-feira 13, e depois para o ano 3316 da Era Cristã, quando a Humanidade alcançará o fim e o início de tudo. Nos textos seguintes, vemos o horror de uma nova e destrutiva guerra mundial, o drama de um órfão à espera da adopção, a descoberta das Américas pelo genovês Cristóvão Colombo com algo mais que a História não contou, o prenúncio do fim do planeta Terra, entre outros contos sobrenaturais, de ficção científica, romance, suspense, drama e comédia.
DEZOITO Autor: Everton Medeiros Editora: Scortecci Editora Nº de Páginas: 160 páginas 1ª Edição: 2017 ISBN: 978-85-366-5391-4 Encomendas: facebook.com/everton.medeiros.br www.asabeca.com.br/home.php
O AUTOR – Everton Medeiros da Silveira, brasileiro, natural de Porto Alegre (RS), casado com uma escritora amante da literatura, é engenheiro e auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil. Iniciou na escrita no ano de 2000, com a elaboração de um roteiro cinematográfico (género ficção científica) voltado ao mercado norte-americano. Em 2001, participou em diversos concursos dessa categoria nos Estados Unidos, onde registou o seu primeiro roteiro de longa-metragem. Conta com diversas participações em antologias de poesia e prosa, no Brasil e em Portugal. Entre os seus próximos projectos estão o lançamento de um livro de poesias e um romance de ficção científica. Além da escrita, tem como hobby a astronomia, suas observações e seus registos. Dezoito é o seu primeiro livro solo.
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CONFISSÕES DE UMA MIÚDA GIRA
CONFISSÕES DE UMA MIÚDA GIRA Autora: Ângela Caboz Editora: Chiado Editora Nº de Páginas: 223 páginas 1ª Edição: Fevereiro 2018 ISBN: 978-989-52-2000-7 Encomendas: www.chiadobooks.com/livraria www.facebook.com/angela.caboz
A história poderia ser eu. Podia escrever sobre o passado, inventar um futuro. Poderia até passar sobre o presente, não deixar que mais memórias se escondessem nesta bagagem pesada que carrego sobre os ombros. «Era a mulher atinada. A mulher que não cometia pecados. Disponível para todos. Sempre com um sorriso nos lábios e um abraço para confortar quem dela precisava. O seu coração materno obrigava-a a ser assim. Não existia outro vestido que lhe servisse. Não poderia calçar outros sapatos para caminhar na estrada, que a vida lhe dissera que era a sua.» Mas a vida ensinou-me que o caminho certo era o amor, transformou a miúda sonhadora em mulher que aprendeu a amar. «Sonhaste e foste trilhando a pulso o teu caminho. Deixaste o teu rasto pela estrada da vida, onde sempre caminhaste com passos largos. Tatuaste sentimentos em corações alheios. Deste um pouco de ti a cada um deles. Sem nunca permitir que eles escrevessem sentimentos eternos nas linhas invisíveis do teu coração. Poderia chamar-te ave ferida. Ou, quem sabe, ave solitária.» É a história do que sonhei, retalhos de uma alma, dos momentos que vivi entrelaçados com sonhos em que me perdi. É a escultura da alma que sou e a imagem do coração com que sinto todas as palavras, que dançam nas linhas rectas da folha em que escrevo uma história colorida de uma vida que por vezes vivi. A AUTORA – Ângela Caboz é natural de Tavira (Santiago) onde nasceu em 1966. Assistente administrativa, na área comercial. Escreve sobre os sentimentos que lhe habitam a alma e que reflectem a sua maneira de ver e sentir o mundo que a rodeia. Perseguindo um sonho arriscou em Setembro de 2014 a publicação do seu primeiro livro À Procura de um Sonho e em Julho de 2017 editou Amo-te Miúdo Tonto. Tem participações em diversas colectâneas de poesia, pelo gosto de conviver e partilhar a sua poesia com os seus amigos poetas. Da Colecção Sui Generis, participou em Vendaval de Emoções e Fúria de Viver.
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VOLTO JÁ... Vou perguntar à vida por onde anda a poesia...
«Volto Já... Vou perguntar à vida por onde anda a poesia...» é um livro que não se apresenta pela forma da poesia tradicional. É um livro de conversas, desabafos e divergências entre o autor, a vida e a poesia, numa escrita subtil que mistura a poesia popular e erudita em textos e poemas que viajam através da saudade, do amor, da amizade e da solidariedade e que é, antes de tudo, uma viagem atenta por algumas das emoções que a vida nos oferece. «Volto Já...» é um livro marcado pela cadência firme e pela musicalidade que as palavras imprimem à sua leitura. O novo livro de reflexões, prosa poética, poesia e cartas do autor Jorge Manuel Ramos.
SOBRE O AUTOR:
VOLTO JÁ... Autora: Jorge Manuel Ramos Editora: Edição JMR Autor Nº de Páginas: 140 páginas 1ª Edição: 2018 ISBN: 978-989-20-8452-7 Depósito Legal: 439724/18 Encomendas: jorgeramos.cme@gmail.com https://www.facebook.com/jorger amos.cme
Jorge Manuel Ramos nasceu em 1966, em Seia, Serra da Estrela, e reside em Oliveira do Hospital. Estudou o que quis e enquanto lhe apeteceu, tudo o resto aprendeu com a vida. Foi metalúrgico, barman, DJ, funcionário administrativo da banca, mediador de seguros, técnico comercial de audiovisuais e de informática. É músico amador, operário têxtil, animador de programas de rádio. Escreve, declama poemas, tem vários livros editados, participa e organiza antologias e recentemente estreou-se como editor. Da Colecção Sui Generis, participou em «A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro», «Vendaval de Emoções», «Saloios & Caipiras», «Fúria de Viver» e «Devassos no Paraíso».
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A RIBEIRA DA MINHA TERRA Este livro é uma forma de Maria Alcina Adriano homenagear as gentes da sua terra, pelas quais tem uma grande admiração e estima, e onde gosta sempre de voltar. Além disso, sempre se sentiu muito ligada à Ribeira, que considera uma grande fonte de vida da aldeia onde nasceu. «Nas lajas da Ribeira lavava-se a roupa e as tripas dos porcos no dia da matança, com as suas águas regavam-se as hortas, nas suas águas correntes ou paradas fazíamos as nossas brincadeiras de crianças e jovens», revela a autora. E acrescenta que em “A Ribeira da Minha Terra” constata-se a diversidade dos temas: «Falam de amor, de saudade, de perdas, de esperança, de viagens. Destaco, por exemplo, os poemas sobre a minha terra (Vale Verde) que referem as vivências e as diferenças verificadas nas últimas décadas e os poemas de Florbela Espanca e de Luís de Camões, que me atrevi a glosar.»
A RIBEIRA DA MINHA TERRA Autora: Maria Alcina Adriano Editora Euedito Nº de Páginas: 82 páginas 1ª Edição: 2017 Encomendas: www.euedito.com/livraria.html facebook.com/mariaalcina.adriano
SOBRE A AUTORA – Nasceu em Vale Verde, concelho de Almeida, a 30 de Novembro de 1950. Em 1970 foi trabalhar em Lisboa, recomeçou a estudar mais tarde e concluiu a licenciatura na Faculdade de Direito em 1989. Durante mais de 40 anos trabalhou na Administração Pública, onde atingiu o topo da carreira profissional, no desempenho de funções jurídicas. Começou a escrever poesia na sua juventude, mas só em 2011, depois de se ter aposentado, publicou o primeiro livro. Nos poemas encontrou uma forma de falar dos seus sonhos, dos seus amores, das suas vivências e experiências no País e nos diversos países que tem visitado, de questões sociais, das suas perdas e desilusões, sem nunca se esquecer das suas origens rurais e das dificuldades sentidas pelas populações da Beira Interior, regressando muitas vezes à sua terra, para receber os abraços das suas gentes, para sentir os cheiros característicos da aldeia e dos campos – ou cobertos de geada, ou floridos e verdejantes, ou gretados pelo vento e pelo calor –, para respirar o ar puro sempre que abre uma janela, para ouvir a sinfonia dos pássaros que acordam a madrugada, para ouvir o coaxar das rãs nas noites em que a insónia entra pela porta e não tem vontade de sair. Maria Alcina Adriano tem mais sete livros editados e participações em diversas antologias, e é membro da Associação Portuguesa de Escritores e da Associação Portuguesa de Poetas.
