SG MAG #09
SUMÁRIO SG MAG Edição nº 9 Dezembro 2019
EDITORIAL ....................................................................................................... CRÓNICA: Limpeza pública – por Maurício Cavalheiro .................................. CONTO: O último desejo de Camões – por Dias Campos ............................ CRÓNICA: Fazes-me falta – por Sérgio Sola .................................................... ENTREVISTA: Rita Queiroz – por Isidro Sousa ............................................. RESENHA: Confissões de Afrodite – por Marcelo Frota ............................... POESIA: Poemas de Rita Queiroz (Do livro Confissões de Afrodite) – ......... RESENHA: Ciranda, Cirandinha... – por Fernanda Carvalho ......................... POESIA: Poemas de Rita Queiroz (Do livro Ciranda, Cirandinha...) – ....... OPINIÃO: Erros – por Lucinda Maria ............................................................. CRÓNICA: Arrepio de aviso – por Marisa Luciana Alves .............................. BREVES ESTÓRIAS: O Jasmim... – por Maria Angélica Rocha Fernandes .. LANÇAMENTO: Bendita Manjedoura! ........................................................ APRESENTAÇÃO: Bendita Manjedoura! – por Isidro Sousa ....................... LIVRO «BENDITA MANJEDOURA!»: 48 autores (biografias) .............. CONTO: O Natal de Miriam – por Manuel Amaro Mendonça ........................ OPINIÃO: Mandar pastar – por Jorge Pincoruja ............................................... CONTO: A pressa só é útil para apanhar moscas – por Fátima d’Oliveira .. CRÓNICA: O meu livro – por Lucinda Maria ................................................. FÁBULA: Menina do pé curto – por Janiel Martins ........................................ BREVES ESTÓRIAS: Minicontos – por Anita Santana ................................ CADERNO DE POESIA: Tema “Amazónia” – Poemas de vários autores .. CONTO: Um voo para o infinito – por Lira Vargas ..................................... CRÓNICA: Toda conversa sentimental é crônica – por Erick Bernardes .... OPINIÃO: A mimese – por Sara Timóteo ........................................................ CRÍTICA LITERÁRIA: A que casa se refere... – por Sara Timóteo ............. PROSA POÉTICA: Adágio do mar – por Luís Rôxo .................................... CONTO: O encontro inesperado – por Natália Vale .................................... CARTAS: Evaristo – por Lira Vargas ............................................................... BREVES ESTÓRIAS: Quanta saudade da... – por Rosa Marques ................ CRÓNICA: A história do escritor que não foi – por Sandra Boveto ............. POESIA: Vinte e oito poemas de (vários) autores lusófonos ...................... LIVROS: Vendaval de Emoções, da Colecção Sui Generis ........................ LIVROS: A Pedra de Diamante, de Dorivaldo Ferreira de Oliveira ........... LIVROS: Que Brazil é esse?, de Paulo Otávio Barreiros Gravina ............. LIVROS: Cambada – Crônicas de Papa-Goiabas, de Erick Bernardes ..... LIVROS: Ciranda, Cirandinha, de Rita Queiroz ............................................ LIVROS: Shadows of Life, de Paula Homem e Alexandre Carvalho ........ LIVROS: Sinfonia de Amor, da Colecção Sui Generis ................................ LIVROS: Confissões de Afrodite, de Rita Queiroz ...................................... CONTO: O latido dos cães de caça – por Júlio Gutheil .................................. RESENHA: Sexta-Feira 13 – por Thiago S. Sevla ............................................ NOVAS EDIÇÕES: Brisas de Outono, da Colecção Sui Generis ............ CRÓNICA: Na velhice quero silenciar – por Lira Vargas ............................. CARTAS: A sombra de um amor passado – por Paula Homem .................... BREVES ESTÓRIAS: Crime no Alfa 2017 – por Estêvão de Sousa .............. CRÓNICA: Saúde e amizade – por Julizar Dantas .......................................... CONTO: O conto de Sophia – por César Luís Theis ...................................... CRÓNICA: Mandar para o cesto da gávea – por Lucinda Maria .................. NOVAS EDIÇÕES: Sol de Inverno, da Colecção Sui Generis ................. 3
005 007 009 016 019 034 038 041 042 046 048 052 055 057 065 081 092 095 112 114 116 117 141 150 154 158 164 167 171 174 177 181 218 219 221 222 223 225 226 227 229 246 248 251 254 259 262 269 276 278
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Isidro Sousa
Editor da SG MAG
sg.magazin@gmail.com https://issuu.com/sg.mag
EDITORIAL Apresentamos o 9º número deste Magazine Literário, uma publicação Sui Generis que se encontra ao dispor de toda a Lusofonia. A presente edição dá especial atenção à autora baiana – da Bahia, Brasil – Rita Queiroz que, durante 2019, se destacou ao apresentar duas belas obras poéticas, a primeira com poemas eróticos numa perspectiva feminina e a segunda dedicada ao mundo infantil. Destacamos também, nesta edição, o Caderno de Poesia que, na sequência dos terríficos incêndios que devastaram a Amazónia, dá voz a diversos autores que, de uma forma poética, transmitem o que sentem/sentiram ante este crime de lesa-humanidade contra a Grande Floresta Tropical que é a Amazónia. E ainda a nova antologia da Colecção Sui Generis, para o Natal de 2019, cujo foco é a singela “Manjedoura” que acolheu o Filho de Deus, mais referido como Menino Jesus, na Sua gloriosa descida à Terra, tornando-se, desse modo, ainda que simbolicamente, no “Berço da Esperança”. As biografias dos 48 autores que a integram estão divulgadas, com o merecido destaque, noutras partes da revista. Sem olvidar a imensidão de textos, de temáticas variadas, espalhados ao longo da edição: minicontos, cartas, crónicas, contos, opinião e muita poesia. Agradecemos todas as contribuições que tornaram possível esta edição e marcamos, desde já, encontro na próxima. Até lá... desejos de Boas Festas e um excelente 2020... e, claro, boas leituras! SG MAG – Magazine Literário Ano 3 – Edição Nº 9 – Dezembro 2019 Editor e Director: Isidro Sousa Periodicidade: Trimestral ISSN: 2183-9573
Redacção e Publicidade: sg.magazin@gmail.com Endereço na Internet: https://issuu.com/sg.mag Colaboração nesta Edição: Amélia M. Henriques, AnaCarol Cruz, Anita Santana, Antonio Archangelo, Bhetty Brazil, César Luís Theis, Céu Coelho, Cheila Collaço Rodrigues, Clayton Leite, Cristina Sequeira, David de Carvalho, David Sousa, Dias Campos, Edson Almeida Coimbra, Elisa Pereira, Erick Bernardes, Estêvão de Sousa, Eva Dantas, Fátima d’Oliveira, Fernanda Carvalho, Francine Brandão, Isabel Martins, Isidro Sousa, Janice Reis Morais, Janiel Martins, Jorge Pincoruja, Joyce Lima, Júlio Gutheil, Julizar Dantas, Leandro Sousa, Lenilson Silva, Lira Vargas, Lucinda Maria, Luís Rôxo, Luiz Roberto Judice, Macvildo Bonde, Manuel Amaro Mendonça, Marcelo Frota, Marco Antônio, Maria Angélica Rocha Fernandes, Maria de Fátima Soares, Maria Eloina Avila, Marisa Luciana Alves, Mary Rosas, Maurício Cavalheiro, Mikael Mansur Martinelli, Natália Vale, Paula Homem, Paulo Roberto Silva, Raquel Lopes, Renato Alves, Ricardo Solano, Rita Queiroz, Ronaldo Magalhães, Rosa Marques, Rose Chalfoun, Roselena de Fátima Nunes Fagundes, Rozemar Messias, Sandra Boveto, Sara Timóteo, Sérgio Sola, Tânia Tonelli, Tauã Lima Verdan Rangel, Thiago Guimarães, Thiago S. Sevla, 5Tiago Sousa, Tito Lívio, Vieirinha Vieira. Os textos publicados são da exclusiva responsabilidade dos autores que os assinam; os conceitos emitidos pelos autores não traduzem necessariamente a opinião da revista.
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CRÓNICA
LIMPEZA PÚBLICA POR MAURÍCIO CAVALHEIRO Titular da cadeira nº 30 da Academia Pindamonhangabense de Letras
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reparava-me para atravessar a rua quando vi a gari encostar a vassoura no carrinho coletor, se abaixar e pegar a carteira. Ressabiada, olhou para um lado, depois para o outro; coçou a cabeça e ameaçou abri-la. Não teve coragem. Fez movimento para colocá-la no bolso, mas se inibiu. Creio que as mãos trêmulas receavam o ato ilícito. O sol não era agressivo. Havia até brisa, mas ela transpirava rios. Resolveu sentar-se na calçada, respirar fundo e criar coragem. Minutos depois, abriu a carteira e, ao observar a grande quantidade de cédulas, fechou-a rapidamente. Passou a transpirar oceanos. Na tentativa de abrandar o calor, usou as mãos para se abanar. Talvez, naquele momento, pensasse que o dinheiro fosse mais do que suficiente para solucionar seus problemas. Talvez pudesse quitar parcelas atrasadas de crediários. Talvez pudesse remover a ameaça do corte de energia elétrica e água. Talvez pudesse, finalmente, renovar o guarda-roupa. Talvez isso. Talvez aquilo. Talvez tanta coisa. Enquanto me perdia em conjecturas apareceu, não sei de onde, um vivaldino que a abordou. – Encontrou um tesouro, sortuda? Ela ficou em pé e enfiou, rapidamente, a carteira no bolso. – Não sei do que o senhor está falando. – Não mesmo? Então diz pra mim o que está escondendo aí? A julgar pela boca trêmula e semiaberta, creio
que tentou encontrar enredo que o dissuadisse de outros questionamentos. Mas falou a verdade. Disse que encontrou a carteira e não sabia o que fazer com ela. Ele sugeriu que dividissem o dinheiro e deixassem o objeto onde o havia encontrado. – Deus me livre! Sou uma mulher honesta! O dinheiro não é meu. Quem o perdeu pode estar em dificuldades. Não, não e não! O homem insistia, inventando argumentos para convencê-la. Nesse momento resolvi me aproximar. – Posso ajudar? – Que droga! Agora teremos que dividir o dinheiro em três partes – resmungou o homem. A gari, trêmula, após me explicar tudo com detalhes, concluiu: – Não posso ficar com o que não é meu. Nem dividir. O pilantra bem-apessoado vestia terno impecável; e a gari uniforme alaranjado, sujo, puído. Nunca fui de julgar pela embalagem. O vestuário mais suntuoso que alguém possui é o bom caráter. Manifestei-me: – Para resolver essa situação, eu ficarei com a carteira. Antes que um dos dois discordasse, revelei: – O dono da carteira sou eu. Podem confirmar pelos documentos. 7
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CONTO
O ÚLTIMO DESEJO DE CAMÕES DIAS CAMPOS Colunista do programa Show VIP (2017) e “Embajador de la Palabra”, título concedido pela Asociación de Amigos del Museo de la Palabra (2014), 3º colocado no I Concurso de Crónicas da Academia Bragantina de Letras (2014), ganhador do Prémio Latino-Americano de Excelência (2013), Medalha de Ouro no I Concurso Oliveira Caruso (2011), vencedor do Concurso Mundial de Cuento y Poesía Pacifista (2010), 3º colocado no II Prémio Araucária de Literatura (2010) e membro da Asociación de Amigos del Museo de la Palabra, da Associação Internacional de Escritores e Académicos, do Movimento Poetas del Mundo e da Academia Internacional de Artes, Letras e Ciências. Autor dos romances «A Promessa e a Fantasia» (Amazon, 2015) e «As Vidas do Chanceler de Ferro (Chiado Editora, 2009) e de diversos textos literários, e co-autor de livros e artigos jurídicos. Perfil no Facebook: Dias Campos (Embajador de la Palabra)
“Acabou encontrando um exemplar comentado por um erudito, e em excelentes condições. Mas como não fosse superdotado, mesmo que se socorresse daqueles comentários, a compreensão da epopeia ficava muito, mas muito aquém da Taprobana. Dessa forma, mesmo que isso lhe ferisse a suscetibilidade, Antônio teve que se reconhecer ainda cru, o que o obrigou a postergar o seu projeto para quando reunisse cabedal suficiente. Esse lampejo de humildade, que para muitos teria pouca ou nenhuma importância, não passou despercebido ao Universo. E seria por meio de um sonho que o destino do adolescente começaria a se descortinar...” POR DIAS CAMPOS
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esde os bancos escolares que Antônio sentia-se atraído pela magnitude de Os Lusíadas. Mas como a literatura do ensino médio só se preocupasse com o vestibular, o estudante não teve do épico senão as explicações básicas dos Cantos mais conhecidos. Seu interesse, porém, tratou de empurrá-lo para mais longe, e o conduziu para um sebo que ficava a duas quadras de onde morava. Burilando aqui e ali, acabou encontrando um exemplar comentado por um erudito, e em excelentes condições. Mas como não fosse superdotado, mesmo que se socorresse daqueles comentários, a compreen-
são da epopeia ficava muito, mas muito aquém da Taprobana. Dessa forma, mesmo que isso lhe ferisse a suscetibilidade, Antônio teve que se reconhecer ainda cru, o que o obrigou a postergar o seu projeto para quando reunisse cabedal suficiente. Esse lampejo de humildade, que para muitos teria pouca ou nenhuma importância, não passou despercebido ao Universo. E seria por meio de um sonho que o destino do adolescente começaria a se descortinar... Só que, ao despertar no reino de Morfeu, Antônio não se reencontrou com a rapaziada a que estava acostumado. Ao invés disso, deparou-se
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com um certo senhor que, sorridente, só aguardava o momento de falar. Pouco a pouco o recém-chegado foi recobrando o prumo. E já mais dono de si começou a perceber que o senhor à sua frente não era totalmente estranho, uma vez que se apresentava à maneira como muitas gravuras o retratam – de barba e bigode, de mantéu, vestido de armadura, cingido com uma coroa de louros, e com o olho direito semicerrado. Como conseguisse identificar de quem se tratava, Antônio passou de intrigado a espantado! Mas antes que ensaiasse qualquer início de conversa, Camões antecipou-se e tratou de questioná-lo sobre o projeto que fora obrigado a adiar. Antônio ficou atônito! Afinal, se não contara para ninguém sobre o adiamento, como o próprio Luís de Camões vinha cobrar-lhe uma explicação?! O só fato, porém, de o imortal ter-se ausentado do empíreo para ouvir uma sua razão era motivo mais que suficiente para que Antônio confessasse a sua pouca cultura. E foi o que fez. Camões ouviu a justificativa com o mesmo sorriso do início. Percebeu, contudo, que Antônio envergonhava-se; e o rosto que baixava era a sua consequência. Era preciso, pois, reerguer o bom ânimo do estudante, pois sua tarefa apenas começava. Desta forma, e sabedor de que Antônio já estudara em Os Lusíadas, Camões perguntou se ele conseguiria resumir o famoso episódio de “Os doze de Inglaterra”. Antônio recobrou o viço! E, sem questionar o porquê da pergunta, começou a relatar:
– Bem, doze nobres ingleses ofenderam a honra de doze damas inglesas, afirmando que elas não eram dignas de serem tratadas como damas, pois praticavam condutas incompatíveis com esse tratamento. Elas, então, pediram ajuda a amigos e parentes, mas sem nenhum sucesso. Desesperadas, pediram ajuda ao duque de Lencastre. O duque resolveu ajudá-las. E como ele já havia lutado ao lado dos portugueses contra o reino de Castela, e conhecia bem a sua valentia, recomendou às 11
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No entanto, aquela “ordem” que recebera ficou como que martelando em sua cabeça. E pensava consigo: – Como eu, um simples estudante de dezesseis anos de idade, teria condições de prestar uma homenagem a quem quer que fosse? Mas esse martelar não durou muito tempo, seja por se lembrar do seu pouco conhecimento, seja por concluir que o sonho não passara de uma simples frustração, cuja causa só poderia ter sido o abandono do seu projeto inicial.
damas doze desses cavaleiros que sabia poderiam defender a honra de todas. Cada uma delas, então, escreveu a cada um dos doze cavaleiros. Todos os doze ficaram ofendidos com essa situação, e tomaram as dores das inglesas. Decidiram, então, partir para a Inglaterra para defender a honra das damas. Ocorre que um deles, conhecido como o Magriço, decidiu ir só; e não pelo Mar do Norte, mas por terra. Mas garantiu que os encontraria na hora certa de duelarem. No dia do torneio, o Magriço não aparecia e, portanto, seriam doze ingleses contra onze portugueses. É claro que na hora H o Magriço aparece, e os cavaleiros portugueses vencem os ingleses. E como prova de gratidão, as damas dariam aos vencedores banquetes mil, a cada hora e a cada dia, enquanto permanecessem na Inglaterra. Camões alegrou-se, e parabenizou o jovem – e nem se precisaria dizer o quão radiante ele ficou, com o elogio vindo de quem veio. Daí Camões perguntou: – Com Os Lusíadas homenageei o povo português. Agora, vai tu, e presta a tua homenagem! A quem? Sentirás no devido tempo. – e desapareceu. Antônio acordou de repente; palpitava e suava frio. E teve que esperar alguns minutos para se recompor. Ficava, assim, meio feliz, meio desapontado, pois se vivenciara uma rápida conversa com o próprio Camões, tudo não passara de um simples sonho, e que agora se desfazia.
Antônio acordou de repente; palpitava e suava frio. E teve
que esperar alguns minutos para se recompor. Ficava, assim, meio feliz, meio desapontado, pois se vivenciara uma rápida conversa com o próprio Camões, tudo não passara de um simples sonho, e que agora se desfazia. No entanto, aquela “ordem” que recebera ficou como que martelando em sua cabeça. E pensava consigo: – Como eu, um simples estudante de dezesseis anos de idade, teria condições de prestar uma homenagem a quem quer que fosse?
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Isso teria sido suficiente para que Antônio seguisse com sua vida, não fosse o fato de Camões ter retornado na noite seguinte, e de ter explicado a sua real intenção. Com efeito, bastou ao jovem saber que o propósito do grande poeta não tinha sido ordenar, mas, sim, estimular, exortando-o a que prestasse uma tal homenagem, para que seu ânimo mudasse completamente. Pois nada como desafiar um adolescente para que ele se revele em toda a sua pujança! E foi essa incitação que marcaria o espírito de Antônio de maneira indelével, levandoo à própria superação!... Para tanto, o estudante passou a ser um devorador de livros, o que lhe permitiu amealhar enorme cultura e lhe conferiu galardão suficiente para conseguir ler e compreender Os Lusíadas; ingressou na Faculdade de Letras, concluiu-a com brilhantismo e foi aprovado no mestrado com louvor; e jamais abdicou do desejo de vencer o desafio a que se tinha obrigado. Essa persistência, essa dedicação, novamente ecoaram no Universo, que respondeu criando a oportunidade certa para que esse desafio fosse enfim vencido. Assim, em uma certa tarde, Antônio sentou-se defronte ao computador e, muito inspirado, começou a escrever um Auto. O pano de fundo? Aquele mesmo episódio de “Os doze de Inglaterra”. Mas, imaginava o escritor, para que a adaptação fosse digna de ser ovacionada, a homenagem deveria ser impactante, e memorável! Dessa forma, depois que os doze cavaleiros portugueses vencessem os seus rivais, ao invés de se entregarem aos banquetes que lhes seriam oferecidos pelas desafrontadas damas, o que só acarretaria
ociosidade e aumento de peso, o Magriço sugeriria aos seus companheiros de armas que fizessem da própria vitória um marco na literatura universal, um ato de pura veneração. Para isto, os doze campeões transcenderiam o tempo e o espaço, partiriam rumo à Espanha, adentrariam o Museo de la Palabra e, ajoelhados, ofereceriam as suas espadas vencedoras em louvor aos quatrocentos anos da morte de Cervantes! O que Antônio não suspeitava é que a inspiração de que fora tomado viera de alguém que conhecera; era o maior escritor da língua portuguesa que realizava o seu último desejo – homenagear o maior escritor da língua castelhana.
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SÉRGIO SOLA Formador profissional na área de informática, com um pequeno devaneio: escrever. Nasceu em Olhão, em 1963. Em Julho de 2015, venceu o 5º Concurso Literário da Papel D’Arroz Editora, tendo abdicado, mais tarde, do prémio que lhe foi atribuído. Participações em obras colectivas: «Quando o Amor é Cego», «Amar (S)Em Desespero», «O Poder do Vício» e «Caprichos & Virtudes» na Papel D’Arroz; «Boas Festas» na Silkskin Editora. Da Colecção Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro», «Ninguém Leva a Mal» e «Graças a Deus!». Página do Autor: Facebook: Sérgio Sola
FAZES-ME FALTA amos para casa de mãos dadas, bem apertadas... Daria tudo para te ter novamente comigo. Daria tudo para te ter novamente na minha vida... daria tudo para ter, de novo, seis anos, mano... Penso em tudo o que teríamos feito, sonho com tudo o que fizemos... imagino tudo o que ansiávamos fazer, mano... Lembras-te quando nos sentávamos debaixo daquela árvore, no nosso quintal, e tentávamos decidir o que queríamos ser quando fôssemos maiores? Tu dizias sempre que querias ser o meu melhor amigo... isso não mudou, mano... És o meu melhor amigo, aquele que está sempre comigo, aquele a quem dedico os meus pensamentos mais profundos... Éramos os donos da Rua, os reis do nosso Largo... Lembras-te? Éramos os reis da brincadeira, os príncipes do nosso destino. Tudo mudou... não estás mais comigo... tudo mudou. As pessoas mudaram... mesmo aquelas que ainda, por vezes, me falam de ti... Eu mudei... Mas espero que contemples a minha vida e sintas orgulho... Tudo o que faço penso em ti... no que tu farias, no que faríamos juntos. Ficarás nos meus pensamentos até ao fim... em breve nos veremos, maninho... Sabes... os momentos mais difíceis são aqueles em que as estrelas saem para brincar e, também eu, olho para elas e imagino nós dois... Íamos para casa de mãos dadas, bem apertadas... Fazes-me falta, mano...
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ENTREVISTA
RITA QUEIROZ Natural de Salvador, Bahia, Brasil, professora universitária, filóloga (pesquisadora do manuscrito) e poeta, é autora dos livros «Confissões de Afrodite», «O Canto da Borboleta», «Canibalismos» (Penalux, 2019, 2018, 2017), «Ciranda, Cirandinha: Vamos Brincar com Poesia?» (Infantil) e «Colheitas» (Darda, 2019, 2018). Organizou as coletâneas «Brasis Poéticos» (2019), «Aldravias Mulher: Feminino em Poesia» (2019), «Nas Teias de Eros», vol. 1 e 2 (2017, 2018); «Bahia, Terra de Luz e Amor» (2018) e «Confraria Poética Feminina», vol. 1 e 2 (2016, 2018). Colunista na Revista Cultural Evidenciarte. Tem publicações em diversas antologias, no Brasil e no exterior, bem como em revistas literárias, e integra os coletivos «Confraria Poética Feminina», «Mulherio das Letras» e «Coletivo de Autoras de Literatura Infantil e Infanto-juvenil da Bahia – CALIIB». POR ISIDRO SOUSA
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SG MAG – Quem é a mulher que vive por detrás da autora Rita Queiroz? Como se apresenta enquanto ser humano? RITA QUEIROZ – A mulher que está por detrás da autora é romântica, sonhadora, idealizadora, aventureira, batalhadora. É uma mulher que enfrenta os desafios, sejam estes de quaisquer naturezas. É também uma mulher que incentiva outras mulheres a seguirem seus caminhos, que vibra com cada conquista, pessoal ou alheia. Na verdade, incentiva qualquer pessoa, mostrando a cada uma o seu valor. É uma mulher que sofre com as injustiças sociais, pois gostaria de viver em um mundo mais igualitário, com mais respeito, mais bem estar social, sem corrupção, sem exploração dos menos favorecidos. Mas, acima de tudo, uma mulher feliz nesse mundo caótico. Escreve por impulso ou sofre para escrever? A escrita é uma paixão de sempre ou surgiu nalgum momento específico da sua vida? Como despontou a veia literária?
Quando estudante de graduação, sofria para escrever. Hoje, a escrita flui naturalmente.
Sempre gostei de escrever, desde a infância. A princípio, escrevia cartas para os familiares que viviam em outras cidades ou estados brasileiros. A leitura também faz parte de minha vida, pois sempre li muito e textos diversificados: histórias em quadrinhos, revistas, fotonovelas, romances. Quando ingressei no ensino médio, passei a ler mais, conhecendo a escrita de autores brasileiros e estrangeiros, como: Jorge Amado, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Stanislaw Ponte Preta, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Raquel de Queiroz, Agatha Christie, dentre outros. Quando fui para a universidade, cursar Letras, passei a ler Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Autram Dourado, José Lins do Rego e tantos outros. Fiquei muitos anos sem escrever textos literários, dedicando-me apenas aos textos acadêmicos. A partir de 2015 que deixei a veia literária fluir.
O que escreve habitualmente? Em que se inspira? Escrevo habitualmente poemas. A inspiração ou insight vem de fatos do cotidiano, dos sentimentos que fervilham em mim, de leituras que faço, de músicas que ouço, de uma pintura, de um filme, da vida como um todo.
Como caracteriza a sua escrita? E em que corrente literária se insere? Minha escrita é simples, porque brota dos sentimentos que nutro pela natureza, pelas pessoas, pela vida. O que escrevo é livre, como acredito que deva ser. Se insere na corrente literária pós-moderna, pois traz elementos de outras correntes como o Romantismo e o Barroco.
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Quanto tempo dedica à leitura e à escrita? Não tenho um tempo definido. Há dias que escrevo e leio muito. Às vezes passo dias sem escrever ou ler algo específico.
Desde que escreveu o primeiro texto, que caminho desbravou até chegar à edição de um livro? E quais foram os momentos mais marcantes nesse percurso? O primeiro texto escrevi adolescente e esqueci dele, pois recebi uma crítica negativa. Passei anos escrevendo apenas textos acadêmicos: dissertação, tese, artigos, resumos para congressos. Em 2015, comecei a postar textos curtos no facebook sobre os sentimentos que estavam me tomando naquele momento, pois havia sofrido uma decepção amorosa muito forte. Algumas pessoas passaram a comentar e dizer que eram bons textos. Continuei. Desse momento surgiu uma discussão com algumas amigas sobre a escrita de autoria feminina. Resolvemos criar um grupo para isso, o qual intitulei de «Confraria Poética Feminina». O grupo cresceu com a adesão de muitas mulheres que escreviam e engavetavam seus textos. Resolvemos publicar uma antologia, a qual contou com a participação de 12 autoras, cada uma com 10 poemas.
de Afrodite» (2019). Em «Canibalismos», trago 152 micropoemas que tratam da relação homem X mulher e seus desejos de se tornarem unos, metamorfoseados pelo amor. «O Canto da Borboleta» (2018) representa a minha tranformação, a minha saída do casulo para alçar voos. Mas os textos contidos nesse livro são mais introspectivos, pois tratam da dor, do sofrimento. O mesmo processo se dá no livro «Colheitas» (2018).
A publicação do primeiro livro, em 2016, «Confraria Poética Feminina», foi a concretização de um sonho? O que representou para si?
A sua obra já se pode considerar vasta, sendo constituída por vários títulos literários: «Canibalismos», «O Canto da Borboleta», «Colheitas», «Confissões de Afrodite» e «Ciranda, Cirandinha: Vamos Brincar com Poesia?», entre outros. Que temas abordam normalmente os seus livros e em que estes diferem uns dos outros?
Sim, foi a realização de um sonho meu e de outras autoras que fazem parte do livro. Representou para mim a virada de mesa, a busca por outros caminhos e realizações. Desde a publicação desse livro que muita coisa mudou em minha vida, tanto profissionalmente quanto pessoalmente. A partir desse livro tive um
Sempre gostei muito da temática erótico-amorosa, daí surgiram os livros «Canibalismos» (2017) e «Confissões
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poema musicado, participei de vários encontros sobre autoria feminina e fui a várias feiras e festas literárias.
Seguiram-se outros títulos, outros trabalhos. Apresente sucintamente cada um desses projectos... Depois da publicação da antologia «Confraria Poética Feminina» participei de diversas coletâneas, sejam estas com temática sobre a mulher ou sobre temas variados; fiquei em primeiro lugar no concurso «Amor, Paixão, Loucura», da Editora Litteris, com o poema “Sedução”, primeiro que escrevi com a temática erótico-amorosa e que dediquei ao escritor Affonso Romano de Sant’Anna. Escrevi prefácios, textos de orelha, integro academias virtuais, publiquei em revistas literárias, no Brasil e no exterior, conheci a SG Magazine e
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interajo com escritores e escritoras de várias partes do Brasil e de outros países. Além disso, participo do Movimento Mulherio das Letras, que hoje está em vários países como Portugal, Itália, Estados Unidos, dentre outros.
Só escreve poesia ou explora também outros géneros? Meu gênero preferido é a poesia, mas tenho me aventurado a escrever contos. Já escrevi crônicas também, mas o conto é um gênero desafiador, pois um bom conto prende a atenção do(a) leitor(a) e o(a) desperta para vários outros mundos.
O que a fascina no universo da poesia? O que me fascina no universo da poesia é poder criar imagens com palavras. É sair do lugar comum e vislumbrar outros horizontes. É sentir a brisa do mar mais forte. É viver intensamente.
tenha escrito? O que traz de novo? A escolha do título «Confissões de Afrodite» se deve ao fato de que quis dar voz a várias mulheres que se sentem oprimidas em falarem sobre amor, sexo, erotismo. Por isso trouxe o nome da deusa mitológica do amor. Em 2017 publiquei «Canibalismos», livro no qual iniciei a temática erótico-amorosa. Em «Confissões de Afrodite» exploro mais o eu lírico feminino, deixando vir à tona os desejos e delírios erótico-amorosos da mulher.
Para que serve a poesia? De que modo pode influir na vida das pessoas? A poesia serve para transcender, para sair da zona de conforto, para se aventurar por outros universos. A poesia é reflexão e isso está faltando no mundo contemporâneo. As pessoas precisam refletir mais, saírem de si. A poesia nos leva a nos despirmos, a sermos outros em nós mesmos.
Em que se baseia «Confissões de Afrodite?» Porque deve ser lido?
No início de 2019 publicou «Confissões de Afrodite», novamente poesia. O que pesou na escolha deste título? E o que o distingue de outros géneros que
«Confissões de Afrodite» se baseia nas relações erótico-amorosas entre homens e mulheres, mas sendo a
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religioso como o Brasil? Antes de escrever um livro de poemas eróticoamorosos, pesquiso sobre defloramento de mulheres virgens no início do século XX e estudo também o vocabulário da sexualidade em obras de Jorge Amado. Apresentei os resultados dessas pesquisas em vários congressos, tanto no Brasil quanto no exterior, e posso dizer que falar sobre sexo atrai a atenção. O que temos são falsos moralismos. O cantor Zé Ramalho já diz em uma de suas músicas: «Sexo é assunto popular». As pessoas gostam do tema, mas querem esconder isso. Nos anos 1950 e 1960 o escritor Nelson Rodrigues já tratava sobre isso em diversos textos que se tornaram referência no assunto. A questão atual é o retrocesso que estamos vivendo, tanto nas esferas governamental quanto religiosa. Muitas coisas que já havíamos superado estão sendo condenadas, como se estivéssemos na Idade Média. No entanto, até o momento não sofri nenhuma censura e espero que não sofra.
voz feminina que fala, que dá vazão aos sentimentos. O livro foi bem recebido pela crítica, tendo resenha de Marcelo Frota, o qual estabelece relações da minha escrita com a escrita de Jorge Amado e Marquês de Sade. Quando escrevemos não temos noção de como o(a) leitor(a) vai receber. O que o nosso texto vai provocar na outra pessoa. Assim, quando lemos uma crítica que nos compara com um autor como Jorge Amado, o qual amo muito, só podemos pensar que o que escrevemos é bom. Então, convido a quem quiser conhecer e fazer as suas próprias análises.
O que a fez abordar o erotismo numa perspectiva poética? E porquê justamente o erotismo numa obra literária, que pretende manter e conquistar leitores, um tema bastante tabu para muita gente?
Precisamos acabar com determinados tabus, que nem deveriam mais existir em pleno
Foi justamente o meu objetivo, mostrar que escrever e ler poemas eróticos só faz bem. Precisamos acabar com determinados tabus, que nem deveriam mais existir em pleno século XXI. Quis também mostrar que as mulheres podem escrever sobre qualquer tema, que o que sentimos importa. Precisamos desmistificar rótulos.
século XXI. Quis também mostrar que as mulheres podem escrever sobre qualquer tema, que o que sentimos importa. Precisamos
Sentiu algum tipo de desconforto, recriminação, preconceito, censura ou alguma outra reacção negativa por ter ousado apresentar uma obra poética sobre o erotismo, num país algo moralista e profundamente
desmistificar rótulos.
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Após «Confissões de Afrodite», eis «Ciranda, Cirandinha... Vamos Brincar com Poesia?». Uma mudança radical, que revela uma autora multifacetada. O que a fez mergulhar no universo infantil? Porquê uma obra dirigida aos mais pequenos? Por alguma razão especial?
Falar sobre sexo atrai a atenção. O que temos são falsos moralismos. O cantor Zé Ramalho já diz em uma de suas músicas:
Comecei a escrever poemas infantis para participar de uma coletânea. Gostei tanto que não parei. Então em 2019 resolvi publicar meu livro solo, com 13 poemas. Além da questão de participar de coletâneas, resolvi também voltar para minha infância, buscar a criança que está em mim, vivenciar através da poesia esse universo que é muito rico e especial.
«Sexo é assunto popular». As pessoas gostam do tema, mas querem esconder isso. Nos anos 1950 e 1960 o escritor Nelson Rodrigues já tratava sobre isso em diversos textos
Em que se baseou para o escrever? E que aspectos mais relevantes destaca na obra? Em que consiste o livro? Como é estruturado?
que se tornaram referência no assunto. A questão atual é o retrocesso que estamos
Trago no livro 13 poemas que falam sobre a infância que vivi na casa de meus avós e a infância da contemporaneidade, com as influências do mundo digital e virtual. Falo sobre as brincadeiras antigas e atuais, bem como a paixão que muitos meninos têm por futebol, espelhando-se nos jogadores famosos. Temas como circo, mar, animais são apresentados. Os poemas trazem ilustrações e ao final há um espaço
vivendo, tanto nas esferas
governamental quanto religiosa. Muitas coisas que já havíamos superado estão sendo condenadas, como se estivéssemos na Idade Média. 27
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mira? Algum em especial que a inspire particularmente? As minhas referências são Vinícius de Moraes, Cecília Meireles (falando dos autores canônicos), Érica Azevedo, Adélia Prado, Nívia Vasconcelos, Glaúcia Lemos, Jovina Souza, Conceição Evaristo, Andréa Mascarenhas, Marcelo Frota, Fernanda Mothé, Tonho França, autores e autoras contemporâneos(as) que me inspiram de algum modo.
O seu percurso literário tem sido fácil ou encontrou obstáculos? Até o momento não encontrei obstáculos. Há alguns entraves que contornamos de modo mais fácil, basta saber driblálos.
e uma ilustração em branco para que as crianças deixem fluir sua imaginação.
O facto de ter formação em Letras e de estar plenamente inserida no meio académico tem facilitado a sua luta por impor a sua obra?
Quais foram os principais desafios ao escrever para um público infantil?
Ter formação em Letras e estar no meio acadêmico não facilitou em nada. Creio que as Redes Sociais ajudaram mais.
O principal desafio foi escrever em uma linguagem que cative as crianças. Lembro quando meu sobrinho dizia que meus poemas são difíceis porque não têm rimas. Então, para crianças é preciso rimar, fazer com que o texto tenha musicalidade que as levem a viajar nas imagens criadas.
Que balanço faz da sua carreira literária? Sente-se realizada? Sinto-me realizada, plena e feliz. O pouco tempo que tenho de carreira literária já me levou para lugares que não imaginaria ir, a conhecer pessoas de várias partes do Brasil e do mundo.
Existem muitas influências na sua poesia ou nem por isso? Não sei quais seriam as influências presentes na minha poesia. Acho que os críticos podem responder melhor do que eu.
Do conjunto da sua obra, qual é o livro que considera mais emblemático? Qual deles foi o mais marcante para si? Porquê?
Quais são as suas referências? Que autores mais ad-
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seus livros? Alguma situação especial que deseje partilhar connosco?
É difícil falar sobre isso, porque todos os livros são importantes, mas «O Canto da Borboleta» é um marco para mim, porque nele deixei vir à tona mágoas, tristezas, desilusões e que ali mesmo também as enterrei, pois os outros livros já trazem textos com temáticas mais leves.
Creio que o público tem gostado, pois as críticas são bastante positivas. Há sempre textos que causam mais impacto do que outros, até mesmo para mim.
Como tem sido a aceitação das suas obras pelo público em geral? Como avalia as críticas ou reacções aos
A sua biografia contempla distinções literárias. Que impacte tiveram estes prémios no seu percurso? O
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obra foi em São Paulo, onde estive em dezembro último e pude conhecê-la, bem como a outras autoras que moram fora do Brasil, como a Regiane Valadares e Terezinha Malaquias, ambas vivendo na Turquia e na Alemanha, respectivamente. Além dessa coletânea, tenho participado das obras organizadas pelo Mulherio das Letras e também pelas escritoras Aldirene Máximo e Jullie Veiga, como «Elas e as Letras» e «Nem Uma a Menos», as quais são escritas por mulheres e que retratam os dramas que nos afligem, como a violência contra as mulheres. No exterior, participei da obra «Luz de Natal», organizada por Isidro Sousa, em Portugal, e da antologia «Mulheres e Seus Destinos», organizada por Lena Marçal e Yara dos Santos, em Cabo Verde.
Que importância confere a estes projectos? Que benefícios lhe trazem?
que lhe possibilitaram além do reconhecimento? As distinções impactam positivamente porque nos trazem a certeza de que estamos no caminho certo, escrevendo textos que tocam o coração de outras pessoas e isso nos leva a escrever mais, a buscar sempre o aprimoramento do nosso trabalho.
Estar em contato com pessoas de outros lugares, conhecer seus textos, dialogar sobre nossos anseios, são coisas que têm me ajudado a seguir com a minha escrita.
Até que ponto as redes sociais são imprescindíveis para a divulgação da sua obra? Que impacte têm no seu trabalho?
Embora já tenha uma vasta obra publicada, continua a participar em obras colectivas de várias editoras. Por alguma razão especial? Porque o faz?
Para mim as redes sociais são imprescindíveis. Comecei publicando nas redes sociais e isso me levou a publicar em livro. Além disso, as redes sociais têm favorecido o conhecimento de diversos projetos literários, o que tem me levado a participar de diversas antologias mundo afora, além de publicar em revistas literárias.
Participar de obras coletivas nos faz ter contato com outras pessoas, conhecer outros universos. Recentemente participei da coletânea «Reedificações – Histórias de Mulheres Brasileiras que se Reinventaram Pelo Mundo», organizada pela brasileira Farah Serra, que atualmente está radicada na Itália. O lançamento da
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Além das redes sociais, o que acredita ser essencial para a boa divulgação de um autor e, por conseguinte, da sua obra?
Quanto tempo medeia entre a escrita de um livro e a sua edição? Publica-o imediatamente, com a maior brevidade possível, ou prefere deixar a obra amadurecer?
Um bom texto. Escrever bem abre portas e nos leva a participar de feiras e festas literárias, de bienais. Além disso, uma boa assessoria de imprensa e um agente literário.
Quando tenho o livro por findado, publico-o imediatamente.
Quais são os seus projectos para os próximos tempos? Já tem alguma nova obra no horizonte? Em que consistirá o próximo livro de Rita Queiroz?
Quais são as maiores preocupações quando começa a escrever um novo livro? Já o tem na cabeça ou ele vai surgindo a partir de uma ideia inicial?
Pretendo publicar, em 2020, um livro infantojuvenil e outro adulto, além de organizar uma coletânea de contos da Confraria Poética Feminina.
Às vezes já tenho na cabeça, mas posso mudar ao longo do processo. Já tenho alguns poemas escritos e que havia pensado em publicar por agora, mas mudei e estou com um novo projeto em andamento.
Como caracteriza o meio cultural da sua região?
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Moro na cidade do Salvador, capital do Estado da Bahia. A efervescência cultural é constante, com destaque para a música, conhecida mundialmente. No entanto, os saraus e slams têm acontecido com frequência, principalmente na periferia, o que tem favorecido a inserção de muitos jovens no meio literário.
Que relacionamento mantém com os autores da sua região? Mantenho muitos relacionamentos com autores e autoras da minha região, bem como de outras regiões do Brasil. Os contatos ocorrem, na maioria das vezes, através das redes sociais, mas também nos saraus e lançamentos de livros.
E o meio literário do Brasil em geral? Como vê o panorama da literatura actual? Vejo com bons olhos. Em momentos de crises, as artes em geral florescem e é assim com a literatura. Há muito boas publicações no mercado. Jovens escritoras e escritores ganhando prêmios importantes, tanto no Brasil quanto no exterior.
Os livros podem ser adquiridos nas lojas virtuais das editoras Penalux e Darda, bem como nas plataformas Amazon, Submarino, Lojas Americanas. Ou, diretamente, comigo.
Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores em geral e autores em particular?
Tendo em conta a sua vasta experiência, o que recomenda aos autores emergentes que queiram singrar no mercado literário?
Todos nós temos sonhos e devemos realizá-los. Minha mensagem é: Nunca desista de seus sonhos, há sempre caminhos que nos levam ao Paraíso de Dante.
Participem de coletâneas, de concursos literários, das redes sociais. Há sempre boas coisas acontecendo e é preciso estar atento para isso e aproveitar as oportunidades.
Deseja acrescentar algo que não tenha sido abordado ao longo da entrevista?
Quem quiser adquirir os livros «Confissões de Afrodite» e «Ciranda, Cirandinha...», onde poderá encontrálos? Ou como deverá proceder?
Que a poesia seja a tônica da vida!
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SG MAG #07
RITA QUEIROZ Doutora em Filologia e Língua Portuguesa (USP). Mestre em Letras e Linguística e Graduada em Letras Vernáculas (UFBA). Professora Pleno da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Organizadora do livro «Confraria Poética Feminina» (Penalux, 2016). Integrante da Plataforma Virtual do Mapa da Palavra 2016 (Fundação Cultural do Estado da Bahia – Funceb). Integra as seguintes colectâneas: «Sarau Brasil» (2016), «Poesias Sem Fronteiras» (2016), «Prosa e Verso» (Oficina de Criação Literária, 8ª Feira do Livro, Festival Literário e Cultural de Feira de Santana, BA, 2016), «Poetize 2017: Concurso Nacional Novos Poetas» (2017). Premiação de poemas em concursos nacionais e locais, tais como: “Amor, Paixão, Loucura”, Editora Litteris (Rio de Janeiro) 1º lugar; “Pé de Poesia” (Salvador); “Pão e Poesia” (Blumenau, Santa Catarina). Coautora da antologia «Luz de Natal» (2018) da Colecção Sui Generis. «Confissões de Afrodite» (Penalux, 2019) é o seu penúltimo livro.
O EROTISMO E A SENSUALIDADE DE “CONFISSÕES DE AFRODITE”
A
mais fina arte é aquela que segue em frente, que está em constante movimento. Ela é como o tempo, que se esvai ora lento, ora ligeiro, nos ponteiros do relógio. Arte é revolução, mas também evolução, e talvez a arte mais rica seja aquela que nos faça vislumbrar o futuro, mantendo o saudosismo do passado, sendo o insumo do que foi semeado outrora para florescer agora, ou daqui a alguns anos. A arte é movimento, mas também referências, é um amálgama de tempo e espaço, um paradoxo indefinido. O nascer de um filho profano. A poesia é a arte de contar a vida em versos, os sentimentos em rimas, o cotidiano em estrofes curtas. Seja ela odes a um amor idealizado, uma prece antes do suicídio, uma forma de expressar sentimentos correspondidos ou conflitantes. A poesia faz parte da vida do homem, seja ela vinda de mestres como Fernan34
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do Pessoa ou do jovem que transforma sua dor e seu amor em versos anônimos. A poesia é o diálogo do ser humano com seu íntimo, é, dentre as artes, a arte que nos faz humanos. É o ser e o ter em comunhão na mesma página. Para Rita Queiroz, poetisa baiana com o sol em Leão, a arte está no toque, nos cheiros, nos sabores e no gozo. Está na carne que queima entre as idas e vindas dos corpos que se abrasam em rítmico frenesi. Está em transformar toques em palavras, para dessas palavras despidas de roupas, nuas em pudores tecer versos que formam poesias que elevam o espírito, ardem na carne febril e aguam o corpo. Espíritos livres que dançam a dança do desejo, marcham nas sombras do amor.
A ambiguidade dos versos de Rita Queiroz traz à tona a dúvida do quanto é preciso amar para desejar. Traz o questionamento do amor
ligado ao desejo. Traz à tona Dona Flor e seus Dois Maridos, onde Flor amava e desejava Vadinho de forma tão intensa que nem a morte os separou. Traz também à tona Gabriela Cravo e Canela, onde Gabriela ama e deseja Nacib e ainda assim se entrega a outro homem. Rita Queiroz e Jorge Amado, coincidentemente baianos, nos trazem o amor e o erotismo de forma elegante, cada um de a seu modo, cada um com sua intenção. Ambos imprimindo sua verdade em prosa e verso, suas declarações de amor carnal aos homens e às mulheres que ousarem se despir dos moralismos, das convenções sociais, da culpa católica e adentrar os prazeres da carne, da fina luxúria, do gozo supremo que buscam
aqueles despidos de pudores.
A ambiguidade dos versos de Rita Queiroz traz à tona a dúvida do quanto é preciso amar para desejar. Traz o questionamento do amor ligado ao desejo. Traz à tona Dona Flor e seus Dois Maridos, onde Flor amava e desejava Vadinho de forma tão intensa que nem a morte os separou. Traz também à tona Gabriela Cravo e Canela, onde Gabriela ama e deseja Nacib e ainda assim se entrega a outro homem. Rita Queiroz e Jorge Amado, coincidentemente baianos, nos trazem o amor e o erotismo 35
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de forma elegante, cada um de a seu modo, cada um com sua intenção. Ambos imprimindo sua verdade em prosa e verso, suas declarações de amor carnal aos homens e às mulheres que ousarem se despir dos moralismos, das convenções sociais, da culpa católica e adentrar os prazeres da carne, da fina luxúria, do gozo supremo que buscam aqueles despidos de pudores. A vivacidade dos versos se faz presente em cada poema, e ouso destacar aqueles que ficaram impressos na memória e fizeram com que as palavras se transformassem em imagens, e dessas imagens veio o tesão:
Teus lábios exalam mirra Incensa meus sentidos Perfuma nossos sexos Corpos habitando labirintos Suspensos nas voltagens dos batimentos de alta rotação E os desejos? Levitam nas penumbras... (Trecho de “Aroma de Maçã”, pág. 21) Dessa matéria chamada desejo, chamada tesão é formada a volúpia de «Confissões de Afrodite», novo livro da poetisa Rita Queiroz (Penalux, 2019). Ao evocar a deusa do sexo, da beleza e do amor, tanto na capa como no título da obra, Rita Queiroz 36
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nos remete a figura de Afrodite, ligando sua obra a um passado mitológico em contraponto à contemporaneidade de seus versos. As Afrodites de Queiroz são as mulheres de hoje: mães, empresárias, donas de casa, compositoras, esposas, mulheres que desejam prazer físico acima do amor, acima do afeto. Rita Queiroz busca no passado as referências para as mulheres de agora, e através do sexo transa descaradamente, impiedosamente com seus leitores, realizando através das palavras desejos muitas vezes mascarados pelo bom mocismo, pelo politicamente correto. Um dos pontos a destacar é o elegante despudor dos versos de Queiroz. Ao contrário do Marquês de Sade, que compunha sua prosa de forma explícita, Rita Queiroz usa a sutileza das palavras para provocar a mesma excitação que Sade busca-
va despertar. A diferença entre Sade e Queiroz é a forma como o sexo é abordado, embora o resultado seja o mesmo, seja a busca pelo prazer acima das convenções. A poesia de Rita Queiroz é desafiadora em tempos de falso moralismo, onde Deus está na boca de falsos cristãos e falsos messias. Em uma época em que a hipocrisia reina, a elegância e a delicadeza dos versos dessa poetisa baiana são um grito de liberdade para mulheres que buscam mais que o “arroz e feijão” do dia a dia. São o grito da não rendição, da não submissão. E para os homens que se aventurarem pelos labirintos de «Confissões de Afrodite», um aviso: preparem-se para se perder entre a seda do prazer, entre paredes de úmido enlace e não se assustem se adormecerem e então despertarem em um céu de girassóis.
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POEMAS DE RITA QUEIROZ Do livro Confissões de Afrodite
AMÁLGAMA Cravo meus dentes em tua pele Tatuo minhas iniciais Me desenho em tua alma E me ofereço em sacrifício Para que teu canto Me poetize Me alforrie. Desejo teu corpo, tua mente, teu sopro... E nos sonhos mais loucos Me perco no tempo E os dias são noites E o mar, lua E nós, sementes de sol encrustadas nas pedras a brotarem suspiros eternizados no vento.
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LUARES Não me queira à distância Com esses olhos de lince. Não me queira na cama Com essa fome voraz de ave de rapina. Não me queira na fotografia Com essa emoção fria. Não me queira ao meio-dia Nem à meia-noite Me queira “inteira” Como a lua cheia.
BRISA ARDENTE Despe-me a alma Com teus olhos incandescentes Despetala-me a flor Com toques frenéticos Derrama teu doce veneno Sobre minhas coxas Embriaga-me de prazer Sou tua em combustão! Envolvo-te em mim Vibramos na frequência da paixão Somos um só corpo ardente A exalar o néctar dos deuses Vibrando de prazer! Nos aquietamos nos acordes da sinfonia Amanhecemos brisa de verão!
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BANQUETE DE AMOR Meu corpo Poeticamente De se nha do Sobre o teu Baila ao som de Cupido! O monte de Vênus Milimetricamente do la ca Es Jorra em flor Que se abre Em movimentos sucessivos De esplendor! E os nossos corpos Entorpecidos de amor Exalam o néctar E os acordes da sinfonia Embalam o gozo Banhado no branco e doce Vermelho da maçã Em descanso deleitoso!
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na saudade da casa da avó...». A infância da contemporaneidade, cercada por equipamentos eletrônicos e tecnológicos, também tem lugar na obra, a exemplo do poema Ciranda Eletrônica, dedicado aos sobrinhos Rodrigo e Daniel. As páginas finais do livro são dedicadas ao protagonismo dos pequenos leitores, que são convidados a produzir uma poesia e ilustrá-la. «É um estímulo para que as crianças desenvolvam sua criatividade, tanto em relação à escrita quanto à pintura. Que elas possam exercer isso livremente», defende a autora. Com Ciranda, Cirandinha: vamos brincar com poesia? Rita estreia no universo literário infantil com o desejo de aproximar as crianças da ludicidade da poesia, desmistificando a ideia de que este estilo literário é algo complicado. «No mercado não existem muitos livros de poesias para crianças. Quanto mais cedo proporcionarmos este contato, melhor», defende a autora.
CIRANDA, CIRANDINHA: VAMOS BRINCAR COM POESIA?
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ivro de poemas marca estreia de Rita Queiroz na literatura infanto-juvenil. Com uma vasta produção acadêmica e três livros de poesias dedicados ao público adulto publicados, Rita estreia na literatura infanto-juvenil com muita delicadeza. As treze poesias assinadas por Rita ganharam cores e formas com as ilustrações do carioca Jota Cabral no lançamento da Darda Editora. «Era um desejo escrever para crianças. Já tinha participado de algumas coletâneas... Comecei a escrever pensando muito na minha infância, no contato com a natureza,
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POEMAS DE RITA QUEIROZ Do livro Ciranda, Cirandinha: Vamos Brincar com Poesia?
BORBOLETEAR A borboleta pousou no jardim E fez pirlimpimpim Bateu as asas coloridas E sorriu pra mim! A borboleta trouxe flores Saiu do casulo encantado E me deu muitos amores Doces presentes apaixonados! A borboleta ĂŠ livre Para o cĂŠu voou Me deixou os sonhos E nas cores do sol borboleteou!
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SG MAG #09
A TRAVE E A ESCOLA Hora de ir pra escola E eu só penso na bola A professora passa a lição Mas só quero bater um bolão! Quando crescer quero ser como Neymar E ter uma Bruna para namorar Ou talvez ser como CR7 Ter muitos carros para passear! Mas tenho de estudar Saber outras línguas Para ninguém me enrolar E ser um jogador estelar! Futebol é uma paixão Que aquece o coração Mas não basta ser bom de bola Tem de ser estudioso e passar sem cola!
CIRANDA ELETRÔNICA No tablet ou no celular Só quero jogar E nada de estudar. São joguinhos cheios de bichinhos De tramas e caminhos Para ficar perdidinho. Papai e mamãe escondem tudo Para eu poder estudar profundo E fazer as provas em um segundo. Quando o ano terminar Vou apenas brincar Até nas águas do mar, meus dedos vou deslizar.
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DOCE INFÂNCIA Gosto de manga E de jaca também Mas a minha preferida É a doce banana. Na casa da vovó e do vovô Bailava na gangorra Fazia casinhas ao vento Corria pelos pastos E tinha medo dos sapos. Nas noites de lua cheia Tudo se iluminava Eram tantos “causos” De meter medo na gente. Sonhava com as férias Para ir pra roça brincar Ver matar porco E dar comida às galinhas Mas adorava a escola Ao lado de casa Pedia à mainha Para ser matriculada Queria logo estudar Para ser gente letrada. Ah doce infância!
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LUCINDA MARIA Lucinda Maria Cardoso de Brito nasceu em Oliveira do Hospital, em 1952. Fez um percurso académico muito bom e tirou o curso do Magistério Primário, começando a leccionar em 1972. Encontra-se aposentada, mas continua a ensinar, agora artes decorativas, na Universidade Sénior de Rotary de Oliveira do Hospital. Tem seis livros publicados – «Palavras Sentidas» (2013), «Alma» (2014), «Divagando...» (2015), «Terra do Meu Coração» (2016), «Sonho?... Logo, Existo!» (Sui Generis, 2017) e «Um Ano... 365 Poemas» (2018) – e participações em variadíssimas obras colectivas. Da Colecção Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Tempo de Magia», «Sinfonia de Amor», «Luz de Natal», «Sol de Inverno» e «Brisas de Outono». Como autora, gosta de identificar-se apenas por Lucinda Maria; não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990. Perfil no Facebook: facebook.com/lucindamaria.brito
ERROS
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á falei inúmeras vezes sobre isto. Os erros ortográficos provocam-me urticária. É um mal-estar insuportável... um prurido desesperador. Mania? Talvez. Seja como for, tenho medo de que esteja a tornar-se patológico. Costumo até dizer: «Não sou eu que vejo os erros; são os erros que me vêem a mim». De qualquer modo, é triste para um amante da Língua Portuguesa verificar que cada vez se erra mais. Cada vez a Língua Materna é mais maltratada. Culpa do famigerado Acordo Ortográfico? Em alguns aspectos talvez, mas não só. Lê-se pouco, não se tem cuidado e aprende-se pior hoje. Apesar de todos os cuidados pedagógico-didácticos que se recomendam e se usam, aprende-se pior hoje e sabe-se menos. Sabe-se diferente, mas no que diz respeito aos erros, estamos mesmo pior. Quando aprendi, qual era o método? Todos os dias se fazia um ditado, previamente estudado em casa. Era ditado, a professora marcava os erros, sublinhando a vermelho as palavras mal escritas e, depois, uma reguada por cada erro. Mas não só. Cada palavra errada era escrita dez, vinte, trinta... vezes, consoante o critério de cada uma. Isto hoje era impensável; é do mais antipedagógico que há. Resultava? Oh! Se resultava! 46
SG MAG #09
Quando aprendi a ensinar, foram-me transmitidas várias regras que, depois, apliquei: Primeiro – o ditado era preparado na própria aula, indo os alunos ao quadro, soletrando as palavras, que, muitas vezes, ficavam lá. Segundo – quando se ditava, ia-se chamando a atenção para algumas regras de escrita, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade. Terceiro – os alunos não deviam visualizar o erro; por isso, riscava-se a palavra errada com tinta da mesma cor e escrevia-se correctamente por cima. Quarto – nada de reguadas e a palavra só devia ser repetida até cinco vezes. Resultava? Oh! Se não resultava! Além disso, passou-se de um ditado diário para nenhum. Eu, por acaso, fiz até ao fim um por semana e devo dizer que seguia todos os trâmites atrás descritos. Nunca sublinhava o erro a vermelho e nunca “escarrapachei” o número de erros no cimo do texto copiado. Pedago-
gicamente correcta, portanto. Os resultados? Nem sempre os melhores!... Ontem vi dois erros que me chamaram a atenção. Um deles, no Facebook. Uma professora escreveu num comentário “Sburepticiamente”, quando deveria ter escrito “sub-repticiamente”. Como a Língua Portuguesa é muito rica, se não sabia escrever usava um sinónimo: disfarçadamente, dissimuladamente... Ficou-lhe mal! O outro foi num carro, todo escrito com publicidade à terapia da fala, onde se faziam várias perguntas e uma delas era “Gagueija?”. Obviamente, devia ser “gagueja” do verbo gaguejar! Mal, muito mal. Admito que o erro fosse dado pela pessoa que pintou as letras, mas o dono ou dona da firma não deveria ter prestado atenção? Penso que sim! Apenas dois exemplos dos muitos erros que proliferam por aí... lamentavelmente!
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MARISA LUCIANA ALVES Professora de profissão, escritora por vocação, nasceu no ano de 1976, em Vinhais, uma linda terra transmontana. Foi a vencedora do 3º Concurso Literário da Papel D’Arroz Editora (2014). Publicou cinco livros: «O Que Zeus Mostrou aos Homens» (2018), «A Tua Receita, Meu Amor!» (2015), «O Sono da Primavera» (2014), «De Suplicar Por Mais...» (2013) e «Contando Memórias...» (2011). Participou em diversas obras colectivas. É co-autora das antologias «Sinfonia de Amor», «Brisas de Outono» e «Bendita Manjedoura!» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/marisa.luciana.31
ARREPIO DE AVISO Sinto a vida a esvair-se-me pelos cinco dedos da mão, como se me puxassem um tapete... e não consigo evitar este sentimento de vazio, de perda, de não saber o que faço aqui... Mirando pela janela, fixo o olhar no horizonte e ali me perco, almejando ser aquela ave que voa para longe, sem ter mais preocupações do que a da procura do alimento. Por mais que queira, não me é possível tirar do meu peito a dor, a incerteza. Não sei para onde vou, mas sei que não é aqui que quero estar. 48
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um acordar tão comum, sinto na minha pele um arrepio um pouco estranho, como se algo de ruim me fosse acontecer. Não gosto quando me sobrevêm esse tipo de sensações que me arrancam a pele por dentro até ao âmago da minha alma. Sinto-me como que rasgada pelos dentes de um animal feroz, como tocada pelo lume que arde sem cessar. Há dias em que me sinto assim e apenas me apetece fugir... Sinto a vida a esvair-seme pelos cinco dedos da mão, como se me puxassem um tapete... e não consigo evitar este sentimento de vazio, de perda, de não saber o que faço aqui... Mirando pela janela, fixo o olhar no horizonte e ali me perco, almejando ser aquela ave que voa para longe, sem ter mais preocupações do que a da procura do alimento. Por mais que queira, não me é possível tirar do meu peito a dor, a incerteza. Não sei para onde vou, mas sei que não é aqui que quero estar. Leva-me nas tuas asas, ave destemida, e ajuda-me a ver esse futuro que se me assemelha tão incerto! Então, enchi a minha mente de imagens positivas, coloquei uma música relaxante e deixeime estar assim, estendida na cama, por alguns minutos, até aquela sensação horripilante passar.
«Que fado estarei destinada a viver hoje?», pensei. Por mais que tentasse, não conseguia livrar-me daquele temor constante em mim. Quando consegui aliviar momentaneamente o meu sofrimento, levantei-me e preparei-me para mais um dia de trabalho. «O que podia correr de mal?», pairava a questão na minha mente. Saí de casa em direção à fábrica, mas antes fui a uma pastelaria. Ao chegar, vi as mesas 49
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cheias de gente e apenas uma estava vazia. Dirigi-me para lá. Ao arrastar a cadeira para me sentar, um homem foi contra mim. – Perdão... – disse-me – foi sem querer. Olhei-o e sorri, anuindo com a cabeça. Naquele exato momento, o meu olhar fixou-se no seu, qual íman que atrai sem largar, a nódoa que não desgruda ou o carrapato que não despega. Como quisera ser invisível naquele momento! «Mas que sensação é esta, meu Deus?», pensei, com o coração a bater a mil à hora. Apesar de continuar hirta, qual raiz presa na terra, sentia-me uma adolescente,
com as pernas a cambalearem e um fervor dentro do estômago. Sentei-me e bebi o meu café. Pegar na chávena tornou-se difícil, as mãos tremiam desmesuradamente e eu já só queria sair dali. Então, disfarçadamente, segurei o telemóvel e fingi estar a ver notificações e a ler mensagens. Encostado ao balcão, aquele Adónis na Terra não desviava o olhar de mim e eu também não conseguia deixar de o encarar. Agora tudo se fazia percetível aos meus olhos. Aquele arrepio, a sensação que tivera pela manhã era apenas a minha mente a avisar-me: «Hoje vais apaixonar-te».
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MARIA ANGÉLICA ROCHA FERNANDES Natural de Caculé, Bahia, Brasil, é Doutoranda em Educação – UFRJ, Professora de Literatura da UNEB, Brumado, BA, e em Caculé, BA, e Mestre e Especialista em Literaturas. Participa no grupo de pesquisa CINEAD/LECAV com a Professora Dra. Adriana Fresquet. Publicou dois livros, artigos, capítulos em periódicos e contos e poesias em obras colectivas. É membro da Confraria Poética Feminina. Participou nas antologias «Luz de Natal», «Sol de Inverno» e «Brisas de Outono» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/mariaange lica.fernandes.5
O JASMIM PORTA DO CÉU
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ona Sebastiana vai fazer 90 anos, casada com o prezado Sr. Tião de 76 anos, ela tem algumas galinhas, quatro pés de arruda, dois pés de jasmim porta do céu, dorme cedo, acorda com o cantar do galo, nunca leu um livro. De doença só teve catarata e pedra na vesícula, operou e está muito boa. Depressão? Tem não, moça, nunca teve! Tem cinco filhos, todos casados, netos, bisnetos; briga com o marido? Nunca teve não. Tem um quartinho de ervas com mais de cem sacas para tudo quanto há de mal, sem nenhuma etiqueta, de quebra feitiço a enverga o pau, ela sabe onde ficam todos, sabe de cor, de coração, vive numa alegria da dar gosto de ver. A casa é humilde, nem muito limpa, como a minha, nem suja; na frente uma igrejinha do Sagrado Coração de Jesus, no fundo da casa um pilão, onde o marido pisa um remédio que promete curar minhas dores de cabeça e as dores da alma da minha irmã. Enquanto pai vai buscar a aroeira para compor o banho da reza, naquela tarde de domingo eu fiquei ali pensando para que serviu tanta leitura de livro, Dona Sebastiana sabe muito mais da vida que eu.
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LANÇAMENTO
BENDITA
MANJEDOURA! Antologia literária reúne contos, crónicas, cartas e poesias de 48 autores lusófonos. Organizada por Isidro Sousa para a Colecção Sui Generis.
Bendita Manjedoura! é uma obra colectiva organizada e coordenada por Isidro Sousa para a Colecção Sui Generis e editada com a chancela Euedito. Reúne ao longo de 214 páginas contos, crónicas, cartas e poesias de 36 autores lusófonos (contemporâneos), dedicados à Natividade, dando especial enfoque à Manjedoura que, acolhendo o Deus-Menino na Sua gloriosa descida à Terra, se transformaria, ainda que simbolicamente, no “Berço da Esperança”. Além dos textos enviados pelos autores, foram incluídos nas páginas desta antologia (mais alguns) textos de 12 autores consagrados, numa secção própria criada para esse efeito, o que perfaz um total de 48 autores participantes nesta belíssima obra colectiva, cujos textos, em qualquer género literário (conto, crónica, carta ou poesia), abordam sempre, de algum modo, a ambiência em que ocorreu o tão esperado (e inesperado) nascimento do Messias. Eis os nomes dos autores por ordem alfabética: Aldo Fernandez, Antonio Archangelo, Antônio C. S. Santos, António Gedeão, António Mota, Armindo Gonçalves, Cecília Meireles, Cecília Pestana, Clarice Lispector, Cleusa Piovesan, Cristina Moraes, Cristina Sequeira, Da-
vid Sousa, Diamantino Bártolo, Fátima d’Oliveira, Gabriel Felipe Lago Vieira, Gomes Leal, Guadalupe Navarro, Helô Silva, Isa Patrício, João Saraiva, Joaquim Serra, José de Anchieta, Julizar Dantas, Kopyfield, Manuel Amaro Mendonça, Maria de Fátima Soares, Maria Eloina Avila, Maria EsmerizThomas, Maria João Abreu, Marisa Luciana Alves, Marta Maria Niemeyer, Mary Rosas, Miguel Torga, Mwele Y’Osapi, Ngula Tomás, O. Henry, Olavo Bilac, Paula Homem, RAADomingos, Rodrigo Mendes, Rosa Carvalho, Rosa Marques, Rose Chalfoun, Ruthy Neves, Sara Timóteo, Sophia de Mello Breyner Andresen, Tauã Lima Verdan Rangel. Esta obra literária está à venda na livraria online Euedito e pode ser adquirida directamente à Sui Generis, pelo email letras.suigeneris@gmail.com ou pelo Messenger, através das páginas na rede social Facebook. Pode também ser encontrada na Libros.cc, na Amazon, na Casa del Livro ou na loja online do El Corte Inglés e em algumas outras plataformas de distribuição digital. Bendita Manjedoura! – Antologia de Natal. Vários Autores. Organização e Coordenação Isidro Sousa. Colecção Sui Generis, Euedito. ISBN 978-989-8983-26-8. 1ª Edição: Novembro 2019. Depósito Legal: 464023/19.
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APRESENTAÇÃO
BENDITA MANJEDOURA! “Naquela província romana chamada Judeia, ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, e reside no Porto. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com três editoras, participou em várias dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Publicou três livros de contos e novelas: «Amargo Amargar», «O Pranto do Cisne» e «De Lírios».
o despótico governo de Herodes, O Grande
Páginas no Facebook: www.facebook.com/isidro.sousa.1 www.facebook.com/isidro.sousa.2
romano e, em seu lugar, estabeleceria
Blogue do Autor: http://isidelirios.blogspot.com
– rei da Idumeia, Judeia, Samaria e Galileia – e a crescente tirania do Império Romano tornavam as condições de vida cada vez mais insuportáveis. Isso fez que os Judeus buscassem refúgio na esperança de um Messias pessoal... ou seja, ansiavam pelo prometido Libertador da casa de David, que os livraria do jugo do odiado usurpador estrangeiro, poria fim ao ímpio domínio
o seu próprio reino de paz e justiça. Foi desta forma que as esperanças dos Judeus tornaram-se gradualmente centradas num Salvador... que os libertaria daquele pesado jugo.” POR ISIDRO SOUSA
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endita Manjedoura! é a nossa 5ª Antologia Bendita Manjedoura! de Natal – mas importa esclarecer, desde Em ti se achou o filho da piedade. já, que organizei a primeira, no ano 2015, para a Silkskin Editora, e só as quatro mais recenNaqueles tempos, naquela província romana tes, ou as seguintes, estão inchamada Judeia, o despótico tegradas na Colecção Sui Gegoverno de Herodes, O Granneris, instituída em finais de de – rei da Idumeia, Judeia, O tão desejado Salvador 2015. Depois de ter organiSamaria e Galileia – e a cresnasceu em Belém, a cidade zado Boas Festas (2015), cente tirania do Império RoGraças a Deus! (2016), Temmano tornavam as condições de David, na época do po de Magia (2017) e Luz de de vida cada vez mais insuimperador César Augusto Natal (2018), desta vez, busportáveis. Isso fez que os Jue durante o reinado de cando sempre um tema (ou deus buscassem refúgio na contexto) natalino diferente esperança de um Messias Herodes, O Grande, que os dos anteriores, ousei propor pessoal... ou seja, ansiavam Romanos haviam designado – inspirando-me no poema pelo prometido Libertador para governar a Judeia. Só «O Berço da Esperança» do da casa de David, que os liautor brasileiro Gabriel Felivraria do jugo do odiado que... ao invés de provir da pe Lago Vieira (incluído em usurpador estrangeiro, poria casta reinante e de ter Luz de Natal) – que os textos fim ao ímpio domínio romacandidatos à antologia Benno e, em seu lugar, estabelenascido em berço de ouro... dita Manjedoura! se debruceria o seu próprio reino de (os Judeus esperavam que o çassem sobre a Natividade, paz e justiça. Foi desta forma futuro Libertador fosse um ou seja, em vez de falarem que as esperanças dos Judirectamente em festas de deus tornaram-se gradualpríncipe da casa sacerdotal Natal e/ou na magia que camente centradas num Salvareinante, desde os tempos racteriza ou envolve a época dor... que os libertaria dados Macabeus)... o tão natalina, que enalteçam de quele pesado jugo. algum modo, directa ou indiDe acordo com a Bíblia esperado Messias nasceu, rectamente, ou louvem, de Sagrada, o tão desejado Salde acordo com os evangealguma maneira (ainda que vador nasceu em Belém, a cilhos de Lucas e Mateus, subtilmente), o local humilde dade de David, na época do e singelo onde ocorreu o nasimperador César Augusto e em Belém, uma pequena cimento do Filho de Deus... durante o reinado de Herocidade a poucos quilómetros numa estrebaria em Belém... des, O Grande, que os Romado Sul de Jerusalém, de uma especialmente a Manjedoura nos haviam designado para que, acolhendo o Deus-Megovernar a Judeia. Só que... mãe virgem... uma jovem nino, se transformaria, ainda ao invés de provir da casta (do povo) chamada Maria. que simbolicamente, no Berreinante e de ter nascido em ço da Esperança. berço de ouro... (os Judeus esperavam que o futuro LiBendita Manjedoura! bertador fosse um príncipe da casa sacerdotal reiEm ti se deitou a luz da humanidade. nante, desde os tempos dos Macabeus)... o tão esperado Messias nasceu, de acordo com os evan58
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no. Devido a um decreto de César Augusto, todas as pessoas que viviam no mundo romano, subjugadas ao Poder Romano, tiveram que se registar nas suas respectivas cidades, sendo que José era de Belém – estes censos ocorreram para facilitar aos Romanos a contagem do povo e a respectiva cobrança dos impostos. Durante a viagem, Maria entrou em trabalho de parto e o casal, não achando um lugar para se hospedar na cidade de Belém ou nos arredores, abrigou-se num estábulo. E foi aí que Maria deu à luz e fez de uma simples manjedoura o berço para deitar o seu filho recém-nascido... gelhos de Lucas e Mateus, em Belém, uma pequena cidade a poucos quilómetros do Sul de Jerusalém, de uma mãe virgem... uma jovem (do povo) chamada Maria. O evangelho de São Lucas narra que o anjo Gabriel anunciou a uma jovem ainda virgem que ela iria conceber o Filho de Deus, ao qual poria o nome de Jesus. Mais tarde, quando Maria estava perto de dar à luz, ela e seu esposo, o carpinteiro José, viajaram de Nazaré, onde viviam, para Belém, a terra ancestral de José, para se recensearem, cumprindo assim a obrigação de comparecerem a um censo ordenado pelo Imperador Roma-
Bendita Manjedoura! Em ti se deitou a esperança das nações. Bendita Manjedoura! Em ti se achou o dono dos corações. Anjos anunciaram o nascimento do Messias a humildes pastores que guardavam os seus rebanhos na região; estes deslocaram-se a Belém para adorar o Deus-Menino e encontraram-nO deitado numa simples manjedoura. Eis as palavras narradas no Evangelho de São Lucas:
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«Também José, deixando a cidade de Nazaré, forme lhes fora anunciado» (Lucas 2, 16-20). na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de Absurda história! Descabido rumor! David, a fim de recensear-se com Maria, sua muSerá que pobre nascera o nosso Senhor? lher, que se encontrava grávida. E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela Absurda história! Descabido rumor! dar à luz e teve o seu filho primogénito, que enViera o Ungido sem qualquer esplendor? volveu em panos e recostou numa manjedoira, por não haver para eles lugar na hospedaria. Na Geralmente, considera-se significativo que a mesma região, encontravam-se uns pastores, que mensagem tenha sido dada a pastores, que estapernoitavam nos campos, guardando os seus revam no fundo da pirâmide social na Palestina dabanhos durante a noite. O anjo do Senhor aparequele tempo. Sendo pessoas humildes, os pastoceu-lhes e a glória do Senhor res eram desprezados pelos refulgiu em volta deles, e tivefariseus por ignorarem a Lei e ram muito medo. Disse-lhes o constante objecto das suas Durante a viagem, Maria anjo: “Não temais, pois vos suspeitas de se tornarem leanuncio uma grande alegria, galmente impuros por deixaentrou em trabalho de parto que o será para todo o povo: rem ir o gado para o território e o casal, não achando um Hoje, na cidade de David, nasdos pagãos ou por lhes comlugar para se hospedar na ceu-vos um Salvador, que é o prarem alimentos. Foi a esses Messias, Senhor. Isto vos serpobres que, segundo Lucas, o cidade de Belém ou nos virá de sinal para o identificarMessias foi anunciado pela arredores, abrigou-se num des: Encontrareis um Menino primeira vez. estábulo. E foi aí que Maria envolto em panos e deitado numa manjedoira”.» (Lucas 2, Cidadãos e plebeus deu à luz e fez de uma 4-12) espalharam o boato, simples manjedoura o Após o anúncio, juntou-se imperadores e soberanos berço para deitar o seu ao anjo do Senhor uma “mulescutaram a falação: tidão do exército celeste”, louo enviado dos céus nasceu filho recém-nascido... vando a Deus e dizendo: «Glóem lugar ingrato, ria a Deus nas alturas e paz na colocado onde o boi e o cavalo terra aos homens do Seu agracomem ração! do» (Lucas 2, 14). Quando os anjos se afastaram em direcção ao Céu, os pastoAinda neste cenário, outro evangelho, de São res resolveram fazer como lhes pedira o anjo: «FoMateus, acrescenta três Magos do Oriente à Natiram apressadamente [a Belém] e encontraram vidade. Diz o relato de São Mateus que estes asMaria, José e o Menino, deitado numa manjedoutrónomos, vindos do Oriente e mais tarde populara. E, quando os viram, começaram a espalhar o rizados como Reis Magos, foram guiados por uma que lhes tinham dito a respeito daquele Menino. estrela até Belém, para adorarem o Deus-Menino Todos os que ouviram se admiraram do que lhes e levar-Lhe presentes. «E a estrela, que tinham disseram os pastores. Quanto a Maria, conservava visto no Oriente, ia adiante deles, até que, chetodas estas coisas, ponderando-as no seu coração. gando ao lugar onde estava o Menino, parou» E os pastores voltaram glorificando e louvando a (Mateus 3, 9). Tal como os pastores, os Magos enDeus por tudo o que tinham visto e ouvido, concontram o recém-nascido embrulhado em panos e 60
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deitado na manjedoura... Então, abriram os seus cofres e colocaram, aos pés do Menino Jesus, presentes – ouro, incenso e mirra – enquanto O adoravam como “Rei dos Judeus”.
Mas não sabia aquela gente que sua marca era a simplicidade e que, por viver como todos, sobre todos teria autoridade.
Bendita, de fato, a manjedoura que um dia envolveu o esperado Messias. Tão simples, tão bruta, tão acolhedora, fez-se conforto e alento à luz de nossos dias.
Foi este o repto lançado para Bendita Manjedoura! – e reafirmo: inspirado no poema «O Berço da Esperança» de Gabriel Felipe Lago Vieira, publicado em Luz de Natal (Sui Generis, 2018) e novamente reproduzido, na íntegra, algures nas páginas deste livro, tendo os versos que ilustram este texto (em itálico) sido extraídos do mesmo poema. Um repto abraçado por 36 autores lusófonos (contemporâneos) cujos textos, em prosa e poesia, dedicados à Natividade, ou ao Nascimento de Jesus, dão especial enfoque à Manjedoura que acolheu o Deus-Menino, na Sua gloriosa descida à Terra.
Desde o momento em que os pastores maravilhados se movimentaram para vê-Lo, na hora da alva, Jesus começou, por misericórdia Sua, a receber testemunhos de afeição dos filhos da Terra. Todavia, muito antes que O homenageassem com ouro, incenso e mirra, expressando a admiração e a reverência do Mundo, o Seu ceptro invisível dignou-se acolher, em primeiro lugar, as pequeninas dádivas das pessoas mais humildes... gente do povo daquelas cercanias. 61
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Pode adquirir o livro Bendita Manjedoura! na livraria Euedito ou, se preferir, pode solicitá-lo directamente à Sui Generis (temos exemplares disponíveis para envio imediato, com desconto de 10% no PVP e oferta dos portes de envio para moradas portuguesas). Encomendas à Sui Generis devem ser feitas através do Messenger, na rede social Facebook, ou pelo email: letras.suigeneris@gmail.com
Bendita, de fato, a manjedoura que um dia envolveu o esperado Messias. Tão simples, tão bruta, tão acolhedora, fez-se conforto e alento à luz de nossos dias. Ainda a referir que, além dos textos seleccionados, enviados pelos autores participantes, foram incluídos nas páginas desta antologia (mais alguns) textos, igualmente em prosa e poesia, de 12 autores consagrados, grandes vultos da Literatura, numa secção própria criada para esse efeito, intitulada «Outros Textos (Clássicos)», o que perfaz um total de 48 autores participantes nesta belíssima obra colectiva, cujos textos considerados no processo de selecção, em qualquer género literário (conto, crónica, carta ou poesia), abordam sempre, de algum modo, a ambiência em que ocorreu o tão esperado (e inesperado) nascimento do Messias. Boas Festas e boas leituras!