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A CLAUSURA DE KEMATIAN
A CLAUSURA DE KEMATIAN E OUTROS CONTOS INSÓLITOS
Autor: Nardélio F. Luz Editora Becalete
Nº de Páginas: 112 páginas 1ª Edição: Novembro 2017 ISBN: 978-85-69358-65-7 Encomendas: narfeluz@gmail.com Páginas do autor: escrivaninhafantasma.blogspot.com www.youtube.com/user/narfeluz www.facebook.com/nardelio.luz Instagran: @nardelio.luz Dados para comprar o livro: Conta Poupança / Caixa Econômica Federal Titular: Nardélio Fernandes da Luz Agência: 0162 – Conta: 00032275-3 Preço do Livro: R$ 35,00 (incluídas despesas postais para todo o Brasil)
Os cinco contos que compõem esta colectânea possuem temas distintos, mas se igualam em qualidade, destacando a competência do autor ao se embrenhar pelos domínios lúgubres do fantástico e da fantasia. A narrativa simples e bem detalhada permite ao leitor fácil compreensão e aguça a sua curiosidade e imaginação, transportandoo e permitindo que vivencie as cenas e assimile os dramas e emoções dos personagens, sem abrir mão do suspense angustiante e da atmosfera de mistério que o prende do início ao fim de cada história. Neste livro o poeta Nardélio F. Luz provou que domina muito bem a arte de escrever. A sua sensibilidade o torna exímio não apenas na composição de lindas poesias, ou na descrição autobiográfica que nos apresentou no seu primogénito «Vida Após a Vida», mas também na habilidade e criatividade tão necessárias para as histórias de ficção. O AUTOR: Nardélio F. Luz é autodidacta. Mineiro de Araxá e radicado em Uberlândia desde a adolescência, exerceu a profissão de funileiro até 1998, quando fracturou a cervical num mergulho e sofreu uma lesão medular que o deixou tetraplégico. Leitor voraz desde a infância, rabiscou alguns textos na juventude sonhadora, mas só tomou gosto real pela escrita após a paralisia. Utilizando-se de adaptadores palmares para substituir os dedos inertes, começou a escrever “catando milho” no intuito de exercitar os poucos movimentos que lhe restaram nos braços e combater o ócio para evitar a depressão. Romântico incurável e fascinado por literatura fantástica, mistério e horror, escreve poemas, contos e outros textos. Inclusive sobre o dia a dia dos deficientes físicos, por acreditar que a informação é a melhor forma de combater preconceitos e discriminações. Além de contos publicados na Amazon, é autor de textos em várias antologias literárias e sites da internet. Em 2007 publicou o seu primeiro livro solo, a autobiografia «Vida Após a Vida» com 384 páginas, pela Editora Viena. Em 2017 publicou o segundo livro, «A Clausura de Kematian e Outros Contos Insólitos», pela Editora Becalete. Ultimamente tem-se dedicado à poesia e contos de suspense, mistério e terror.
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BIOGRAFIA
AQUILINO RIBEIRO
Ficcionista, autor dramático, cronista e ensaísta português, considerado um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX, Aquilino Ribeiro nasceu em Carregal, concelho de Sernancelhe, na Beira Alta, em 1885, e faleceu em Lisboa, em 1963. Foi um dos que foram implicados no Regicídio de 1908 e tem uma biblioteca e uma Fundação/Casa-Museu com o seu nome em Moimenta da Beira. Os seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional em Setembro de 2007, 44 anos após a sua morte. 217
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lcança quem não cansa”, diz o exlibris de Aquilino Ribeiro. Não poderia ter escolhido melhor este escritor, que se designava a si próprio como um “obreiro das letras” e que trabalhou incansavelmente quase até ao dia da sua morte, chegada a 27 de Maio de 1963; foi pouco depois de uma viagem ao Porto; aí ocorrera mais uma das muitas homenagens com as quais nesse ano, precisamente, o País consciente (e temerário) prestava tributo aos cinquenta anos de trabalho do “mestre”, cuja arte de ficcionista, descontando alguma prosa de folhetim, começara a vir a lume em 1913, com a publicação do volume de contos «Jardim das Tormentas».
padre Joaquim Francisco Ribeiro, tem uma infância, ao que se sabe, de miúdo um pouco mais que travesso, a tal ponto que ainda hoje é possível encontrar na zona quem tenha ouvido contar histórias picarescas de um menino destinado pela família à vida de sacerdócio. A sua ida para o Colégio da Senhora da Lapa, em 1895, seria o início de um percurso que o leva seguidamente para Lamego, mais tarde para Viseu (ano de 1902), onde vai estudar Filosofia, e, pouco tempo depois, para o Seminário de Beja, frequentado, ao que consta, pelos ordenandos mais recalcitrantes. Em 1904 é expulso do seminário, depois de ter dado uma réplica cortante a uma acusação do Padre Manuel Ançã, um dos dois irmãos que ao tempo dirigiam a instituição.
Nascido a 13 de Setembro de 1885 no concelho de Sernancelhe, freguesia de Carregal de Tabosa (uma lápide assinala a casa onde se julga que nasceu), filho de Mariana do Rosário Gomes e do
Registos deste tempo juvenil encontramo-los ficcionados em «A Via Sinuosa», no díptico «Cinco Réis de Gente» e «Uma Luz ao Longe», com o decurso da acção, neste último título, no Colégio da Lapa, e sob a forma de memórias em «Um Escritor Confessase», publicado postumamente. Neste volume, contudo, encontramos fundamentalmente relatos de um tempo tão empenhado politicamente como aventuroso, do qual há também relato ficcional no romance «Lápides Partidas», que prossegue a história de «A Via Sinuosa». É o tempo que, pese embora algumas intermitências, Aquilino Ribeiro passa em Lisboa, chegado em 1906; aí, divide-se pela escrita, com artigos de opinião publicados em jornais como «A Vanguarda», jornal republicano, pela tradução (traduz «Il Santo», de Fogazzaro) ou pela redacção, em parceria com José Ferreira da Silva, do folhetim «A Filha do Jardineiro», uma ficção ao mesmo tempo de propaganda republicana e de crítica corrosiva às figuras do regime monárquico, a começar por D. Carlos. 218
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Verdadeiro “homem de acção”, um tipo social que o princípio do século XX muito exaltou, adere por completo às movimentações republicanas, quer através de um posicionamento pela escrita, quer através da participação em actividades que acabam por levá-lo à cadeia. De facto, no ano de 1907, o rebentamento de caixotes de explosivos guardados na sua casa leva à morte de dois correligionários e a que seja encarcerado na esquadra do Caminho Novo, de onde se evade em situações rocambolescas, como se pode ler no volume de memórias antes mencionado. Depois de alguns meses de clandestinidade em Lisboa, segue para Paris; aqui inscreve-se no curso de Filosofia da Sorbonne, onde tem a oportunidade de receber a lição de mestres como George Dumas, André Lalande, Levy Bruhl, Durckeim, e onde contacta com a intelectualidade portuguesa que, também por motivos políticos, se via forçada a viver fora de Portugal.