Este livro pode também ser encontrado na Amazon, na Libros.cc, na Casa del Livro, na loja online El Corte Inglés e noutras plataformas de distribuição digital.
Prefácio de Isidro Sousa incluído no livro Bendita Manjedoura! (Sui Generis, 2019).
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ANTOLOGIA «BENDITA MANJEDOURA!»
48 AUTORES
LUSÓFONOS BREVE NOTA BIOGRÁFICA DE TODOS OS AUTORES
ALDO FERNANDEZ – Nascido em 1987 e residente na pequena cidade de Salto, interior do estado de São Paulo, Brasil. Participações em antologias Sui Generis: «Bendita Manjedoura!» (2019). ANTONIO ARCHANGELO – Escritor, publicitário, jornalista, compositor, músico e idealizador do Poesias Nonsense. Nascido em 1985, em Ourinhos, SP, Brasil. Em 1998, iniciou o denominado MLSXXI (Movimento Literário do Século XXI) durante o colegial, na cidade de Rio Claro. Desde então, nunca mais parou de escrever poemas livres. É autor do livro «Ápeiron: Poesias Nonsense» (Ed. Buriti, 2019), que reúne poemas confeccionados entre 1998 e 2018. Participações em obras Sui Generis: «Bendita Manjedoura!» (2019). ANTÔNIO C. S. SANTOS – Professor especializado em Matemática, nascido em Itaipé, MG, Brasil. Escritor seleccionado em 2019 para as antologias das editoras Trevo, Vivara, Porto de Lenha e Darda. Participações em antologias Sui Generis: «Bendita Manjedoura!» (2019).
falecido em Lisboa (1906-1997). Foi um professor português, pedagogo, investigador da história da ciência em Portugal, divulgador da ciência e poeta, sob o pseudónimo de António Gedeão. Pedra
ANTÓNIO GEDEÃO [foto à direita] – Pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, nascido e 65
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meado para os Prémios de Autor da SPA/RTP na categoria Literatura Infanto-juvenil com «Pinguim». Foi nomeado como candidato português ao prémio literário sueco Alma em 2013 e 2014. Em 2019 escreveu «No Meio do Nada». ARMINDO GONÇALVES [foto à esquerda] – Reside numa pequena aldeia do concelho de Marco de Canaveses, em Paredes de Viadores. Nascido em 1965 nesta mesma aldeia, é formador e instrutor de condução automóvel. Escreveu os livros «Sentimentos com Poesia», «Coisas e Afetos» e «O Mundo é um Espelho» e participou em várias obras colectivas. Actualmente, é responsável pelo grupo de música tradicional Sons do Marco, toca cavaquinho e canta. Participações em antologias Sui Generis: «Luz de Natal» (2018), «Sol de Inverno» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
Filosofal e Lágrima de Preta são dois dos seus mais célebres poemas. Encontra-se colaboração da sua autoria na rubrica “Panorama Científico” do semanário Mundo Literário (1946-1948). Foi académico efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e director do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa. A data do seu nascimento foi adoptada, em Portugal, em 1996, como Dia Nacional da Cultura Científica. Jaz no Jazigo dos Escritores Portugueses, no Talhão dos Artistas do Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, junto de outros vultos notáveis das letras portuguesas, como José Cardoso Pires ou Fernando Namora.
CECÍLIA MEIRELES [foto em baixo] – Jornalista, pintora, poetisa, escritora e professora brasileira, foi a primeira voz feminina de grande expressão na literatura brasileira, com mais de 50 obras publicadas. Em 1919, com 18 anos, lançou o seu primeiro livro de poemas, «Espectros», e em 1922
ANTÓNIO MOTA – Nascido em Vilarelho, Ovil, concelho de Baião, em 1957, é um escritor português, reconhecido autor de literatura para crianças e jovens. Foi professor do Ensino Básico e já escreveu 95 livros. Em 1979 escreveu o primeiro livro «A Aldeia das Flores». Alguns dos seus livros estão publicados no Brasil e traduzidos para espanhol, galego e sérvio. Recebeu vários prémios, dos quais se destacam o Prémio da Associação Portuguesa de Escritores (1983) para «O Rapaz de Louredo», o Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças e Jovens (1990) para «Pedro Alecrim», o Prémio António Botto (1996) para «A Casa das Bengalas», o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças e Jovens (2006) para «Se Eu Fosse Muito Magrinho». Em 2008 foi feito Oficial da Ordem da Instrução Pública. Em 2010 foi no66
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participou no grupo da Revista Festa, grupo literário católico, conservador. Dessa vinculação herdou a tendência espiritualista que percorre os seus trabalhos com frequência. Embora mais conhecida como poetisa, deixou contribuições no domínio do conto, da crónica, da literatura infantil e do folclore. Em 1917 formou-se professora na Escola Normal do Rio de Janeiro e passou a exercer o magistério em escolas oficiais do Rio de Janeiro. Estudou música, línguas, literatura, folclore e teoria educacional. Colaborou na imprensa carioca escrevendo sobre folclore. Actuou como jornalista em 1930 e 1931 e publicou vários artigos sobre educação. Fundou, em 1934, a primeira biblioteca infantil no Rio de Janeiro. Em 1938 o seu livro de poemas «Viagem» recebeu o Prémio de Poesia, da Academia Brasileira de Letras. Em 1942 tornou-se sócia honorária do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Realizou viagens aos EUA, Europa, Ásia e África, fazendo conferências sobre Literatura, Educação e Folclore. Nasceu e faleceu no Rio de Janeiro (1901-1964).
1957, em Torres Novas. Filha de pais madeirenses, foi residir para a ilha da Madeira aos 9 anos de idade. Amante de leitura de poesia desde jovem, apaixonou-se rapidamente pela escrita poética. Co-autora de várias antologias e colectâneas poéticas, tem em vista a publicação do seu primeiro livro de poesia para o início de 2020. Participações em antologias Sui Generis: «Bendita Manjedoura!» (2019). CLARICE LISPECTOR [foto em baixo] – Nascida Chaya Pinkhasovna Lispector (1920-1977), foi uma escritora e jornalista ucraniana naturalizada brasi-
leira. É considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka. Estudou Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, embora tivesse demonstrado mais interesse pelo meio literário, no qual ingressou como tradutora, mas logo se consagrou como escritora, jornalista, contista e ensaísta, tornando-se uma das figuras mais influentes da Literatura Brasileira e do Modernismo. Falecida em 1977, deixou uma vasta obra literária composta de romances, novelas, contos, crónicas, ensaios, literatura infantil e entrevistas. CECÍLIA PESTANA [foto em cima] – Nasceu em 67
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CLEUSA PIOVESAN – Nasceu em São João, PR, em 1967, reside em Capanema, PR, Brasil. Tem licenciatura em Letras, Português/Inglês, e Pedagogia. Especialista em Língua e Literatura, é autora dos livros «Não Diga Que a Poesia Está Perdida», «Fragmentos», «O Causo é Bão? Aí, Varria, Né!», «Haicaindo n’Alma»; e organizadora de dois livros publicados com alunos: «Nossa Mágica Fábrica de Sonhos» e «Tipologias e Gêneros Textuais (Sob o Olhar do Aluno)». Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
Reis, RJ, Brasil. Graduada em Comunicação Social, Letras e Pedagogia. É mestra em Psicologia e doutora em Educação, psicanalista, actriz, escritora, cantora e presidente do Coletivo de Mulheres Negras Winnie Mandela (ONG) e da Companhia Afro de Teatro Negritude. Autora do livro «Altas Habilidades/Superdotação em Crianças e Adolescentes Negras» e das antologias «Palavreiras 2019» e «No Meio do Caminho Tinha um Professor». Participações em antologias Sui Generis: «Bendita Manjedoura!» (2019). CRISTINA SEQUEIRA [foto em cima] – Natural de Cinfães (distrito de Viseu), onde reside, nascida em 1972, é co-autora de várias obras colectivas da
CRISTINA MORAES – Nascida em Campos dos Goytacazes, em 1957, e residente em Angra dos 68
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Sui Generis, Pastelaria Studios e Edições Colibri. Participações em antologias Sui Generis: «Torrente de Paixões» (2017), «A Primavera dos Sorrisos» (2017), «Sinfonia de Amor» (2018), «Sol de Inverno» (2019), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
vários jornais, sites e blogues. Prémios: vencedor do III Concurso Internacional de Prosa, Prémio Machado de Assis 2015, Divinópolis, Brasil; Prémio Fernando Pessoa de Honra e Mérito, Literarte. Cargos: presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal. Participações em obras Sui Generis: «Graças a Deus!» (2016), «Saloios & Caipiras» (2017), «Fúria de Viver» (2017), «A Primavera dos Sorrisos» (2017), «Tempo de Magia» (2017), «Devassos no Paraíso» (2017), «Os Vigaristas» (2018), «Luz de Natal» (2018), «Sinfonia de Amor» (2018), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
DAVID SOUSA – Nasceu na vila de Fânzeres, concelho de Gondomar, em 1929. Com o curso superior de Humanidades Clássicas e Filosofia, foi professor do então ensino liceal no Liceu Diogo Cão em Sá da Bandeira, Angola, e na Escola Profissional Artur de Paiva. Tem publicações de poesia e de prosa como e-book na Buboc, lançou o livro «O Canto do Cisne» (papel) na Sinapsis e tem uma coluna no Facebook intitulada Coisas do Caraças. Participações em antologias Sui Generis: «Graças a Deus!» (2016), «Torrente de Paixões» (2017), «Luz de Natal» (2018), «Sinfonia de Amor» (2018), «Sol de Inverno» (2019), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
FÁTIMA D’OLIVEIRA [foto em baixo] – Nasceu em 1970, na freguesia do Vale de Santarém (Portugal), onde reside. Sempre gostou muito de escrever e possui uma página no Facebook onde vai partilhando a sua actividade literária. Tem três livros editados: «Se Tu Visses o Que Eu Vi» (2000), «Quando Um Burro Fala, o Outro Baixa as Orelhas» (2010) e «‘Tás Com a Mosca ou Cheira-te a Palha?» (2017). Participações em antologias Sui Generis: «Luz de Natal» (2018), «Sinfonia de Amor» (2018), «Sol de Inverno» (2019), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
DIAMANTINO BÁRTOLO – Nascido em 1948, residente em Venade (Caminha), doutorado em Filosofia Social e Política. Obra literária: 13 antologias próprias e 42 antologias em co-autoria em Portugal e Brasil; mais de 900 artigos publicados em
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os jornais O Espectro de Juvenal (1872) e O Século (1880) e colaborou noutras publicações periódicas. A sua obra insere-se nas correntes ultraromântica, parnasiana, simbolista e decadentista. Bibliografia activa: «A Fome de Camões: Poema em 4 Cantos» (1870), «O Tributo do Sangue» (1873), «A Canalha» (1873), «Claridades do Sul» (1875), «A Traição» (1881), «O Renegado» (1881), «A Morte do Atleta» (1883), «História de Jesus para as Criancinhas Lerem» (1883), «O Anti-Cristo» (1884), «Troça à Inglaterra» (1890) e «A Senhora da Melancolia» (1910). GUADALUPE NAVARRO [foto à esquerda] – Nascida em Lima, Peru, vive no Rio de Janeiro, Brasil. É bacharel em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com pós-graduação em Filosofia Contemporânea. Em 2014, publicou os seus primeiros poemas; em 2015, estreou-se na prosa com a sátira A Estátua de Sal, na antologia inaugural da Colecção Sui Generis. Publicou três livros: «Poemas da Alma» (Pastelaria Studios, 2015), «Decifra-me... ou Devoro-te!» (Sui Generis, 2017) e «Dolce Paola» (Dowslley Editora, 2019). Participações em antologias Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «O Beijo do Vampiro» (2016), «Vendaval de Emoções» (2016), «Graças a Deus!» (2016), «Ninguém Leva a Mal» (2017), «Saloios & Caipiras» (2017), «Sexta-Feira 13» (2017), «Fúria de Viver» (2017), «A Primavera dos Sorrisos» (2017), «Tempo de Magia» (2017), «Devassos no Paraíso» (2017), «Os Vigaristas» (2018), «Sol de Inverno» (2019), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
GABRIEL FELIPE LAGO VIEIRA – Nascido em 1994, na cidade de Londrina, no Brasil, é apaixonado por fantasia, nutrindo grande inspiração por J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis. Gosta de tecer reflexões sobre o eterno e o passageiro, o duradouro e o fugaz, de maneira a levar o leitor a ansiar por valores etéreos. O constante embate entre forças antagónicas é visível nos seus trabalhos. Participações em antologias Sui Generis: «Luz de Natal» (2018) e «Bendita Manjedoura!» (2019). GOMES LEAL [foto em baixo] – António Duarte Gomes Leal (1848-1921) foi um poeta e crítico literário português. Nasceu em Lisboa, frequentou o Curso Superior de Letras e durante a sua juventude assumiu pose de poeta boémio e janota; com a morte da sua mãe, em 1910, caiu na pobreza e reconverteu-se ao catolicismo. Vivia da caridade alheia, chegando a passar fome e a dormir ao relento, em bancos de jardim. No final da sua vida, vários escritores lançaram um apelo público para que o Estado lhe atribuísse uma pensão, o que foi conseguido, apesar de diminuta. Co-fundou
HELÔ SILVA – Tem 56 anos, é natural de São Paulo, Brasil, onde reside. Amante de literatura e de tudo o que envolve arte. Formada em Administração de Empresas, jamais deixou de seguir os seus 70
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instintos literários. Apesar de escrever desde sempre, mantinha-se secreta dentro das suas próprias páginas, porém, agora resolveu deixar ao mundo os seus pensamentos, contos e tudo o mais que a sua alma ditar. Participa em várias antologias e está a trabalhar num projecto solo para crianças. Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
Participações em antologias Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «Graças a Deus!» (2016), «Tempo de Magia» (2017) e «Bendita Manjedoura!» (2019). JOÃO SARAIVA – Poeta português (1866-1948), nascido na cidade do Porto. Exerceu o cargo de Governador Civil de Vila Real e do Porto (19071908), foi deputado nos anos que precederam a Primeira República e frequentou a Escola MédicoCirúrgica, que abandonou por doença, o mesmo tendo feito pouco tempo depois de se haver matriculado no Curso Superior de Letras. Foi figura de relevo na poesia portuguesa contemporânea, quer pelo seu lirismo, quer pelo seu espírito satírico. Em prosa publicou apenas uma evocação do Grémio Literário, de que foi um dos primeiros sócios. Para o teatro, escreveu um pequeno acto em verso intitulado «Máscaras», representado no Gi-
ISA PATRÍCIO [foto em cima] – Nascida em 1986, oriunda de Quarteira. Formada em Ciências da Comunicação, e pós-graduação em Ciências Documentais. Foi co-autora, de 2001 a 2019, em 33 obras colectivas (prosa e poesia). Participou em diversos concursos de escrita, fotografia e cinema, tendo, nesta categoria, sido agraciada com uma menção honrosa, em 2003. Tem contribuído em projectos de declamação como o Poetry Slam. 71
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násio, em 1900, e, em colaboração com António Carneiro, a revista «País de Turismo» que, no São Luís (1925), obteve grande êxito. Colaborou em vários jornais, de Lisboa e Porto. Faleceu em 1948. Obras publicadas: «Serenatas: Primeiros Versos» (1886), «Sátiras» (1905), «Líricas e Sátiras» (1916), «Máscaras: Tríptico em Versos» (1925), «O Grémio Literário: Figuras e Episódios de Outros Tempos» (1934) e «Sinfaníadas» (1938).
poeta nascido nas Ilhas Canárias (em Tenerife), tendo sido o autor da primeira gramática da língua tupi e um dos primeiros autores da literatura brasileira, para a qual compôs inúmeras peças teatrais e poemas de teor religioso e uma epopeia. É o patrono da cadeira Nº 1 da Academia Brasileira de Música. Morreu em Reritiba (actual Anchieta), aldeia que fundou no Espírito Santo, onde passou os seus últimos dias.
JOAQUIM SERRA – Jornalista, professor, político e teatrólogo brasileiro (São Luís do Maranhão, 1838 – Rio de Janeiro, 1888). Foi um intelectual muito activo na segunda metade do século XIX. Aos 24 anos redigiu o hebdomadário Ordem e Progresso. Em 1867 fundou a revista literária Semanário Maranhense e, no ano seguinte, mudou-se para a Corte, onde prosseguiu a sua actividade jornalística. Chegou a dirigir o Diário Oficial e foi deputado pela Província do Maranhão. Abolicionista, fundou e dirigiu os periódicos A Reforma e A Folha Nova e trabalhou lado a lado com Joaquim Nabuco, Quintino Bocaiuva e José do Patrocínio para o fim da escravidão. Assinou, também durante anos, a coluna “Tópicos do Dia” no jornal O Paiz, e assumiu o periódico O Abolicionista, órgão da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (1880-1881). De formato pequeno, não declarava os nomes de seu corpo editorial (para não expô-los) e nem trazia anúncios, uma vez que nem comerciantes e nem industriais desejavam associar os seus nomes, na época, a este tipo de imprensa. É o patrono da cadeira 21 da Academia Brasileira de Letras.
JULIZAR DANTAS [foto em baixo] – Nasceu em Nova Módica, MG, Brasil. À procura de um Belo Horizonte, estudou Medicina na UFMG. Diz-nos que “aqui vive um cardiologista, a navegar esta vida oceânica e confiar que, em terra fértil e semente boa, as nossas mãos, corpos e espíritos são só
poesia, são poesia só”. Aprendeu com Pablo Neruda que “escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias”. Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
JOSÉ DE ANCHIETA – Foi um padre jesuíta espanhol (1534-1597), santo da Igreja Católica e um dos fundadores das cidades brasileiras de São Paulo e do Rio de Janeiro. Beatificado em 1980 pelo papa João Paulo II e canonizado em 2014 pelo papa Francisco, é conhecido como o Apóstolo do Brasil, por ter sido um dos pioneiros na introdução do Cristianismo no país, e foi declarado, em Abril de 2015, co-padroeiro do Brasil. Foi o primeiro dramaturgo, o primeiro gramático e o primeiro
KOPYFIELD – Pseudónimo de Artur de Jesus Campos Mendes, 62 anos, nado e criado em Penafiel, escritor/poeta, co-autor de várias antologias poéticas e autor dos livros de poesia «Eco» (Prémio Anual 2018 da Editora Hórus) e «Era Uma Vez». Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
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várias Academias de Letras. Escreveu nalgumas colunas brasileiras e colaborou semanalmente com jornais nacionais. Recebeu vários prémios de poesia ao longo do seu trajecto literário. Participações em antologias Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «Tempo de Magia» (2017), «Luz de Natal» (2018), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). MARIA ELOINA AVILA – Vive em Pelotas, RS, Brasil. É co-autora de antologias de poetas lusófonos contemporâneos do Grupo Múltiplas Histórias. Participações em antologias Sui Generis: «Sol de Inverno» (2019), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). MARIA ESMERIZ-THOMAS – Nasceu em Vila Nova de Cerveira em 1946 e reside na Figueira da Foz. Tradutora juramentada, tendo-se também dedicado ao ensino de Inglês (preparação para exames Cambridge). Publicou contos, poesia, reportagem. Primeiro prémio em «Cartas de Amor» (Crónica Feminina). Artista plástica activa em diversas colaborações e com extenso número de exposições colectivas e individuais no País e estrangeiro. A preparar exposição de pintura/poesia pintada baseada nas obras de Florbela Espanca. Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
MANUEL AMARO MENDONÇA [foto em cima] – Nasceu em 1965, na cidade de São Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, onde vive. É licenciado em Engenharia de Sistemas Multimédia pelo ISLA de Gaia e autor de três livros editados e distribuídos pela Amazon: «Terras de Xisto e Outras Histórias» (2015), «Lágrimas no Rio» (2016) e «Daqueles Além Marão» (2017). Ganhou prémios em três concursos de escrita e tem contos seleccionados em quase duas dezenas de obras colectivas, de diversas editoras. Participações em antologias Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «Saloios & Caipiras» (2017), «Sexta-Feira 13» (2017), «Crimes Sem Rosto» (2017), «Sol de Inverno» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). MARIA DE FÁTIMA SOARES [foto à direita] – Nasceu em Lisboa, em 1956. Publicou 14 livros (poesia, infantil/juvenil, ficção e romance), tendo o grato privilégio de ver aprovados os seus projectos por várias editoras, sendo a sua apresentação feita em locais de culto, como a Biblioteca Camões, Livraria Bertrand, Bulhosa e outras. Concedeu algumas entrevistas em rádios nacionais e a revistas do Brasil, onde é membro honorário de 73
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to-juvenis: «Borboleta Biruta», «As Mordidas do Tio Pastor Alemão» e «A Coelhinha Valente». É colunista na página Divulga Escritor, faz trabalhos voluntários contando histórias e ministra oficinas com o mesmo objectivo. Participações em antologias Sui Generis: «Luz de Natal» (2018), «Sinfonia de Amor» (2018), «Sol de Inverno» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). MARY ROSAS [foto em baixo] – Natural da Venezuela, com origens em Portugal, África e América do Sul, veio para Portugal em 1967, com um ano e meio de idade. Parte da sua família está na Venezuela e a outra em Portugal. Desde a escola que gosta muito de poesia, inspirada pelas professoras Marília Rosas e Clementina Rosas, suas familiares. Sempre gostou de escrever, mas só em 2014 se decidiu a escrever poesia com mais regularidade e
MARIA JOÃO ABREU [foto em cima] – Nasceu em 1970 em Angola, Luanda. Em 1975 rumou a Portugal, viveu 23 anos no Barreiro e actualmente reside em Setúbal. Licenciada em Gestão de Empresas, trabalha na DIAGEO PORTUGAL, Lda. há mais de 23 anos, e tem passado por diversas funções. Participou em duas colectâneas da Edições O Declamador e na revista literária SG MAG #08. Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). MARISA LUCIANA ALVES – Nascida em 1976, em Vinhais, reside em Bragança. É professora de Português-Inglês e mestre em Literatura Portuguesa. Publicou cinco livros: «O Que Zeus Mostrou aos Homens» (2018), «A Tua Receita, Meu Amor!» (2015), «O Sono da Primavera» (2014), «De Suplicar Por Mais...» (2013), «Contando Memórias...» (2011). Vencedora do 3º Concurso Literário da Papel D’Arroz Editora (2014). É co-autora em 27 colectâneas. Participações em antologias Sui Generis: «Sinfonia de Amor» (2018), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). MARTA MARIA NIEMEYER – Nasceu em 1957, é natural de Senador Firmino, Minas Gerais, e reside no Rio de Janeiro, Brasil. Publicou três livros infan74
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frequenta, desde esse ano, as sessões Poesia em Folhas de Chá. É co-autora em várias colectâneas. Participações em antologias Sui Generis: «Tempo de Magia» (2017), «Luz de Natal» (2018), «Sinfonia de Amor» (2018), «Sol de Inverno» (2019), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
MWELE Y’OSAPI – Criptónimo literário de Francisco Muessati Ngunga, nascido em 1989, natural e residente no município da Kahala, província do Huambo, Angola. É membro da Brigada Jovem de Literatura e do Movimento LevʼArte Angola – Huambo. Participou na maior antologia poética de Angola: «A Gente Que Eu Conheço» (Ginga Editora, 2019). Participações em obras Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). NGULA TOMÁS – Nasceu em 1989 na comuna do Cuíma, município da Caála, província do Huambo, Angola, e é licenciado em Ciências da Educação na especialidade de Matemática pelo Instituto Superior Politécnico Humanidades e Tecnologias, Grupo Lusófona. Começou a trilhar o caminho da literatura em 2004, declamando. Em 2009 tornou-se membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola no Huambo e em 2012 foi eleito secretário da mesma Brigada, no Núcleo da Caála. Participações em obras Sui Generis: «Bendita Manjedoura!» (2019). O. HENRY – Pseudónimo de William Sydney Porter (1862-1910), um dos maiores contistas americanos do século XIX. No seu conto “The Caballero’s Way”, publicado em 1907 na colectânea «Heart of the West», criou o personagem Cisco Kid, descrito como um bandido no livro, que se tornou um herói em adaptações para o cinema. Nascido na Carolina do Norte, começou por frequentar a escola de uma tia, aos 15 anos foi frequentar o Liceu e em 1879 empregou-se como aprendiz de farmacêutico, tendo aos 19 anos obtido a licença de farmacêutico. Em 1882 foi para o Texas, casou e empregou-se num banco, começando também a escrever, e comprou um jornal, The Rolling Stone, que encerrou pouco depois. Acusado de desfalque
MIGUEL TORGA [imagem em cima] – Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, um dos mais influentes poetas e escritores portugueses do século XX. Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios. Entre outras distinções, foi laureado com o Prémio Camões de 1989, o mais importante da Língua Portuguesa. Nasceu em São Martinho de Anta (Vila Real), em 1907, e morreu em Coimbra, em 1995. 75
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no banco, fugiu para as Honduras, de onde regressou passados três anos devido ao estado terminal da sua esposa que continuou a viver no Texas. Julgado e sentenciado, cumpriu pena de quatro anos numa prisão do Ohio, onde começou a escrever sob o pseudónimo de O. Henry. Após cumprir a sentença, mudou-se para Nova Iorque e viveu em estado de reclusão quase absoluta, com o terror de ser reconhecido como William Sydney Porter, devido aos anos passados na prisão. Acabou por morrer alcoólico e na miséria. Está enterrado no Cemitério Riverside, Asheville, Carolina do Norte. Foi um autor original e fecundo, com um ritmo de escrita tal que lhe é atribuído um novo conto por semana.
regras da composição poética. Nasceu e morreu no Rio de Janeiro, Brasil. Obra literária: «Poesias» (1888), «Via Láctea» (1888), «Sarças de Fogo» (1888), «Crônicas e Novelas» (1894), «O Caçador de Esmeraldas» (1902), «As Viagens» (1902), «Alma Inquieta» (1902), «Poesias Infantis» (1904), «Crítica e Fantasia» (1904), «Tratado de Versificação» (1905), «Conferências Literárias» (1906), «Ironia e Piedade» (1916), «A Defesa Nacional» (1917) e «Tarde» (1919, publicação póstuma).
PAULA HOMEM [foto em cima] – Nascida em 1959, tem uma licenciatura na área do turismo e um mestrado na área da comunicação. Incitada desde muito jovem a escrever e, mais importante, a ler, escreve por paixão; tem na prosa a sua casa, mas a poesia é o refúgio, a paz que sossega e acalma, o seu mais precioso esconderijo. Está presente em obras colectivas de ambos os géneros (prosa e poesia) de várias editoras. Publicou um livro de poesia em co-autoria com o fotógrafo Alexandre Carvalho: «Shadows of Life» (2019). Participações em antologias Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «Graças a Deus!» (2016), «SextaFeira 13» (2017), «Sinfonia de Amor» (2018), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
OLAVO BILAC [foto em cima] – Poeta, contista, cronista e jornalista brasileiro, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) é o autor da letra do Hino à Bandeira e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Foi um dos principais representantes do Movimento Parnasiano, que valorizou o cuidado formal do poema, em busca de palavras raras, rimas ricas e rigidez das 76
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lha livros de escritores que lê e segue. Participações em antologias Sui Generis: «Sol de Inverno» (2019), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). ROSA MARQUES – Nascida na Madeira, em 1959, reside na ilha de Porto Santo. Participou em diversas obras colectivas e publicou dois livros pela Sui Generis: «Mar em Mim» (2016, 2ª edição 2018) e «Prisioneiros do Progresso» (2017). Participações em antologias Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «O Beijo do Vampiro» (2016), «Vendaval de Emoções» (2016), «Graças a Deus!» (2016), «Ninguém Leva a Mal» (2017), «Torrente de Paixões» (2017), «Saloios & Caipiras» (2017), «Sexta-Feira 13» (2017), «Fúria de Viver» (2017), «A Primavera dos Sorrisos» (2017), «Tempo de Magia» (2017), «Devassos no Paraíso» (2017), «Os Vigaristas» (2018), «Luz de Natal» (2018), «Sinfonia de Amor» (2018), «Sol de Inverno» (2019),
RAADOMINGOS [foto em cima] – Chama-se Rosa Alexandrina Almeida Domingos e nasceu em 1968, na freguesia de Figueiros, concelho do Cadaval, distrito de Lisboa. Reside em Caldas da Rainha e trabalha como Assistente Operacional na central telefónica do CHOESTE, uma instituição de saúde. É co-autora de várias obras colectivas. Participações em antologias Sui Generis: «Luz de Natal» (2018), «Sol de Inverno» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). RODRIGO MENDES – Nascido em 1986, tem 33 anos. Natural de Telêmaco Borba, actualmente reside em Fazenda Rio Grande, Brasil. Cursou duas faculdades, Gestão da Produção Industrial e Filosofia, ambas não concluídas. É clarinetista. Tem vários textos (contos e poesias) publicados em antologias de diferentes editoras. Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). ROSA CARVALHO [foto à direita] – Nasceu em 1958 na vila de Coruche, distrito de Santarém, onde reside. Tem o ensino secundário, é empresária, gere o Café Snack Bar O Coruchense. Em 2017 criou a página Moça Vintage e em 2018 o blogue com o mesmo nome, onde escreve contos e parti77
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«Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
seu coração. Recebeu alguns prémios literários e tem várias participações em antologias. Académica Fundadora da Academia Internacional da União Cultural, Cadeira 79. Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
ROSE CHALFOUN – Rosemary Chalfoun Bertolucci, brasileira, nascida em 1948, de Lavras, MG, Brasil. Graduada em Letras, com especialização em Língua Portuguesa pela PUC/MG, Especialista em Filosofia Clínica pelo Instituto Packter/RS, IMFIC, MG. Mestre em Educação, Professora Universitária de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (UNILAVRAS e UNIPAC), Tutora (EAD) e Revisora (Universidade Federal de Lavras). Membro da Academia Lavrense de Letras, da Academia Independente de Letras PE, da Academia Mineira de Belas Artes, BH, e da Confraria dos Poetas de BH. Livros de poesia: «Entretons», «Entretons II» e «Entretons III» (em andamento). Com participações em diversas obras colectivas. Participações em antologias Sui Generis: «Luz de Natal» (2018) e «Bendita Manjedoura!» (2019). RUTHY NEVES [foto em baixo] – Paulista, torcedora do Santos FC, mora em São José dos Campos, SP, Brasil. Educadora Física aposentada, gosta de ler, ouvir música, dançar. É ecléctica em tudo. Tenta traduzir sentimentos escrevendo, desde os seus oito anos, e para isso conversa muito com o
SARA TIMÓTEO [foto em cima] – Publicou os livros: «Deixai-me Cantar a Floresta» (2011), «Chama Fria ou Lucidez» (2011), «Refúgio Misterioso» (2012), «Os Passos de Sólon» (2014), «Elixir Vitae» (2014), «Os Quatro Ventos da Alma» (2014), «O Telejornal» (2015), «O Corolário das Palavras» (2016), «Refracções Zero» (2016), «Compassos» (2017), «Diário Alimentar» (2017) e «Manual dos Ofícios» (2018). Tem em preparação novos projectos. Participações em antologias Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «O Beijo do Vampiro» (2016), «Vendaval de Emoções» (2016), «Graças a Deus!» (2016), «Ninguém Leva a Mal» (2017), «Torrente de Paixões» (2017), «Saloios & Caipiras» (2017), «Sexta-Feira 13» (2017), «Crimes 78
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Sem Rosto» (2017), «Fúria de Viver» (2017), «A Primavera dos Sorrisos» (2017), «Tempo de Magia» (2017), «Devassos no Paraíso» (2017), «Os Vigaristas» (2018), «Luz de Natal» (2018), «Sinfonia de Amor» (2018), «Sol de Inverno» (2019), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN [foto em baixo] – Foi uma das mais importantes poetisas
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL [foto em cima] – Nasceu em 1988 e é natural de Mimoso do Sul, ES, Brasil, onde reside. Mestre e Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Autor dos seguintes livros: «Fome: Segurança Alimentar & Nutricional em Pauta» (2018), «Segurança Alimentar & Nutricional na Região Sudeste» (2019), «Versos, Inversos & Outros Escritos» (2019), «Indrisos em Versos» (2019) e «Efemeridade em Versos» (2019). Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019).
portuguesas do século XX e a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da Língua Portuguesa, o Prémio Camões, em 1999. Nasceu no Porto, em 1919, e morreu em Lisboa, em 2004. O seu corpo está no Panteão Nacional desde 2014 e existe uma biblioteca com o seu nome em Loulé.
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CONTO
O NATAL DE MIRIAM MANUEL AMARO MENDONÇA Nasceu em 1965, na cidade de São Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, onde vive. É licenciado em Engenharia de Sistemas Multimédia pelo ISLA de Gaia e autor de três livros editados e distribuídos pela Amazon: «Terras de Xisto e Outras Histórias» (2015), «Lágrimas no Rio» (2016) e «Daqueles Além Marão» (2017). Ganhou prémios em três concursos de escrita e tem contos seleccionados em quase duas dezenas de obras colectivas, de diversas editoras. Participações em antologias Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «Saloios & Caipiras» (2017), «Sexta-Feira 13» (2017), «Crimes Sem Rosto» (2017), «Sol de Inverno» (2019) e «Bendita Manjedoura! (2019). Blogue do Autor: http://manuelamaro.wixsite.com/autor Perfil no Facebook: www.facebook.com/manuel.amarome ndonca
“O Senhor dos Céus mandou um anjo avisar as pessoas em volta. E os reis que vinham de longe, já há vários dias seguiam uma enorme estrela brilhante, que atravessava o céu e pareceu parar exatamente por cima do barracão. Todos souberam que aquela criança iria ser muito importante na história da humanidade. Desde essa altura e por muitos, muitos anos, neste dia, o do nascimento de Yeshua, as pessoas davam prendas umas às outras para lembrar o nascimento desse grande rei. Por isso, hoje também vocês vão receber uma prenda.”
POR MANUEL AMARO MENDONÇA
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Festejar o Natal? É uma festa, então. O irmão da criança, pouco mais velho, interrompeu as suas brincadeiras e veio sentar-se junto deles. – Já vi que, hoje, vamos comer tarde... – Resmungou Josh, quase de si para si. – Podias deixar essas crendices para depois, Yara. – Sim, é uma festa. Uma festa de aniversário. – A mulher ignorou o esposo, enquanto começava. – Há muitos, muitos anos, numa terra, muito, muito longe, chamada Belém, nasceu uma criança. Era, porém, uma criança muito especial. – Porquê? – Os enormes olhos de Miriam estavam fitos no rosto da mãe. – O povo dessa criança estava a sofrer muito, com uns homens chamados romanos. Eles estavam a escravizá-los e havia uma lenda que dizia que ia nascer um rei, que iria expulsar esses homens. – Ora! – Romi, o mais velho dos filhos, criticou. – Se ia nascer ainda, bem podiam esperar que ele se tornasse rei. Já estariam todos velhos! E os romanos podiam matá-lo logo que nascesse, ou à mãe do rei. – O problema – Yara continuou, imperturbável – era que ninguém sabia quem seria a mãe, nem onde nasceria esse rei. Mas as pessoas esperavam-no e desejavam muito a sua vinda. – E quem eram os pais desse rei? – A curiosidade insaciável de Miriam não dava tempo para explicar. – Ninguém sabia, como eu disse, mas foram escolhidas duas pessoas humildes, com poucos haveres, que viviam numa região chamada Nazaré. – Humildes?!? Poucos haveres?!? – Romi não conseguia acreditar. – Um rei não nasce de pessoas assim! Quem os escolheu? – Quando a mulher engravidou, veio um anjo, que lhe disse que iria trazer ao mundo um rei. – A mãe continuou pacientemente. – O casal escolhido era Miriam e Joshua. – Como eu e o papá! – A menina estava felicís-
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ãe? O que é o Natal? A mulher, que preparava alguns legumes, sobre a mesa, olhou para baixo, para a filha, com cerca de sete anos. De seguida olhou para o marido, Josh, que se debatia com uma agulha, a coser uma peça de couro. Este devolveu-lhe a mirada com uma expressão enfastiada, como que percebendo o que vinha por aí. – Nunca ouviste essa palavra, Miriam? – A mãe sentou-se num bloco de madeira, junto à lareira, que crepitava e iluminava-lhe o rosto em tons de dourado. Percebendo que aquele era o prenúncio de uma das fantásticas histórias da sua progenitora, a criança aconchegou-se no colo dela. – Não. Apenas agora, quando a disseste. – Os enormes olhos da criança reluziam, expectantes. – 82
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sima. – Que é um anjo? – O rapaz estava interessado noutros temas. – Anjos são seres de luz, que habitam noutra dimensão. Sós os vemos se eles quiserem. – Yara. – Josh censurou, sem, no entanto, deixar o trabalho. – Vais assustar as crianças. – Não fazem mal a ninguém. – A mãe sossegou-os. – São mensageiros do Senhor dos Céus, e foi Ele quem escolheu e mandou o anjo avisar Miriam. – Não foi muito esperto, esse Senhor dos Céus. – Afirmou Romi com desdém. – Se escolhesse alguém rico e poderoso, era muito mais fácil para o rei. Josh e Yara olharam-se rapidamente e riram-se do comentário.
Mas Ele preferiu alguém que não estivesse habituado a uma vida boa e sem dificuldades. Queria alguém que não sentisse falta dos luxos e andasse entre os pobres e doentes a consolá-los e a ver o que precisavam. Este
não seria um rei que comanda exércitos, mas o rei do amor e da compaixão.
– Tens razão, meu filho. – Concordou a mãe. – Mas Ele preferiu alguém que não estivesse habituado a uma vida boa e sem dificuldades. Queria alguém que não sentisse falta dos luxos e andasse entre os pobres e doentes a consolá-los e a ver o que precisavam. Este não seria um rei que comanda exércitos, mas o rei do amor e da compaixão. – Então! – O rapaz ficou perplexo. – Eles não queriam um rei para lutar contra os romanicos? – Romanos! – Yara corrigiu, sorrindo. – Sim, queriam, mas o Senhor dos Céus achou que eles precisavam era de amor e compaixão, numa altura em que se morria por qualquer coisa e os homens lutavam por tudo e por nada. – Iiihh! Eles vão ficar zangados! – Concluiu Romi. – Sim, ficaram, mas isso é outra história e agora estamos a contar a história do Natal. – A mãe teve de cortar as perguntas para poder continuar. – Um dia, Joshua e Miri83
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am tiveram de ir à cidade grande, Belém, porque tinham de resolver uns problemas lá e foram muito preocupados, porque a criança estava quase a nascer. Mesmo assim, fizeram a longa viagem entre as duas terras, naquele tempo andava-se quase sempre a pé, e, quando chegaram lá, já era de noite e não arranjavam um sítio para dormir. Andaram de porta em porta, mas ninguém os ajudava e acabaram por sair da cidade, onde encontraram um barracão de uns pastores para ficar. As duas crianças estavam penduradas nas palavras da mãe, de olhos vivos e atentos. – Foi assim que o rei dos homens nasceu. Num monte de palha, dentro de uma barraca de pastores, aquecido pelo bafo dos animais
Um dia, Joshua e Miriam tiveram de ir à cidade grande, Belém, porque tinham de resolver uns problemas lá e foram muito preocupados, porque a criança estava quase
a nascer. Mesmo assim, fizeram a longa viagem entre as duas terras, naquele tempo andava-se quase sempre a pé, e, quando chegaram lá, já era de noite e não arranjavam um sítio para dormir. Andaram de porta em porta, mas ninguém os ajudava e acabaram por sair da cidade, onde encontraram um barracão de uns pastores para ficar.
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que lá se abrigavam. Chamaram-lhe Yeshua. – Não se ouvia um ruído, enquanto ela continuava a narrativa. – Passado algum tempo, começaram a chegar pastores e alguns agricultores com roupa e comida, que ofereceram ao casal e ao recémnascido. Por fim, até uns reis, vindos de terras distantes, trouxeram prendas valiosas, que lhes ofereceram também. – Como é que essa gente soube? – Miriam estranhou. – Se eram pobres e ninguém sabia que estavam para ali? – O Senhor dos Céus mandou um anjo avisar as pessoas em volta. E os reis que vinham de longe, já há vários dias seguiam uma enorme estrela brilhante, que atravessava o céu e pareceu parar exatamente por cima do barracão. Todos
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tisfação perante a alegria deles. – Até o resmungão do vosso pai tem. – Ela apresentou a mesma iguaria ao homem, que pousou imediatamente o trabalho. – Onde arranjaste isto? – Quis saber o esposo, por entre gulosas dentadas. – Parece que, finalmente, a colmeia, que o nosso vizinho tanto se tem esforçado para recuperar, está a ter resultado. – Também Yara se deliciava com o petisco. – Finalmente as pequeninas abelhas se estão a adaptar à atmosfera e a produzir esta doçura. – Porque é que agora não se festeja o Natal, mãe? E não se fala do rei Yeshua? – Miriam havia devorado a sua porção e estava pronta para mais perguntas. – Os homens foram-se esquecendo destas histórias e preocuparam-se com outras coisas. – O rosto da mãe era triste. – Durante algum tempo, diziam até que Yeshua era o culpado das coisas más que lhes aconteciam e que eram apenas consequências das ações deles. Mas isso não interessa agora, e sim que devemos lembrar que todos os anos, neste dia, é como se Yeshua nascesse outra vez e os pecados dos homens são perdoados.
souberam que aquela criança iria ser muito importante na história da humanidade. Desde essa altura e por muitos, muitos anos, neste dia, o do nascimento de Yeshua, as pessoas davam prendas umas às outras para lembrar o nascimento desse grande rei. Por isso, hoje também vocês vão receber uma prenda. – Dito isso, ergueu-se e presenteou ambas as crianças com um pequeno prato com duas fatias de pão com mel, sorrindo de sa85
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Como um raio, Miriam correu porta fora e perscrutou avidamente o céu, em busca da estrela brilhante que assinalaria o local onde nascia Yeshua. A abóbada celeste estava imperturbável, continuava coberta de pequenos pontos brilhantes onde, a espaços, um risco veloz aparecia e desaparecia. Sentindo-se um pouco desiludida, sentou-se na entrada da porta. Quem sabe, a estrela ainda apareça, para lhe indicar o caminho. Talvez esteja ainda escondida por trás de uma das três enormes luas, quase alinhadas, que lhe iluminavam a noite.
Conto de Manuel Amaro Mendonça incluído no livro Bendita Manjedoura! – Antologia de Natal, Sui Generis, 2019
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JORGE PINCORUJA Residente em Londres, escreve sempre em Português. Embora a sua escrita seja maioritariamente em verso ou prosa poética, de vez em quando escreve contos. Nascido na Beira Alta, tem por meta escrever de forma original e muito sua. Umas vezes melódica, outras vezes ríspida, mas sempre com verdade. Já com algumas obras editadas, pretende deixar um cunho próprio na escrita que se faz actualmente. Participou nas antologias «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Devassos no Paraíso» e «Sinfonia de Amor» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/jorge.pincoruja
MANDAR PASTAR
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hoje, não por ser hoje, mas sendo hoje, vem muito a propósito que quero mandar pastar todos estes seres meio vivos que se pavoneiam pelas páginas do facebook. Estes que se acham rebeldes, mas muito mal resolvidos, que nos dão a impressão que de rebeldes não têm nada, mas muito de ridículo. Estes que têm personalidade insonsa e que são muito tementes a Deus e que por conseguinte não mijam fora do testo. Estes outros que se ofendem muito facilmente, que até gostam de as dizer, mas não gostam nada que lhas digam. Atiram uma ou duas para ver se nos ofendem. Desconhecem contudo que temos uma derme enxertada em queratina de crocodilo... assim que a bala resvala. Ainda mais estes que têm umas ideias um tanto ou quanto retrógradas em relação a mulheres e minorias, sejam elas do arco íris ou do arco da velha. É o que de bom tem o facebook. A gente pressiona a tal tecla e corre tudo página abaixo. É um prazer eliminar certos verbos de encher que a única coisa que fazem é encher a paciência. A minha e a da tal tecla que é especialista em “mandar pastar”. Depois, e até com espaço para mais, chegam do norte e do sul e de outras latitudes convites de amizade... que raramente querem amizade, mas alguma coisa em troca. 92
Um dia alguém me disse que o facebook MAG #09 é um recreio para adultos comSGmentalida-
des infantis... e pensando bem, reparem: Ora eu não troco nada... não sou de trocas. Ou compro ou vendo... trocar só de cuecas. Entretanto chegam-me estas pessoas com páginas extras para eu gostar. Decidi não gostar de nenhuma. Tenho eu também uma página extra, mas poucos sabem da sua existência. Não me dá para andar a entafulhar páginas nos gostos de cada um. Está lá nos recônditos do facebook... quem quer quer, quem não quer deixa ficar. Vem-me à memória agora que um dia alguém me disse que o facebook é um recreio para adultos com mentalidades infantis... e pensando bem, reparem: não se pode mostrar o mamilo de uma teta, mas se for o úbere inteiro de uma vaca ninguém se zanga. Não se pode mostrar o pirilau do Inocêncio, ainda que em contexto e com arte, porque basta vir um desses “infantis” e o facebook ata-nos o bico com fita-cola. Já estive de bico colado por causa da genitália do David, aquele do Michael Ângelo. Ainda se fosse alguma coisa de extraordinário, mas todos bem sabem o tamanho embaraçoso
não se pode mostrar o mamilo de uma teta, mas se for o úbere inteiro de uma vaca ninguém se zanga. Não se pode mostrar o pirilau do Inocêncio, ainda que em contexto e com arte, porque basta vir um desses “infantis” e o facebook ata-nos o bico com fita-cola.
(pela negativa, salvo seja!) do pirilau do David. Basta um desses infantis mal curtidos denunciar, que o facebook manda o contexto pró caraças. Mas e ainda bem que existe a tal tecla do “mandar pastar” e saibam, meus amigos, que tenho um grande rebanho a pastar numa dessas lezírias do espaço cibernético. Quem haveria de pensar que eu, nesta idade avançada, haveria de me dedicar ao pastoreio?
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CONTO
FÁTIMA D’OLIVEIRA Nasceu em 1970 e reside no Vale de Santarém, uma vila no concelho e distrito de Santarém. Em 1998 foi-lhe diagnosticada uma ataxia de Friedreich, uma doença rara, incurável, progressiva, altamente incapacitante e por vezes fatal. Está aposentada por invalidez desde 2009 e tem participado, sempre que lhe é possível, na divulgação das ataxias hereditárias, bem como no alerta da sociedade civil para a dura realidade das mesmas. Teve ainda o supremo orgulho de presidir à Direcção da APAHE – Associação Portuguesa das Ataxias Hereditárias, entre Março de 2011 e Março de 2014. Não tendo a presunção de se considerar uma escritora, mas sim uma autora que já teve a felicidade de ver algum do seu trabalho publicado, possui uma página no Facebook, que desde já vos convida a conhecer e a gostar, e onde fica a aguardar os vossos prezados comentários. Participou nas antologias «Luz de Natal», «Sinfonia de Amor», «Sol de Inverno», «Brisas de Outono» e «Bendita Manjedoura!» da Colecção Sui Generis. Página da Autora: http://www.facebook.com/autora.fati madoliveira
“A PRESSA SÓ É ÚTIL PARA APANHAR MOSCAS” “E lenta, muito lentamente, praticamente sem eu dar conta, algo começou a tomar conta de mim. Silenciosamente, sorrateiramente. Vagarosamente, paulatinamente. Teimosamente, obstinadamente. Ainda que renitentemente, deixei-me afogar naquele imenso turbilhão e levar pelas vagas furiosas que, de forma tão tenaz e intempestiva, insistiam em me subjugar. Quase sem dar por isso, vocês começaram a namorar. Um com o outro. Primeiro foi meio às escondidas, como se tivessem receio. Não de vocês, mas do resto do mundo. De certa maneira, tinham razão: o vosso receio tinha fundamento. Mas o problema surgiu de onde menos esperavam: de mim.” POR FÁTIMA D’OLIVEIRA
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izem que confessar faz bem à alma. Por isso, eu digo que me confesso. Não que eu me sinta incomodada com o que fiz, muito pelo contrário: antes realizada. E aliviada. Ainda assim, quero confessar-me. Pôr tudo em pratos limpos. Aqui e agora. Confesso-me a ti, Gabriela, e a ti, Ramiro.
maneira entusiasmada em como falaste de quem tinha metido conversa contigo. Lembras-te? Quando chegaste ao pé de mim, parecia que irradiavas: não sei se felicidade, se outra coisa qualquer. Sei que até brilhavas. Era deveras impressionante. Êxtase, arrebatamento, encantamento... Eras tu, com toda uma áurea verdadeiramente ofuscante, à tua volta. O meu nome é Maria LúE fiquei curiosa. Sempre Conheci-te. Mas verdade seja cia, mas todos me chamam queria ver quem era a pessoa dita, não te achei nada por aí Marilú. responsável por tal enlevo. além. Eras uma pessoa bemConheço-te a ti, desde Conheci-te. Mas verdade que me lembro de ser gente. seja dita, não te achei nada parecida, sim, simpática, E acho que foi isso mesmo por aí além. Eras uma pessoa sim, até atenciosa, sim, mas que nos aproximou, essa senbem-parecida, sim, simpátipronto. Pelo menos, foi essa sação de conhecermo-nos ca, sim, até atenciosa, sim, desde sempre. A ponto de mas pronto. Pelo menos, foi a minha primeira impressão. nos tornar inseparáveis. A essa a minha primeira imA partir daí a nossa história, ponto de, se uma das partes pressão. até então escrita a quatro dissesse mata, a outra parte A partir daí a nossa histólogo se apressava a dizer esria, até então escrita a quatro mãos, passou a ser redigida fola. Eu não tinha segredos mãos, passou a ser redigida a a seis mãos. Assim de para ti e tu não tinhas segreseis mãos. Assim de repente, repente, sem menos nem dos para mim. Sei que aquela sem menos nem mais, sem ai velha expressão do livro nem ui, o nosso duo transformais, sem ai nem ui, o nosso aberto é um bocado cliché, mou-se em trio. E se ao prinduo transformou-se em trio. mas isso realmente era o que cípio, não o vou negar, não E se ao princípio, não o vou nós representávamos para morri de amores pela ideia, a qualquer das partes: um seguir fui invadida por uma negar, não morri de amores imenso livro aberto, sem sevaga de sensações... de conpela ideia, a seguir fui invagredos, surpresas ou reviraforto, aconchego. E reconhedida por uma vaga de sensavoltas. cimento. Porque eu me recoAté tu entrares em cena. nheci. Em ti. ções... de conforto, aconSem convite e sem qualquer E lenta, muito lentamenchego. E reconhecimento. resquício de atrapalhação, te, praticamente sem eu dar vergonha ou pudor, imiscuísconta, algo começou a tomar te-te no nosso pequeno munconta de mim. Silenciosado muito nosso; no nosso enredo, até então inmente, sorrateiramente. Vagarosamente, paulatitensa mas calmamente urdido. namente. Teimosamente, obstinadamente. Ainda Foste tu quem primeiro te conheceu, lembrasque renitentemente, deixei-me afogar naquele te? Já não me lembro muito bem, mas acho que imenso turbilhão e levar pelas vagas furiosas que, me disseste que foi na farmácia, ou qualquer coisa de forma tão tenaz e intempestiva, insistiam em assim. Do que eu já me lembro muito bem foi da me subjugar. 96
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Quase sem dar por isso, vocês começaram a namorar. Um com o outro. Primeiro foi meio às escondidas, como se tivessem receio. Não de vocês, mas do resto do mundo. De certa maneira, tinham razão: o vosso receio tinha fundamento. Mas o problema surgiu de onde menos esperavam: de mim. Quer dizer, vocês nunca o souberam, pois eu fiz questão em nunca o deixar transparecer, mas a verdade é que eu comecei a gostar de ti. Muito. Cada vez mais. Ciúmes, acho que não senti. Mas senti muita dor, muita mágoa. E sem eu dar conta, quase que me tornei masoquista, pois se por um lado fugia de vocês como o diabo foge da cruz, pelo outro agarravame a vocês como uma lapa... O meu comportamento podia caracterizar-se como doentio, eu sei. Cheguei mesmo a pensar em matar-vos. Assim como em dar-vos cabo do canastro, limpar-vos o sebo, mandá-los desta para melhor... Tipo «Se eu não puder ter-te, mais ninguém pode»... Mas não, isso seria demasiado melodramático, muito... “faca e alguidar”... Tirei daí o sentido: não valia a pena. Sem dizer água vai e muito a contragosto, tornei-me na vossa confidente. Individualmente. Ou seja, cada um de vocês desabafava comigo sobre o outro: as vossas dúvidas, as vossas questões, os vossos medos, os vossos receios, as vossas incertezas... Em suma, as vossas inseguranças. Vai daí, arquitetei uma trama que pode ser caracterizada como... ardilosa, mesmo pérfida. Então, já que eu, mesmo sem o desejar, estava
transformada na vossa confidente, ia fazer uso disso mesmo. Para meu proveito, bem entendido. Ou seja, ia jogar com todas essas informações a meu favor. Pode-se dizer que ia viciar o jogo. E assim o fiz: eu realmente viciei o jogo. A partir desse momento, comecei a usar tudo o que me era dito em confidência, mesmo a coisa mais insignificante, para meu futuro benefício. Por outras palavras, em vez de apaziguar comecei, se bem que discretamente, a alimentar ainda mais todas as vossas inseguranças, por mais ridículas que pudessem parecer.
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Vocês continuaram a procurar-me,
um de cada vez, para falar e desabafar maestrina. Mas mesmo assim, vocês conseguiram-me surpreender, pois quando finalmente acabaram não foi depois duma discussão: foi antes durante uma conversa séria e calma. É como aquela frase antiga: ri melhor quem ri por último. Se bem que aqui não houvesse motivo para rir: antes chorar; pelo menos, no que dissesse respeito a vocês. Porque a vossa relação sentimental tinha chegado ao fim. Mesmo assim e apesar disso, ou talvez por isso, vocês continuaram a procurar-me, um de cada vez, para falar e desabafar sobre o outro. Sempre e só sobre o outro. Armei-me de muita paciência e, uma vez mais, moldei a situação para meu benefício. Ou seja, joguei com as cartas que me calharam e tratei de virar o jogo a meu favor. Quero com isto dizer que tratei de cavar, ainda mais, o fosso já existente entre vocês. Eu gostava cada vez mais de ti, mas recusei sempre pôr o carro à frente dos bois. Pois se é verdade que a pressa é inimiga da perfeição, também não é menos verdade que devagar se vai ao longe.
sobre o outro. Sempre e só sobre o outro. Armei-me de muita paciência e, uma vez mais, moldei a situação para meu benefício. Ou seja, joguei com as cartas que me calharam e tratei de virar o jogo a meu favor. Quero com isto dizer que tratei de cavar, ainda mais, o fosso já existente entre vocês. Eu gostava cada vez mais de ti, mas recusei sempre pôr o carro à frente dos bois. Pois se é verdade que a pressa é inimiga da perfeição, também não é menos verdade que devagar se vai ao longe.
O princípio do fim, foi assim que começou: os amuos, os arrufos, as discussões, as zangas... Devagar, devagarinho... Sinceramente, tenho que dizer que a coisa até tinha a sua graça... Porque eu tenho quase a certeza de que vocês nunca se aperceberam do que estava a acontecer: de que vocês não passavam de uns meros peões no meu tabuleiro de xadrez: umas autênticas marionetas nas minhas mãos, prontas a dançar ao som de qualquer música que eu quisesse. E vocês dançaram, oh!, se dançaram... Sem querer exagerar, parecia um pas de deux bem ensaiado e melhor interpretado. Ou então uma orquestra bem afinada de dois instrumentos, comigo como 98
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Portanto, nunca tive pressa – nunca caí nessa tentação. Sempre mantive boas relções com vocês: quer com um, quer com o outro. Fiz questão disso, não fosse o diabo tecêlas... Quando finalmente se apresentou a hipótese de levar a minha relação de amizade contigo mais além, fiz-me de rogada. E mostrei receio: qual seria a tua reação, ao ver-me contigo? Porque o meu receio era real. Se eu, sozinha e mais ninguém, os tinha conseguido separar, eu nem queria pensar no que vocês, juntos, seriam capazes de fazer... De ME fazer. Longe de ser uma atitude neurótica ou paranóica, esta era uma atitude... respeitosa. Digamos que era um receio mascarado de respeito. Mas ambos genuínos. Tive o cuidado de, antes de fazer o que quer que fosse, falar contigo e expor-te a questão: tinha-se apresentado a hipótese de levar a minha relação contigo, até aí de amizade, mais além, mas eu não te queria magoar e nunca que nunca daria um passo nessa direção, se assim tu não o quisesses... apesar de me estar a sentir inundar por certos sentimentos...
Que tremenda cara-de-pau!... Não só me fingi muito preocupada contigo e com os teus sentimentos, como ainda tive o descaramento de te assegurar que iria ficar quieta se fosse essa a tua vontade. Mas para que isso não acontecesse e para te fazer sentir ainda pior, tive o cuidado de mencionar sentimentos emergentes por ti – que de emergentes não tinham nada: até já estavam bem instalados. Mas consegui o que queria: a tua bênção. Apesar da surpresa e mágoa (sim, eu notei...), a tua reação foi rápida e mostraste uma firmeza que estavas longe de sentir: é claro que eu podia explorar estes novos sentimentos que começavam a tomar conta de mim. Afinal, vocês já não eram um casal e cada um era livre para fazer o que muito bem entendesse. Não obstante já termos a chamada “luz verde”, o namoro, o nosso namoro ainda demorou. Se bem que eu tivesse completa consciência que tu só te aproximaste de mim para colmatar a falta que tu lhe fazias, a tua... resistência, resiliência, até renitência, em te comprometeres, estava a dar comigo em doida. Era como se por cada passo em 99
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também sem baixos. Uma seara de trigo ondulada pela brisa suave do fim da tarde. Sem sobressaltos. Um namoro ameno, mas tão ameno que ao olhar mais distraído poderia ser caracterizado como insosso, pãozinho sem sal. Desapaixonado. Nem quente, nem frio: antes morno, tépido. Eu bem que queria casar contigo, mas há já muito que me tinha obrigado a resignar com a possibilidade de isso não acontecer. Essa possibilidade, cada vez mais real, estava diretamente relacionada contigo, com a tua omnipresença entre nós: o estar, sem estar. Portanto, foi com enorme surpresa que ouvi a tão esperada pergunta. Aliás, tu nem te ajoelhaste, como se vê nos filmes. Mas foi tão bonito... Olhando para trás, nem poderia querer outro pedido... Tu abraçaste-me e sussurraste ao meu ouvido: «Queres casar comigo?». Eu fiquei tão surpreendida que a minha reação imediata foi chorar. Ao veres as minhas lágrimas, ficaste com
frente que desses, logo a seguir desses dois passos atrás. Não passavas, ou melhor, não querias passar da cepa torta. Porque era isso que transmitias – pelo menos, a mim. Mas mais uma vez, obriguei-me a ter calma e a não pôr o carro à frente dos bois. As pressas dão sempre em vagares e isso eu não queria. De maneira alguma. Ou nenhuma. Armei-me de infinita paciência e resolvi entrar no jogo, o teu jogo. E tens que admitir que eu fui uma jogadora e pêras, pois apesar de as regras não serem minhas, eu dominei o jogo – esse jogo que era o teu – com mestria. Demorou, mas finalmente consegui. Depois de inúmeros pára-arranca, finalmente consegui que ultrapassasses esse autêntico chove-não-molha que já estava a mexer comigo quase que a um nível físico. Pediste-me em namoro e eu, claro está, disse que sim. Se bem que eu tive o cuidado de não parecer demasiado... ansiosa ou mesmo desesperada, para não passar a imagem de alguém com demasiada sede a ir ao pote. O namoro, esse até correu bem – sem euforias, mas também sem desesperos. Sem altos, mas
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medo e apressaste-te a perguntar: «Estás bem?». Eu chorava cada vez mais e cada vez mais convulsivamente e tremia descontroladamente que nem varas verdes, o que só servia para aumentar a tua preocupação. Perguntaste outra vez: «Estás bem?». No meio das minhas lágrimas, acenei que sim com a cabeça, abracei-me a ti com força e ouvi-me a dizer em voz baixa, embargada pela emoção: «Sim... Sim...». Quando finalmente te apercebeste de que eu estava a aceitar o teu pedido de casamento, apertaste o meu corpo trémulo ainda mais contra ti e ficámos ali os dois, num abraço apertado. Não sei, não faço ideia, de como reagiste à notícia do nosso casamento, mas sinceramente essa era a última coisa no meu pensamento. Imediatamente comecei a pensar no meu vestido e sabem aquele cliché de todas as noivas quererem parecer princesas?... É verdade. Muito para minha grande surpresa, também eu quis parecer uma princesa – logo eu, que sempre achei que era superior a essas coisas... E, como sempre, recorremos logo ao imaginário das princesas Disney, principalmente à Cinderela. Pois bem, aí eu já fugi à regra, pois a minha inspiração foi antes a princesa Aurora do filme “A Bela Adormecida”¸ nomeadamente o vestido que ela usa no final do filme, enquanto dança com o príncipe Filipe ao som de “Once upon a dream” e que muda constantemente de cor – ora azul, ora rosa. As únicas diferenças eram o corte (o meu era completamente evasé) e a cor (o meu era, como é da praxe, branco). Já na cabeça, nada de véu, nem nada que se parecesse: apenas uma grinalda, que eu fiz questão de ser de
flores de laranjeira. Embora estas fossem mais associadas à pureza, a verdade é que eu já não era pura, no sentido de ser virgem. Eu já tinha tido as minhas experiências sexuais, quer com homens, quer com mulheres. Não que eu fosse bissexual. Nem heterossexual. Nem homossexual. Antes pansexual1. Porque eu, quando me apaixonava, apaixonava-me pelas pessoas e não pelo seu género sexual. Assim como eu me apaixonei por ti. Fiz questão de te convidar para o meu – para o nosso – casamento. Não por maldade ou vaidade. 1
Pansexualidade – É caracterizada pela atração sexual ou amorosa, independentemente do sexo ou identidade do género.
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Se bem que, bem lá no fundo, não posso negar que essa foi uma ideia que atravessou, ainda que fugazmente, o meu pensamento: esfregar na tua cara, subtilmente, a tua derrota. Mas eu convideite porque eu sempre pensei em ti com ternura e carinho. Sei que isto pode parecer uma enorme contradição, quase um oximoro, mas a verdade é esta: apesar de tudo o que aconteceu, sempre nutri por ti uma profunda afeição. Sei que, muito provavelmente, não acreditam em mim e não vos posso condenar por isso, mas vamos lá a ser sinceros: o que é que eu, realmente, te fiz? E eu digo-te: nada. Isso mesmo, nada que tu, vocês, não tivessem já feito. Afinal, foram vocês que acabaram o vosso namoro. E de livre vontade, devo acrescentar. Não é como se eu vos tivesse encostado uma pistola à cabeça. Portanto... Depois do casamento, começámos a nossa vida a dois. Foi um início calmo, como tudo no nosso relacionamento. Lembro-me, como se fosse hoje, de quando chegaste a casa e me disseste, como quem não quer a coisa, que tu te tinhas mudado para a capital. Fiquei exultante, mas fiz questão de esconder a minha satisfação e mostrar um ar blasé que eu, efetivamente, não sentia. Talvez agora
tivesse paz e sossego, pois sempre tinha sentido a tua sombra sobre este casamento. Até podia muito bem ser tudo apenas da minha cabeça, fruto da minha imaginação, mas sempre te senti em cada olhar teu, em cada riso teu, em cada suspiro teu... Quantas e quantas vezes não dei por ti ausente e com o olhar perdido, a pensar em sabe-se lá o quê: talvez em quem se foi... Sei que estão a dizer que tudo isto era o resultado da minha consciência pesada. Mas não, não era. Para isso, era preciso sentir-me mal com o que fiz, perturbada. E isso, eu não sentia. Porque, como já lá diz a Pat Benatar1, “Love is a battlefield”2. E se é verdade que quem vai à guerra dá e leva, não é menos verdade que em tempo de guerra não se limpam armas. E eu não limpei as minhas. Aliás, eu só usei as armas que me foram dadas: a mentira e o engano. Das quais fiz uso até à exaustão. Mas sem ti, sem o teu “fantasma”, finalmente pudemos começar uma vida a dois, só com nós os dois e para nós os dois. Mas isso foi, como se costuma dizer, sol de pouca dura. Porque não demorou muito para começares a falar numa coisa que, 1
Pat Benatar: cantora norte-americana “Love is a battlefield” (O amor é um campo de batalha): canção do álbum “Live from Earth” (1983) 2
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SG MAG #09 Não demorou muito para começares
a falar numa coisa que, confesso, me apanhou completamente de
confesso, me apanhou completamente de surpresa, totalmente na curva: filhos. Disso, eu não estava mesmo nada à espera: não só o casamento tinha sido há ainda relativamente pouco tempo, como nunca tínhamos falado em tal. Mas por mais que eu tentasse desviar a tua atenção e focar o teu sentido noutra coisa qualquer, infelizmente esse assunto não se ficou por aí e assumiu proporções deveras gigantescas, contrariamente ao que desejava, que era que a história de filhos caísse no esquecimento. Porque eu não os queria. Quer-se dizer, não era que eu não quisesse filhos, assim, literal e definitivamente. Era mais que eu não morria de amores por essa ideia: ia ser preciso tempo para me habituar à mesma. Mas isso, tempo, era coisa que tu não parecias estar na disposição de me dar. Como tu estavas com a ideia de ter filhos fixa na tua mente e no teu coração, acho que automaticamente assumis-
surpresa, totalmente na curva: filhos. Disso, eu não estava mesmo nada à espera: não só o casamento tinha sido há ainda relativamente pouco tempo, como nunca tínhamos falado em tal. Mas por mais que eu tentasse desviar a tua atenção
e focar o teu sentido noutra coisa qualquer, infelizmente esse assunto não se ficou por aí e assumiu proporções deveras gigantescas.
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tava de braços abertos, mas mesmo assim engoli em seco e, tacitamente, mergulhei de cabeça. Ter filhos, para mim, passou a ser uma prioridade – ainda que não o fosse. Eu sempre gostei de cozinhar e como até era boa, mesmo muito boa, nisso, implicitamente assumi essa responsabilidade. E como me lembrava, ainda que remotamente, de uma vez ter lido que o ácido fólico era benéfico nesta situação, imediatamente comecei a incluir alimentos ricos em tal na nossa dieta: feijão, lentilhas, espinafres, fígados de galinha ou peru... Mas mesmo assim a coisa não estava a correr bem e sem sobressaltos. Porque a tão esperada – por ti – gravidez teimava em não acontecer. Surpreendentemente – e daí, nem tanto – começaste a culpar-me pelo fato de a gravidez ainda não ter acontecido. O que tu mais querias não coincidia com o que eu mais queria, tu sabias e eu sabia que tu sabias. Mas daí até eu sabotar, conscientemente, todo o processo... Não, eu nunca fiz isso. Garantidamente. Protestei de forma tão veemente a minha, vamos lá, inocência que concordaste, ainda que de má vontade, em consultar um médico especialista em fertilidade. A tua segurança, assim como a tua certeza, na minha culpabilidade, por assim dizer, eram tais que relutantemente, devo acrescentar, lá aceitaste a minha sugestão: a tua convicção na minha responsabilidade era tanta que pensavas saber que a história do médico seria uma pura perda de tempo. Tu nunca sequer consideraste a hipótese de poder ser uma qualquer questão rela-
te que essa também seria a minha vontade, sem sequer te preocupares em saber se realmente era assim. Porque eu não tinha a mínima vontade de te partilhar. E com filhos isso ia mudar. Sei que a minha atitude pode ser caracterizada como egoísta, mesmo obsessiva. E senti que tu, ainda que sem o verbalizar, me lançavas uma espécie de ultimato absurdo: ou embarcava contigo na ideia peregrina de ter filhos, ou ficava, por assim dizer, apeada. Sem ti. Como essa, ficar sem ti, era uma ideia que não sequer passava pela minha cabeça – especialmente depois do muito que tive que fazer para te ter só para mim – respirei fundo e decidi embarcar contigo na tal aventura peregrina: filhos. Tu parecias saber que essa era uma ideia que eu não acei-
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cionada com esse foro. Não, para ti só havia uma pessoa responsável e essa pessoa era eu. Que eu sabia não ser. As tuas certezas chegavam a ser assustadoras, mas obriguei-me a respirar fundo e a não entrar em pânico: de costas ou de barriga, eu ia conseguir levar a água ao meu moinho. Depressa e bem, não há quem, não é assim?... Mas nada te podia preparar para a violentíssima tempestade que se avizinhava na linha do horizonte. Quando finalmente o médico nos convocou para partilhar connosco as suas conclusões, a tua
descontração e despreocupação eram deveras notáveis, quase contagiantes. Descontraidamente quiseste saber se havia alguém a quem se podia imputar a responsabilidade pela, até àquele momento, infertilidade. Quando o médico respirou fundo e começou «Sim, mas...», imediatamente olhaste fixamente para mim com um ar triunfante e trocista, como que a dizer «Eu já sabia...». Nem sequer reparaste quando o médico, solene e teatralmente, te tentou entregar uma folha de papel. Só quando pigarreou para te abstrair dos teus pensamentos e certezas, é que a notaste. Pegaste nela, começaste-a a ler e foi como se o tempo parasse e o chão te fugisse dos pés. Ficaste sem cor e com a respiração suspensa. Porque a tal folha era tão-somente o resultado das análises e exames que o médico nos tinha mandado fazer para tentar apurar a causa, ou culpabilidade como tu fazias tanta questão em frisar, da infertilidade. Mas nada te podia preparar para o lá estava. Porque a... culpa, só para usar a expressão que te era tão cara, era... tua. Tu é que eras a pessoa responsável. Tu eras estéril. O médico ainda começou a explicar a razão da tua esterilidade, mas tu já não o ouviste, não conseguiste: a incredulidade estava por demais estampada no teu rosto. Não posso negar que me senti... vingada, seria?... não, não era... Também não posso dizer que era justificada... Justiçada, talvez... Sim, definitivamente justiçada. Durante todo o caminho para casa não disseste uma única palavra: foste sempre
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las e malmequeres, até perder de vista. Mas eis que, sem saber como nem porquê, comecei-me a sentir muito cansada e, o que era pior, sem qualquer razão aparente para tal. Foi de tal ordem que eu ficava cansava de estar sempre cansada – parece ridículo, eu sei, mas era assim. Também me sentia constantemente nauseada. E insististe para que eu consultasse o meu médico-de-família. Tu nunca o disseste nem sequer insinuaste, mas sei que, secretamente, desejavas com uma força sem fim que eu estivesse grávida – independentemente do que isso poderia significar para nós e para a nossa relação. Mas não era isso que estava a acontecer. Lembro-me que o médico me mandou fazer uma verdadeira bateria de exames e análises. Quando finalmente fui saber o porquê daque-
em silêncio, um silêncio sepulcral, com o olhar perdido sabe-se lá onde. Já em casa, mal entrámos, desataste num pranto infindável, interminável. Só tive tempo de fechar a porta da rua, para a seguir, sem saber o que mais fazer, te envolver num abraço forte. Se por um lado eu ainda estava magoada contigo, por outro doía-me a tua dor, a tua tristeza sem fundo. Mas para ser completamente sincera, eu não partilhava da tua tristeza. Egotista e egoisticamente, podia ser que assim parasses com a história de filhos. E realmente paraste. Mesmo. Nem nunca sequer tentaste falar em adoção, por exemplo. Foi como se a tua esterilidade tivesse sugado toda a tua vontade de ter filhos. Ou talvez também tivesse algo a ver com a minha pouca vontade, ainda que não abertamente mostrada, mas que tu intuíste. A nossa vida voltou a entrar num compasso certo, com um ritmo que muitos apelidariam de monótono, mas que eu antes chamaria de confortável: uma rotina confortavelmente expectável, sem surpresas nem curvas e contracurvas: uma planície imensa e verdejante, salpicada de papoi-
E nas profundezas de mim, senti-me extremamente comovida e tive que sorrir, ainda que timidamente, mais para mim do
que para ti, pois só então me apercebi, com toda a violência de uma estalada à má-fila, do teu amor por mim. Mas não paixão. Ao contrário de mim, que nutria por ti uma profunda paixão.
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Sabem aquela frase que os norte-americanos usam para designar os condenados à morte, “dead man walking”3? Assim era eu. Se bem que, no meu caso específico, o mais correto seria dizer “dead woman walking”4. Só já em casa é que te permitiste expressar o que te ia na alma: tristeza, ira, frustração... Também alguma negação... E até indignação! Nomeadamente perante a minha aparente passividade. Foi só então que, repentinamente, me apercebi com a clareza de um dia de sol luminoso das diferenças entre nós, de como a tua permeabilidade ao mundo e às emoções contrastava com a minha impermeabilidade, pois enquanto as tuas muralhas eram de areia, as minhas eram de pedra. E nas
les sintomas todos e tu fizeste questão em me acompanhar, em consciência não posso dizer o que estava à espera de ouvir. Sei que não estava à espera... daquilo. Cancro dos ovários, estádio IV, em fase terminal. Automaticamente pensei que aquela só podia ser uma ironia, uma ironia absoluta e deliciosamente... maquiavélica, se é que me entendem. Sei no que estão a pensar: karma, isso só podia ser karma: castigo por tudo o que vos fiz. Só que, mais uma vez pergunto: o que é que vos fiz?... Está bem, fui eu que vos pus à beira do abismo. Mas foram vocês que deram o passo em frente, vocês é que saltaram. E voluntariamente. Eu apenas... dei um empurrãozinho... No caminho para casa não trocámos uma só palavra: as palavras do médico pairavam entre nós, qual espectro fantasmagórico mil vezes amaldiçoado: o meu diagnóstico, a minha sentença de morte. Sim, porque eu não tinha ilusões: eu estava a morrer.
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Homem morto a andar. Mulher morta a andar.
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profundezas de mim, sentime extremamente comovida e tive que sorrir, ainda que timidamente, mais para mim do que para ti, pois só então me apercebi, com toda a violência de uma estalada à máfila, do teu amor por mim. Mas não paixão. Ao contrário de mim, que nutria por ti uma profunda paixão, mas que não sei se algum dia te amei. A conselho do meu médico-de-família, consultei um oncologista. E fiz questão de ir sozinha: tu bem quiseste ir comigo, mas recusei. Já no consultório, estava com a ideia firme de não tapar o sol com a peneira, mas mesmo antes de perguntar quanto tempo de vida me restaria, apercebi-me de que devia ser muito pouco. Por duas razões: primeiro, porque ele nem sequer me falou em cui-
dados paliativos (deveria ser tão pouco que nem valeria a pena), segundo, porque ele me disse, com todas as letras, que se tivesse assuntos pendentes, para tratar deles. Que foi o que fiz. Sei que se estiverem a ouvir este texto, esta carta que vos deixo, já estou morta. E que estão os dois, Gabriela e Ramiro, no escritório do meu advogado, que, agindo segundo as minhas instruções, vos convocou para aqui comparecerem depois da minha morte, para vos ler esta minha missiva que vos fiz questão de dirigir, tal e qual como se estivessem aqui à minha frente, tu cá – tu lá. Esta é a minha confissão. Façam com ela o que entenderem.
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LUCINDA MARIA Lucinda Maria Cardoso de Brito nasceu em Oliveira do Hospital, em 1952. Fez um percurso académico muito bom e tirou o curso do Magistério Primário, começando a leccionar em 1972. Encontra-se aposentada, mas continua a ensinar, agora artes decorativas, na Universidade Sénior de Rotary de Oliveira do Hospital. Tem seis livros publicados – «Palavras Sentidas» (2013), «Alma» (2014), «Divagando...» (2015), «Terra do Meu Coração» (2016), «Sonho?... Logo, Existo!» (Sui Generis, 2017) e «Um Ano... 365 Poemas» (2018) – e participações em variadíssimas obras colectivas. Da Colecção Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Tempo de Magia», «Sinfonia de Amor», «Luz de Natal», «Sol de Inverno» e «Brisas de Outono». Como autora, gosta de identificar-se apenas por Lucinda Maria; não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990. Perfil no Facebook: facebook.com/lucindamaria.brito
O MEU LIVRO Pouco antes de partir, o actor António Feio escreveu: «Não deixem nada por fazer... não deixem nada por dizer...». Ele tinha razão. Enquanto somos bafejados pelo sopro da vida, temos de aproveitar todos os momentos. Cada pedacinho de tempo é importante para sentir plenamente que estamos vivos. Desfrutar deles é uma preciosidade... negligenciá-los, um desperdício irrecuperável. Os anos vão passando e vejo agora, nitidamente, o que já perdi... o que deixei por fazer... o que deixei por dizer... Não me sinto velha. Tenho capacidades ainda incólumes e não sou fútil. Uma das coisas que mais adoro fazer é isto: transpor para o papel o que sinto, o que vivo, o que aprendo... e todos os dias aprendo. Moldando as palavras, componho sentimentos que me preenchem. O meu livro tem vida que sai das minhas mãos ávidas de saber. Quando se folheia o meu livro, dele brotam outras folhas que não as dele: são as que me aconchegam e me beijam. É que, quando escrevo, não deixo nada por fazer... não deixo nada por dizer... O meu livro é tudo! Nele, pulsa o meu coração, em ímpetos de esperança, de amor... Nele, sorri o meu olhar transparente de sinceridade... Nele, corre o sangue das minhas veias, percorrendo-me... O meu livro é a minha VIDA!