O curso, a política, os projectos editoriais que vai desenvolvendo com os companheiros de exílio (parte destas circunstâncias vêm relatadas em «Leal da Câmara», uma biografia deste pintor), as crónicas que envia para Portugal, para publicação, nomeadamente na «Ilustração Portuguesa» e no jornal «A Beira», a observação, as pesquisas de bibliófilo ainda lhe deixam tempo para escrever, na biblioteca da Sainte Geneviève, perto da Sorbonne, o volume de contos «Jardim das Tormentas». Também em Paris, conhece Grete Tiedemann, sua primeira mulher e mãe do filho mais velho. No dealbar da guerra mundial, é forçado pelas circunstâncias a regressar ao seu país com a família (volta em 1914); a vida parisiense dos tempos que antecedem o advento do conflito vem relatada no volume diarístico «É a Guerra», no qual ganha proeminência a crítica àquele que era na altura o ministro da Legação de Portugal em Paris, João Chagas. Fica incompleto o curso de 219
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de trabalho – um “grupo de intelectuais altamente representativo da mentalidade do tempo”, como escreveu Manuel Mendes – continua a desenvolver uma actividade cívica que vai ter a sua expressão mais visível na revista «Seara Nova», publicação preponderante quer na difusão dos ideais republicanos (sociais e educativos, nomeadamente), quer mesmo no evoluir da conturbada vida política da 1ª República. A sua faceta de “homem de acção”, como já se viu, deu frutos ainda nos anos finais da monarquia (ainda hoje há quem se interrogue se no dia do regicídio Aquilino terá sido a “terceira carabina do Terreiro do Paço”, para usar uma expressão de Batista Bastos) e torna vincadamente a manifestarse com a sua participação, em 1927, na revolta frustrada contra a ditadura militar sequente ao golpe de 28 de Maio de 1926, sendo por isso obrigado a refugiar-se em Paris. De regresso a Portugal, volta a participar numa acção anti-regime (no chamado movimento do regimento de Pinhel), mas é capturado e levado para a prisão do Fontelo, em Viseu (um edifício que ainda hoje se pode ver nesta cidade). Foge também desta vez, esconde-se pelas serranias beirãs e enceta uma difícil jornada que de novo o levará até Paris; destas experiências de activista político aproveitará também o escritor, no enredo, por exemplo, de «O Arcanjo Negro» (redigido em 1939/40, mas, devido a problemas com a censura, publicado apenas em 1947) ou de «O Homem que Matou o Diabo». Sublinhe-se que na década de 20 publicara duas obras que, a par de «Terras do Demo» e de «A Casa Grande de Romarigães», constituem dois dos seus textos mais emblemáticos: o picaresco «Malhadinhas», primeiro inserido no volume de novelas «Estrada de Santiago», depois em edição independente, e o extraordinário «Andam Faunos pelos Bosques», uma sátira genial, mas tolerante ao conservadorismo cristão e um hino ao amor livre, consagrado
Filosofia, que deixa para trás já depois de se ter matriculado no quarto ano, como se pode ver em registos guardados no Centre d’Accueil et de Recherche des Archives Nationales (Paris). Já em Portugal, ocupam-no, para além da escrita ficcional e da escrita cronística para a imprensa periódica (uma actividade que desenvolverá com enorme regularidade ao longo de toda a sua vida), o trabalho de professor no Liceu Camões, onde fica durante três anos, e, posteriormente, o cargo de segundo bibliotecário na Biblioteca Nacional, para onde entra a convite de Raul Proença. Este posto, entre outras vantagens, dálhe a possibilidade de alimentar o seu gosto de bibliófilo pelo livro antigo, raro, um gosto que o levará a produzir trabalhos de índole investigativa, publicados, por exemplo, nos «Anais das Bibliotecas e Arquivos», e que transparece também na produção romanesca (veja-se «A Via Sinuosa», o seu primeiro romance). Além disso, com colegas
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tanto pelo anarquismo (que Aquilino chegou a abraçar mais do que intelectualmente) como pela palavra bíblica de Antigo Testamento, ponto de retorno constante do seu pensamento dúctil e cultivadíssimo. O tempo de exílio termina em 1932, ano em que regressa ainda clandestinamente a Portugal; tinha entretanto casado em segundas núpcias (a primeira mulher morrera no ano de 1927) com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado, o Presidente da República deposto por Sidónio Pais. O único filho do casal, segundo de Aquilino, nasce em 1930, ainda fora do País. Também em 1932, é amnistiado (tinha sido julgado e condenado à revelia em 1929), o que lhe permite regressar à capital (fixandose, mais precisamente, na Cruz Quebrada); acalmados, de um lado, os génios conspirativos e, de outro lado, os génios persecutórios, tem a possibilidade de se dedicar plenamente à escrita, continuando a produção ficcional, o trabalho de tradução, o trabalho ensaístico (lato sensu) e a colaboração na imprensa periódica. Em 1933, o conjunto de novelas «As Três Mulheres de Sansão» recebe o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa, e em 1935 é eleito sócio correspondente desta instituição, da qual se tornará sócio efectivo em 1957.
abdicado da originalidade, um dos seus grandes valores estéticos, acabou por não alinhar com nenhum dos movimentos literários de que foi contemporâneo, do modernismo (em cartas de Fernando Pessoa ficamos a saber que era apreciado por este poeta), ao presencismo, que não o poupou a críticas (vindas, muitas delas, de José Régio e publicadas nas páginas da «Presença»), ao neorrealismo, embora críticos literários desta última corrente tivessem apreciado algumas das suas à luz desta doutrina, que nunca foi a do escritor. Não abdicou também da consciência política e cívica que, como vimos, o animou desde a juventude. Embora, findo o último período de exílio, se tenha dedicado afincadamente à escrita, continuou a participar em acções críticas da ditadura salazarista. Aderiu ao MUD (Movimento de Unidade Democrática) e empenhou-se na defesa e difusão da causa, por exemplo, em textos publicados na
No entanto, mais do que o reconhecimento oficial, são a sua grandeza de escritor e também a temeridade política que o tornam merecedor do epíteto de mestre; têm o seu quê de lendário as idas ao Chiado, ao fim da tarde, para tertúlias à porta da Bertrand, a sua editora. Não tendo nunca
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muitos outros. Atestam-no também as homenagens que recebe no Brasil, país aonde se desloca, por motivos pessoais, no ano de 1952. Atesta-o sobremaneira o extraordinário movimento que se desenvolveu em sua defesa depois da publicação do romance «Quando os Lobos Uivam», em 1958, considerado pelo regime como injurioso das instituições de poder e levando à instauração de um processo-crime contra o escritor. Para além da defesa formal, levada a cabo pelo advogado Heliodoro Caldeira, Aquilino tem o apoio de cerca de 300 intelectuais portugueses que se juntam num abaixo-assinado pedindo o arquivamento do processo; fora de Portugal, François Mauriac redige uma petição em defesa de Aquilino, assinada, nomeadamente, por Louis Aragon e André Maurois e publicada em vários jornais e revistas franceses. O processo-crime acaba por ser arquivado cerca de vinte meses depois da sua instauração, na sequência de uma amnistia. imprensa diária, em 1948/49 apoiou a campanha presidencial de Norton de Matos, integrou, com outras figuras do saber, a Comissão Promotora do Voto, militou na candidatura de Humberto Delgado à presidência da República, no ano de 1958.
Embora sem se fazer completamente justiça, encerrava-se uma acção injuriosa dirigida contra alguém que foi e será sempre um dos nomes maiores das nossas letras, que trouxe à língua uma plasticidade impressionante combinando o rústico com o erudito, que foi um observador atento das “grandezas e misérias” do género humano, que criou uma galeria de personagens passando pelo campesino beirão, pelo pequeno-burguês de província, pelo cosmopolita, pelo idealista, pelo obcecado, pelo asceta e pelo sibarita, pela mulher tentadora e pela virgem solícita e generosamente disponível... alguém que, enfim, por via da reflexão, saber, trabalho, estudo, deixou para os séculos uma visão exaltante da existência, mas temperada pela melancolia de quem não esquece a inevitável efemeridade de todas as coisas. “Mais não pude”, pretendeu Aquilino que fosse o seu epitáfio. Serafina Martins Centro Virtual Camões
A este activismo político, há que juntar a tenacidade com que, durante mais de duas décadas, promoveu uma agregação formal e institucionalizada dos escritores até conseguir criar, unido a alguns contemporâneos, a Sociedade Portuguesa de Escritores, de que foi fundador e presidente, isto no ano de 1956. O tempo não lhe subtrai o prestígio de grande figura da escrita, reconhecido dentro e fora de Portugal. Atestam esse prestígio factos como a apresentação da sua candidatura ao Nobel, proposta por Francisco Vieira de Almeida e subscrita por José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Joel Serrão, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Abel Manta, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira, entre 222
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1906 – Vai para Lisboa. Colabora no jornal republicano A Vanguarda. 1907 – Em parceria com José Ferreira da Silva, escreve A Filha do Jardineiro, obra de ficção de propaganda republicana e de crítica às figuras do regime. Entra para a Loja Montanha do Grande Oriente Lusitano, em Lisboa, a convite de Luz de Almeida. É preso por ser anarquista na sequência de uma explosão no seu quarto na Rua do Carrião, a 28 de Novembro, em Lisboa, na qual morre um carbonário. 1908 – Evade-se da prisão em 12 de Janeiro e durante a clandestinidade em Lisboa mantém os contactos com os regicidas, refugiado numa casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, em frente da Boa Hora. 1910 – Estuda na Faculdade de Letras da Sorbonne. Vem a Portugal após o 5 de Outubro e regressa a Paris, onde conhecera Grete Tiedemann. 1912 – Reside alguns meses na Alemanha. 1913 – Casa com Grete Tiedemann e regressa a Paris. Publica o livro Jardim das Tormentas (contos). 1914 – Nasce o primeiro filho, Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro. Declarada a Primeira Guerra Mundial, Aquilino regressa a Portugal, sem ter terminado a licenciatura.