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JANIEL MARTINS Sertanejo do RN, Brasil, adepto dos manifestos e das convicções que conduzem homens e mulheres às raízes do que se transforma em justiça, liberdade e igualdade. É esse que se criou dentro do ventre da palavra, a que é de honra. Blogueiro entusiasta da difusão e da partilha, dos para que o igual elogie todas as diferenças, estas que são de legitimidade, jamais as construídas por interesses e conveniências de exploração de uns sobre outros. «Sejamos, unamente, de igual, por direito. Sou este, sou eu... Janiel Martins.» Co-autor da antologia «Sol de Inverno» (2019) da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook:
facebook.com/janiel.martins.180 Blogue do Autor: https://comeresaberbem.blogspot.com
MENINA DO PÉ CURTO Três vezes três é nove. E se botar de cabeça para baixo fica seis. Tu aprendeu com quem minhoquinha? Com minha professora. E tu porque não estuda, minhoquinha? Estudar? Só a longitude da vida e a igualdade para todos. É minhoquinha? Claro que sim. Às vezes dá raiva, minhoquinha, saber que o mundo é grande e ainda não temos pernas. Um dia eu vou ter perna. Eu vou ter asa, minhoquinha. E tu acredita, minhoquinha? Mais do que acredito. Já sonhei até que tava voando. Foi verdade, minhoquinha? Foi sim, eu tava bem no fundo na terra. Tinha fogo e tudo. E tu se queimou não, minhoquinha? Não, porque foi o meu pensamento que foi bem longe. 114
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Não precisamos de olhos para ver o mundo, minhoquinha? O pensamento é a ligação com o universo. Que palavra bonita é “universo”. Foi a minha professora que falou. Trocou o mundo pelo universo. Mas o mundo é o mesmo. Minhoquinha, o pensamento é tão forte que vira pedra. Tu acredita, minhoquinha? É verdade minhoquinha? É sim, o pensamento não morre. É igual ao universo. Só se expande. É igual quando pensamos, nasce um monte de estrela. Dentro de nós o universo é big. O que é isso “big”? Tu tais falando estranho! É a minha professora que fala inglês. Ela foi para a cidade grande.
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ANITA SANTANA Nascida e residente em Euclides da Cunha, no Estado da Bahia, Brasil. Fez mestrado em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS (2017), graduada em Licenciatura em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB (2008). Professora concursada, actuando em turmas do Ensino Médio no Colégio Estadual Educandário Oliveira Brito, na cidade de Euclides da Cunha. Participa no GELC (Grupo de Estudos Literários Contemporâneos) – UEFS. Tem poemas publicados nas antologias «Conexões Atlânticas» III e IV, «Protagonismo Feminino», «Tecendo Aldravias», «Mulheril das Letras Portugal», «Aldravia Mulher», «Brasis Poéticos» e no site «Recanto das letras», além de resumos em anais de congresso de Literatura. Participou no Sarau Virtual Paixão & Poesia e no Sarau Virtual Versos Versáteis. Recebeu o certificado de membro efectivo do Grupo de Autores Virtuais Independentes. É autora do livro «Versos & Cliques: Instantes» (2018) e co-autora da antologia «Luz de Natal», da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/anita.santana.773
MINICONTOS
E
stava indo para casa localizada numa rua larga e solitária. Cabeça baixa, distraída. De repente um vulto. Nem olha para trás e apressa o passo com a mesma velocidade dos batimentos cardíacos. Diminui o passo. Ri de si mesma. Descobre que o vulto era sua própria sombra.
V F
arrer o quintal, a casa. Arrumar a cama. Lavar os pratos. Cozinhar. Poemar!
oi comprar qualquer coisa na rua. De volta para casa, a pé em dia de chuva, se depara com uma moça por trás da porta de vidro de uma loja. Em sua mente veio a imagem de uma perfeita manequim. Então, lentamente, foi tirando as peças que a cobria, até que a deixou totalmente despida, vestindo seus olhos.
V
ez em quando uma fragrância chega suavemente e invade as lembranças do tempo em que a mãe com um conta-gotas, ritualmente, passava-lhe o perfume. Primeiro pelo pescoço, umas gotinhas na roupa e outras nas mãos. A delicadeza do gesto tornou duradoura aquela fragrância que sempre surge perfumando-lhe os pensamentos. 116
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abram noticiários com o que realmente importa para a Vida no Planeta. Estamos de Luto, neste preciso momento dão-se perdas irreparáveis, desde o solo negro e Ancestral que os Indígenas tornaram ainda mais fértil ao longo de séculos, sem que o Homem Branco saiba explicar como, até à Fauna e Flora, às Medicinas Antigas e Culturas ameaçadas, todos esses seres vivos que sustentam a nossa existência estão perdidos para o Fogo da Ganância que tudo consome, é com um pesar imenso que lembramos também os indígenas que mais uma vez serão afectados por estes incêndios que não são naturais, esta não é uma perda acidental nem inocente, existem culpados e não temos medo de os nomear: É a política assassina de Bolsonaro e dos seus comparsas nacionais e internacionais que incendeia a Amazónia, é o desprezo pelas terras sagradas e demarcadas, é o ímpeto capitalista da exploração mineira e do Agronegócio, por isso urge boicotar todas as corporações e produtos provenientes da
TODOS PELA AMAZÓNIA [ Cheila Collaço Rodrigues ]
A Amazónia não é apenas o pulmão do Mundo, a Amazónia é a Casa de milhões de espécies animais e vegetais, a Amazónia cria a sua própria chuva, a Amazónia é a Casa Ancestral de mais de um milhão de indígenas, povos originários esses que são a última linha humana de defesa da Biodiversidade, que enfrentam o genocídio ignorado, protegem o mundo industrializado do caos climático, enfrentam os avanços de um sistema que nos condena à alienação e possivelmente extinção... A Amazónia está a arder. Será que colectivamente temos noção do que isto significa? Na nossa infância alguma vez imaginaríamos viver este momento em que demos por garantida a humidade e fertilidade desta Floresta Sagrada, e agora deparamo-nos com o impensável? Presenciamos, atónitos, ao Fim do Mundo como o conhecemos. A Amazónia está a arder, o Mundo está a arder, por isso, se a Amazónia morre o Mundo morre, quem não percebe isto está próximo da loucura, pois a indiferença expressa face aos últimos acontecimentos que chegam até nós só pode ser qualificada de loucura colectiva. A Imprensa ignorou estes fogos até as redes sociais criarem pressão suficiente para que algumas poucas notícias viessem a público, ainda assim, as televisões dedicam menos de cinco minutos aos incêndios que devoram estes solos sagrados, os jornais reservam capas e títulos a escândalos menores, a episódios políticos e económicos que nada são em comparação com a destruição de uma parte fulcral do corpo desta Mãe (o pulmão), desta Gaia, de quem todos somos filhos. Como diz a Greta, a nossa Casa está a arder, mas nem isso é suficiente para que se 119
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Amazónia ou de qualquer outra Floresta Tropical. É também o desprezo pela Ciência, que os governos criminosos de Trump, Bolsonaro e outros vis tiranos estimulam, e pelos avisos sucessivos que ela nos tem trazido quanto às alterações climáticas e o papel destes territórios e povos na luta contra as mesmas, quem mata a Amazónia neste preciso momento. O coração verde da Terra arde, nas cidades o dia torna-se noite, as cinzas inundam as ruas... Quem somos nós se permitirmos passivamente que isto aconteça, que continue a suceder? Quem somos nós enquanto tudo arde? Que o Mundo finalmente acorde, que chore, e que sejamos capazes de travar a Luta pelas nossas vidas, pela nossa sobrevivência e de milhões de espécies inocentes, porque nem a imprensa, nem os governos, nem nenhuma organização internacional nos virá salvar – veja-se como lidam com o inimaginável. Portugal enquanto país colonizador, intimamente ligado a um dos países inserido dentro do território da Amazónia, tem o dever histórico de denunciar as políticas que estão a ser levadas a cabo na América do Sul bem como no resto do mundo, especialmente no Brasil de Bolsonaro, deve boicotar as relações comerciais com o mesmo, deve posicionar-se junto de outros países europeus que já entenderam a gravidade da situação que atravessamos.
Acabou o tempo da cobardia diplomática, exigimos que o Governo fale em nome do Povo Português e denuncie a barbárie, que repudie as políticas neoliberais que resultam nestes fogos, nestas matanças, nesta chacina. A Amazónia não é de ninguém, não pertence a ninguém, as fronteiras inventadas pelos homens brancos de outrora não existem, existe sim um Território Sagrado e Ancestral, onde vivem os guardiões da Floresta, com os segredos das plantas e com uma consciência e modo de vida perfeitamente integrados no ecossistema onde estão inseridos. Tudo o resto é a mentira que o mundo ocidental teima em prolongar. Não mais nos remeteremos ao silêncio, está na hora de Lutar, por nós, pelas futuras gerações, por todos os indígenas, todos os animais, todas as plantas, pela Vida. Está na hora de dar nova vida à palavra RESISTÊNCIA. Que se oiça pelo Mundo fora o choro desta Terra que arde, que choremos com ela, é a nossa Morte que choramos.
(O desabafo possível de uma activista frustrada, de coração pesado, que tinha/tem o sonho de ir à Amazónia em 2020. Rasgam-me o peito enquanto a Natureza é violada, uma e outra vez, continuamente. Respeitem a Mãe!) 120
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AMAZÔNIA EM CHAMAS
TERRA BRASILIS
[ Thiago Guimarães ]
[ Rita Queiroz ]
A floresta arde A floresta clama A dor chama O ódio inflama
Pulmão queima Coração sangra Destruição em alta. Mãe Natureza chora Os filhos deste solo bendito Morrem vidas. A ganância dos poderosos Explicada em números Vence por ora. Onde estão as cores que nos representam? Ardem em chamas, levadas pelo vento. O mundo clama: Salvem a Amazônia!
Os partidos políticos brigam A sociedade clama A Amazônia em chamas Mas será que viram isso anos atrás? Será que essa comoção é mesmo real Porque não ou motivada pelo ódio, pelo orgulho? A resposta não está em A nem em B A verdadeira resposta está em você está em nós Amazônia arde em chamas Mas não reclama, apenas chora pelo mundo afora Num canto que ninguém vai ver Essa cortina de fumaça de interesses escusos vai passar Mas será que a mata deixará de queimar?
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CHAGAS DE UM DIA QUE TERMINOU ANTES
AMAZÓNIA [ Mary Rosas ]
Quão triste é a nossa realidade Ver a Amazónia desaparecer Pela mão do homem Que tem tanta maldade.
[ Renato Alves ]
Hoje o céu está mais cinza. Nuvens que soletram F-U-N-E-R-A-L. Nas matas, gritos silenciosos de socorro. Nos palácios, bocas sedentas bebem sangue. Então, vejo: um índio vestido, uma onça passeando na calçada, macacos adestrados fazendo malabarismo. Irônico? O mundo está mesmo fora do lugar.
És o pulmão do mundo Não por muito tempo, Com tanta destruição Desaparecerás num momento. Lamento tanto Que me apetece chorar, Por tanta burrice Que o Homem teima continuar.
Hoje o sol se foi mais cedo. A noite repentina esconde as chagas deixadas por este dia violento e mercenário. Mas uma ferida ainda aberta resplandece em todo o seu vigor. Na mídia, muitos clamam por justiça. Mas na prática é só discurso ensaiado. No fim, todos vão para a cama, tranquilos. Noite longa de sonhos esquecíveis. Ninguém acendeu ao menos uma vela, ou fez um minuto de silêncio. Talvez você nem saiba o que aconteceu. Bobagem minha, só parte da Terra faleceu.
Desaparecerão culturas, animais e plantas, Que será feito de ti, Amazónia, Depois de não restar mais nada? Choraremos em vão, Por algo grandioso que já existiu E não haverá nunca mais. Os homens não querem saber, Mas futuras gerações terão muito a sofrer...
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SALVAÇÃO
A ribeirinha tentou Com água do riacho O fogo apagar E todo seu esforço de nada adiantou.
[ Paulo Roberto Silva ]
Eu vi o grilo correndo O fogo a mata comendo A arueira ficando em cinzas E a relva desaparecendo.
A lágrima do índio caiu Mas o fogo não apagou E nossos animais e plantas Morrendo sem culpa ter.
A onça pintada correu feito louca O jacaré na água se escondeu O preguiça não teve a mesma sorte E pendurado na árvore morreu.
Eu sou o que sou e sou Salva eu preciso ser Tenha mais consciência E salva sempre serei.
O sabiá parou de cantar A capivara assustada olhou E o ipê em chamas ficou E o fogo com a mata acabou.
Matas, florestas e cerrados Não importa qual será Seja homem consciente E muitas vidas salvará.
A sucuri não pôde escapar O sapo colorido na lama se enterrou A anta ficou sozinha E o fogo a destruiu. O pasto queimou todinho O gado ficou sem comer E o fazendeiro coitado Culpado do fogo atear ficou. Não fui eu, não foi você É a natureza dizendo Conserve a minha vida E a mata vai vivendo. Vitória Régia é minha flor Animais são os meus seres E o índio pobre coitado A lágrima derramou.
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AMAZÓNIA (SOLO SAGRADO)
roubando-lhe a dignidade. Profanando-lhe a virgindade devastando, na totalidade... cada pedaço de chão.
[ Maria de Fátima Soares ]
O Homem é um ladrão que inveja e mata o seu irmão. Queima, reduzindo a tição, séculos e séculos de glória... Seja ela monumento. Livro, tradição, sacramento. Árvore, pássaro, floresta, até que nada mais reste, da nossa civilização.
Sem palavras para expressar o que é vê-la queimar e por segundos imaginar como ficam animais e gente que naquele solo sagrado vivem do que lhes é dado pela linda Mãe Natureza...
Ver a Amazónia a arder deixa-nos sem saber que dizer e de lágrimas a rolar pela face. Pelos povos que ali vivem. Os animais e as plantas. Porque todos respiramos um pouco do ar que nos chega, daquela rara beleza, que alguns querem destruir...
E destruir-se a beleza, macular-se-lhe a pureza, do último paraíso na Terra, deixa-nos também destroçados e igualmente revoltados, com o fanatismo e a maldade de quem na sua cegueira já perdeu a humanidade.
Atrevendo-se a mentir, a camuflar e trair para acumular mais riqueza.
O Homem é um tirano ignóbil. Que de forma lamentável vê na Terra apenas lucro, sujeitando-a também ao estupro,
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Que pesadelo, que visão medonha, não durmo com medo de ver queimar a Amazônia... Insônia.
INSÔNIA
“Temos que parar de desmatar, a Amazônia é o ar que faz a vida da terra respirar.”
[ Clayton Leite ]
Tive um pesadelo, o fogo consumia Amazônia. Os animais sem respirar morriam sufocados pelo ar pesado.
AMAZÔNIA – UM GRITO
Fumaça e brasa por todos os lados, espécies em extinção sumiam em meio ao caos e destruição.
[ Edson Almeida Coimbra ]
Árvores centenárias caíam queimadas, era tanta tristeza que chorava a mãe natureza.
Matas virgens tempos imemoriais Grande mãe de tudo quanto existe De onde vem esse amor que abrigais Que para além da dor ainda persiste?
A fumaça negra ofuscava a beleza milenar da floresta, onças pintadas corriam em chamas e desorientadas.
Terás saudade das tribos nativas Só a ti tanto respeito e adoração? Ó! mãe foram enfim vidas furtivas Pela fera da civilização
Os índios faziam a dança da chuva, suplicando aos céus o socorro da água em forma de ajuda.
Essa gente que a ti retornou Não para agradecer mas destruir A infância o teu colo aninhou Para a lei da evolução se cumprir
Quanto sofrimento, eu me derramava em lágrimas enquanto o fogo se espalhava com a força do vento.
Na pureza da tua verde verdade Onde agora há terra acinzentada Talhou-se o animal para liberdade Mas foi inútil a seiva derramada
Acordei suado, gritando assustado.
Hoje homem feito, pura ganância Esse animal te condena à brasa E o que sinto ao ver tanta arrogância É vergonha de pertencer a esta raça 125
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AMAZÔNIA AGONIZANTE [ AnaCarol Cruz ]
S.O.S. AMAZÔNIA [ Anita Santana ]
O gigante das matas aparece, o “homo sapiens” brutamonte viola o bioma tropical. A vida fenece. Antes, a sede pelo seringal. Agora, o agronegócio deixa a Amazônia em estado terminal. O pulmão do mundo arde em chamas. O pulmão dos viventes respira as cinzas e gazes poluentes. Entre os animais, buscam-se sobreviventes.
Dias quentes Esfumaçam cobiças Conjecturadas a portas Trancadas e de onde Violam e trapaceiam vidas. Vivemos nas mãos Dos engolidores da riqueza alheia Da perversidade vestida de lobo bom Enquanto seres são devastados!!!
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SG MAG #09
desde quando era jovem o bastante pra sonhar que a mata esperaria minha visita pra sempre Agora me põe em vigília Dá pra sentir daí? E quem nunca conheceu a Amazônia? Só viu em filme? Nunca se espantou com o tamanho das árvores se encantou com o cheiro da mata ouviu bichos, quis conhecer as aves escutou os rios, viu cortes de seringueiros em seus troncos Mas quem nunca tocou nos caules? Conversou com ribeirinhos Andou de barco pequenas distâncias viu pequenos ambulantes vendendo em suas janelas visitou as bibliotecas em palafitas? Quem nunca dormiu na rede do transporte fluvial ficou curioso com a escola e o hospital sobre as águas, itinerantes Não tinha direito de vivenciar um por um? Podemos também processar o governo por destruir um sonho? Em que artigo essa indignação se encaixa? Que especialista jurídico nos defende? Há uma semana as chamas os bichos o agronegócio esse desgoverno fazem a respiração doer E o sono se perder Dá pra sentir daí? Ouvimos os guarani nos meus estudos A aldeia do Jaguaré tomou a academia A natureza vai dar o troco, eles disseram Qual o tamanho, peso, intensidade da fúria da mãe natureza? Você já viu uma mulher nervosa? Já foi uma? Dá pra dormir aí? Me conta como Aqui, só dói quando respiro
DÁ PRA SENTIR AÍ? [ Francine Brandão ]
Você viu os animais mortos? Nem precisou estar entre as chamas Mas suas imagens queimando, gritando As fotos fugindo cego e órfãos num carrinho de construção Choveram aqui na cidade grande Junto com o dia que virou noite E a água que desceu cinza Dá pra sentir daí? No meu peito lateja É verdade que caí Que dor de angústia também é física E que movimento dolorido contraiu o músculo Mas não paro de pensar Como é que vou respirar? Se tivesse filho estaria mais triste? Só com minha gata já dá insónia Os dias anoitecidos parecem ser comuns em Roraima Estado de alerta já se decretou no Acre Dá pra sentir daí? O desrespeito ambiental é do tamanho da dimensão continental brasileira mas chegam notícias aos montes a internet encurta as distâncias o País pode responder por crime contra humanidade ruralistas, grileiros, madeireiros, latifundiários combinaram queimada pelo WhatsApp quem vai comer tanto gado bem nutrido com sobrepeso de ração de soja se não tivermos oxigênio, sombra, água limpa e chuva sem fuligem? Dá pra dormir aí? A insônia me assombra 127
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A AMAZÓNIA ESTÁ A ARDER...
O INCÊNDIO NA FLORESTA
[ Lucinda Maria ]
[ Luiz Roberto Judice ]
A Amazónia arde e não podemos Ficar indiferentes ou desprezar Aquela mancha verde morrendo Chamas devoram o que sabemos Ser o mundo do oxigénio e do ar Que respiramos... Caos horrendo!
Um fúlgido clarão abraça as ínvias furnas E a mata toda treme em frêmitos de espanto; Estorcega-se o eco uivando em cada canto Como um louco, acordando as áspides soturnas.
O pulmão do mundo é fustigado Por labaredas chispando o mal, Tudo levando à frente a sangrar... Milhares de fogos são o pecado De alguém diabólico e anormal, De pessoas que só sabem odiar...
Os pássaros em bando, ávidos fogem, enquanto Saltam camaleões de frestas taciturnas; De incendidos rubis as grutas são quais urnas E bátegas de fogo as ramas do amaranto. O incêndio! Ei-lo em furor num frémito de asas, Num dilúvio infernal, num vômito de brasas, Em macabro vibrar de horripilante festa!
O mundo assiste sem se doer... Não sabe, ignora a perigosidade Do que vai corroendo a natureza... Se a Amazónia continua a arder, Com ela sucumbirá na verdade A essência da vida e da beleza!
E, na noite tão clara, a serra apavorada Vê-se fraca e impotente aos beijos da queimada, E nos braços de fogo agoniza a floresta! 128
SG MAG #09
MENSAGEM DE UM CANGURU
O esperto do Macaco Aranha Não conseguiu escapar do fogo alto e cruel E abraçado com o Macaco Prego No alto do Jacarandá morreu.
[ Paulo Roberto Silva ]
Amigos de bem distante Compadecemos com vocês Tamanduá Bandeira, Gato do Mato e Papagaio do Peito Roxo Corram, fujam do fogo e não esqueçam o Chauà.
Eu fiquei sabendo Que tenho amigos sofrendo Do outro lado, bem longe de nós No outro continente. O Caititu me mandou mensagem Diz que o fogo arde e queima a floresta toda É um fogo infernal Que o Gato Maracajá não suportou a destruição e carbonizado ficou.
Cartas eu recebi Aqui na Austrália estou Longe demais de vocês Mas meu coração sangra só de pensar em vocês.
A Ararajuba voou bem alto Foi o que o Gavião Real escreveu Mas a fumaça era tanta Que a Ararajuba voou em vão.
Sou Canguru, sou bicho forte Mas quando se trata de fogo Até o Dingo nos ajuda Mostrando o caminho certo para fugir da morte incerta.
A Ariranha correu para as águas Levou toda sua família E sem medo ficou Vendo a Onça Parda nadar para se salvar.
Tristes estamos nós Nas matas também vivemos E se o homem não cuidar das matas Morte certa todos teremos.
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SG MAG #09
PINDORAMA
Em meio a outras promessas vãs De dias de glória e paz.
[ David de Carvalho ]
Pindorama, Pindorama! Terra das palmeiras, Das madeiras brasis, Ilhéus representativos originais, E no teu solo, tão logo chegados, Com teu símbolo natural ergueram cruzeiro, Em teu primórdio desmatamento e destruição.
Alma solitária em lamento A clamar gota d’água sobre a terra desnuda, É o corpo que se deixa levar longínquo Em busca de alento em outras paragens. Triste é a sina humana destas glebas, Antes desconhecida e isolada, Hoje solo rasgado, onde outrora era verde, e, No presente, apenas o cinza se vislumbra.
E tu, Nau que partiu de porto lisboeta, Distante já há quinhentos, Devias ter evitado o vento Leste, Em calmaria ter lançado âncoras, Pois, melhor para estas glebas continuar desconhecida Que ter no futuro o solo desnudo por ações e Discursos de afrontas mil.
Há muito por estes sítios O som da machada se faz ouvir, É o corpo do frondoso verde que cai sobre o chão, Com a seiva, o sumo que escorre, Qual sangue a manchar estas terras, Deixando os campos desnudos expostos ao sol.
Oh, Nau inclemente! Já bastavam a ti os sofrimentos, As lágrimas de desalentos que brotavam Dos tristes olhos das moçoilas do teu cais e Dos filhos da tua Pátria aos mares abandonados.
Devias Diogo, em bom tempo, em boa hora Ter acordado, ter reunido a tribo, Seguido a natureza da sua amada Paraguaçu, Mas, inocente, qual ela, também recebeste espelhos, 130
SG MAG #09
LAMÚRIAS ARDENTES
FOGO DA OMISSÃO
[ Eva Dantas ]
Os meus olhos queimando com o fogo da Amazônia Ardem de tristeza, Visualizando o céu negro E a floresta em chamas... Em meio ao caos Animais tentam sobrevivência. Mas, por onde? Para quem E por quem gritar? Os homens também desesperam. O fogo consome tudo Até o sono de estrangeiros Que respiram o ar E sabem que sem Amazônia O pulmão inteiro sofrerá.
[ Raquel Lopes ]
Silêncio a corroer a alma por dentro Fogo a arder o verde que há em mim Que há em nós Somos dele A parte que consome Já vai longe Do outro lado... Não há lágrimas para o rio seco e abandonado O fogo da omissão corre para destruir num único abraço por mais ambição, O meu verde mora na ilusão.
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SG MAG #09
LAMENTO AMAZÔNICO [ Tauã Lima Verdan Rangel ]
Diante dos olhos, está a floresta densa e inebriante De cores múltiplas, formas e aromas tão delirantes Um caleidoscópio de vida em desmedida explosão De tantas espécies descobertas, uma nova emoção Os rios serpertinos com seu mover belo e ligeiro Na margem, move-se o felino de passos faceiros Ao longe, o eco do canto inspirador e melodioso Tons tão variados, fitar do olhar tão assombroso Floresta de tradição e cultura tão intensa e singular Apresenta ao expectador a vida a se contemplar Riquezas que ultrapassam a humana mentalidade Consagra a vida em sua mais variada diversidade Hoje, arde sem fim pela chama intensa consumida Em uma queimada, jaz a floresta chorosa sem vida Fruto da ação humana em pura ganância odiosa Padecem os animais, há uma fumaça tenebrosa
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SG MAG #09
EM PROL DA VIDA [ Marco Antônio ]
O FOGO QUEIMA A POESIA...
Já passou da hora de acordar, Acordar para uma vida melhor. Tudo que a mãe natureza nos deu, estamos destruindo. Já passou da hora de repensar nossas atitudes... Nossa cultura de destruição. Preservar é preciso. Nossos rios, nossas florestas, nossos animais... Todos estão pedindo socorro. “Oh mãe natureza, perdoe, eles não sabem o que fazem”. Só o homem não se dá conta do tamanho da destruição. Basta olhar à nossa volta, Bilhões de astros e estrelas nos rodeiam, Parece que somos o último planeta que ainda vive. Vive agonizando a espera de ser devastado. Essa é uma responsabilidade de cada um de nós, Homens e mulheres de toda raça, credo ou cor. Preservar é preciso! Vai chegar um tempo que não haverá mais tempo. Tempo para recuperar o tempo, Tempo para recuperar a vida, Tempo para recuperar o amor. Oh mãe natureza perdoe...
[ Céu Coelho ]
O fogo come a floresta, Aquele manto denso, Extenso e verde arde, Transformando-se Em lençóis de brasa, Dizimando tudo por Onde passa... As árvores choram lágrimas De fogo amarelo e laranja Que iluminam a noite escura E fazem escurecer o dia, Cobrindo o sol com uma Cortina densa de fumo cinzento... As árvores caem no chão Sem vida, carbonizadas, O ar arde, a terra arde, E o vento atiça Mais e mais as chamas, Fazendo o fogo se alastrar Num sobe e desce sem parar... Escuto os gritos de dor Dos animais, das plantas E de gentes indígenas Os maiores guardiães Daquela infindável floresta Que dizem ser o pulmão do mundo, E vejo morrer a cada segundo (E o fogo queima a poesia...)
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SG MAG #09
CONSUMINDO-SE NO AR [ Maria Eloina Avila ]
Futuro virando fumaça... E Pulmão “vai para o saco”! Já Significa que nenhuma intenção Entregue nem para parecer Que realmente importe...
FOGO ACIMA DE TUDO [ Renato Alves ]
Drogas, de implicações econômicas, Ganância sugere em redes de Imagens... Impactantes para Desvirtuar Natureza, e por Ameaça, a raça humana!
Fogo acima de tudo, cinzas acima de todos. Escravos da própria soberba. Cegos, loucos e inconsequentes. Erguem-se os punhos destros certeiros. Pugilistas que socam a face do país.
Velho senso de “Integrar para Não entregar; se há fumaça tem Fogo...” Foi para o saco em Labaredas, sagrada soberania!?!
Fujam desta floresta, animais! Irracional (porco) é o homem que carrega consigo a bandeira do neoliberalismo. E maldito é o líder que queima os direitos de um povo sem teto, sem terra, sem aldeia e sem sonhos.
Biodiversidade e riquezas Desafiadas, por objecto De posse dessas tais Grandes potências! “Potência” não mais Regulador... Em clima global Fogo... É o motivo de fumaça E afetada saúde...
Queimem! Queimem todas as árvores deste solo saqueado! Não há grito de dor que se ouça a tal distância. Mas os gemidos desta terra moribunda ecoarão por todo o fim.
Crise, demarcada por Satélites, filtra a destruição Por grandes tópicos, de algumas Vergonhosas traições...!
Oh, árvore sagrada! Árvore que pensa, sente e chora. Perdoe a inconsequência dos boçais. Não se preocupe mais com a fotossíntese, nem poupe em vão o seu pranto. O oxigênio fará falta, mas de lágrimas estaremos bem servidos.
Matutando incêndios acidentais Ou intencionais? Do que Nulidades ou desonras: Grileiros, madeireiros, políticos e Pecuareiros por sentimentos, traço Fino... Entre verdades e mentiras!?! 134
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AMAZÔNIA [ Roselena de Fátima Nunes Fagundes ]
SEM TÍTULO É a majestosa Amazônia que está numa agonia de uma destruição doentia que acabará numa covardia!
[ Ronaldo Magalhães ]
Numa elipse de desvarios, Entre confrontos e ardis, Impera o despautério Grotesco e insano. O ar pesado e cinzento sufoca, Enquanto gritam lá fora, Agitados, Os pássaros no ocaso Diante do pulmão do mundo em chamas.
Amazônia dos povos todos, de vida muito diversificada, com diferentes mundos de natureza tão unificada! É a imponente Amazônia que está numa sofrência que causa grande angústia criada pela extrema ganância!
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AMAZÓNIA... [ Maria de Fátima Soares ]
Amazónia. Vergonha do mundo terra violada aos índios roubada, área esquartejada por gente sem escrúpulo. Amazónia. Que sejas a insónia da humanidade!
VERDE BRASILEIRO [ Janice Reis Morais ]
O grito dorido do recém-nascido que abre os olhos para um mundo, onde as chamas deflagram.
Brasil, seu lindo céu é azul de anil seu branco é da paz que seu povo corre atrás seu amarelo é do ouro que não é seu maior tesouro sua riqueza verdadeira é o verde da sua bandeira!
Amazónia. Tu que foste uma história de beleza tão rara... que dava gosto contar. Amazónia. Consciência mundial dos que é imperioso que lutem, para travar todo o mal.
ALDRAVIA
Amazónia. Sinfonia mais linda, que algum dia se ouviu... Entoada p’las aves e por todos os bichos, que esse chão acolheu. Casa de gente, que quer simplesmente manter o que é seu!
[ Anita Santana ]
Sob nuvens fumaça espalhada amazônia ceifada 136
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RESPIRAÇÃO [ Bhetty Brazil ]
morremos de descuido... morremos pela falta da saúde da educação da ação do conhecimento da falta da natureza no nosso meio morremos pelo carbono das queimadas. Pelas mãos de quem quer apenas ganhar
Me falta ar sobra indignação sopra pouco a pouco o ar da poluição mesmo sem saber que é mesmo sem saber quem são temos a certeza, é muita omissão antes dos animais, das plantas, dos rios dos indígenas e de nós morrermos morremos a cada instante a cada respiração de carbono. Não somos as árvores mas estamos morrendo morremos de medo
dinheiro mas eles, que estão nos matando, estão também morrendo, pois não se respira NÃO SE RESPIRA. NÃO SE RESPIRA DINHEIRO.
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Coisa que abala no peito... Lado esquerdo, abala o guardado Em sonhos; desencaixando Mistérios... A ganhar destino, pelos Destinos inspirativos...
DA “CAIXOLA” EM MÃOS
Revoltos deixam-se, pálidos em Poesias... Enquadrados em folhas, Brisas e luz, de encontro às almas Que seduzem! Libertas toda uma Utopia recebida de magia...
[ Maria Eloina Avila ]
Incêndios pecaminosos... Eclodiram em desespero, por Distritos, obras arquitetônicas Europeias e importância d’aqui!... Espalhando o horror ao mundo!
Que mesmo, sobre cinzas, serena Pela adversidade; em diversidade Que ostenta, sem abuso de Poder! Se exótica? Sempre por Uma questão de boa ótica...
Devorando em labaredas, toda Vil sinistralidade, a ancestralidade Humana e mãe Terra! Labaredas, Fumaça deixando carvão em Brasa os pulmões do mundo...
Desejo de que haja “Fenix” a lógica Literária, ligada à realidade coletada... A uma poética natural para o real! Atalho... Em entalhe valoroso, para Natureza, o ser e ao redor, humanidade! 138
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Como o gás carbono é produzido em grandes quantidades se tornou poluente, pois contribui para o agravamento do efeito-estufa. Nos meios de comunicações são comentados o aquecimento global, as suas consequências, por exemplo, o aumento da água no mar, regiões estão tornando-se semiáridas, tempestades... Muitos países estão mobilizando-se para tentar diminuir a poluição produzida pelo próprio homem. Todos os seres humanos precisam ajudar na proteção do meio ambiente. Devemos protestar contra os incêndios e desmatamento da Floresta Amazônica e preservar as áreas florestais no mundo inteiro. Poderíamos plantar árvores, manter a cidade limpa para evitar doenças como a dengue, o entupimento dos esgotos públicos. Colaborar com a limpeza pública, separar o lixo reciclado e diminuir a produção de lixo. Devemos proteger o meio ambiente, porque o homem não consegue tomar água poluída. O dinheiro não dará vida ao ecossistema que está sendo extinto nos rios e mares poluídos. Os protestos contra os incêndios e desmatamento na Floresta Amazônica não devem durar poucos dias. Porque este lugar maravilhoso é fundamental ao clima do nosso planeta. Precisamos preservar as florestas e a Natureza para as futuras gerações da Terra.
A FLORESTA AMAZÔNICA [ Tânia Tonelli ]
Os meios de comunicações e a população estão preocupados com os incêndios e desmatamento da FLORESTA AMAZÔNICA. Pois as queimadas desta floresta maravilhosa de 2019 estão semelhantes aos desmates ocorridos em 2002 e 2004. A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, além de possuir a maior diversidade de espécies no ecossistema. Infelizmente os incêndios estão destruindo e tirando a vida de seres inocentes da Natureza, por exemplo, inúmeras árvores e milhares de animais. Na Floresta Amazônica vivem pessoas simples e diversas tribos indígenas. O fogo além de destruir e deixar em aflição esses seres humanos está prejudicando as suas vidas. A ambição e ilegalidades em busca do ouro e outros metais valiosos estão poluindo e destruindo este lugar maravilhoso que a Natureza nos deu de presente. A poluição no planeta Terra está prejudicando todos os seres vivos. Com o desmatamento das florestas muitas espécies estão em extinção.
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CONTO
UM VOO PARA O INFINITO LIRA VARGAS Nascida em 1952, reside em Niterói, RJ, Brasil. Formada em Letras, publicou 16 livros. Tem diversas participações em Feiras de Livros, TVs e Rádios, em obras colectivas e em movimentos literários no Brasil e em Miami, EUA, e classificações em vários festivais de literatura. Participou nas antologias «Luz de Natal» e «Sinfonia de Amor» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/clira.lira.7
“Sheila e Francisco sorriam felizes para mais um final de tarde de voo livre. O céu azul com nuvens em blocos, parecia que Deus passara por ali, os pássaros em revoada bailavam como se uma orquestra invisível tocasse a mais linda canção dos anjos. Ela ficou pensativa, olhava a natureza viva ao seu redor, e pensou nas palavras de sua mãe que a alertava do perigo de voar de asas delta. Francisco percebeu o silêncio dela, e levemente segurou sua mão numa linguagem carinhosa que só ela conhecia, e o conforto daquela segurança a fez voltar para a alegria de poder voar livre como os pássaros.” POR LIRA VARGAS
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música suave fazia parte do cenário íngreme do Parque da Cidade1, começava a primavera e as flores já se destacavam nas matas, ipês amarelos, quaresmas e outras árvores convidavam os pássaros para compor a beleza daquele local. Raios do sol reluziam nas folhas, pareciam luzes da ribalta dourando as pedras, o motor do carro até era suave diante daquele cenário natural, obra de Deus. Sheila e Francisco sorriam felizes para mais um final de tarde de voo livre. O céu azul com nuvens em blocos, parecia que Deus passara por ali, os pássaros em revoada bailavam como se uma orquestra invisível tocasse a mais linda canção dos anjos. Ela ficou pensativa, olhava a natureza viva ao seu redor, e pensou nas palavras de sua mãe que a alertava do perigo de voar de asas delta. Francisco percebeu o silêncio dela, e levemente segurou
sua mão numa linguagem carinhosa que só ela conhecia, e o conforto daquela segurança a fez voltar para a alegria de poder voar livre como os pássaros. Chegaram ao local tão esperado, parecia
Nas asas delta de Sheila e Francisco tinha a figura da metade de um coração, símbolo do amor que os unia na terra e no céu, promessa de uma união eterna. Diziam que se um dia um deles morresse voando, uniriam os dois corações num só adeus, morreriam juntos.
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Uma pequena montanha em que começaram os primeiros saltos de Asa Delta em Niterói (Brasil). Recebeu o nome de Parque da Cidade por ter vista de várias praias entre os bairros Charitas e Itaipu e outras.
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que era a primeira vez, sorriam e cumprimentavam os outros pilotos de asas delta, saltaram do carro para montar os equipamentos, Francisco assoviava uma canção melancólica. Do outro lado alguém acompanhou a canção soprando uma gaita. Sheila parou para ouvir mais de perto aquela melodia, olhou para Francisco, sorriu e balançou a cabeça aprovando a trilha musical. Nas asas delta de Sheila e Francisco tinha a figura da metade de um coração, símbolo do amor que os unia na terra e no céu, promessa de uma união eterna. Diziam que se um dia um deles morresse voando, uniriam os dois corações num só adeus, morreriam juntos. Estava pronta para mais um salto, caminhou lentamente até à rampa de madeira, parou e o mar à sua frente se unia ao horizonte, o céu azul e o verde das árvores aos seus pés silenciaram aquela parada de admiração, Sheila sentia sempre a mesma emoção, era como se toda aquela paisagem abrisse os braços para ela, seus passos agora bateram firme na rampa, a madeira respondeu com um som de aplauso, de BOA VIAGEM... Ouviu o grito de alegria que Francisco dava, assim ele fazia sempre, era seu jeito de sentir a emoção de voar ao mesmo horizonte, voar como os pássaros que bailavam à sua volta, depois silenciava, parecia inebriado com a brisa que vinha acariciar seu corpo, mensageira da mulher amada que acima o olhava e sorria.
A tarde era de primavera, mas o sol brilhava como nas tardes de verão. A brisa era própria para manter aqueles pássaros apaixonados no ar. Mas as nuvens anunciaram um vento forte, aviso com atraso. As copas das árvores pareciam se abrir para amparar os viajantes do ar, os olhos de Sheila se encheram de medo, o grito não saiu da garganta, pensou em tantas vezes que ela e Francisco voaram juntos para o céu, quem sabe tentando unir ainda mais seus corações. Agarrou as cordas, olhava as areias da praia da Charita2 sendo espalhadas pelo vento se misturando às ondas, olhou o mar aberto aos seus pés e seguiu o horizonte, quem sabe assim aquele pesadelo terminaria. Que vento era aquele que nunca a fez tão frágil, os pássaros em revoada pareciam falar para ela voltar para a praia. Uma multidão se aglomerava, sinal de tragédia e dor. Sheila sabia que tinha que pousar, as cordas não obedeciam, porque seus olhos estavam inundados de lágrimas e pavor. Desceu triunfante, dominara o vento forte, passou pelas pessoas sem conseguir gritar, numa tentativa de chegar ainda mais perto de Francisco que a esperava num sono profundo à beira das ondas que vinham até seu corpo adormecido, quem sabe sonhando. Sheila se arrastou e deitou ao seu lado, deixou as ondas cobrirem seu corpo, se aconchegou per2
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Praia em Niterói, RJ, Brasil.