Aquilino Ribeiro (1885-1963)
CRONOLOGIA 1885 – Nasce no Carregal (concelho de Sernancelhe) em 13 de Setembro, filho natural mais novo do padre Joaquim Francisco Ribeiro e de Mariana do Rosário Gomes, como os seus irmãos Maria do Rosário, Melchior e Joaquim. É baptizado na Igreja Matriz dos Alhais (concelho de Vila Nova de Paiva). 1895 – Muda-se para Soutosa, concelho de Moimenta da Beira. Faz exame de instrução primária. Entra no Colégio de Nossa Senhora da Lapa. 1900 – Entra no Colégio de Lamego, em Lamego. Estuda Filosofia em Viseu. Entra depois no Seminário de Beja, obedecendo a um desejo da sua mãe que queria fazê-lo sacerdote. 1904 – Expulso do Seminário, depois de ter dado uma réplica cortante a uma acusação do padre Manuel Ançã, um dos directores da instituição. Regressa a Soutosa. 223
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1915 – É colocado como professor no Liceu Camões, onde ficará durante três anos. 1918 – Publica A Via Sinuosa (romance). 1919 – Entra para a Biblioteca Nacional de Portugal. Convive com o chamado grupo da Biblioteca onde pontificam Jaime Cortesão e Raul Proença. Publica Terras do Demo (romance) e a primeira versão do conto Valeroso Milagre na revista Atlântida, cuja trama se passa no Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de Tabosa, situado na sua freguesia natal, aquando das invasões francesas. É na Biblioteca Nacional que Aquilino Ribeiro é procurado por pessoas de suas relações para lhe mostrarem uma Acta do Regicídio. 1920 – Publica Filhas de Babilónia (novelas). 1921 – Integra a direcção da revista Seara Nova. 1922 – Publica Estrada de Santiago (novelas), que inclui O Malhadinhas e uma nova versão do Valeroso Milagre; e Recreação Periódica (tradução de Amusement Périodique, do Cavaleiro de Oliveira). 1924 – Publica Romance da Raposa (romance infantil). 1926 – Publica Andam Faunos pelos Bosques (romance).
1927 – Entra na revolta de 7 de Fevereiro, em Lisboa. Exila-se em Paris. No fim do ano regressa a Portugal, clandestinamente. Morre a primeira mulher. 1928 – Entra na revolta de Pinhel. Encarcerado no presídio de Fontelo (Viseu), evade-se e volta a Paris. 1929 – Casa em Paris com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado. Em Lisboa é julgado à revelia em Tribunal Militar, e condenado. 1930 – Publica O Homem que Matou o Diabo (romance). Nasce o segundo filho, Aquilino Ribeiro Machado, que viria a ser o 60º Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (1977-1979). 1931 – Publica Batalha sem Fim (romance). Vai viver para a Galiza. 1932 – Volta a Portugal clandestinamente. Publica As Três Mulheres de Sansão (novelas). 1933 – Publica Maria Benigna (romance). Recebe o Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências de Lisboa, pelo seu livro As Três Mulheres de Sansão. 1934 – Publica É a Guerra (diário). 224
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1935 – Publica Alemanha Ensanguentada (caderno dum viajante) e Quando ao Gavião Cai a Pena (contos). É eleito sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. 1936 – Publica O Galante Século XVIII (compilação e tradução de textos do Cavaleiro de Oliveira); Anastácio da Cunha, o Lente Penitenciado (vida e obra); Arca de Noé III Classe (contos para as crianças); Aventura Maravilhosa de D. Sebastião (romance). 1937 – S. Banaboião Anacoreta e Mártir (romance). 1938 – Publica A Retirada dos Dez Mil (tradução da Anábase, de Xenofonte). 1939 – Mónica (romance) e Por Obra e Graça (estudos). 1940 – Publica Oeiras (monografia); Em Prol de Aristóteles (tradução do texto latino de André de Gouveia); O Servo de Deus e a Casa Roubada (novelas). 1942 – Publica Os Avós dos Nossos Avós (história). 1943 – Volfrâmio (romance). 1945 – Lápides Partidas (romance); O Livro do Menino Deus (o Natal na história religiosa e na etnografia). 1946 – Publica Aldeia, Terra, Gente e Bichos. 1947 – Publica O Arcanjo Negro (romance); Caminhos Errados (novelas); Constantino de Bragança, VII Vizo-Rei da Índia (história). 1948 – Cinco Réis de Gente e Uma Luz ao Longe (romances). 1949 – Camões, Camilo, Eça e Alguns Mais (estudos de crítica histórico-literária); O Malhadinhas (edição autónoma). 1950 – Luís de Camões, Fabuloso, Verdadeiro (ensaio). 1951 – Publica Geografia Sentimental (história, paisagem, folclore); Portugueses das Sete Partidas (viajantes, aventureiros, troca-tintas). 1952 – Viaja ao Brasil e é homenageado por escritores e artistas, na Academia Brasileira de Letras. Publica Leal da Câmara (vida e obra); O Príncipe Perfeito (tradução da obra Kirou Paideia, de Xenofonte); Príncipes de Portugal. Suas Grandezas e Misérias (história). 1953 – Arcas Encoiradas (estudos, opiniões, fantasias). 1954 – Publica O Homem da Nave (serranos, caçadores e fauna vária); Humildade Gloriosa (romance). 1955 – Abóboras no Telhado (crónica e polémica).
1956 – É fundador e presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores. 1957 – Publica A Casa Grande de Romarigães (crónica romanceada); O Romance de Camilo (biografia). 1958 – Publica Quando os Lobos Uivam (romance). É nomeado sócio efectivo da Academia das Ciências de Lisboa. É militante da candidatura de Humberto Delgado à presidência da República. 1959 – Publica Dom Frei Bertolameu. As três desgraças teologais (legenda); D. Quixote de la Mancha e Novelas Exemplares (duas versões da obra de Cervantes). 1960 – É proposto para o Prémio Nobel da Literatura por Francisco Vieira de Almeida. Publica No Cavalo de Pau com Sancho Pança (ensaio); De Meca a Freixo de Espada à Cinta (ensaios ocasionais). 1961 – Vai a Londres e Paris. 1962 – Nasce a primeira neta; dedica-lhe O Livro da Marianinha. 1963 – Publica Tombo no Inferno. O Manto de Nossa Senhora (teatro); Casa do Escorpião (novelas). É homenageado em várias cidades por ocasião dos 50 anos de vida literária. Morre no dia 27 de Maio e a Censura comunica aos jornais não ser mais permitido falar das homenagens que lhe estavam a ser prestadas. É sepultado no Cemitério dos Prazeres. 1967 – É publicado O Livro de Marianinha (lengalengas e toadilhas em prosa rimada). 1974 – É publicado Um Escritor Confessa-se (memórias). 1980 – É publicado Vila de Oeiras, um livro sobre a vila de Oeiras. 1982 – 14 de Abril, é agraciado a título póstumo com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade. 1988 – É publicado Páginas do Exílio. Cartas e Crónicas de Paris (organização de Jorge Reis). 2007 – A Assembleia da República homenageia a sua memória e concede aos seus restos mortais as honras de Panteão Nacional. A cerimónia de trasladação para a Igreja de Santa Engrácia (Lisboa) ocorre a 19 de Setembro desse ano, não obstante objecções por parte de alguns grupos de cidadãos devido ao seu suposto envolvimento no Regicídio de 1908. 225
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CONTOS PORTUGUESES
A PELE DO LOMBO POR AQUILINO RIBEIRO
“Uma vez ainda experimentou o Cleto deitar-lhe a cilha; metade por manha, metade por fraqueza, deitou-se ao chão, e nem a poder de castigo ou de afagos se convenceu a seguir jornada. O dono dali em diante passou a largá-lo todas as manhãs à gandaia, e ele, ainda que sob o despeito de tamanho desprezo, sentia-se conformado com a macaca. Livremente ia pastar pelos caminhos e ribanceiras das fontes, mas limitava-se a rondar em volta do povo, que lhe não consentiam os esparavões deitar mais longe. E ao bater das ave-marias era certo na loja, folgado, regalado das ervinhas e incensos de Nosso Senhor, menos dorida a pele sobre os ossos.”
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nos e anos a carretar leite, vila vai, vila vem, aborridos seus olhos de andar a rastos pela invariável fita do caminho, o cavalo do Cleto arriou. Era lento e preso da marcha, como se o arcabouço deprimido empreendesse fundir-se no repouso aliciador da terra. Tinhamlhe nascido alifates nos tendões e nas jogas, e com a gangrena das suas mataduras embebedavam-se as moscas de dez aldeias. À sobreposse, lá continuava a fazer a romaria cotidiana, saindo da loja com o cantar matutino dos galos, para volver quando os bois remoíam nos estábulos a erva dos pastos. Descansava então umas horas num sono quebrantado de pesadelos, em que havia guerras de cavalos e precipícios a atravessar com cargas descomunais. Os próprios jericos maviosos eram mais lestos do que ele. E, de vê-lo assim ronceiro, o dono não parava de o espertar com a chibata ou tirar-lhe pela cadenilha bramando: – Arre! Não deixarás as rezas para a loja, excomungado!? Uma manhã, afinal, que os cântaros cheios pediam besta de fôlego, deu com a carga no chão. O Cleto, ao ver o leite vertido, saltou nele às arrochadas. Bateu, bateu até lhe doer o braço e lascar o pau. Mas o cavalo, por mais esforços que fizesse, soltando roncos e escabujando, não conseguiu firmar-se nos curvilhões. Puxou-o o Cleto pela cabeçada, pelo rabo, pelas orelhas: ele fincou os cascos, lavrou mais de uma vez o solo, e desfalecido, inerte, abateu para o lado, a dentuça em arreganho a filtrar uma baba sanguinolenta. Patinhando na terra empapaçada de leite, decidiu-se o Cleto a desaparelhá-lo. Ao barulho das latas, os pastores assomaram pelos barrocais, e gritou-lhes: – Botai aqui a mão, rapazes! Acudiram daqui, dalém, com a gaita no surrão e a cacheira no ar; e uns pela rabadilha, outros pela samarra, puseram o cavalo em pé. O Cleto animou-o, e reajustando o aparelho e tampando os potes, tangeu-o com brando jeito: – Anda lá... anda, alminha do Senhor!
Entesando-se, todas as energias crispadas no arranco, começou o cavalo a andar. Mas o seu passo era titubeante, aos torcilhões, tem-te-nãocaias. – Vai a ensaiar o sarambeque – disse um pastor. – Não bota à vila! – sentenciou outro em tom de reprimenda ao gracioso. O Cleto engalfinhou-lhe os dedos pelas clinas a ampará-lo. Mas breve as pernas lhe fraquejaram, sacudidas de tremor, e ajoelhando com brusquidão desabou para a banda, desamparado, como se o estatelasse um raio. O Cleto sovou-o a pontapés, arrepelando-se e chamando-se um desinfeliz da sorte. – Vá por besta, tio Cleto! – aconselhou um dos rapazes. Tentou ainda pô-lo em pé, ora à força de catanada, ou com vozes de incitamento. Mas o animal nem buliu, de olhos esgazeados, perdidos num horizonte de bruma. 228
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O Cleto deu-lhe um último trompaço na morca e, a praguejar, tirou-lhe a carga. E tornou esbaforido à aldeia em cata duma jumenta, deixando-o rodeado de cães que, língua desembainhada, lambiam o leite do chão. Quando reapareceu com a azêmola, o cavalo estava sobre os joelhos, e mansamente roía os tojos do caminho. E, movido por um sentimento, não saberia dizer se de utilidade, se de dó, enxotou-o na direcção do povo à pedrada. Trôpego e triste, espontando as urzes e os fetos novos, encaminhou-se o garrano para o estábulo, e essa noite dormiu-a a sono solto. Manhã cedo, veio o Cleto e, sem dizer bus, tirou a albarda e potes do leite para a rua. De soslaio, o cavalo seguia-lhe a manobra, à espera dos pontapés, que eram, de costume, o leva-arriba. Mas, desta feita, o dono entrou e saiu sem lhe tocar. Afeito à volubilidade dos homens, não lhe causou o facto estranheza. Sabia que era fado seu marchar, e amenidades da ilusão desaconselhavalhas o velho instinto de malhadiço. E voluptuosamente foi-se deixando na cama, que nunca ela era
Ouviu-se retumbar uma, duas vezes, perfeitamente zurro jactancioso e optimista de
jumento estupidarrão e bem tratado. E, depois duns segundos de casuística, vencido mais que tudo pela curiosidade, ergueu-se e foi espreitar. O Cleto aparelhava o asno que de véspera o revezara na jornada para a vila, enquanto Joana lhe ia chegando à boca, meiguiceiramente, uma a uma, molhadinhas de trevo.
tão doce como de manhãzinha, entre o sossego da noite a extinguir-se e horas ásperas de caminho a tropicar.
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Estava nesta grata lasseira, ouviu lá fora um incensos de Nosso Senhor, menos dorida a pele zurro. Ouviu-se retumbar uma, duas vezes, perfeisobre os ossos. tamente zurro jactancioso e optimista de jumento Uma tarde, os garotos correram-no à lapada e estupidarrão e bem tratado. E, depois duns seteve de dar uma carreira, botar além dos seus gundos de casuística, vencido mais que tudo pela domínios, o que era uma violência para as suas curiosidade, ergueu-se e foi espreitar. O Cleto pernas zambras e combalidas. Quando voltou ao aparelhava o asno que de véspera o revezara na povo, já as vacas badalejavam à manjedoira. A loja jornada para a vila, enquanto Joana lhe ia cheestava fechada e não se descobria vivalma. Depois gando à boca, meiguiceiramente, uma a uma, de descrever umas voltas ao acaso, cismar no molhadinhas de trevo. meio da rua, volveu à porta da estrebaria e ali – Grande paparreta! – considerou para consiquedou muito tempo, cabeça baixa, à espera. go, roído de inveja ante o glutão, de olhinho gozoAfinal, como ninguém se mostrasse, soltou um so, semicerrado, a retraçar o que lhe davam. Mas relincho, primeiro, rápido e suplicante, a advertir, aquilo era um autêntico esbudepois, espaçado e de queixa; lho! Aquele trevo pertenciapor último, um nitrido prolonlhe, pois não pertencia!? E, gado e aflitivo que fez chorar O sangue tingia as faces saindo fora resolutamente, na cocheira próxima a égua pregou uma dentada na burra, velha do Senhor Reitor. de Joana, apagando-lhes e apresentou o focinho à mão Relinchou, relinchou e, coas rugas de sete ninhadas liberal de Joana. Mas o Cleto mo não lhe valessem, cheio de de filhos. Além de que os descarregou-lhe de mão aberangústia e de raiva, desatou a ta duas cutiladas nas orelhas, escarvar a terra. Ninguém veiseus olhos muito pretos e ele voltou para a loja triste e o. Com a mão esgadanhou à eram sempre bonitos, odiando. porta, trabucou. Debalde. Já o com o choro veio-lhe Moinou à solta todo o sanseu próprio desespero desfato dia, tosando as febras e lecia quando se apercebeu uma expressão nova, giestas dos cômoros, no meio duns vultos que avançavam. quase de donzela, das boieirinhas que andavam Pelo andar e a estatura recoque esbraseou o Loba. ao cibato e não tinham medo nheceu, de salto, o filho do dele. E à boca da noite recoCleto e, enristando as orelhas, lheu à cavalariça contente e em voz baixa e agradecida ormeio farto. neou. Mas o velhaco jogou-lhe Uma vez ainda experimentou o Cleto deitar-lhe um pau à cabeça, e foi dormir ao relento, longe a cilha; metade por manha, metade por fraqueza, dali, transido de pavor e desgostoso com os hodeitou-se ao chão, e nem a poder de castigo ou de mens. afagos se convenceu a seguir jornada. O dono dali No dia seguinte, ao sol-pôr, avistou o dono que em diante passou a largá-lo todas as manhãs à regressava da vila, escarrapanchado entre os pogandaia, e ele, ainda que sob o despeito de tamates e governava a asna pelo cabresto. E saiu-lhe nho desprezo, sentia-se conformado com a macaao encontro, ralado de queixas e de saudades que ca. Livremente ia pastar pelos caminhos e ribanele podia ler no desafogo que trasbordava dos ceiras das fontes, mas limitava-se a rondar em seus olhos húmidos. O Cleto deitou-se abaixo, volta do povo, que lhe não consentiam os esparaporventura com receio de algum desatino. E muivões deitar mais longe. E ao bater das ave-marias to cordial coçou-o e bateu-lhe palmadinhas nas era certo na loja, folgado, regalado das ervinhas e ancas, ao passo que murmurava palavras que não 230
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compreendia mas eram mais dolentes que o crepúsculo da tarde nas estradas desertas por longes terras. E, reconciliado com o leiteiro, foi até o desenfado de o choutar atrás da burrinha para casa. Nessa noite dormiu como um justo, satisfeito consigo e com o mundo. Os tempos foram passando e, porta franca, sangue mais leve, pelagem a rebentar com o Estio, o lázaro começou a rejuvenescer na vida de vagabundo.