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to e murmurou seu nome, mas a voz não saiu. Francisco estava ali, mas seus olhos fechados. Pegou sua mão fria, e olhando para o céu viu que as nuvens formaram anjos, aguçou os ouvidos e ouviu uma melodia triste. Ouviu a gaita tocando uma melodia e outra vez chamou Francisco. Adormeceu também. Acordou no leito do hospital, na única cadeira estava sua mãe a olhando, não queria que ela falasse nada, e ela não falou, ficaram silenciosas, até que um abraço de amor as uniu, e ouviu sua voz baixinha em seu ouvido que estaria sempre ao seu lado. Sabia que ela tinha algo muito doloroso a dizer, mas pediu que não falasse naquele momento, que deixasse para depois ou para nunca. Mas sua mãe acariciou seu rosto, aconchegoua ainda mais em seu colo, e Sheila se lembrou de quantas vezes ela fez assim, e sentia seu corpo frágil seguro em seus braços, e muitas vezes dizia que nunca sairia de casa, que não saberia viver sem seu abraço. Foi numa sexta-feira quando saía da faculdade de medicina, cansada, mas alegre junto com outras amigas, era final do ano, e foi
para um local brindar o final do ano letivo. Seus olhos encontraram os de Francisco que pareciam inebriados, um sorriso selou aquela emoção tão desconhecida aos dois até aquele momento. Sheila sorriu mais, pois se assustara com as batidas de seu coração que acelerou ainda mais quando viu Francisco se levantar da cadeira e chegar perto dela e dizer que estava assustado com tanta emoção. Sorriram como se conhecessem há muito tempo, quem sabe nos mais esquecidos dos sonhos noturnos haviam de ter se encontrado alguma vez. E num domingo de verão, Francisco disse que faria um passeio inesquecível com ela. E chegou a hora da surpresa. Ele a levou para o Parque da Cidade, e Sheila perguntava o que ia acontecer, pois nunca tinha tido a oportunidade de ir naquele local. Francisco tinha ido antes e levou todo o equipamento de voo. Sheila aceitou o convite de voar com Francisco, e diante o céu, o mar e a terra, voaram junto com as gaivotas, e rompendo o silêncio Francisco declarou seu amor a Sheila que segurava seu corpo sentindo medo e amor. Foi as144
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sim que ela aprendeu a gostar de voar e aprendeu a voar com ele. Nesse momento, um médico entrou no quarto, Sheila não pôde evitar as lágrimas, e um choro silencioso a fez mais menina. Sabia que algo acontecera, mas não queria saber. A voz de seu colega parecia triste, tentou confortá-la, mas Sheila se encolheu na cama e pediu que acabasse com aquela dor. Francisco ficara paraplégico. Os dias foram difíceis; entre o final de estudo, trabalho e cuidados com Francisco, Sheila se dedicava com carinho e atenção. Ele permanecia na cama em silêncio, e quando se olhavam um abraço longo unia aqueles corações, e as lágrimas se misturavam em seus rostos, os soluços Sheila deixava para soltar quando corria para fora e via o céu se abrir sobre o jardim. O dia amanheceu e Sheila foi molhar as plantas, olhou para o lado e a asa delta estava na garagem, a do Francisco se perdera na praia, e a sua estava lá, só um lado de um coração vermelho. Sheila se aproximou e passou a mão levemente pelo símbolo do amor eterno, as recordações dos voos, dos beijos jogados no alto, das músicas que ele cantava para ela. Nesse momento ouviu Francisco chamar seu nome. Saiu das lembranças e foi atender. Ele pediu que o levasse para um voo livre. Sheila ficou parada sem entender, sem saber como faria um voo duplo, se nunca fizera antes, mas ele insistiu, ela
As copas das árvores pareciam mais verdes, e o céu mais azul, e ouviu Francisco dar o grito de
guerra, como das vezes em que ele saltava. E voaram para o silêncio do espaço. Sentia seu corpo inerte, agora mais leve. Ele apontou para o horizonte, as nuvens formaram um caminho entre o azul e o dourado do sol. Sheila sorria e desejou abraçar Francisco e seguir aquele caminho. De repente Francisco
pegou a faca de emergência. Sheila esperou o fim. Não tentou mudar o rumo do destino, um dia jurou que uniriam os dois corações num só adeus.
preparou o equipamento, ajudou Francisco a entrar no carro, e seguiram para o Parque da Cidade, onde tudo começara. A viagem foi silenciosa, algumas vezes ouvia o suspiro e via um sorriso abrir em seu rosto. De repente ele começou a cantar uma melodia que sempre ela acompanhava, sorriam como sempre foi. O sol parecia compartilhar daquela emoção. Sheila parou o carro no local, as pessoas que estavam lá a reconheceram, e de longe ficaram se perguntando o que acontecera. Sheila desceu, ajudou Francisco na cadeira de rodas e começou a prepa-
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rar o equipamento. Agora estavam silenciosos. Um piloto veio ajudar a colocar Francisco no colete. Alguém tocou uma melodia na gaita, os pássaros revoavam a espera de um grande espetáculo entre o céu e a terra. Sheila parou para olhar o horizonte. Sentiu saudade, mas deu um sorriso e deslizou na rampa lentamente por causa do peso que levava. Saltou para o vazio do espaço, guiada pela brisa quente daquele verão. As copas das árvores pareciam mais verdes, e o céu mais azul, e ouviu Francisco dar o grito de guerra, como das vezes em que ele saltava. E voaram para o silêncio do espaço. Sentia seu corpo inerte, agora mais leve. Ele apontou para o horizonte, as nuvens formaram um caminho entre o azul e o dourado do sol. Sheila sorria e desejou abraçar Francisco e seguir aquele caminho. De repente Francisco pegou a faca de emergência. Sheila esperou o fim. Não tentou mudar o
rumo do destino, um dia jurou que uniriam os dois corações num só adeus. A praia da Charita oferecia uma tarde inesquecível. As pessoas se banhavam naquelas ondas serenas de fundo de baía. Muitos verões aquelas areias amorteceram os pilotos de asas delta, e por muitos verões o coração partido de uma asa delta ficaria na memória das pessoas. Sheila se lembrou de sua mãe e sorriu como uma filha parte na estação para uma longa viagem. Em suas lembranças os voos alegres que a fizeram feliz, o canto de um sabiá a fez retornar à realidade e percebeu que o peso aumentara, e que estava ali, descendo na praia do último voo. Francisco morreu do coração em pleno ar, voou para o infinito. Sheila voltou para sua cidade. Dedicando sua vida à medicina. Mas quando quer sorrir, vai à praia e decola para o voo infinito das recordações.
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ERICK BERNARDES Formado em Letras, com Especialização e Mestrado em Estudos Literários pela Faculdade de Formação de Professores da UERJ, Erick Bernardes preocupa-se em recuperar a História dos bairros do município de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro, por meio da ficção. Criado no Engenho Pequeno, reside actualmente no Lindo Parque. Publicou dois livros: «Panapaná: Contos Sombrios» (Autografia, 2018) e «Cambada: Crônicas de Papa-Goiabas» (Apologia Brasil, 2019). É prefaciador de livros, crítico e consultor literário, publica frequentemente folhetos de cordel sobre o município de São Gonçalo, colabora com o Jornal Diário da Poesia e é cronista e editor do “Painel Cultural” do Jornal Daki.
TODA CONVERSA SENTIMENTAL É CRÔNICA
N
ada atormenta mais o meu espírito do que uma das poucas certezas que tenho. Amar não é o suficiente. Por que será que toda vez que ouço a palavra amor penso no fogo e não na ternura? O artista romântico canta sobre a nudez da mulher amada, da sua vontade de tê-la na cama, beijá-la, sentir seu corpo. Mas sempre é a volúpia que o move, que o instiga. Ele nomeia a isso amor, porém, certamente não é. Quando o cantor canta (perdoe-me a redundância), imaginase que ele ama, tem ternura. Entretanto, bem da verdade, é que o que a musa da sua canção lhe dá é o entorpecimento, sexo, paixão. E, às vezes, insufla bom humor pra começar o dia num trânsito infernal. O poeta apaixonado (e não o amante-amante) quer carne, gozo, pecado, para poder traduzir em palavras a métrica dos sentimentos fingidos com os quais a sua poesia encantará a outros amantes que também querem sexo, gozo, pecado mas insistem em falar de amores utópicos. 150
SG MAG #09 A paixão, essa sim, é desprendida, gasta-
se com o desejo à vontade. Não tem futuro; Talvez eu esteja errado – estúpido conselheiro de mim mesmo – mas, se o amor é eterno, não pertence a esse planeta, não é da espécie humana. Porque tudo que é vivo nasce e morre. Aqui tudo que começa finda. Há quem pense no amor futuro. Esse sentimento alegorizado, se for tão nobre (caso exista), não deve ser pensado a tão longo prazo, pois não creio em contas de poupanças que, em vez de moeda, conservem o sentimento para aquele que sonha um dia fazer uso do que sempre pretendeu poupar. A paixão, essa sim, é desprendida, gastase com o desejo à vontade. Não tem futuro; não dá futuro. Brota do nada e para o nada fica. Ela é desperdiçada com gosto, não poupa quem se apaixona. Ai de quem queira calcular a chama do desejo! É imensurável, sente-se
não dá futuro. Brota do nada e para o nada fica. Ela é desperdiçada com gosto, não poupa quem se apaixona. Ai de quem queira calcular a chama do desejo! É imensurável, sente-se em desmedida. Tal como fogo líquido, a paixão entorna deliciosamente, saindo pelas bordas, esperando o sedento lábio de quem vai
bebê-la. Dá prazer, embebeda, mas não mata a sede, porque é feita de chama ardente. Quem com ela se embriaga quer beber ainda mais.
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SG MAG #09
em desmedida. Tal como fogo líquido, a paixão entorna deliciosamente, saindo pelas bordas, esperando o sedento lábio de quem vai bebê-la. Dá prazer, embebeda, mas não mata a sede, porque é feita de chama ardente. Quem com ela se embriaga quer beber ainda mais. O homem que crê amar tem suas limitações; a paixão não. Ela flui, escorre, derrama e esvai, quando menos se espera. O amor é diferente. Se ele existe, é sólido, frio, quadrado, conformado. Inerte. Contudo, deve-se tirar o chapéu num certo ponto para quem ama; ainda que eu não o reconheça, amar faz bem porque consola quem saiu ferido dos excessos apaixonados. No lugar
onde dói, põe o ex-amante o sentimento inerte envolvido em toalha e encosta na ferida aberta pela paixão. Sente-se atenuado com a frieza que pensa estar segurando. No entanto, ao abrir o pequeno pano usado para envolver o utópico e quadrado gelado amoroso, depara-se apenas com um trapo molhado daquele bloquinho efêmero que derreteu ao menor contato com a lembrança do fogo apaixonado. Porém, tem algo ali sim, e que molha toda a toalhinha, mas nada parecido àquilo que se imaginava ser amor. O que fica no pano é choro das saudades de um coração apaixonado que pensa estar amando.
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SARA TIMÓTEO Nasceu em Torres Vedras, viveu em Lisboa e em Haia e reside na Póvoa de Santa Iria. Em Portugal, publicou os seguintes livros: «Deixai-me Cantar a Floresta» (2011), «Chama Fria ou Lucidez» (2011), «Refúgio Misterioso» (2012), «Os Passos de Sólon» (2014), «Elixir Vitae» (2014), «Os Quatro Ventos da Alma» (2014), «O Telejornal» (2015), «O Corolário das Palavras» (2016), «Refracções Zero» (2016), «Compassos» (2017), «Diário Alimentar» (2017) e «Manual dos Ofícios» (2018). Editou três livros nos EUA pela Spero Publishing / Caliburn Press. Participa com regularidade em múltiplos projectos colectivos e cooperativos de publicação e em publicações online em Portugal e no Brasil. Exerce actividade ocasional como ghost writer para blogues sediados em Portugal e nos EUA. Perfis no Facebook: www.facebook.com/wind.sidh www.facebook.com/sara.timoteo.5
A MIMESE Tomar de empréstimo as sílabas que a outrem pertencem e dispô-las por uma ordem distinta; atribuir um título diferente a obras já publicadas e parafraseá-las; recorrer à obra de um determinado autor para fundamentar uma obra que se pretende própria – vários são os exemplos de uma prática que, entre nós, detém o incómodo título de «plágio», embora este termo não se encontre contemplado em termos jurídicos no que se refere à defesa dos direitos de autor.
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A
sinceridade, que sempre impõe, como alguém disse, corajoso e humilde desnudamento do artista, não abunda por aí. O escritor português mostra-se nesta hora refractário à elementar generosidade de ser ele confessa e desataviadamente, ou de expor o peito às balas no momento da demiurgia literária (Soveral, 1960, p. 10). Tomar de empréstimo as sílabas que a outrem pertencem e dispô-las por uma ordem distinta; atribuir um título diferente a obras já publicadas e parafraseá-las; recorrer à obra de um determinado autor para fundamentar uma obra que se pretende própria – vários são os exemplos de uma prática que, entre nós, detém o incómodo título de «plágio», embora este termo não se encontre contemplado em termos jurídicos no que se refere à defesa dos direitos de autor.
Recebi em minha casa um livro poemário que em tudo espelhava um dos meus livros. As palavras não eram iguais, mas sinónimas; a ordem dos poemas sugeria um caminho em tudo similar ao que
eu desbravara em Elixir Vitæ e que tanto me onerara. Inspiração? Não me senti inundada pela gratidão ao deparar-me com esta nova obra desde logo tão aclamada pelos críticos de pacotilha, e sabia que nada podia fazer, pois quem levara a cabo este expediente mostrara-se por demais astuto. Infelizmente, é destes chico-espertos que se nutre o nosso meio cultural.
Na minha perspectiva, o autor poderá escusarse a sérios desaires se mantiver sobre a sua obra um olhar crítico. Saber qual a mensagem que se pretende transmitir é tão importante quanto conhecer os recursos de que se fará uso para a transmitir. A arte é partilha, e tal só poderá concretizar-se mediante o conhecimento da obra dos outros autores. Tal consciência e integração permitirá evitar embates de ideias nascidas em similitude, permitindo ao autor, ao invés, tomar a seu cargo o trabalho posterior sobre uma ideia apenas esboçada por outro autor, que será então livre de desenvolver. A capacidade para destrinçar se a obra produzida pelo autor trará algo de verdadeiramente necessário, novo e útil pode constituir-se 155
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como uma maneira de decidir se a obra está amadurecida o suficiente para ser partilhada ou se, pelo contrário, valerá a pena aperfeiçoá-la. Há algum tempo, recebi em minha casa um livro poemário que em tudo espelhava um dos meus livros. As palavras não eram iguais, mas sinónimas; a ordem dos poemas sugeria um caminho em tudo similar ao que eu desbravara em Elixir Vitæ e que tanto me onerara. Inspiração? Não me senti inundada pela gratidão ao deparar-me com esta nova obra desde logo tão aclamada pelos críticos de pacotilha, e sabia que nada podia fazer, pois quem levara a cabo este expediente mostrara-se por demais astuto. Infelizmente, é destes chico-espertos que se nutre o nosso meio cultural. Os demagogos sempre venceram e vencerão, na aparência, o artesão que persiste em burilar a obra até onde lhe é possível aperfeiçoá-
la. No entanto, acredito que o Tempo trará a cada um o seu lugar. Pois se a obra original inova, desafia e agride, a obra mimética desfia acções mofentas, vive no e pelo medo e circula entre os amigos e conhecidos que já se sabe que a vão apoiar de antemão. Creio que a obra relevante escapa ao domínio da mimese, pois tal qualidade implica uma genuinidade que, por definição, escapa aos homens de imitação.
Bibliografia Soveral, Carlos Eduardo (1960) – “Carta-prefácio” in Miranda, J. Belleza (1960) – Diário e cartas de uma mulher. 2ª ed. revista e aumentada. Lisboa: Neogravura, pp. 9-12.
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SARA TIMÓTEO Nasceu em Torres Vedras, viveu em Lisboa e em Haia e reside na Póvoa de Santa Iria. Em Portugal, publicou os seguintes livros: «Deixai-me Cantar a Floresta» (2011), «Chama Fria ou Lucidez» (2011), «Refúgio Misterioso» (2012), «Os Passos de Sólon» (2014), «Elixir Vitae» (2014), «Os Quatro Ventos da Alma» (2014), «O Telejornal» (2015), «O Corolário das Palavras» (2016), «Refracções Zero» (2016), «Compassos» (2017), «Diário Alimentar» (2017) e «Manual dos Ofícios» (2018). Editou três livros nos EUA pela Spero Publishing / Caliburn Press. Participa com regularidade em múltiplos projectos colectivos e cooperativos de publicação e em publicações online em Portugal e no Brasil. Exerce actividade ocasional como ghost writer para blogues sediados em Portugal e nos EUA.
A QUE CASA SE REFERE A OBRA POÉTICA DE FERNANDO CHAGAS DUARTE?
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A casa é, pois, o sítio de emergência de um eixo axiológico cujas partes se entrelaçam, à semelhança do que sucede com os rizomas, para se metamorfosear num território, jamais definitivo, a partir do qual é possível abrir caminho à consciência quer do sujeito poético, quer do leitor.
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Baseado na apresentação que teve lugar em Vilarelhos no dia 7 de Julho de 2019 (PAN 2019)
Casa, ao longo da obra de Fernando Chagas Duarte, dificilmente surge enquanto sinónimo de refúgio, lar ou lugar. Aliás, a casa não é retratada; antes descrita, como acção em devir e não local assente sobre as memórias de alguém (os avós, no poema central da obra «A casa dos avós», 2018b, p. 73). A casa é, pois, o sítio de emergência de um eixo axiológico cujas partes se entrelaçam, à semelhança do que sucede com os rizomas, para se metamorfosear num território, jamais definitivo, a partir do qual é possível abrir caminho à consciência quer do sujeito poético, quer do leitor. Aliás, em A hora das coisas, «a lucidez é das coisas pequenas / que habitam as substâncias todas / da verdade» (Duarte, 2017, p. 19). Ainda nesta obra, FCD reconhece que «nunca se vai, nunca se parte» (Duarte, 2017, p. 60), pois que «ao pisar a terra crua / cheguei a casa» (Duarte, 2018b, p. 41). A casa é, aqui, a circunstância sob a qual se pronuncia a súplica «leva-me contigo» (Duarte, 2014) própria de uma ideia de resgate associada ao amor; por esse motivo, «o corpo é um lugar» (Duarte, 2018a, p. 27) mesmo perante o desencontro das palavras, por via do qual «nasceu uma desinteligência do dizer / e era a irreversível linha recta das horas;» (Duarte, 2018, p. 7). O sujeito poético, tal como o cão que vadia durante a noite, «conhece todos os becos / e sombras atrevidas / onde esconder avidamente / os suspiros tardios.» (Duarte, 2018b, p. 76) e, talvez devido a esse deambular pelo território de antemão conhecido, vê-se perante «o Éden de vidro // sob as estrelas retorcidas» (Duarte, 2018b, p. 80). Uma casa é, também, um crepúsculo de expectativas, emoções e sensações «dos enredos, enredo-me como um safio infeliz / entre a cortina e vidraça cerrada, a janela tão velha / co-
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A árvore é uma biblioteca alexandrina de folhas vivas», desafia-nos o projecto poético de Fernando Chagas Duarte (2018a, p. 58); tal empreendimento ético e estético distingue-se por uma voz precisa centrada em marcos (não em temas) constituintes de um percurso que se pretende desbravado por cada leitor e que compõe um espaço-tempo subjacentes à própria construção que o mesmo empreenderá em relação a cada um destes conceitos.
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mo artelhos a gemer – / à socapa entram moscas na sopa parada sobre a mesa // vieram ver-se ao espelho da própria casa / onde está ancorado um homem súbito e uma / casa desgostosa / com janelas reumáticas e paredes brancas-outono» (Duarte, 2018, p. 93). Perante a irreversibilidade dos momentos protagonizados por outrem, o sujeito poético convida-nos a acompanhá-lo na busca para delinear uma visão além da definida pela genealogia (que poderá, outrossim, definir-se enquanto tradição): «se o tempo nasce, e não morre / sem ao menos pertencer a uma multidão / definitivamente não sou filho do tempo / porquanto hoje não nasci / e sou a circunstância humana do viver» (Duarte, 2018b, p. 8). Desta forma, chegar a casa será uma busca,
a encetar em conjunto pelo eu lírico e pelo esteta-leitor: «o que quero escrever / não está aqui, decerto noutro local / que ignoro. É essa aldeia que procuro / até ao esquecimento azul e virgem / do mundo.» (Duarte, 2018, p. 95). Assim tenhamos nós a coragem de empreender o nosso caminho sobre o território (in)explorado da contumácia e da (clari)vidência em face da nossa condição de efemeridade. Referências bibliográficas Duarte, Fernando Chagas (2014) – ... Quase cem poemas de amor e outros fragmentos. Lisboa: Chiado Editora. Duarte, Fernando Chagas (2017) – A hora das coisas. Lisboa: Grupo Múltiplas Histórias. Duarte, Fernando Chagas (2018a) – As palavras que faltam. Lisboa: Grupo Múltiplas Histórias. Duarte, Fernando Chagas (2018b) – Oblíquos. [S.l.]: Eu Edito.
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LUÍS RÔXO Nasceu em Coimbra, Portugal, e desde muito cedo revelou ter um talento para a escrita, pintura e música. Considera que a arte é a sua forma de estar e respirar, evocando que todos somos pequenas partículas com alma, que pertence ao corpo do Criador, por isso busca a trilogia da alma e da criação, através da palavra que nasceu antes do Universo, da paisagem pictórica e do som, notas uma a uma que compõem a sinfonia da vida. Aqui ficam fragmentos por onde Luís Rôxo pisa suavemente em silêncio o espaço, o tempo e o interminável infinito do universo e da alma. É autor do livro «O Silêncio dos Pássaros» (2019) e co-autor de uma antologia Sui Generis: «Sol de Inverno». Actualmente, vive e trabalha na cidade de Porto Alegre, Brasil. Página do Autor: https://www.luisroxo-escritor.com Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/luis.roxo.5
ADÁGIO DO MAR É Junho esculpido de maresia no teu corpo e todos os silêncios vão dar a ti. É Junho esculpido de tulipas rubi e todos os ecos da tua voz vão dar a mim. É Junho; brevemente levemente Junho, esculpido de mármore rosa nas mãos, desfeito em estilhaços no peito, e dispo-me no meio da força do mar, no meio de tanta incerteza que a vida tem, no meio de tanta sílaba que a vida contém. Faltam-me dias no corpo cheio de palavras esculpidas, faltame o Junho por se cumprir, falta-me o Junho para continuar a existir. Na praia naufragada em mim, é Junho esculpido de tulipas rubi a florir no teu corpo, e todos os caminhos vão dar a ti, e todos os meus infinitos vão dar ao mar. E num gesto de mãos de asas em pleno voo que se cruzam falo-te; falo-te da fonologia dos búzios, da metamorfose das borboletas, da sombra dos barcos adormecidos na areia fazendo sombra às gaivotas, das lágrimas que escondem os filhos fugidos da guerra, dos abismos, da atrocidade humana.
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E eu ainda? E eu, somente eu ainda e o mar, e porque sou dia ainda, e porque sou grito ainda, e porque sou sonho ainda, e porque sou palavra chama ainda, e porque sou fio de luz ainda. E eu ainda? E eu leio alucinadamente um livro que me deixaste, “Las profecias del mar”. Las profecias del mar. Havia um anjo caído com asas negras que sugava as palavras dos homens desnudos. Havia os homens desnudos que caminhavam cegos nas sombras da Terra. Havia rituais de cânticos em volta de fogueiras nas praças, que queimavam a alma dos homens. Mas por volta do ano de dois mil trezentos e sessenta e nove (2369) nascerá no ventre do mar nórdico um filho do Reino que acordará a Terra com um relâmpago e semeará flores nos desertos do homem, apenas flores. É Junho; brevemente levemente Junho, o meu único ópio são as palavras. É Junho esculpido de maresia no teu corpo e todos os silêncios vão dar a ti. É Junho, princípio de Junho esculpido nas ondas del mar. in livro “Adágio das Flores”. Se quiser um exemplar autografado contacte-me. Este texto foi escrito a ouvir “El Adagio Del Mar” – Stamatis Spanoudakis
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CONTO
O ENCONTRO INESPERADO NATÁLIA VALE Nasceu em Vila Robert Williams, Caála, Angola, em 1949. É licenciada em História, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tem vários trabalhos premiados, quer nacional, quer internacionalmente. Tem trabalhos publicados em diversas antologias, nacionais e internacionais. Em 2009 editou os seus primeiros (dois) livros pela editora Mosaico de Palavras: «Emoções Inacabadas» (poesia) e «A Minha Tempestade e Outros Contos» (contos). Participou em três antologias da Colecção Sui Generis: «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões» e «A Primavera dos Sorrisos». Perfil no Facebook: www.facebook.com/natalia.vale.39
“Tal como quando o sol surge após uma enorme tempestade, rasgando os céus, a saudade de tatear aquele papel levou-me ali, despertando a minha eterna paixão: os livros. Uma paixão, dinâmica e veloz, que brota no meu peito, delirando com os caracteres, por vezes imperfeitos, de tantas grafias por ali espalhadas. Destemido, enfrentei essa louca paixão. Abri a carteira, disfarçadamente, para ver se ainda me restava algo com que pudesse saciar essa minha fome de leitura. Entoei, intimamente, sorrindo, uma canção de vitória.”
POR NATÁLIA VALE
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SG MAG #09
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Percorri os corredores, devagar, na esperança de que algum título sobressaísse e se enraizasse em mim. Distraído, embati em alguém, que procurava o mesmo que eu. – Desculpe – disse, embaraçado com a situação. – Não tem de quê.
cheiro do papel atraiu-me. Não resisti à tentação e entrei na livraria, ex-libris da cidade. Tal como quando o sol surge após uma enorme tempestade, rasgando os céus, a saudade de tatear aquele papel levou-me ali, despertando a minha eterna paixão: os livros. Uma paixão, dinâmica e veloz, que brota no meu peito, delirando com os caracteres, por vezes imperfeitos, de tantas grafias por ali espalhadas. Destemido, enfrentei essa louca paixão. Abri a carteira, disfarçadamente, para ver se ainda me restava algo com que pudesse saciar essa minha fome de leitura. Entoei, intimamente, sorrindo, uma canção de vitória. Fui correndo as estantes. Livros e mais livros; tantos, que nem sabia por onde começar. 168
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Ter-me-ia sentido melhor se aquela distância, aquela
Aquela voz, macia e suave, trouxe-me à memória estranhas lembranças, lembranças que não deram alento às minhas humildes, mas valiosas pretensões. Gaguejei: – Susa...a...a...ana! Por aqui? – A eterna atração fatal. A mesma que, em tempos, nos proporcionou deliciosos momentos e tudo o mais que, posteriormente, fez brotar outros sentimentos. Fica bem, Jorge. Desculpa, mas estou com pressa. Estupidamente deixei que partisse, uma vez mais. Ter-me-ia sentido melhor se aquela distância, aquela realidade que me afligiu naquele momento, aquele multiplicar de torpes amarguras não se tornassem num turbilhão na minha mente e numa dilacerante agonia que me conduziu às eternas saudades que dela sentia. – Controla-te, Jorge – disse para mim próprio.
realidade que me afligiu naquele momento, aquele multiplicar de torpes amarguras não se tornassem num turbilhão na minha mente e numa dilacerante agonia que me conduziu às eternas saudades que
dela sentia.
Olho de novo para o meu ponto de busca. E estava ali. Mesmo à frente dos meus olhos. «Só nós dois», de Nicholas Spark. Cheirei-o. O mesmo perfume dela. Respirei fundo e saí com o livro debaixo do braço.
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LIRA VARGAS Nascida em 1952, reside em Niterói, RJ, Brasil. Formada em Letras, publicou 16 livros. Tem diversas participações em Feiras de Livros, TVs e Rádios, em obras colectivas e em movimentos literários no Brasil e em Miami, EUA, e classificações em vários festivais de literatura. Participou nas antologias «Luz de Natal» e «Sinfonia de Amor» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/clira.lira.7
EVARISTO Saudade de você. Muitas vezes senti vontade de dizer ao mundo o tamanho de meu amor. Lembro de uma tarde, acho que era primavera, mas chovia muito. Da vidraça da janela, eu tentava decifrar as figuras que se formavam pelos pingos de chuva que embaçavam o vidro. Abri a janela e aspirei a brisa fresca perfumada de flores. O caminho estava deserto, as flores do flamboyant cobriam a varanda, eu tinha 13 anos, ainda na inocência da juventude que chegava devagarzinho em minha vida, e teimava em brincar de boneca, uma boneca que já estava gasta pelo tempo. Você chegou no carro de seus pais de chapéu Panamá, cabelos pretos e uma pele branca quase rosa. Os empregados da fazenda ajudavam a tirar as malas, que jovem lindo! Pensei. E entre a vidraça e a chuva meu coração disparou de emoção diante de sua figura em pé abraçando sua mãe e olhando para mim. Saltei da janela, sorri sem entender que naquele momento o amor visitou meu coração, e minha alma pulava de alegria. E nosso namoro aconteceu às escondidas, meus pais eram empregados da fazenda. Foi um amor tão imenso que muitas noites eu ficava contando as estrelas no céu, para que o dia chegasse, e de mãos dadas subíamos o Monte dos Trovões para nos abraçar, e entre beijos e juras selar nosso amor. Evaristo foi à outra primavera, você partiu para a Europa, seus pais não permitiam nosso namoro. Lembro que você disse: «Ano que vem, me espere no Monte dos Trovões, estarei de volta!» Quantas tempestades passaram no Monte dos Trovões, os relâmpagos iluminavam o horizonte e eu tentava imaginar aonde seria a Europa, que país o acolhera. Muitos outonos e primaveras viram mudar o cenário da fazenda. Esperei você todos os verões. O riacho ainda corria límpido e apressado, tudo era igual, mas você não voltou. Anos depois fui estudar na capital. Soube que você morreu num acidente de avião na França. Casei, tenho netos e bisnetos, mas ainda lembro do Monte dos Trovões que guardou nossas juras de amor.
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SG MAG #09
ROSA MARQUES Nasceu na Madeira, onde viveu até aos dezoito anos. Após casar, mudou-se para Porto Santo, onde reside e trabalha como administrativa até à data. Preocupa-a a situação precária em que o mundo se encontra, a condição humana (principalmente as crianças) e todos os que vivem em condições desumanas, nos países subdesenvolvidos e nos países em guerra. Gosta de ler e de tudo o que está ligado à literatura e à arte. Participou em diversas obras colectivas, em Portugal e no Brasil, e publicou dois livros de poesia com o selo Sui Generis: «Mar em Mim» (reeditado em 2018) e «Prisioneiros do Progresso». Página da Autora: Facebook: Rosa Marques
QUANTA SAUDADE DA PEQUENA CASCATA...
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omo de costume, Luana atravessou o corredor do prédio e ignorando o elevador correu escada abaixo com a mochila às costas. Quatro lances de escada que ela gostava de descer na ida para a escola e subir no regresso. Depressa chegou ao rés-do-chão e soube que nessa manhã o elevador estava com uma avaria. Dona Zilda, a vizinha do quarto andar, tinha ido às compras e acabara de entrar nesse momento. Junto ao ascensor carregava no botão com insistência, mas sem sucesso, pois este não funcionava. Teria de subir pela escada e Luana prontificou-se logo a ajudá-la... pegando na sacola com as compras que Dona Zilda havia pousado no chão. A custo, as duas iniciaram a subida... Luana porque a sacola pesava de mais para os seus sete anos, Dona Zilda porque estava quase a completar setenta e quatro, e as suas pernas já não a ajudavam. Agarrada ao corrimão, transpunha vagarosamente degrau a degrau e contava a Luana o quanto também correra e brincara quando era menina, assim como ela. E entusiasmada falava da beleza do campo, das árvores e das flores, da casinha dos 174
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pais onde passara a infância... e da pequena cascata que havia perto. Existiria ainda? Ah! Quanta saudade... Quando chegaram à porta da casa de Dona Zilda, Luana despediu-se dela e de novo correu escada abaixo e durante quase todo o caminho para não chegar atrasada às aulas. Chegou à escola cansada, no entanto feliz por ter ajudado Dona Zilda, senhora de idade e que vivia sozinha, no mesmo andar que ela. No sábado seguinte, após o almoço, Luana tocou a campainha da porta de Dona Zilda; segurava nas mãos uma folha de papel onde desenhara uma casinha rodeada de flores e árvores sob o céu azul e um belo Sol pintado de amarelo. Mais além dos montes... descia uma pequena cascata, que se espraiava nas pedrinhas... depois seguia alegre por entre o verde... enquanto uma menininha com duas tranças louras a contemplava.
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SANDRA BOVETO Nascida em 1969, reside na cidade de Maringá, PR, Brasil. Possui graduações académicas em Letras e Direito. É autora do livro «O Mundo Exclamante», uma obra infanto-juvenil publicada em Agosto de 2016, tem participações (poemas e contos) em várias obras colectivas, no Brasil e em Portugal, e trabalhos publicados na plataforma Wattpad. Participou nas antologias «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Sexta-Feira 13», «Fúria de Viver», «Tempo de Magia» e «Os Vigaristas» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/bovetosandra
A HISTÓRIA DO ESCRITOR QUE NÃO FOI No início, eram dezenas de romances colados nas minhas retinas. Entediados, eles se desprenderam e partiram-se em centenas de contos, que se abisonharam aqui mesmo por dentro, em cantos sem ritmos e recantos sem ângulos. Ao longo do tempo, deles brotaram milhares de poemas espremidos em capilares inexpressivos. Cansados de remar sem rumo, perderam-se em aldravias de meia vida, em vias tão agitadas quanto desertas. A morte era certa. Microcontadas por dentritos e axônios tímidos, que não se apalpavam diante das sinapses mais atraentes, as palavras desistiram. Ao final, sem Kire e sem Kigo, haicaíram das dezessete janelas de todas as minhas estações perdidas. Assim, fez-se morta minha letra. – The end – 177
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POESIA
LUCINDA MARIA LUCINDA MARIA Lucinda Maria Cardoso de Brito nasceu em Oliveira do Hospital, em 1952. Fez um percurso académico muito bom e tirou o curso do Magistério Primário, começando a leccionar em 1972. Encontra-se aposentada, mas continua a ensinar, agora artes decorativas, na Universidade Sénior de Rotary de Oliveira do Hospital. Tem seis livros publicados – «Palavras Sentidas» (2013), «Alma» (2014), «Divagando...» (2015), «Terra do Meu Coração» (2016), «Sonho?... Logo, Existo!» (Sui Generis, 2017) e «Um Ano... 365 Poemas» (2018) – e participações em variadíssimas obras colectivas. Da Colecção Sui Generis, participou em «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Tempo de Magia», «Luz de Natal», «Sinfonia de Amor», «Sol de Inverno» e «Brisas de Outono». Como autora, gosta de identificar-se apenas por Lucinda Maria e não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990. Perfil no Facebook: facebook.com/lucindamaria.brito
SÓ QUERO SER FELIZ!... Não esmolo nada, nem quero nada... Foi pena ter-me deixado enfeitiçar, pois já não sabia o que era amar e sentir amor foi como a alvorada! Agora, penso que, afinal, nada perdi... Tudo foi mentira... uma pobre ilusão... Deixei falar mais alto o meu coração, quando, afinal, eu fui nada para ti! Sofri, mas já não sofro mais agora... Toda a emoção partiu, foi embora e outro amor comanda minha vida! Não temas! Eu fiz um pacto comigo... Compreendo que nem és meu amigo Agora, só quero a felicidade devida!
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POESIA
JORGE PINCORUJA JORGE PINCORUJA Residente em Londres, escreve sempre em Português. Embora a sua escrita seja maioritariamente em verso ou prosa poética, de vez em quando escreve contos. Nascido na Beira Alta, tem por meta escrever de forma original e muito sua. Umas vezes melódica, outras vezes ríspida, mas sempre com verdade. Já com algumas obras editadas, pretende deixar um cunho próprio na escrita que se faz actualmente. Participou nas antologias «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Devassos no Paraíso» e «Sinfonia de Amor» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/jorge.pincoruja
ATUALIDADES Hoje e invariavelmente nas notícias dos jornais Escorrem em letras gordas mais alguns pecados mortais. Morreram à fome cem mil crianças... E com elas invariavelmente cem mil esperanças. A guerra foi outra vez declarada... E a gente que tem poder, com poder não quer fazer nada. Anda o ar cheio de enxofre, coisas sujas e muita amónia... Entretanto o louco autoriza a destruição da Amazónia. Depois e nas letras miudinhas quase irreais... Lá contam à boca pequena outras coisas mais banais. Vem no jornal a notícia das ovelhas... Que continuam a votar no pastor que lhes arregaça as orelhas. Depois entre uma publicação e um evento O serviço meteorológico só dá chuva, granizo e vento E se por acaso se desfolhar o New York Times Por lá se vê que andam à solta cem cães sem açaimes. No Irão as coisas já fervilham... E na Coreia do Norte, imagine-se... as urtigas floriram. E num voltar de página de forma mais aguda Chegamos ao Hemisfério Sul, onde não há ninguém que lhe acuda. A Venezuela anda pela rua da amargura
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E o Maduro faz geleia da ditadura. Ali ao lado, quase a paredes meias... O Brasil é dos americanos, e os brasileiros não veem nada com tantas teias. Na Grécia o voto foi pela maioria E o Brexit deixou de ferver... está agora em banho maria. Vai-se elegendo o primeiro-ministro, cara de doido e muito sinistro Mais outro absurdo para adicionar ao registo... E os jornais que são folhas ao vento Não trazem sorrisos, nem actos de amor. Impera o lamento, vestido a primor, e nestas notícias que vêm nos jornais A gente as vai desfolhando como coisas normais. Londres, 13 de Julho 2019
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SG MAG #09
POESIA
RITA QUEIROZ RITA QUEIROZ Nascida na Bahia de Todos os Santos, na terra de Nosso Senhor do Bonfim, Brasil, com o Sol em Leão, aos 22 dias do mês de Agosto. Professora universitária, filóloga (pesquisadora do manuscrito), poeta. Autora dos livros «Confissões de Afrodite», «O Canto da Borboleta», «Canibalismos» (Penalux, 2019, 2018, 2017), «Ciranda, Cirandinha: Vamos Brincar com Poesia?» (infantil) e «Colheitas» (Darda, 2019, 2018). Organizadora de colectâneas, colunista na revista cultural Evidenciarte, integrante de diversas antologias, no Brasil e no exterior. Faz parte da Plataforma Virtual Mapa da Palavra 2016 (Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB), do Portal Oxe de Literatura Baiana (IFBA – Campus Santo Amaro) e dos colectivos “Confraria Poética Feminina”, “Mulherio das Letras” e “Coletivo de Autoras de Literatura Infantil e Infanto-juvenil da Bahia” (CALIIB). Co-autora da antologia «Luz de Natal» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/rita.queiroz.334
DE GIRASSÓIS E ORQUÍDEAS Saboreio palavras nas rimas desencontradas De um poema latente, Conjugando afetos nas trilhas indomáveis De fogo, flores e abrigo. Remendo fiapos silenciosos De um relógio futuro, Agasalhando os ponteiros pulsantes De saudades, solidão e abismos. Tangencio a força dos ventos De moinhos melodiosos, Renascendo dos labirintos no cio, Vestida de sol e lua e paixão. Ainda não decifrei todos os mistérios De sonhos e nostalgias, Mas caminho pelas entranhas do verão, Cobrindo as pegadas dos meus pedaços Com girassóis e orquídeas.