– Já lhe disse: está despedido da fábrica. Passe para cá o rol... O Cleto protestou; ia comprar o macho do defunto Isidro e o serviço ficava regularizado duma vez para sempre. O outro não lhe deu ouvidos e partiu sem a relação a levantar o leite. Chegado ao largo da fonte, puxou do chifre e três vezes buzinou. As mulheres acudiram com as vasilhas à cabeça; e como o Cleto lhes fizera perder um dia, tinha fama de trapaceiro e era um farroupilha, os potes partiram para a vila atestados. O Cleto, entrementes, deitou-se a falar com o dono da fábrica, o Sr. José da Loba, homenzinho gordanchudo e tatibitate, mas rico e de muita influência eleitoral. Sua senhoria mandou dizer que a resolução era inabalável e deu-lhe umas calças velhas e uma espórtula em dinheiro. Quando o Cleto contou os mal-empregados passos, Joana disse: – Amanhã vou lá eu. Arreou-se muito: saia de baeta justa na anca, chambre que era um jardim, chinelinha de verniz
*** Com besta de empréstimo, o Cleto chegava uns dias com o leite azedo, outros tarde e às más horas. Acabou por não haver alma que lhe dispensasse um sendeiro e o leite coalhou nas panelas. Na manhã seguinte, ainda havia estrelas, bateu-lhe à porta um sujeito, com horsa possante pela rédea, a pedir o rol. Da soleira, estremunhado, o Cleto respingou: – Que está para aí a alanzoar, homem? 231
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no pé, e limpa e escarolada foi. Em voz terna, acariciado da voluptuosidade – O Sr. José da Loba não está – responderamdas lágrimas, retorquiu: lhe. – Olha, Joana, eu nunca deixarei de te socorEsbracejando, forçou as portas até chegar ao rer; mas lá quanto a readmitir o teu homem, tó senhoraço: ruça! Tenho perdido um dinheirão por causa dele; – Então a que vens, Joana? nem tu imaginas! – Ainda mo pergunta? Quero o meu marido O sangue tingia as faces de Joana, apagandonos leites, ouviu? lhes as rugas de sete ninhadas de filhos. Além de – Mas como, rapariga, se ele não tem besta, que os seus olhos muito pretos eram sempre botraz tudo ao deus-dará? Os fornecedores desernitos, com o choro veio-lhe uma expressão nova, tam, estás a ver, descoroçoados os melhores. Raquase de donzela, que esbraseou o Loba. Passanro o dia em que o leite não vedo-lhe o braço em torno do nha escasso ou se não estrapescoço, bichanou ao ouvido: gue parte, umas vezes porque – Ouve, Joana, eu cá serei chega tarde, outras, eu sei, sempre o mesmo para ti. Mas Em cima do catre, porque os produtores perdeé preciso que me corresponJoana empurrava para ram o respeito e fazem tibordas... Tu serás sempre a mesnada. Não, assim não pode ma para mim?... Dize... O teu dentro do colete de cordões continuar! homem que vá dar o dia; tem os odres lassos dos seios. – Já lhe disse. Se quer o bom corpo, trabalhe. Logo que o Loba saiu, serviço bem feito, empresteEm voz encatarroada, gelhe dinheiro para comprar umeu: precipitou-se sobre o ma cavalgadura. Não faz favor – Vamos morrer de fome. dinheiro e escondeu-o nenhum. – Doida... doidona... se entre o couro e a camisa, – Ora, tu és tola, por mais soubesses o bem que te queque me digam!... Mas ouve, ro, não dizias disparates! contente de poder comprar mesmo que eu cedesse... ninE, encostando a cabeça à a sua fornada de pão guém mais lhe quer dar o leidela, beijocou-a, deixou-lhe e talvez uma saia nova te... pela nuca, pelas têmporas, u– Cantigas! O que eles são ma baba fátua de caracol: de chita. é uma corja de invejosos. Em– Joaninha, tu agora vais a preste-lhe você dinheiro e vecasa da Borralha... hem? Já lá rá. vou ter. – Não, já te disse que não, mulher! Escusas de – Não, hoje não. te matar! – Hoje, sim! – Sim? Não o fará, mas diabos me levem se em – E admite o meu homem? voz alta não for dizer à Senhora D. Zezinha, a todo – Vai, lá falaremos! o mundo, que você é meu amigo. Joana não perdeu cinco minutos à espera em Agarrando-a pelo braço, empurrou-a tranquicasa da alcoveta. O Loba chegou a soprar, olhilamente para a porta: nhos a arder, como sempre que ela descia da Ser– Quem te pega? Vai, mulher, vai! ra, fresca, a cheirar à erva das altitudes, carnes Soltou-se o pranto nos olhos de Joana: enxutas, apetitosa do seu ventre de vaca lasciva. – Quando me cometeu eram sete falinhas doJá tarde, o homem importante, limpando o ces... suor, desdobrava uma nota de cinco mil réis no o232
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leado do toalete. E à pressa, enjoado, despediase: – Aqui tens; vai com Deus. Dize ao Anacleto que não o esqueço, mas lá quanto a voltar ao leite escusa de insistir. Adeuzinho! Em cima do catre, Joana empurrava para dentro do colete de cordões os odres lassos dos seios. Logo que o Loba saiu, precipitou-se sobre o dinheiro e escondeu-o entre o couro e a camisa, contente de poder comprar a sua fornada de pão e talvez uma saia nova de chita. Quando chegou à Serra, os gados em procissão entravam no povo. De alma simples e bonacheirona, o Cleto não se admirou ao dar-lhe a mulher conta do recado. Nem mesmo tomou o peso da liberalidade do ricaço, habituado a elas, e de mo-
ral amolecida. Quanto à despedida irrevogável, da fábrica, encolheu os ombros: – Pois que dizia eu?! *** Naquela manhã não lhe abriram a porta. Como tivesse fome, depois de relinchar, relinchar até lhe doer a goela, pôs-se a catar no estrume as paveias e a farfalha dos sargaços. O Cleto trabucava lá fora, e, sentindo-lhe o manejo, idas e vindas, estava indignado e cheio de ferocidade. À tardinha, apareceu finalmente a meter-lhe a cabeçada, e muito submisso, pelo rabeiro, deixouse conduzir atrás. Na rua, Joana deu-lhe uma côdea de pão e, a passo vagaroso, tomaram os três 233
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o caminho do outeiro, onde cresciam escarapetos carga na barriga, fumegando e arrifando. Homens, e outras plantas bravias, e as pegas, pela tarde, se de cabeça ao léu e aos gritos, corriam-lhes no enxergavam em sua saraivada farândola. Havia lá encalço. cisternas de minas abandonadas, corcovas do desNaquele episódio fugitivo evocou o garrano a monte por entre o urgueiral e, porque sempre se sua mocidade longínqua. E, apercebendo-se do temera de lugares solitários, em sua estranheza desejo impetuoso dos cavalos e da arisca e arreperguntava: batada luxúria das éguas, num relincho disse ao – Que diabo vamos fazer grotesco e heróico potro do para aqui? moleiro: Joana caminhava ao lado – Aí, aí, seu valente, a polE pouco a pouco começou de Cleto, de mão a apanhar a dra está mortinha! saia, para que não roçasse a E, em voz rápida, o outro a achar-se leve, leve como lama. respondeu: se um pé de vento fosse E ele lambeu-lha, balda ve– Lá vamos, amigo, lá vacapaz de o rebalsar pelo lha que ganhara ao distingui-la mos! da manápula bruta do Cleto. Chegou ao cimo do teso, espaço num galão Desta feita a mão terna e pensativo e melancólico. Convertiginoso. Ao mesmo blandiciosa, apenas trémula tra uma laja o filho do Cleto tempo, por detrás como nunca, acariciou-lhe a amolava um facalhão. E o garestrela corrida que muito adrano, que estava ressentido do farrapo vermelho, mirava em si quando se descom ele, arreganhou os denos seus olhos pareciam sedentava nos poceiros. E afates, ameaçador. O rapaz, com ver com diversa claridade. gos assim morosos e tristes um safanão que se perdeu no mais o fizeram desconfiar. ar, sacudiu-o. Ali, lá em cima a poldra A chuva lavara o céu e nele O Cleto prendeu-o a um e o cavalo mordiam-se os perfumes das giestas e da carvalhiço, depois do que lhe num abraço rabioso. vela-luz pareciam andar boivendou os olhos com o lenço. ando, não mais voláteis que E outra vez fez o seu reparo: Também fora pimpão nimbos brancos, matinais, à – Mas que endróminas são e chibante e a dentada flor dum rio. E, trespassado da estas?! com que ferrava as éguas sensibilidade dos aromas, asDe repente sentiu um bepirou e arfou regaladamente, liscão desagradável no pescopelo cachaço tão raivosa como nos atalhos quietos, ço e uma queimadura, estreita era de cio que elas abanaquando as maias despejavam como chicotada, que lhe apavam como um canavial. sobre ele cestadas de incenso. nhava a garupa de lés a lés e Mas ao passo que ia atrás se perdia por debaixo da pele. dos amos, inebriado, sorvenE pouco a pouco começou a ado o ar, ruminava a sua filosochar-se leve, leve como se um fia suspicaz de vagabundo. pé de vento fosse capaz de o rebalsar pelo espaço Ao chegar a meio do cabeço, uma poldra pasnum galão vertiginoso. Ao mesmo tempo, por sou a correr, veloz, narinas cheias de escuma e detrás do farrapo vermelho, os seus olhos pareciclinas ao vento. Corria como um raio, mal tocando am ver com diversa claridade. Ali, lá em cima a a terra e roçando as urzes. E, na peugada, galopapoldra e o cavalo mordiam-se num abraço rabiova o cavalo branco do moleiro, ridículo, com a so. Também fora pimpão e chibante e a dentada 234
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com que ferrava as éguas pelo cachaço tão raivosa era de cio que elas abanavam como um canavial. Desabava sobre elas com a rapidez do nebri, e recordou-se... Uma vez rebentara a retranca para saltar na égua aluada dum passageiro que o provocava da argola da taberna com gemidos langorosos. Outra vez fugira para a serra mais a potra do mestre-ferrador e, com meio mundo atrás: – aqui vai o rasto! rincharam além! arreta! aqueibá! – quando os pilharam, ela, e ele, saciados, ripavam placidamente a ervinha duma fonte. Na cernelha a torrente tépida lembrava um afago da mão de Joana, que nunca lhe fizera mal. E sentia-se bem, inundado dum gozo desconhecido, quando lhe faleceram as forças e baqueou. Uma vez em terra, através da venda ofereceu-selhe um horizonte imprevisto, mais diáfano e arroxeado que certas púrpuras do poente para os lados do mar. Tinha vontade de dormir. Oh, como o chão era macio! Qualquer coisa parecido com asa ou o primeiro arrebol do dia roçava-lhe a pe-
lagem, suave, suavemente. Joana ergueu-lhe o lenço dos olhos e por hábito novamente beijou a mão cujas meiguices vinham temperadas de tristeza. O ar, diante dele, era menos que um sopro que não basta para encher os bofes uma vez. Ao longe, para lá dos montes, avistou um corpo afogueado que descia. E vagamente interrogou-se: – Será o Sol? Depois, lembrado da poldra e do garanhão que galopavam para as núpcias ferozes, considerou: – É o amor dos cavalos. No horizonte, a grande rosa caiu arrastando o ar todo. E às escuras se engolfou no escuro nada. *** O Cleto puxou-lhe por uma perna e logo a seguir pespegou-lhe um pontapé no bandulho a título piedoso de sondagem. À Joana que chorincava disse:
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– Chorar mas é por uma alma cristã, mulher! Andava a cair de podre. – Coitadinho, era um borrego de mansidade. Fartou-se de andar connosco às cavaleiras e de nos ajudar a ganhar o pão! O José Cleto meteu-lhe a faca ao tendão. E ela foi pensando nos bons tempos, que não tornam mais, quando, moça e bonita, requestada dos fidalgos, aparecia na vila montada para uma banda no seladoiro nédio do cavalo. – Já nem os ciganos lhe pegavam, estava a dar o cadilho – proferiu o Cleto enquanto lhe esticava o pernil para o Zé esfolar. – Se o deitamos à mar-
gem passava o seu mau quarto de hora com os lobos. Tenho coração, foi melhor assim. De resto, a pele sempre rende uns patacos vendida aos samarreiros... – Já lhe disse! – obtemperou o filho. – A pele é para o bombo. – Qual bombo ou qual diabo?!... – Sim, senhor, para o bombo! De cabra rebentam com duas maçanetadas e este ano a rusga vai à Lapa e queremos-lhe zurrar. Ao ver o ventre imundo do cavalo, esfaqueado por mão inexperiente, Joana foi-se dali cheia de nojo e anuviada. 236
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REGULAMENTO
LUZ DE NATAL Uma Antologia Sui Generis dedicada ao Natal. Submissão de textos, em Prosa e Poesia, até 21 de Outubro de 2018.
«Luz de Natal» é um projecto literário que visa seleccionar textos em Prosa e Poesia, de Autores Lusófonos, para publicá-los sob a forma de um livro, integrado na Colecção Sui Generis. O tema desta Antologia é o Natal, ou a magia da época natalícia,
e os géneros literários são livres – desde que os textos se ambientem na quadra natalícia ou abordem, de algum modo, a magia do Natal. Podem ser estórias fictícias ou textos reais: conto, crónica, carta, fábula, lenda, poema tradicional, prosa 239
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para este projecto deverá ser feito no prazo de um mês. Data limite: 21 de Outubro. Contamos, então, com a sua participação em «Luz de Natal». Leia o Regulamento e não hesite em contactar o Coordenador para dissipar qualquer dúvida que porventura possa existir. E bom trabalho!