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SG MAG #09
POESIA
SARA TIMÓTEO SARA TIMÓTEO Nasceu em Torres Vedras, viveu em Lisboa e em Haia e reside na Póvoa de Santa Iria. Em Portugal, publicou os seguintes livros: «Deixai-me Cantar a Floresta» (2011), «Chama Fria ou Lucidez» (2011), «Refúgio Misterioso» (2012), «Os Passos de Sólon» (2014), «Elixir Vitae» (2014), «Os Quatro Ventos da Alma» (2014), «O Telejornal» (2015), «O Corolário das Palavras» (2016), «Refracções Zero» (2016), «Compassos» (2017), «Diário Alimentar» (2017) e «Manual dos Ofícios» (2018). Editou três livros nos EUA pela Spero Publishing / Caliburn Press. Participa com regularidade em múltiplos projectos colectivos e cooperativos de publicação e em publicações online em Portugal e no Brasil. Exerce actividade ocasional como ghost writer para blogues sediados em Portugal e nos EUA.
MOMENTO D’OIRO Quando os deuses sobre a hora se debruçam E o seu oiro na luz refulge Os pensamentos, por fim, São desvendados sob a forma De múltiplas pétalas de sol.
Perfis no Facebook: www.facebook.com/wind.sidh www.facebook.com/sara.timoteo.5
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SG MAG #09
POESIA
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL Doutor (2015-2018) e Mestre (20132015) em Ciências Jurídica e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Professor Universitário dos Cursos de Direito e Medicina da Faculdade Metropolitana São Carlos, campus de Bom Jesus do Itabapoana, RJ, e do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (Multivix), Unidade de Cachoeiro de Itapemirim, ES, Brasil. Participou nas antologias «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019) da Colecção Sui Generis.
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL MADALENA CONTEMPORÂNEA
Perfil no Facebook: www.facebook.com/taua.limaverdan
O meu corpo é possuído pelo desejo impensado De encontrar no corpo alheio o prazer saciado Satisfazendo-me com as mãos viris que percorrem O meu corpo desnudo, os dedos ágeis envolvem Sinto o prazer invadir as células de toda a extensão Clamando pelo desejo, ardorosa e pesada paixão De sensações irreais, na íris do amante, concretizada Um sabor indevido, vontade pecaminosa idealizada Em traição, deito-me com a vontade satisfeita Escondo-me no segredo de uma vida perfeita Transitando entre o sagrado e o profano social Sou a bela mulher, um modelo perfeito e moral
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SG MAG #09
Submissão aos olhos dos opressores que me julgam Libertina na cama de muitos amantes que me ocultam Ora gritando em um desejo ensandecido de prazer, Ora escondendo como a formosa esposa a se conter A sensação do pecado do adultério me encanta E o medo da descoberta não mais me espanta Busco uma libertação daqueles que podem apedrejar Arrastando-me, em público, para me humilhar Humilhação é a Madalena prostrada e arrependida As mãos em busca da compreensão pretendida Colecionando apenas os olhares de condenação Por ser mulher e não um fantoche de manipulação Eu já não me culpo pelo adultério ou pela traição Eu me culpo por não ter coragem de dar um “não” Libertando-me do marido que se tornou meu algoz Mesmo estando juntos, não há prazer entre nós Já não há cumplicidade de um casal de amor ardente Há uma construção social, um agir tão consequente Para atender as exigências do homem em sociedade Enganando os tolos moralistas com tanta sagacidade Eis a Madalena contemporânea, não mais prostrada Não submissa, mas sim forte, hábil e empoderada Manipulando os desejos dos homens tão maldosos Usa segredos, estratégias e pensamentos ardilosos Não estendo minha mão em busca de um perdão Dispo minha nudez em busca de uma satisfação Encontrando nos braços alheios toda a excitação E não uma prece caridosa ou uma pura oração
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SG MAG #09
POESIA
MIKAEL MANSUR MARTINELLI MIKAEL MANSUR MARTINELLI Capixaba, biólogo, professor e táxidermista. Publica as suas pesquisas em revistas científicas do Brasil e do exterior. Organizou a antologia «Letras e Vida» com outros detentos no período em que passou preso. «O Pé de Jambo e a Fábrica de Refrigerante» é o seu primeiro livro e já escreve os próximos, «Entre Cacos e Ciscos» e «Famigerada Culpa», também de poesias. Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/mikael.ma nsurmartinelli Contato: mansurmartinelli@gmail.com
CHEGADA Eu quero chegar em casa, escutar o piado da calopsita e, na cozinha, almoço pronto com cheiro de carne assada. Depois, poder olhar a mata que se esconde entre os morros, sentir sua brisa fresca, o mato que muita gente hoje mata. Aproveitar bem esses momentos, pois não há de que se arrepender. Espero tanto por esse dia e quase morro por não ter vocês.
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SG MAG #09
POESIA
CRISTINA SEQUEIRA CRISTINA SEQUEIRA Cristina Maria Xavier Sequeira, nascida em 1972, é natural de Cinfães do Douro (onde reside), distrito de Viseu. Participou em várias antologias da Colecção Sui Generis: «Torrente de Paixões», «A Primavera dos Sorrisos», «Sinfonia de Amor», «Sol de Inverno», «Brisas de Outono» e «Bendita Manjedoura!». Tem como hobby a sua página «Cristina Sequeira – Pedaços de Mim» no Facebook, na qual publica a sua poesia. Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/cristina.se queira.54390
QUEM ME DERA... Quem me dera Navegar teu rio Desaguar no teu mar Na flor do que sou E ser feliz a te beijar... Quem me dera Sorrindo para a vida Na imensidão do teu amor Sentir em cada abraço A intensidade do teu calor Quem me dera Na luz do horizonte Teu semblante encontrar Saciar-me de ti Nesta fome (incontrolável) de amar...
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SG MAG #09
POESIA
LENILSON SILVA LENILSON SILVA Douto Honoris Causa em Literatura. É professor de Língua Portuguesa no município de Pedras de Fogo, PB, Brasil. Graduado em Letras, especialista em Linguagem e Ensino e mestrando em Ciências da Educação. Académico número 15 da Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes. Co-autor da antologia «Sinfonia de Amor» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/LenylsonSylva
POESIA DA SEGUNDA-FEIRA E os pássaros cantam o jardim amanhece! Segunda-feira! Os pássaros cantam exorbitantemente cantam será que estão brigando? Chego lá perto e vejo estão agradecendo por mais um dia! Isso é poesia! Logo reflito: E quantas pessoas agradecem hoje? Não estou ouvindo nada de orações das pessoas a cidade está em silêncio. Imagine se todos agradecessem agora... agradecessem a cada manhã. Escutaríamos um lindo cântico um cântico de esperança em plena segunda-feira... Obrigado a cada passarinho por me fazer acreditar nisso.
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SG MAG #09
POESIA
LUIZ ROBERTO JUDICE LUIZ ROBERTO JUDICE Natural de Poços de Caldas (MG), Brasil, é formado em Administração de Empresas pela Universidade São Marcos e em Direito e Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica – PUC. Publicou o seu primeiro livro aos 21 anos de idade e, desde então, dedicou-se à literatura cultivando vários géneros literários: romance, poesia, conto, crónica, etc. É também autor musical, com mais de 60 músicas gravadas. Foi colaborador dos jornais Gazeta do Ipiranga (São Paulo) e Jornal da Cidade (Poços de Caldas) escrevendo crónicas e poesias. É membro de várias agremiações literárias no Brasil e em Portugal. Obras publicadas: «Flores Murchas» (1968), «Lira de Quatro Cordas» (1994), «Pérolas de Fogo» (1995), «Ramalhete de Sonetos» (1995), «Saciedade dos Poetas Vivos» (1997), «Sinhazinha, A Dama do Charco» (2002), «A Morte Silenciosa – A Gripe Espanhola em Poços de Caldas – 1918» (2006), «No Tempo das Salgabundas (2009), «Uma Estrela Fulgurante – A Saga da Estrela Caldense em Prol do Progresso de Poços de Caldas» (2010, em parceria com Hélio Antônio Scalvi), «Cururus & Juritis (2013), «Ânfora Etrusca» (2014), «A Morte em Jequitibá» (2015) e «Lira Camoniana» (2017).
AQUELA VALSA Foi no girar daquela valsa amena, Com o salão iluminado e em festa, Que eu inclinando o rosto em tua testa Por ti me apaixonei, doce falena. E desde aquela noite a alma mesta Do teu poeta tem cumprido a pena De a solidão beber que o envenena, E a sua vida de sofrer empesta. Eis porque vivo tão tristonho agora Nos becos frios procurando a aurora, Por uma estrada que não tem mais fim. Aquela valsa! Aquela valsa ingrata Tinha um feitiço que alucina e mata E vai de amores me matando assim.
Perfil no Facebook: www.facebook.com/luizroberto.judice
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SG MAG #09
POESIA
JANICE REIS MORAIS JANICE REIS MORAIS Mineira de Conselheiro Lafaiete, sócio fundadora da AMAR (Ponto de Cultura AMAR). Desde 2015, participa na «Antologia Lafaiete em Prosa e Verso». Homenageou as violas de Queluz (Património Imaterial de sua cidade) na revista Contos e Letras – Especial Bienal 2018. Depois de contar na revista OLHAÍ (de Dezembro 2018) que o seu foco em 2019 seria fazer arte, cruzou fronteiras, participando em diversas antologias, no Brasil e em Portugal. Participou também nas revistas literárias SG MAG #08 e Evidenciarte #04 e nas antologias «Sol de Inverno» e «Brisas de Outono» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/janice.reismorais
INSPIRAÇÃO Eu canto em todo canto o que me dá na “teia”. Minha aldeia minha cidade com simplicidade. Minas Gerais seus patrimônios imateriais queijo mineiro viola e violeiro. Nosso Mosaico e o prosaico. Meus pais os animais minha gataria que nenhum eu daria. Sofrimento e o contentamento. Por toda parte canto a arte a gentileza e a natureza. 192
SG MAG #09
O retrato que registra o fato. O registrar e o preservar. A paz e a luz as violas de Queluz a gratidão o estender a mão. Fotografia minha mania. Canto o que vem da alma isso sempre acalma. Com todo respeito assim do meu jeito canto em poesia em antologia é que eu amo livro e dele não me livro!!!
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SG MAG #09
POESIA
ROSE CHALFOUN MEMÓRIAS ROSE CHALFOUN Rosemary Chalfoun Bertolucci, brasileira, lavrense. Graduada em Letras, com Especialização em Língua Portuguesa pela PUC/MG, Especialista em Filosofia Clínica pelo Instituto Packter/RS, IMFIC, MG. Mestre em Educação, Membro da Academia Lavrense de Letras e da Confraria dos Poetas de BH, Professora Universitária de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (UNILAVRAS e UNIPAC), Tutora (EAD) e Revisora (Universidade Federal de Lavras). Publicações de artigos: Clarice Lispector: Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres à luz da Filosofia Clínica; A obra machadiana à luz da Filosofia Clínica; Personagens machadianas no divã do Filósofo Clínico. Livros de poesia: «Entretons», «Entretons II», «Ao Intento do Vento», antologia da Academia Lavrense de Letras. Co-autora das antologias «Luz de Natal» e «Bendita Manjedoura!», da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/rosemary. chalfounbertolucci
Vocês se lembram daquelas tardes preguiçosas Quando da escola saíamos tal qual passarinhos E pela rua de uniformes subíamos dengosas Ríamos muito, muito pelos caminhos! Motivo? Eram os urubus nos telhados! Gosto, desgosto, carta convite e casamento! E dos passeios de carro? Estação batalhão, batalhão estação... Por ali “eles” estavam, atenção! Vocês se lembram daquele jardim? Ah! aquele jardim, constante festa! De lá, onde tudo saía, regíamos assim: Novos amigos, novos amores, muitas flores! Conversas sem fim, tendo por abrigo A formosa e centenária Tipuana! Um pouco a cada dia, todos os dias, enfim! Vocês se lembram, ah, sim eu sei que sim Dos risos na capela, da Mãe amorosa e bela Com o seu manto a nos abençoar. Pelas marcas que nos deixam as lembranças Na verdade trazem a esperança de, quem sabe, Em breve possamos nos reencontrar!
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SG MAG #09
POESIA
PAULA HOMEM PAULA HOMEM Nascida em 1959, licenciada na área do turismo. Escreve por paixão e é através da escrita que «eu... me torno mais EU. Vogando pela poesia, desaguando na prosa, “brinco” com as letras.» Está presente em obras colectivas de ambos os géneros: «Memórias Esquecidas do Tempo», «A Lagoa de Óbidos, o Mar e Eu», «Sonho em Poesia», «Cadernos de Poesia» e «Cascata de Emoções» (poesia). «Quando o Amor é Cego» e «Amar (S)Em Desespero» (prosa). Da Colecção Sui Generis, participou nas antologias «A Bíblia dos Pecadores», «Graças a Deus!», «Sexta-Feira 13», «Sinfonia de Amor», «Brisas de Outono» e «Bendita Manjedoura!». Publicou o livro «Shadows of Life» (Alma Lusa, 2019) em co-autoria com o fotógrafo Alexandre Carvalho. Perfil no Facebook: www.facebook.com/paula.homem.3
ENCAPELADAS ONDAS Como se elevam as encapeladas ondas do vazio, para onde arrostam esta corpórea alma de negras vestes? Um dia abri uma janela sem tempo e olhei ao largo em busca de um navio sem mastros nem velas. Um dia desaguei num espalhafatoso Estio, onde o Sol era lua e a Lua um monte a cristais agrestes. Ainda ontem te olhei nos olhos; apenas vi o embargo com que pintaste uma tela de frases, esquecidas nas vielas. E as ondas, de vida plena, esmurram os mandos do bailio, que governa as horas do sonho. Entrópicas, as estepes plantadas um dia, como farpas de assinado encargo que carrego na alma, nos olhos; enevoadas janelas. Ainda ontem te embalei os medos, aconcheguei do frio que inundava as horas. Foi ontem, em noite de ciprestes, que inventei palavras novas, abri as veias ao veneno amargo de um amor sem nome, cego, pleno. Excomungadas sentinelas de um tempo que o tempo enviesou, torceu, esmaeceu, como pavio de esfarelada vela. As encapeladas ondas, deste manto de celestes encantos, esfumam-se pela brecha de um esquecimento que alargo ao futuro, ao passado e encastro numa lágrima de aguarelas. Como se encapelam as ondas, como rugem os mares, como choram as gaivotas... nas praias do fim do mundo. 195
SG MAG #09
POESIA
ANTONIO ARCHANGELO CAIXINHA DE MÚSICA ANTONIO ARCHANGELO Escritor, publicitário, jornalista, compositor, músico e idealizador do Poesias Nonsense. Nascido em 1985 em Ourinhos/SP, Brasil, iniciou, em 1998, o denominado MLSXXI (Movimento Literário do Século XXI) durante o colegial na cidade de Rio Claro. Desde então, nunca mais parou de escrever poemas livres. É autor do livro «Ápeiron: Poesias Nonsense» (Ed. Buriti, 2019), que reúne poemas confeccionados entre 1998 e 2018, e co-autor da antologia «Bendita Manjedoura!» da Colecção Sui Generis.
Somente com sorriso podes superar teus problemas, sem promessas a trilhar, sem dizeres teus encantos, conheceste a minha dor. E que dorme, em algum lugar, teu antigo admirador.
Página do autor: https://www.poesiasnonsense.com
Abaixe a cabeça e soluce o que se viveu, guardando por nenhum instante, pensando, em vão, o que se foi.
Aquela pessoa que tanto admirou em nada mudou, amarrada ao tempo, no fim, nada de fato alterou. Na dupla fenda, em outro magnânimo olhar Às vezes pode iludir, revelar ou enganar! Várias facetas do mesmo objeto. Tateadas com o tempo, no âmago do arpoador, no fundo chegaria, nas profundas águas do mar.
Brilhando, de olhar; Sorrindo, de beijar; Inocência nonsense; Sem nunca simular! Contemplando o som da caixinha de música, a face molhada disfarçada, na bruta alma, a tua dor.
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POESIA
ROSA MARQUES ROSA MARQUES Nasceu na Madeira, onde viveu até aos dezoito anos. Após casar, mudou-se para Porto Santo, onde reside e trabalha como administrativa até à data. Preocupa-a a situação precária em que o mundo se encontra, a condição humana (principalmente as crianças) e todos os que vivem em condições desumanas, nos países subdesenvolvidos e nos países em guerra. Gosta de ler e de tudo o que está ligado à literatura e à arte. Participou em diversas obras colectivas, em Portugal e no Brasil, e publicou dois livros de poesia com o selo Sui Generis: «Mar em Mim» (reeditado em 2018) e «Prisioneiros do Progresso». Página da Autora: Facebook: Rosa Marques
TERNURA DE FIM DE VERÃO Um Sol meigo envolve a tarde Numa aura resplandecente E luminosa... Como a ternura das crianças Que divertidas brincam À beira da maré... As crianças mais pequenas Protegidas pelos pais... Uma mãe dedicada Brinca com os filhos... Faz covinhas na areia molhada Tenta reter a fugitiva onda Que vem... mas logo vai... E outra criança Bem pequenina ainda... Carinhosamente Embrulhada numa toalha Olha o mar... ao colo do pai!
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SG MAG #09
POESIA
LEANDRO SOUSA LEANDRO SOUSA Piauiense da cidade de Floresta, Brasil, nascido em 1996. Autor de mais de quinhentas poesias e mil frases personalizadas e co-autor em várias antologias de editoras do Rio de Janeiro e São Paulo. Menino humilde do Sertão que ama escrever e sonha em ajudar a sua família através da arte. Perfil no Facebook: Leandro Sousa Instagram: leandrosousa_official
DESFEITA Um poço cheio de amor Ofereci para o seu coração Mas você não quis receber Me tratou com ingratidão Ao contrário de uma criança Fiquei sem esperança Caindo no mar da ilusão
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SG MAG #09
POESIA
ELISA PEREIRA ELISA PEREIRA Foi colunista na Inspiring Life, participou no Festival 6 Continentes do Pinhal Novo, no Encontro de Poetas 2015/2016 em Torres Vedras, no 1º Speed Writing em Portugal da Cordel de Prata, tendo sido seleccionada para integrar o livro «Minutos de Histórias», foi finalista do Poetry Slam Sintra e classificada em 3º lugar no concurso «Cartas de Amor». Participou no III Concurso Literário da Edições Vieira da Silva, na antologia «Os Patudos» da Associação Amigo Fiel e noutras obras colectivas das editoras Pastelaria Studios, Papel d’Arroz, Orquídea Edições, Letras da Lagoa de Óbidos, RVA Alenquer, Edições Hórus, O Declamador, Chiado Editora e In-Finita. Editou um livro infantil, «Tomás Vai ao Canil» (2012), inserido no projecto «O Sonho do Tomás». Perfil no Facebook: www.facebook.com/elisa.pereira.378 Página da Autora: facebook.com/umpoemademimparati
AMANHÃ ELE MUDA? ... Amanhã ele muda! Mas eu estou tão cansada que ele do nada expluda! Será que este amor só termina com uma arma pontiaguda? A cova que me rodeia... quer que eu depressa me iluda! Amanhã ele muda... Mas eu estou tão farta desta dor tão profunda! Será que não há ninguém aqui que me acuda? A cova que me rodeia... está cada vez mais funda. Amanhã ele muda? Mas eu estou exausta de viver nesta assustadora barafunda. Será que mais vale isolar-me, ficar inerte num canto e muda? A cova que me rodeia espera-me... e já se tornou tão imunda! Amanhã?... Ele muda? Eu nunca beijei outro homem e ele chama-me vagabunda! Será que ninguém vê esta perseguição que nunca desgruda? A cova que me rodeia... chama-me e diz que lá a paz me saúda. Quem me disse que ele mudava? Eu... morri!!! Ele... ficou impune para caçar outra no seu jogo da moribunda. Será que algum dia se vão unir as vozes revoltadas e haverá mais entreajuda? A cova que me abraçou... hoje até chorou! Pois eu era só uma miúda!!! 199
SG MAG #09
POESIA
AMÉLIA M. HENRIQUES
AMÉLIA M. HENRIQUES Nasceu em 1963, em Espinho, onde reside. Os seus gostos e hobbies são, na maioria, de inclinação artística. É artista plástica; participa em várias exposições individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro, destacando-se a última exposição colectiva, em Outubro de 2015, no Carrossel do Louvre, em Paris. É também artesã e faz parte do projecto-loja comunitária Artyspinho, destacando-se como ceramista e em joalharia com peças únicas; em 2013, foi seleccionada por oito designers de Nova Iorque. Editou um livro de poesia: «Manta de Retalhos» (Artelogy, 2015). Da Colecção Sui Generis, participou nas antologias «O Beijo do Vampiro», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Tempo de Magia», «Devassos no Paraíso», «Luz de Natal», «Sinfonia de Amor», «Sol de Inverno» e «Brisas de Outono». Formada também em línguas, fala quatro idiomas. Gosta de viajar, pratica natação e não vive sem a música; é fã de jazz. Perfil no Facebook: facebook.com/amelia.henriques178
NAS ASAS DA NOITE ESCURA Nas asas da noite escura... A luz dos meus sonhos alumia Os sonhos latentes ainda em mim Cabecinha repleta do fantástico! Ávida de beleza, da alegria, do querer Querer viver o bom da vida e do mundo Minha mente, a fonte que transborda e inunda Minhas veias escarlates que correm simulando Todas as vias que meu corpo deseja correrem Sem destino, sem stress, sem pressas, saboreando Com deleite os prazeres que me incendeiam o ser Que tornam a razão do meu viver, parco de prazeres A bomba detonadora da plenitude desses prazeres As rugas acentuam-se e a força de os querer explorar Dando alimento e razão de não viver em vão a vida Porque na minha profundidade almejo mais além... Almejo fazer a diferença, porque sou assim, diferente Torno-me o centro do mundo, que gira ao meu redor Não rodopio em volta do Sol, nem da Lua... Ora sou o Sol, ora sou a Lua girando no espaço Ora todo o meu ser é energia, ora reclusão... 200
SG MAG #09
Que grita de prazer, de felicidade, vive e morre Mas sempre sonhando ora acordada, ora dormindo Toda eu sou feita de sonhos e quimeras... Pincelada aqui e ali de algumas tristes desilusões No todo sou irreal na realidade da vida Saboreio e sinto cada emoção no ínfimo, plena Sinto o rasgar da carne, por vezes nos dias negros Que sangra em catadupa e aliena meu corpo Sinto a regeneração das cicatrizes invisíveis Sinto o palpitar do meu coração rindo feliz Sinto em cada centímetro do meu corpo Histórias das minhas vivências vividas Que o transformaram numa manta retalhada Sou uma mistura de retalhos multifacetada Meu corpo é uma manta de retalhos colorida Uns mais alegres, outros mais cinzentos Todos unidos e juntos, fizeram de mim O ser vivo e humano que hoje sou Sou matéria repleta de sonhos lindos Porque o sonho comanda a vida... Faz-te viver... e sem sonhos não vives Estás morta/morto... por isso Ecoam gritos do meu ser em uníssono Eu estou viva! Vivo! Do meu jeito... Sorrio... Sou feliz! Gratidão!
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SG MAG #09
POESIA
JOYCE LIMA JOYCE LIMA Baiana, Doutora em Educação, Professora, é autora de livros académicos e de poesias e organizadora de antologias poéticas. Actua em projectos de consultoria de textos, na Editora Becalete. Participou numa antologia Sui Generis: «Luz de Natal». Perfil no Facebook: facebook.com/joyce.lima.1069020
ALEGRIA, ALEGRIAS A vida é construída na alegria ou ganhos E nas tristezas ou perdas A cada tempo conquistamos alegrias Mas também perdemos alegrias Que são trocadas, contra nossa vontade, por tristezas. E assim nascem e morrem alegrias Morrem e brotam tristezas a cada dia Vamos equacionando, fraccionando A matemática da vida Para deixá-la menos sofrida. Alegria, alegria Com risos e choros Tropeços e avanços Sorria para a vida Seja pra ela muito querida.
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SG MAG #09
POESIA
MACVILDO BONDE MACVILDO BONDE M. P. Bonde nasceu em Maputo, Moçambique. Entre 2003 e 2004, foi membro do movimento Jovens e Amigos da Cultura (JoAC) e do grupo Arrabenta Xithokozelo, que anima as noites de poesia e música no Modaskavulu do Teatro Avenida. Tem dois livros publicados: «Ensaios Poéticos» (Cavalo do Mar, 2017) e «A Descrição das Sombras» (Fundação Fernando Leite Couto, 2017). Obteve o segundo lugar do Prémio Escriba Piracicaba, município de Piracicaba, São Paulo, Brasil, 2018. Tem também textos publicados em revistas electrónicas. É membro da AEMO. Perfil no Facebook: www.facebook.com/M.P.Bonde
INSUBMISSA insubmissa é a horda; abato no frio a cicatriz do orvalho; corta-me erecto o tempo, não cuspo o sangue bebo o chafariz da angústia; reabro uma canção antiga porque para salgar a fúria da amargura a acidez das mãos esculpe o escuro; sombra do vapor nasce inquieta linguagem pesar do poema, dispo o olvido do tédio; ... e a sede nos olhos! engendro um chão sem cão ... o frio arfa no orifício do bule gasta as mãos secas; poupo o licor no palato, bebo o frio na voz da bagaceira.
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SG MAG #09
POESIA
ISIDRO SOUSA ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, e reside no Porto. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com três editoras, participou em várias dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Publicou três livros de contos e novelas: «Amargo Amargar», «O Pranto do Cisne» e «De Lírios». Perfil no Facebook: www.facebook.com/isidro.sousa.1 Blogue do Autor: http://isidelirios.blogspot.com
PRÍNCIPE DE ÉBANO Juno (no papel) a minha pluma te esboçou belo atormentado camponês transmontano com Java essoutro apolo a pena te imortalizou irresistível perseguido bailarino açoriano Amigos clandestinos (amantes) em fogo turbulento quais vendavais intoleráveis sempre ultrapassados em sagrado leito compartilhado no secreto aposento amores e desamores (para) sempre reencontrados Há mais de um decénio aguardava pacientemente para aos olhos do mundo a vossa ventura desvendar interminável espera vã se revelaria surpreendente sem que a vossa odisseia pudesse (ainda) divulgar Mas eis de repente um inesperado acontecido sem nada alterar (quase) todo o panorama mudou um novo Juno nascido ao meu suave ouvido companhia (física) diária no meu lar se tornou
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Um belo Cocker Spanil, qual principezinho de ĂŠbano o pretinho da janela que a todos cusca no miradouro tempos volvidos perderia o (irrequieto) traquina insano ganhando um anjo de candura, raio de luz duradouro Doravante, as personagens jazem olvidadas na gaveta emaranhadas num limbo (profundamente) adormecido ansiando pela aurora que anunciarĂĄ o toque da trombeta fazendo a narrativa retumbar num amanhecer florido
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POESIA
NATÁLIA VALE NATÁLIA VALE Nasceu em Vila Robert Williams, Caála, Angola, em 1949. É licenciada em História, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tem vários trabalhos premiados, quer nacional, quer internacionalmente. Tem trabalhos publicados em diversas antologias, nacionais e internacionais. Em 2009 editou os seus primeiros (dois) livros pela editora Mosaico de Palavras: «Emoções Inacabadas» (poesia) e «A Minha Tempestade e Outros Contos» (contos). Participou em três antologias da Colecção Sui Generis: «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões» e «A Primavera dos Sorrisos». Perfil no Facebook: www.facebook.com/natalia.vale.39
QUANTOS DONOS TEM O MUNDO? Interrogo-me, e sinto-me crispar, amarrotar... Néscia a pergunta, ausente a resposta. Quantificar os donos do sol, os donos da lua, das estrelas, os donos dos rios, os donos da terra, os donos das plantas e animais? E as coisas ocultas? Que não vislumbramos, e nos dominam, nos alimentam, nos fazem sonhar e lutar por viver, e também sofrer? Olho em redor, e há... E olho o “meu” mundo, apenas meu, aquele que melhor conheço, refúgio de dor, de alegria ou tristeza, nele sou dona do Mundo, e todos o proclamam como seu. 206
SG MAG #09
POESIA
DAVID SOUSA DAVID SOUSA Nasceu em Fânzeres, Gondomar, em 1929, estudou no Seminário Maior de Évora, tirou o curso de Humanidades e Filosofia em Salamanca e enveredou pela docência. Leccionou Português, História, Francês e Filosofia. Ocupou, por convite, lugares políticos autárquicos. Publicou vários livros (ebooks) em prosa e verso na Buboc e «O Canto do Cisne» (papel) na Sinapsis. Participou em diversas antologias da Colecção Sui Generis: «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Sinfonia de Amor», «Luz de Natal», «Sol de Inverno», «Brisas de Outono» e «Bendita Manjedoura!». Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/david.mart insdesousa.353
A VOZ DO SILÊNCIO Insistem em dizer que o silêncio é nada. Nada de voz, de som e de barulhos. Quem isto afirma certamente nada sabe E merece ser corrido a pedregulhos. O silêncio é quem mais alto fala Quando há amor a encher o coração. Ele é saudade, sentimento, plenitude Fogo estalando como a voz de um vulcão. O que sucede é que quem é amado Não sabe reconhecer esse silêncio E aumenta a dor que outro está sentindo. E assim, quem ama tem um fado: De não ser compreendido, é o prenúncio De continuamente estar partindo.
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SG MAG #09
POESIA
ISABEL MARTINS ISABEL MARTINS Leitora atenta que acompanha diversos e variados eventos literários. Escreve pontualmente poemas e divulga-os na sua página do Facebook. Participou em várias antologias organizadas pela Sui Generis: «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Sinfonia de Amor» e «Brisas de Outono». Reside em Palmela. Perfil no Facebook: facebook.com/isabel.martins.395669
RESPIRA-ME Protesta, reclama, insulta-me! Mas escuta, ouve-me e cala A minha voz que já não fala... Castiga-me com a tua ternura Mata-me com amor e desejos, Cansa-me com os teus beijos, Espalhados com a brandura Dos teus lábios e envolve-me Em palavras ainda não ditas, Enfeitadas com fitas de cetim, Mas que sei quão bem dirás, Sussurrando-as só para mim. Depois, se ainda me quiseres, Respira-me, mas devolve-me Ao meu ser, quiçá recordarás.
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SG MAG #09
POESIA
TITO LÍVIO AMOR AUSENTE TITO LÍVIO Crítico de cinema e de teatro no Diário Popular, República, A Capital, vencedor de dois prémios no Diário de Lisboa Juvenil. Colaborador de vários jornais como Notícias da Amadora, Jornal de Letras, Jornal do Fundão, Diário do Algarve, O Setubalense e revistas Seara Nova e Manifesto. Membro do Conselho Editorial da revista Korpus, editada por Isidro Sousa entre 1996/2008. Durante dez anos (1995/2005), docente de Dramaturgia, História do Teatro, História do Cinema e História da Televisão. Júri de diversos Prémios da Casa da Imprensa, da Crítica e dos Globos de Ouro (SIC). Autor dos livros: «A Escrita e o Sono», «Senhor, Partem Tão Tristes», «Memórias de Uma Executiva», «As Tuas Mãos Sobre o Meu Corpo», «Ruy de Carvalho – Um Actor no Palco da Vida» e «Teatro Moderno de Lisboa (1961-1965) – Um Marco na História do Teatro Português» com a colaboração da actriz Carmen Dolores. Autor de «Sobreviventes: Dez Mulheres à Procura da Voz», peça concorrente ao prémio de originais de teatro da Sociedade Portuguesa de Autores. Abraçando as antologias Sui Generis, participou em «O Beijo do Vampiro», «Vendaval de Emoções», «Torrente de Paixões», «Ninguém Leva a Mal»,«Saloios & Caipiras», «Os Vigaristas» e «Sinfonia de Amor». Perfil no Facebook: facebook.com/titolivio.sousaaguiar
Meu amor, se te encontrasse Ausente dentro de mim, Se a minha voz se toldasse, Se a ternura se perdesse, Meu amor, se encontrasse Quem de mim já se afastara, Habitando outro corpo, Talvez nem sequer chorara. Meu amor, se eu te perdera Neste afã de tanto amar, Apartado de meus olhos, Habitando outro lugar. Meu amor, se te perdera, Que fazer p’ra te encontrar? Meu amor, se tu partisses, Deixando-me em solidão, Talvez nunca mais sentisses O bater de um coração. Meu amor, se tu partisses, Onde buscar o perdão? Meu amor, se te beijasse, E me fundisse em teu corpo, E comigo habitasses Os lençóis da mesma cama. Meu amor, se me beijasses, Saberias tu quem ama.
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POESIA
ROZEMAR MESSIAS ROZEMAR MESSIAS Casada e mãe de dois filhos, mora em Colombo, PR, Brasil. Actua como professora inovadora na Prefeitura Municipal de Curitiba. Gosta de fazer caminhadas e é amante de cães, em especial da sua pitbull Mel. Aprecia boas séries, culinária e café passado na hora. Para esta leitora apaixonada, escrever é a realização de um sonho antigo. Poetisa desde a adolescência, participou nas antologias «Trilhas, Totens e Talismãs, «Versos Inversos», «Poesias Sem Fronteiras», «Miscelânea Poética Brasileira», «Eu Jardineiro», «Jardim 2», «Cordel» e «Só Sonetos». Utilizando o pseudónimo Rozz Messias, participou nas seguintes antologias de contos: «Atmosfera Fantasma», «Prenúncio do Medo – Pânico», «Olimpo: Deuses, Heróis e Monstros», «Doçaria Cristal», «Encantados», «Os Anjos Estão Aqui», «Contos de Farsa» e «Feéricas». Actualmente, trabalha na produção do ebook «Filha da Tempestade» (romance) e dos livros «Ao Seu Encontro» (romance) e «Entrelaçados» (fantasia). Participou nas antologias «Sol de Inverno» e «Brisas de Outono» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/rozemar.m essiascandido
SENHOR DO TEMPO O dia corre rapidamente É final de tarde O ponteiro do relógio marca 18 horas O operário bate o ponto Segue em fila até a saída Lá fora o vento gelado o envolve O único abraço que recebeu hoje No ponto longa fila Pessoas se apertando Apressadas Esperando o ponteiro do relógio correr E o ônibus lotado chegar O operário sente o corpo doer O sono chega Por sorte vai em pé Sacolejando Hora de chegar em casa Se despir da sujeira da rua Banho rápido 210
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O relógio de luz gira A mulher reclama Falta ovo, feijão Ainda não chegou o dia do pagamento O operário daria tanto Por uma única xícara de café Abriu mão pelo leite do bebê Que sorri quando vê o pai O cachorro late Abana o rabo Hora de pequenas distrações Hora de esquecer das durezas da vida Dizem que a escravidão passou Mas o relógio corre Senhor de todos os homens!