REGULAMENTO | CONDIÇÕES DE PARTICIPAÇÃO
1. «Luz de Natal» é um projecto literário integrado na Colecção Sui Generis, organizado e coordenado por Isidro Sousa, que visa seleccionar textos em Prosa e Poesia, escritos na Língua Portuguesa, de Autores Lusófonos que residam em qualquer parte do Mundo, independentemente das suas raças, crenças, filosofias de vida, orientações sexuais e identidades de género, para serem publicados num livro que deverá ter entre 100 e 300 páginas (mínimo e máximo). Só se aceitam participações que obedeçam a este Regulamento. Não é obrigatório que os textos sejam inéditos e a utilização do actual Acordo Ortográfico é facultativa.
poética, etc. Em prosa, podem igualmente ser dramas, comédias, aventuras, sátiras, teatro ou outro género literário. É nosso objectivo organizar uma Antologia de Natal com textos de todos os Autores Sui Generis – Autores que participaram (ou submeteram participações) em, pelo menos, uma Antologia Sui Generis, desde 2015. Neste projecto não existe a obrigação de os Autores Sui Generis comprarem a obra finalizada, embora o possam fazer (se e quando desejarem). Novos Autores que enviem, pela primeira vez, participações para uma obra Sui Generis são bem-vindos – devendo estes adquirir, obrigatoriamente, um exemplar do livro finalizado.
2. O tema dos textos é o NATAL, a ambiência ou a magia da época natalícia, podendo ser estórias fictícias ou textos reais, e o género literário fica ao critério dos Autores: conto, crónica, carta, fábula, lenda, poesia, prosa poética, drama, comédia, sátira, teatro, etc. 3. Cada Autor pode apresentar 1 (um) texto – em Prosa ou em Poesia – com o mínimo de 1 (uma) e o máximo de 2 (duas) páginas A4. Se participar com Poesia, pode apresentar 1 (um) Poema que ocupe até 2 (duas) páginas A4 ou 2 (dois) Poemas com o máximo de 1 (uma) página A4 cada um. Pode ser considerada a participação de um Autor nas duas modalidades – Prosa e Poesia – e a aceitação de um texto em prosa (conto) que ultrapasse 2 páginas A4, mediante comunicação do Autor e acordo prévio. Os textos, já revisados pelos Autores, estão sempre sujeitos a uma revisão final
Porque não existe obrigatoriedade de compra e contamos ter a obra finalizada até meados de Novembro, de modo a que o livro seja impresso atempadamente para o Natal, o envio de textos 240
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efectuada pela Sui Generis. Forma de envio: exclusivamente por email, em ficheiro Word anexado ao email, com letra Times New Roman, ou Arial, tamanho 12, espaçamento simples entre linhas e parágrafos. Rejeitam-se formatos de apresentação que sejam diferentes do Word.
gráficas que ultrapassem o limite de 5 linhas e ignorará qualquer informação pessoal que as mesmas possam conter; privilegiará somente, para efeitos de publicação, descrições, gostos ou hobbies do Autor, ano e local de nascimento, localidade onde reside e respectivas obras publicadas, individuais ou colectivas.
4. Os textos devem ter títulos próprios (diferentes do nome da Antologia) e ser enviados para o email letras.suigeneris@gmail.com com a referência «LUZ DE NATAL» na linha de assunto, até ao dia 21 de Outubro de 2018. Os Autores podem assinar os textos com Nome ou Pseudónimo, devem declarar no corpo do email que aceitam as condições do Regulamento (caso contrário, as participações serão desconsideradas) e enviar uma nota biográfica, até 5 linhas, fotografia e contacto telefónico. O Organizador reformulará as notas bio-
5. Cada Autor receberá uma breve comunicação acusando a recepção da sua participação, e a selecção dos textos será efectuada pelo Organizador, sendo o resultado global da selecção divulgado no prazo de duas semanas, após a data limite para recepção dos trabalhos. Não poderá haver mudanças ou correcções após a divulgação dos Autores seleccionados, assim como acréscimo ou remoção de conteúdo, salvo indicação contrária do Organizador. Todos os textos submetidos serão lidos e avaliados dentro do prazo determinado pela Sui Ge-
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antes de ser impresso, e deve ser feito até à data especificada pela Sui Generis. Se não recebermos qualquer notificação de um Autor seleccionado em tempo útil, ultrapassada a referida data entenderemos que esse mesmo Autor não teve interesse na sua participação – salvo se esse Autor se enquadrar na “excepção” salvaguardada no Ponto 7. 9. O PVP (preço de venda ao público) da Antologia será definido após a paginação do livro, tendo em conta o número de páginas da obra a ser editada. 10. Autores participantes em «Luz de Natal» podem adquirir quantos exemplares pretenderem, sempre com desconto de 10% sobre o PVP, desde que os mesmos sejam adquiridos directamente à Sui Generis. 11. O livro estará à venda na livraria online Euedito e será enviado para várias plataformas de distribuição digital (Amazon, Ingram, Kalaiki, Fnac, Libros.cc e Arnoia), através das quais poderá também ser adquirido, após a aprovação das mesmas. Exemplares adquiridos na livraria Euedito e noutras plataformas digitais não usufruem do desconto de 10% sobre o PVP nem de qualquer outra promoção feita pela Sui Generis.
neris e todos os passos efectuados na produção desta obra colectiva (ou eventuais alterações ao Regulamento) serão sempre comunicados aos Autores. 6. Não é solicitado qualquer pagamento como taxa de inscrição para participar nesta Antologia, nem serão ofertados exemplares da mesma, e o Autor participante está ciente de que não receberá valores monetários referentes a direitos de autor – em contrapartida, tem o direito de comprar livros à Sui Generis por preços especiais, em determinados períodos definidos pela Sui Generis, sempre com desconto de 10% sobre o PVP.
12. O envio de qualquer texto para o email indicado no Ponto 4 implica (automaticamente) a aceitação de todas as normas deste Regulamento e a autorização dos direitos de publicação na antologia «Luz de Natal», sem qualquer outra contrapartida além do desconto de 10% nos exemplares desta obra colectiva que os Autores possam querer adquirir, conforme especificado no Ponto 10.
7. A selecção de um texto ou poemas de novos Autores (que participam pela primeira vez numa Antologia Sui Generis) para integrar este projecto literário implica a aquisição de um exemplar da obra finalizada, com o referido desconto sobre o PVP indicado no Ponto 6. Excepção: Autores que participaram nalgum projecto Sui Generis anterior e adquiriram o respectivo livro não têm obrigatoriedade de comprar a obra finalizada.
13. «Luz de Natal» é uma Antologia Sui Generis, integrada na Colecção Sui Generis (fundada e dirigida por Isidro Sousa), e será publicada com a chancela Euedito. As Antologias Sui Generis, representadas pelo Organizador, e a editora Euedito não reservam a exclusividade ou os direitos dos trabalhos editados. Após a edição do livro, cada Autor pode utilizar livremente os seus textos noutras publicações que considere importantes.
8. O pagamento do livro só será solicitado quando a sua produção estiver na fase final, mas 242
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14. Se porventura se verificar algum tipo de infracção na originalidade, autenticidade e autoria de um texto apresentado, será da exclusiva responsabilidade do respectivo Autor, ficando o Organizador e a Editora isentos de qualquer responsabilidade legal sobre a infracção cometida – nesse caso, o Autor em questão responderá perante a Lei por plágio, cópia indevida ou outro crime relacionado com direitos de autor.
Desde já, estão todos convidados a participar nesta Antologia de Natal. Esperamos os vossos textos... Prosa ou Poesia... plenos de luz natalícia. Sejam bem-vindos... e bom trabalho!
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LUZ DE NATAL Organização e Coordenação: Isidro Sousa Edições Sui Generis
15. Recomenda-se que os Autores se mantenham atentos ao grupo «Antologias SG» no Facebook; através deste grupo, o Organizador estará em contacto permanente com os Autores participantes. Podem também seguir a Página e o Blogue abaixo indicados. Para esclarecimento de dúvidas ou informações adicionais, devem contactar por email.
Email: letras.suigeneris@gmail.com Internet: Blogue – http://letras-suigeneris.blogspot.pt Livraria – https://www.euedito.com/suigeneris Página – https://www.issuu.com/sui.generis
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Edson Amaro de Souza é co-autor de A Bíblia dos Pecadores
Grazielle Pacini Segeti ĂŠ co-autora de Crimes Sem Rosto
Renata Loyolla ĂŠ co-autora de FĂşria de Viver