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POESIA
TIAGO SOUSA TIAGO SOUSA O destino fez de Tiago Sousa, um estudante universitário de 19 anos, amante do excêntrico e do macabro. Deixou que a inspiração lhe escrevesse já diversos contos de terror e tragédia, inspirados pela escrita de autores como Poe e Lovecraft. Ultimamente, tem dado asas à sua poesia, produzindo inúmeros poemas numa base diária, em métrica regular ou verso livre. A sua arte sempre estará marcada por uma estranha sensação de alienação e uma certa melancolia derivada do profundo pensamento. Participou nas antologias «Sinfonia de Amor» e «Brisas de Outono» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/tiago.sous a.10comoseomundonaofosseloucoosu ficiente
O JARDIM As flores crescem sob o sol-posto, neste jardim que eu com tanto cuidado criei, e eu sento-me num banco de madeira a contemplar os sonhos. Lembro-me de quando falava as primeiras palavras e dava os primeiros sinais de vaidade. Vestia roupas espampanantes e fingia-me eu! E o quanto eu ria brincando com os outros, sendo os outros, vivendo os outros, e partilhando com eles a brincadeira que tomava por crescimento! Quanto recordo essas faces rubras, desenvoltas, livres, cavalgando sobre o vento sem pai nem mãe. Mas possuidor de pai e mãe. E eles estão cá, no jardim. Vieram visitar-me. Vieram contar-me as histórias que me contavam enquanto criança, à meia-noite. Vieram cantar-me as canções que eu próprio lhes gritava aos ouvidos na época de Natal. 212
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Vieram dar-me as prendas que nunca me deram e que fiquei ressentido por não receber (nunca por muito tempo). Vieram abraçar-me, vieram-me beijar, e o quanto eu me recordo de fazer o mesmo a eles! De me aproximar, de os beijar, de os abraçar... E ser-me eu. E eles serem-me a mim. Lembro que na ida para a escola, a primeira, não tive medo, e era um rebelde. Mas a minha mãe nunca o saberia porque eu me esconderia bem. E ainda escondo. E minto quando a verdade parece farta. Mas a vida é mais que mentiras e eles ensinaram-me isso. E ensinaram-me tanto mais, ensinaram-me tudo! Ensinaram-me a ser quem sou, com as responsabilidades que tenho, com os direitos que reclamo. Ensinaram-me a fazer-me como sou, pelas mãos que tenho e por aqueles que amo. E muitos amei, apesar de não admitir. E todos eles me vêm visitar, agora, no jardim, enquanto estou velho. Vejo o melhor amigo que me falava do quanto amava os seus animais, e eu amava-o a ele por isso, por entre teatros e fantochadas. Vejo o estrangeiro que me tomou o coração pela simplicidade, que amava a sua pátria e eu o amava a ele, por ser diferente e bom naquilo que era. Vejo o amigo que me carregou aos ombros, que me ensinou a olhar-me e me ensinou a olhar os outros, que eu amo por ser ele e ele se ama por isso. Vejo o professor e vejo a professora. Juntos mudaram-me a vida em diferentes épocas, não sabendo bem como. Amo-os a eles tanto quanto depositavam amor nos seus ensinamentos. 213
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Vejo o irmão que fui eu quando eu não pude, que foi tudo quando eu nada pude, que foi uma vida mais valiosa que a própria vida. E sempre será. Porque eu o amo a ele, e espero que ele me ame a mim. E no fim, vejo-a a ela. Sob mantos negros ou mantos brancos, véus de pérolas ou diamantes, vejo-a, tal como a recordo. Não deturpada. Não suja. Não mais me tapando os olhos. Vejo-a e ela vê-me a mim. A primeira vez em muito tempo que nos mostramos um ao outro. Só dói que ela tenha escolhido esta época em que, cansado e velho, espero a morte aqui no meu jardim. As lágrimas caem dos olhos porque eu ainda a amo a ela, e só queria que ela me amasse a mim. Agarro-me a esse sentimento, não me conseguindo imaginar não existindo, não me conseguindo conjeturar enquanto morto, não me conseguindo esquecer sem dor. Afogo-me nessas últimas mágoas que são a tristeza e a cólera, e projeto-as no céu que antes nunca esteve tão azul. Choro. E rio. E eles aproximam-se. Agora todos, todos os que vieram. Dão as mãos e aproximam-se em meu redor, em redor do banco em que me sento no meu jardim. Aqui, no meu jardim. Onde choro o passado por não ter sido mais vivido e onde choro o futuro por este nunca ter existido. E mais choro. Choro porque os amava. Choro porque sempre vou amar. 214
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E choro porque não acredito que me amem a mim (hipócrita que nunca revelou seus sentimentos). Mas eles aproximam-se e eles me tocam. Sinto cada um dos seus dedos no meu cérebro, cada uma das suas palpações no coração. E dão-me um beijo, cada um deles onde acha mais correto, unindo lágrimas suas com as minhas. Eles choram. Não porque lhes pedi. Não porque lhes menti. Não porque lhes fui irrelevante. Mas porque me amam. E eu os amo a eles... E o batimento pára. A respiração cessa. E algo termina. Mas esse algo termina com todos se aproximando, com todos batendo asas num último abraço. Longe da terra, sempre presente no coração. A alma. Puxam-na para si, tomam-na como sua e deixam-me viver mais uma vez, neles. Porque eu morri feliz. Porque eu os amei e agora sei que me amam de volta
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POESIA
VIEIRINHA VIEIRA ENTRE A PAZ E O SONHO VIEIRINHA VIEIRA Nasceu em 1976, em Vila Nova de Gaia. Nome próprio: Cláudia Vieira. Com formação na área de Contabilidade e Gestão, Escrita Criativa, Dança (diversos tipos), Canto, Teatro, Comunicação e Psicologia. É co-autora de mais de 50 livros e autora dos livros «A Menina Que Fui» (Pastelaria Studios, 2016) e «Vestigium d’Arbor» (Chiado Editora, 2017) com os heterónimos Lo Escrita e Vieirinha Vieira, respectivamente. Colabora em rádios, revistas, antologias e ebooks. É membro efectivo da Associação Paraquedistas Boinas Verdes, membro fundador da associação musical D’Alma Inspiração e membro académico da Associação Internacional de Escritores e Artistas de Portugal (NALAP). Escriturária há vinte anos, assinou projectos como: Tapeçarias, Vestidos, Bordados, Desenhos, Telas e várias performances ao público. Obteve o 1º Prémio no II Concurso Literário da Edições Vieira da Silva (2018). Participou nas antologias «Sinfonia de Amor» e «Luz de Natal» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/vieira.vieirinha.5
Entro na paz e liberto-me, instalando-me. Abro as portas para as coisas da vida Entre o branco e os raios de luz dourada Encontro a minha própria riqueza Mais nada! As asas que me fazem voar e ganhar altitude São as que trazem harmonia e gentileza Entre uma asa e a outra Me conecto E liberto de mim o que desejo no mundo. Este gira assim... Em torno do fluir da nossa energia vital E que nos faz mover montanhas Em torno de um sonho! Em torno de nossas crenças. Seguro como rocha e transmuto Como vento que espalha Como ar que respira E onde passo se inspira Ar puro, num puro ar De paz e amor. Respeitando Credibilizando Segurando com consciência O transparente branco Das asas do anjo que só a pomba simboliza. Num coração que sangra vida pela morte fora... 216
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LIVROS
VENDAVAL DE EMOÇÕES
VENDAVAL DE EMOÇÕES Antologia de Poesia Lusófona Autores: 57 Autores Organização: Isidro Sousa Colecção Sui Generis Editora Euedito Nº de Páginas: 284 páginas 1ª Edição: Junho 2016 ISBN: 978-989-99640-0-6 Depósito Legal: 411336/16 Encomendas: letras.suigeneris@gmail.com
https://www.euedito.com/suigeneris http://letras-suigeneris.blogspot.com
Disponível na Amazon, na Libros.cc, na livraria online da Euedito e na loja online do El Corte Inglés
É sobre o tema das emoções que versam os 192 textos poéticos, de 57 autores lusófonos, incluídos neste livro. A emoção é uma experiência subjectiva associada ao temperamento, à personalidade e à motivação, podendo ocorrer em segundos (surpresa) como durar anos (amor). Existe uma distinção entre a emoção e os resultados da emoção, principalmente os comportamentos gerados e as expressões emocionais. As pessoas comportam-se frequentemente de certo modo como um resultado directo dos seus estados emocionais (chorar, lutar, fugir); raiva e desgosto podem ser combinados com desprezo e um homem irritável sente irritação mais facilmente do que outros. Estados afectivos podem também incluir fenómenos relacionados, como o prazer e a dor, estados motivacionais (fome, curiosidade), temperamentos, disposições e particularidades do indivíduo. Cada texto do livro contém uma emoção; alguns abordam várias emoções. Mas podemos considerar: cada poema, uma emoção. O que faz desta antologia um verdadeiro Vendaval de Emoções. Organização e Coordenação: Isidro Sousa. Autores: Alexandre Garrett, Amélia M. Henriques, Ana Maria Dias, Ana Paula Barbosa, Anderson Furtado, Andreia Vieira, Ângela Caboz, Angelina Violante, Augusta Silva, Carlos Arinto, Daniel Vicente, Egídio Piteira Santos, Everton Hardt, Fábio De Bari, Fernanda Helena, Fernanda Kruz, Guadalupe Navarro, Helena Lilith, Helena Pinto, Hélio Sena, Hugo Miguel Amaral, Inês Correia de Sá, Isidro Sousa, João Almeida, Joaquim Matias, Jonnata Henrique, Jorge Manuel Ramos, Jorge Pincoruja, José Duarte Mateus Beatriz, Leonor Matos, Lia Molina, Lucinda Maria, Manuel Duran Clemente, Manuel Timóteo de Matos, Marcella Reis, Maria Alcina Adriano, Maria do Pilar Santos, Maria Isabel Góis, Marizeth Maria Pereira, Mônica Gomes, Nicol Peceli, Pedras Nuas, Pedro Fernandes, Rafa Goudard, Roberto Barreiro, Rosa Maria, Rosa Marques, Ross Freitas, Sandra Rodrigues, Sara Timóteo, Scarleth Menezes, Sidney Rocha, Suzete Fraga, Tiago Gonçalves, Tito Lívio, Tó de Porto d’Ave, Vânia de Oliveira.
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LIVROS
A PEDRA DE DIAMANTE A ideia deste (segundo) livro de Dorivaldo Ferreira de Oliveira surgiu após pedidos dos seus leitores. É quase uma sequência do primeiro... Depois do sucesso de «A Pedra de Mármore» (2018), o leitor vai se encantar com «A Pedra de Diamante» (2019), pois esta nova trama traz também novos personagens, novas confusões e muito mistério; roubos, homicídios, ciúmes e muito mais. E tudo será desvendado com a astúcia e a perspicácia de Donato Cabral Torreão. Esta obra poderá ser lida independente da leitura de «A Pedra de Mármore», porém, ficará muito mais interessante para aquele leitor que já tenha feito essa leitura, porque os personagens do primeiro livro encontram-se cinco anos depois da morte de Juliana Balotelli, na cidade de Guaratuba, para uma festa, a convite de um anfitrião desconhecido.
A PEDRA DE DIAMANTE Autor: Dorivaldo Ferreira de Oliveira
Editora: Edições & Publicações Nº de Páginas: 104 páginas Género: Literatura Brasileira 1ª Edição: Julho 2019 ISBN: 978-85-93707-76-6 Encomendas: dorivaldo.f.oliveira@gmail.com
O autor: Dorivaldo Ferreira de Oliveira é professor de Geografia nível II e professor de nível I (1º ao 5º ano) na Rede Municipal de Educação na cidade de Ourinhos, Brasil. Casado, pai de dois filhos, nascido na cidade de Jaboti no Estado do Paraná e morador de Chavantes, São Paulo. Licenciado em Pedagogia, Geografia e pós-graduado em PsicoPedagogia Institucional, Educação Infantil, Educação Especial e História e Geografia. É autor do livro «A Pedra de Mármore», publicado em 2018, e co-autor das antologias: «Palavreiras» (Autografia), «Bemvindos ao Jardim» (Edições e Publicações), «Tecendo Aldrávias» (Darda), «Bem-vindos ao Jardim 2» (Edições e Publicações), «Meu Eu Minhas Poesias e Contos» (Intercâmbio Cultural) e «Eu Jardineiro» (Editora Pedras de Fogo). Participações em antologias Sui Generis: «Luz de Natal» (2018) e «Sol de Inverno» (2019). 219
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LIVROS
QUE BRAZIL É ESSE? O que eles disseram sobre o Brasil
«Que Brazil é esse? – O que eles disseram sobre o Brasil» é uma estimulante viagem de corpo e alma pelo Brasil. O autor, Paulo Otávio Barreiros Gravina, faz uma selecção de frases de conhecidas personalidades e a partir do olhar do estrangeiro traz para o leitor uma narrativa leve, bem humorada, recheada de histórias pitorescas sobre «nosso país» e «nossa gente». «Que Brazil é esse? – O que eles disseram sobre o Brasil» é desses livros que seguram o leitor do princípio ao fim; com inteligência e humor, desmitifica e explica muitos perfis que acompanharam a trajectória do “Brazil”. QUE BRAZIL É ESSE? – O QUE ELES DISSERAM SOBRE O BRASIL Autor: Paulo Otávio Barreiros Gravina
Editora: Livros Ilimitados
1ª Edição: 2017 ISBN: 978-85-63194-480 Nº de Páginas: 162 páginas Encomendas: po_gravina@yahoo.com https://www.amazon.com https://livrosilimitados.loja2.com.br Contactos: Facebook: @paulo.gravina5 Instagram: @pobgravina Twitter: @GravinaPaulo Site: minhastraducoespoeticas.wordpres s.com
Paulo Gravina graduou-se em Economia e concluiu o mestrado em Literatura Brasileira na PUC-Rio. Trabalha com redacção, revisão, tradução e edição de livros e de textos. Participou em projectos de incentivo à leitura, mantém um blogue de tradução de poesias e letras de música e actua como professor e director-geral dos arquivos do Centro Dom Vital. Em 2017, lançou o seu primeiro livro, «Que Brazil é Esse? – O que eles disseram sobre o Brasil» (Editora Livros Ilimitados), e, em Abril de 2019, o segundo livro (narrativa de fantasia): «A Fábula do Príncipe Narseu» (Editora Cândido). Em 2018, lançou dois livros que traduziu e editou: «Eureca» de Edgar Allan Poe e «Prefácio a Shakespeare» de Samuel Johnson, ambos em edição ilustrada. Publicou textos em jornais literários, sites de literatura e publicações académicas e participou nas seguintes antologias: «Das Trevas» (2017), «Mundos» Vols. 6 e 7 (2018), «Luz de Natal» (2018) e «A Máquina Consciencial: Contos de Ficção Científica» (2019).
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LIVROS
CAMBADA Crônicas de Papa-Goiabas
O livro «Cambada – Crônicas de Papa-Goiabas», de Erick Bernardes, permite-nos entrar em contacto com ricas histórias de partes da região fluminense do Brasil. Por meio de narrativas bem construídas, que são resultado de suas próprias andanças pela cidade, o cronista desvenda uma série de mistérios em torno do passado, bem próximo do lugar onde nasceu, do município de São Gonçalo. O volume «Cambada – Crônicas de Papa-Goiabas» é o fruto de uma série de crónicas veiculadas no Jornal Daki: a notícia que interessa, periódico no qual o autor é colunista dominical, e que tem servido de referência para escolas e colégios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e, também, para todos aqueles que amam a maneira descontraída de obter conhecimento histórico.
CAMBADA – CRÔNICAS DE PAPA-GOIABAS Autor: Erick Bernardes
Editora: Apologia Brasil 1ª Edição: 2019 ISBN: 978-85-5645-002-9 Encomendas: Email: ergalharti@hotmail.com Telefone Celular: (21) 98571-9114
Formado em Letras, com Especialização e Mestrado em Estudos Literários pela Faculdade de Formação de Professores da UERJ, Erick Bernardes (n. 1977) tem-se preocupado em recuperar a História dos bairros do município de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro, por meio da ficção. Criado no Engenho Pequeno, hoje mora no Lindo Parque, e já publicou o livro de contos «Panapaná – Contos Sombrios» (2018), pela editora Autografia. É prefaciador de livros, crítico e consultor literário e publica frequentemente folhetos de cordel sobre o município de São Gonçalo com o poeta e amigo Zé Salvador. Também colabora com o Jornal Diário da Poesia, além de ser cronista e editor do “Painel Cultural” do Jornal Daki.
Site do autor: https://escritorerick.weebly.com
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LIVROS
CIRANDA, CIRANDINHA Vamos brincar com poesia?
«Ciranda, Cirandinha: Vamos Brincar com Poesia?» é o primeiro livro solo de poemas destinados ao público infanto-juvenil de Rita Queiroz. Conta com 13 poemas e com ilustrações de Jota Cabral, em que o universo infantil é retratado. Os poemas tratam da infância da autora na casa dos avós, das brincadeiras, do circo, dos animais, dos jogos de bola, pipa e electrónicos, das aventuras na praia, das coisas de menina e das doçuras infantis como um todo. No final do livro, há um espaço para a criança escrever o seu texto e colorir a ilustração.
CIRANDA, CIRANDINHA: VAMOS BRINCAR COM POESIA? Autora: Rita Queiroz
Editora: Darda
Nº de Páginas: 22 páginas 1ª Edição: Junho 2019 ISBN: 9788554431259 Encomendas: https://www.dardalivraria.com.br https://www.facebook.com/rita.qu eiroz.334
A AUTORA – Rita Queiroz nasceu na Bahia de Todos os Santos, na terra de Nosso Senhor do Bonfim, Brasil, com o Sol em Leão, aos 22 dias do mês de Agosto. É professora universitária, filóloga (pesquisadora do manuscrito) e poeta. Autora dos livros «Confissões de Afrodite», «O Canto da Borboleta», «Canibalismos» (Penalux, 2019, 2018, 2017), «Ciranda, Cirandinha: Vamos Brincar com Poesia?» (Darda, 2019; infantil) e «Colheitas» (Darda, 2019, 2018). Organizadora de colectâneas, colunista na revista cultural Evidenciarte e integrante de diversas antologias, no Brasil e no exterior. Faz parte da Plataforma Virtual Mapa da Palavra 2016 (Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB), do Portal Oxe de Literatura Baiana (IFBA – Campus Santo Amaro) e dos colectivos “Confraria Poética Feminina”, “Mulherio das Letras” e “Coletivo de Autoras de Literatura Infantil e Infanto-juvenil da Bahia” (CALIIB). É co-autora da antologia «Luz de Natal» da Colecção Sui Generis. 223
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LIVROS
SHADOWS OF LIFE Esta obra é o resultado de um “golpe de sol”, e as suas consequências no olhar de um fotógrafo. A distorção na visão levou a que a tentasse passar à fotografia. Manipulando, exageradamente, cada um dos negativos de forma a aproximar a imagem da sensação sentida. Guardadas, ciosamente, durante anos, vêem agora a luz do dia, acompanhadas da respectiva explicação, para que se mantenha a íntegra da sua essência e não sejam interpretadas como um mero abstraccionismo – que o não é, de todo. As imagens suscitaram sensações e abalaram sensibilidades; daí nasceram as palavras que as acompanham e as colocam sob um outro olhar. Quase lhe vestem roupas novas, ou emprestam um enfeite diferente: o grafismo das frases e a cadência melódica de um poema.
SHADOWS OF LIFE Autores: Paula Homem (poesia) e Alexandre Carvalho (fotografia) Editora: Alma Lusa Nº de Páginas: 100 páginas 1ª Edição: Junho 2019 Encomendas: facebook.com/paula.homem.3 facebook.com/alexandre.carvalho.9 847867
aleph@clix.pt info@maqcom.net
OS AUTORES – Nascida em 1959, Paula Homem tem uma licenciatura na área do turismo e um mestrado na área da comunicação. Incitada desde muito jovem a escrever, e a ler, escreve por paixão; tem na prosa a sua casa, mas a poesia é o refúgio, a paz que sossega e acalma, o seu mais precioso esconderijo. Está presente em obras colectivas de várias editoras. Publicou este livro de poesia em parceria com o fotógrafo Alexandre Carvalho: «Shadows of Life» (2019). Participações em obras Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «Graças a Deus!» (2016), «Sexta-Feira 13» (2017), «Sinfonia de Amor» (2018), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). Nascido em 1952, Alexandre Carvalho começou a trabalhar em Artes Gráficas em 1968, como desenhador e fotógrafo. Passou pelo jornalismo “freelancer”, foi associado agenciado na L’Agence NormmaPress, fotografou para catálogos de roupa feminina e fotografou actividades da área da Moda e Cosmética. Assim foi-se tornando num “generalista” da fotografia. Apenas agora publicou algumas coisas de um projecto iniciado em 1972, com a mais elevada “carga intimista”, pouco por si, talvez, superada em outras “pesquisas” que ainda tenta “vasculhar” no seu já algo depauperado Arquivo sobrevivente... 225
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LIVROS
SINFONIA DE AMOR
SINFONIA DE AMOR Contos, Crónicas, Cartas e Poesias Antologia Lusófona Autores: 75 Autores Organização: Isidro Sousa Colecção Sui Generis Editora Euedito Nº de Páginas: 300 páginas 1ª Edição: Dezembro 2018 ISBN: 978-989-8896-71-1 Depósito Legal: 450089/18 Encomendas: letras.suigeneris@gmail.com www.euedito.com/suigeneris letras-suigeneris.blogspot.com
O amor é uma emoção ou um sentimento de carinho e demonstração de afecto que se desenvolve entre seres que possuem a capacidade de o demonstrar. Provoca entusiasmo por algo e interesse em fazer o bem, motiva a necessidade de protecção e manifesta-se de diferentes formas: amor materno ou paterno, amor fraterno, amor físico, amor platónico, amor à vida, amor pela Natureza, amor pelos animais, amor altruísta, amor incondicional, amor-próprio, etc. O termo deriva do latim “amore”, palavra que tinha o mesmo significado que actualmente tem: sentimento de afeição, paixão e grande desejo. Mas definir o que é o amor não é tarefa fácil, pois pode representar algo distinto para cada pessoa. Há, de facto, diversas definições e tipos de amor, que diferem de caso para caso, dependendo das pessoas e circunstâncias. O amor físico, por exemplo, representa o amor entre casais, sentimento que envolve uma forte relação afectiva e, em geral, de natureza sexual. O amor a Deus demonstra uma ligação de carácter religioso, um sentimento de devoção e adoração. Já o amor proibido acontece quando o relacionamento entre duas pessoas não é permitido. Muitas pessoas expressam os seus sentimentos mais profundos através de mensagens de amor, declarações de amor ou poemas de amor, que compartilham com pessoas especiais. E não podemos olvidar que o amor tem também um papel social, alimentando outras acções e sentimentos como a solidariedade, sendo igualmente um dos temas mais importantes de várias formas de arte. Esta obra colectiva procurou abranger todos os tipos de amor, em diferentes géneros literários. E embora o amor físico predomine na maioria dos textos, resultou numa belíssima antologia que inclui contos, cartas, crónicas e poemas sobre o amor, diversas formas de amor, uma autêntica Sinfonia de Amor construída por 66 autores lusófonos contemporâneos, cujos textos se mesclam com (outros) textos de 9 autores clássicos, tais como Florbela Espanca, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Mário Quintana, Olavo Bilac, entre outros. 226
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LIVROS
CONFISSÕES DE AFRODITE «Confissões de Afrodite», de Rita Queiroz, é um livro que aborda o amor em toda a sua plenitude, explorando-o a partir dos sentidos humanos. Há uma leveza poética que faz o(a) leitor(a) sentir as emoções do sujeito lírico e mergulhar no cálice prenhe do amor, provocando sensações tácteis, gustativas, olfactivas, auditivas e visuais em leitores ávidos por uma volúpia literária. Retrata-se o amor como “um perfume de absinto em noites de girassóis”, que ora “embriaga os sentidos” e explode como vulcão, ora se manifesta em calmaria. «Confissões de Afrodite» exibe a geografia do amor, evidenciando o “reinado de Eros e Vênus”, ainda que “Tânatos ronde à espreita”.
CONFISSÕES DE AFRODITE Autora: Rita Queiroz
Editora: Penalux Nº de Páginas: 90 páginas 1ª Edição: Março 2019 ISBN: 9788558334846 Encomendas: https://www.facebook.com/rita.qu eiroz.334
A AUTORA – Rita Queiroz nasceu na Bahia de Todos os Santos, na terra de Nosso Senhor do Bonfim, Brasil, com o Sol em Leão, aos 22 dias do mês de Agosto. É professora universitária, filóloga (pesquisadora do manuscrito) e poeta. Autora dos livros «Confissões de Afrodite», «O Canto da Borboleta», «Canibalismos» (Penalux, 2019, 2018, 2017), «Ciranda, Cirandinha: Vamos Brincar com Poesia?» (Darda, 2019; infantil) e «Colheitas» (Darda, 2019, 2018). Organizadora de colectâneas, colunista na revista cultural Evidenciarte e integrante de diversas antologias, no Brasil e no exterior. Faz parte da Plataforma Virtual Mapa da Palavra 2016 (Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB), do Portal Oxe de Literatura Baiana (IFBA – Campus Santo Amaro) e dos colectivos “Confraria Poética Feminina”, “Mulherio das Letras” e “Coletivo de Autoras de Literatura Infantil e Infanto-juvenil da Bahia” (CALIIB). É co-autora da antologia «Luz de Natal» da Colecção Sui Generis. 227
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CONTO
O LATIDO DOS CÃES DE CAÇA JÚLIO GUTHEIL Tem 26 anos e vive em Feliz, pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, Brasil. Colaborou com sites de música, literatura e seriados de televisão, produzindo resenhas opinativas e redigindo notícias. Escreve romances de fantasia e contos de ficção científica e mistério e publica-os em plataformas digitais.
“Remoí aquelas mazelas e misérias, sempre catatônico, sem reagir, deixando que aquele mar de lembranças sombrias percorresse os corredores empoeirados da memória. Mas de repente escuto os latidos dos cães de caça dos vizinhos; lá vão eles caçar de
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novo, aproveitando suas manhãs outonais livres. Aquele som me arrancou do limbo. Depois de muitas horas me mexi de novo. Os músculos doíam, minha cabeça pesava uma tonelada e minhas pernas demoraram uma eternidade para responder. Tentei me levantar, mas caí; não de volta na poltrona, mas no chão sujo. Fiquei estirado ali, como um cachorro vira-lata que definha de fome.” POR JÚLIO GUTHEIL
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A
manhecia mais um dia sem sol. A mesma Mas de repente escuto os latidos dos cães de caça coisa das últimas três semanas. dos vizinhos; lá vão eles caçar de novo, aproveiEu não tinha dormido, nem nessa noite tando suas manhãs outonais livres. Aquele som nem nas outras três ou quatro; acho que perdi até me arrancou do limbo. Depois de muitas horas me a noção do tempo. Passei toda a madrugada na mexi de novo. Os músculos doíam, minha cabeça poltrona antiga que um dia fora do meu avô. Ela pesava uma tonelada e minhas pernas demoracheira a mofo e a velhice. Mas nem isso me fazia ram uma eternidade para responder. Tentei me sair dali, já que todas as qualevantar, mas caí; não de volta tro garrafas de uísque barato na poltrona, mas no chão suque tinha tomado já estavam jo. Fiquei estirado ali, como ali do lado mesmo, na mesa um cachorro vira-lata que deCom esforço cego, tentei capenga e cheia de cupins vofinha de fome. Com esforço me erguer de novo. Conserazes que não se saciavam da cego, tentei me erguer de nomadeira apodrecida. vo. Consegui. Mas do caminho gui. Mas do caminho entre A escuridão daquela sala entre o chão frio até a altura o chão frio até a altura do abandonada aos poucos se do ar mal cheiroso, milhares ar mal cheiroso, milhares dissipava, dando lugar ao cinde faces cruzaram com o meu za mórbido do novo dia miseolhar, me acusando, querendo de faces cruzaram com o rável que nascia. Mal me meme apedrejar e estampando meu olhar, me acusando, xia, com o pescoço duro, em mim a culpa por tudo. Susquerendo me apedrejar olhando sempre para o messurros nos meus ouvidos, vinmo ponto escuro da parede dos de todos os lados. Sentiae estampando em mim a descascada. Meus olhos estame tão entorpecido que nada culpa por tudo. Sussurros vam congelados, não piscame afetava, não sentia nada, nos meus ouvidos, vindos vam, e pela minha mente sonem de bom nem de ruim, tumente passavam as assomdo apenas girava num caleide todos os lados. Sentiabrações. Quando finalmente doscópio de alucinações. me tão entorpecido que aquele único ponto o qual Queria conseguir entender nada me afetava, não sentia observava ficou claro, consepor que ela me contava tantas gui ver outra vez aquela malmentiras. Uma mentira sobre nada, nem de bom nem de dita foto. a outra. E com essa fixação ruim, tudo apenas girava Posso dizer que éramos fedoentia na cabeça dei alguns num caleidoscópio de lizes. Ou não. Nunca soube. passos em direção à janela da Lembro-me até hoje do dia sala. A luz, mesmo fraca e pálialucinações. que tiramos a foto. Éramos da, queimou meus olhos. E na bastante jovens, animados bruma que se formou diante com a vida. Mas aos poucos de mim, vi com clareza o seu todos os nossos sonhos foram definhando e a verrosto cínico, sorrindo alegre, com mais uma de dade se mostrou tão crua que a vida se tornou um suas mentiras. eterno funeral embalado por cânticos de réquiem. Apoiei-me num dos lados da janela, respirei Mais algum tempo remoí aquelas mazelas e fundo. Um pouco da bruma se dissipou; resquícios misérias, sempre catatônico, sem reagir, deixando mínimos de lucidez lampejaram por alguns instanque aquele mar de lembranças sombrias percortes. Aos poucos a ardência dos olhos foi cedendo, resse os corredores empoeirados da memória. e consegui olhar para fora, vislumbrando aquele 230
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cenário desolado. Dei-me conta que chuviscava; fraca, mas constantemente. Um véu cinza cobria o bosque de ciprestes pouco à frente da casa, e misturada naquela névoa espectral eu vi mais e mais rostos... Os cães de caça continuavam a latir. Minha cabeça pulsava, como uma bomba prestes a explodir. Boca seca, como se mastigasse areia, e apesar da leve melhora dos olhos ainda via tudo embaçado e distorcido. Tentei me virar, e aos tropeções dei alguns passos, entorpecidos, bêbados, que derrubavam coisas por todos os cantos. Tentava seguir o caminho da luz que estava acesa no banheiro. Consegui chegar nele. O fedor não incomodava, nem o sentia para falar a verdade. A luz fraca e pálida da lâmpada que balançava como um pêndulo dava àquele recinto imundo um ar fantasmagórico, repleto de espectros inquietos, sussurrantes e que me apontavam seus dedos imaginários enchendo-me de acusações e clamando minha morte. Os latidos dos cães ainda ecoavam, sem parar,
assim como o barulho dos cascos dos cavalos dos caçadores indo atrás do sangue de algum animal. Agora estava eu apoiado na pia repleta de vômito seco, mirando um olhar embaçado de tantas alucinações para o chão ladrilhado cheio de sujeira e decrepitamente velho. Arfava com muita força, como se o ar fugisse de mim. Olhei no espelho quebrado. O que vi era qualquer coisa menos um ser humano. Uma figura descarnada, de pele amarela, barba crespa e cheia de nós, olhos mortos perdidos em um horizonte de mentiras. Abri o pequeno armário e peguei o primeiro frasco que vi. Enchi a mão de comprimidos e enfiei todos de uma vez na boca, e os engoli com a água marrom e amarga que saía da torneira. A sensação daquilo me descendo na garganta me fez lembrar o exato momento que dei a primeira facada. Funda; rasgante; bem no pescoço. No mesmo instante voltou-me às narinas o cheiro intenso de sangue, que me cobriu inteiro, além do que se empoçou no chão. Acho que ela conseguiu ver nos seus últimos instantes sua face reflectida
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naquele líquido quente e viscoso que jorrava de dentro de suas entranhas depois dos golpes seguintes. A fúria é algo que cega um homem. Não me lembro de como foi sua expressão; aliás, tudo o que aconteceu entre pegar a faca na cozinha, caminhar silencioso pelos corredores da casa e matá-la, de certa forma foi apagado da minha memória. É um lapso, um breu completo. Só lembro a partir do primeiro golpe. Saio dali. Os comprimidos fazem algum efeito, mínimo, fraco, de tanto que eu já os engoli dia após dia. Mas mesmo assim ainda é algo. A cabeça desanuvia, e muitos dos fantasmas evaporam-se diante dos meus olhos doloridos, mergulhando a casa em sombras e silêncio que conseguiam ser mais perturbadores do que toda a balbúrdia que faziam os espíritos que infestavam minha mente. Lá longe, os cães de caça seguiam a latir, incansáveis e determinados. Arrasto os pés por um corredor totalmente escuro. Cuspindo um catarro espesso pelo chão, sentindo o nariz fechado e com uma falta de ar quase claustrofóbica. Não me lembro se pensava em algo, ou se apenas havia um gigantesco vazio na cabeça. Quando me dou conta, estou diante de uma porta de ferro enferrujada. Sem muito esforço a abro, os olhos dessa vez não queimaram, ficaram apenas um pouco foscos. E quando o mundo clareia, consigo ver a varanda de madeira e do outro lado o bosque de ciprestes, mais adiante. A porta por trás de mim se fecha com um sopro forte de vento, tão forte que causou um eco
que soou por toda a casa. Olho para o chão e vejo dezenas de jornais, ainda enrolados e dentro de sacos plásticos. Sabia muito bem o que havia nas manchetes, dos mais sérios até os mais sensacionalistas tablóides de última categoria. Um pouco ao lado, bem abaixo a uma janela havia um banco de madeira, que meu avô construíra muitos anos antes com suas próprias mãos. Cato alguns dos jornais largados no chão e me sento no banco, me deixando cair, de forma que as velhas juntas rangeram e quase cederam. O efeito dos comprimidos já passara, e minha cabeça voltara a pulsar. Tonturas vieram junto dessa vez, meus músculos se retraíram com tanta força que pareceu que se desprenderiam dos ossos, a bile subira num jorro incontrolável. Quase caí do
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banco pondo pra fora aquilo, meu abdômen se contraiu de tal maneira que senti como se houvesse um buraco na minha barriga. Minha vista estava fosca de novo, surgira uma febre enorme do nada, tremia e batia os dentes e ainda via cenas misturadas e confusas de um passado nem tão distante, num delírio que corria muito próximo da insanidade plena. Ela sorria, e sorria tão docemente que por uma fração de instante me enganou mais uma vez. Uma mentira tão saborosa, conveniente, e que por tanto tempo eu acreditei como uma criança tola. Via seus cabelos compridos, tão pretos e sedosos que provocavam um tipo de feitiço sedutor cujo qual eu nunca consegui resistir. E seus olhos. Aqueles dois olhos brilhavam como safiras. Dançava num campo aberto, florido, que exalava vida e felicidade por todos os lados. Mas então o mundo escureceu, clarões piscavam sem parar, eu ouvia gritos, sentia sangue nas mãos e a mesma raiva, a mesma ira. Delirava de olhos abertos, olhando para o céu plúmbeo, até que fui arrancado em parte daquilo tudo quando uma mão gelada agarrou minha nuca. Continuava fantasiando coisas do passado, mas me virei arfante, dolorido, à procura da mão que me tocara. Mas não havia nada, ninguém além dos corpos imaginários do remorso. Cenas rodopiantes de crueldade e loucura continuavam passando pela frente dos meus olhos. Abri um dos jornais. Na capa havia fotos de um
Cenas rodopiantes de crueldade e loucura continuavam passando pela frente dos meus olhos. Abri um dos jornais. Na capa havia fotos de um corpo mutilado, de olhos tão abertos e ainda tão sedutores... Percebi um sorriso,
que me provocava. Ela me perseguia. O sorriso me perseguia. Em todos os lugares. Nunca de frente, nunca diretamente, nunca me encarando. Somente em pequenos detalhes. Uma pintura, uma foto, um borrão no assoalho da casa.
corpo mutilado, de olhos tão abertos e ainda tão sedutores... Percebi um sorriso, que me provocava. Ela me perseguia. O sorriso me perseguia. Em todos os lugares. Nunca de frente, nunca diretamente, nunca me encarando. Somente em pequenos detalhes. Uma pintura, uma foto, um borrão no assoalho da casa.
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completo, abandonei meus sonhos de infância, desisti de tudo por ela. Tudo era perfeito, um paraíso de amor e esperança... que ela despedaçou com uma naturalidade que foi uma facada infinitamente mais dolorosa do que todas as que eu enfiei nela mais tarde. Em meio a tantos remorsos, escuto uma voz. Uma voz de verdade. Clara, nítida, bem próxima de mim. A primeira voz que ouvi em mais de um mês isolado naquele buraco perdido e apodrecido pelo tempo. «Olá, meu caro amigo. Como você está?» Em uma espécie de choque jogo o pescoço para baixo, abrindo meus olhos de uma vez só, sem conseguir respirar. Depois de a dor ter diminuído, começo a procurar a origem daquela voz tão amável. Olho de um lado para outro incessantemente, mas não vejo nada além da insólita paisagem amarronzada do outono. «Que homem mais mal educado, não responde a um velho amigo.» Agora a voz vinha de outro lado, e depois veio de outro, e outro. Parecia flutuar pelo ar, girando ao redor da minha cabeça, mais um dos frutos doentios dela, que chegava aos limites da sanidade. Mas não, aquilo era real, muito real. Tinha que ser algo de verdade. Em um esforço que foi quase além das minhas capacidades deterioradas me levantei, com a sensação de que iria cuspir os pulmões a qualquer momento. «Quem é você?» Pergunto numa voz entorpecida, quase um grunhido sem forças. «Quem eu sou? Sou um amigo.» Então ele surge na minha frente. Era um homem. Trajava um fraque, muito elegante, que parecia ser de tecidos dos mais nobres. Na cabeça uma cartola, nos pés botas negras de couro reluzentes. E aquilo era um dos maiores absurdos que
Abri outros. A mesma história, com outras palavras, outras versões, outras invenções. Eles não sabiam, nunca irão saber a dura e cruel verdade. As fotos reavivavam minhas lembranças daquele momento; sem piedade os fotógrafos haviam registrado cada perfuração que fiz nela, as poças de sangue coagulado no chão, o corpo desfigurado, tudo... tudo... E os jornais vendiam... Os jornais foram se empilhando. Passei um por um. A notícia não envelheceu nessas semanas. Até que cheguei ao último. A data era de amanhã, e na capa havia uma casa destruída por um incêndio. A minha casa. Não consegui ler a matéria, tudo se borrou de novo diante dos meus olhos; de novo não sabia distinguir entre realidade e delírio. Amassei aquele amontoado de insanidades impressas e atirei para longe, e só lembro mais de ter ouvido o barulho da bolota de papel batendo contra a lama do chão encharcado. E o latido dos cães de caça. Quando me dei conta estava esfregando o rosto com força, sem parar, revendo infinitas vezes todas as cenas da mentira que fora nossa vida juntos. Estirado naquele banco velho, sentindo dores intensas, que não sabia se eram reais ou efeito de tanta bebida e remédios. Por que ela fez tudo aquilo comigo? Por quê? Eu tinha me entregue por 234
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já tinha visto em toda minha vida ridícula. Fiquei parado, olhando diretamente para ele, meio encurvado, tremendo e arfante. «Nunca te vi» Falo, sem ter pensando nisso. «Claro que não.» «Então por que me chama de amigo?» «Porque eu sou sim seu amigo. Venha comigo dar um passeio.» Só podia ser outra alucinação. Jamais poderia ser real. Minhas insanidades estavam me arrastando para a loucura definitiva, onde os delírios eram tão perfeitos que parecem ser de verdade. Aquele homem tinha uma voz macia, suave. Ele parecia ser amigável, suas palavras emanavam doçura. Olhei bem para seu rosto. Tinha um sorriso largo, radiante; olhos azuis profundos. Era esguio, não muito alto, de rosto anguloso; sem barba, com a pele lisa e muito clara. E ele me fitava com tranqüilidade e serenidade impressionantes, sem nunca tirar aquele sorriso de seu rosto. E chovia já bastante à sua volta, gotas de água escorriam por seu rosto, molhando suas elegantes rou-
pas. Suas botas ficavam enlameadas, os cabelos que ficavam de fora da cartola encharcados; mas sua expressão angelical era inabalável. Fiquei confuso e ainda mais atordoado. Com passos lentos desci a pequena escada de degraus de madeira, e logo pisei no chão molhado, cheio de lama e folhas mortas. A chuva estava gelada, e o vento que soprava sem parar me deixava com a pele eriçada. Minhas pernas andavam sozinhas, eu não as sentia. O homem começou a andar do meu lado, sempre sorrindo, como se fosse o mais belo dos dias da primavera. As nuvens ficaram ainda mais pesadas, e tudo estava mergulhado num cinza intenso, opressor. Seguimos por uma pequena estrada que adentrava no bosque de ciprestes. Mais adiante o chão estava mais seco, e sem nenhuma folha, mas muitos pingos de chuva ainda caíam sobre nossas testas. Tudo estava silencioso, e ainda mais escuro. De novo via vultos, muitos vultos, que me miravam de forma ameaçadora. E os cães de caça latiam, latiam e latiam.
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«Ora... Por quê?» «Ela me traiu, mentiu para mim, me enganou durante anos. Ela me usou, e quando não precisou mais de mim me jogou fora como lixo.» «Isso não é desculpa.» «Você não sabe de nada.» «Eu sei de tudo.» O homem ria alegremente, colocando a mão no meu ombro. Tiro a mão dele do meu ombro com raiva. «Quem diabos você é?» Rosno, com os olhos virados, respirando com minhas últimas forças. «Essa é a pergunta mais difícil de todos os tempos, sabia?» «Pare com isso seu verme! Responde quem é você de uma vez!» «E eu gostaria de saber de você: Quem é você? Ou o que é você?» Fiquei sem resposta, a raiva cresceu muito naquele momento, mas ficou entalada na garganta. O que era eu? No que eu fui me tornar? Continuamos andando nesse meio tempo, sem nunca parar. A névoa descia mais e mais, ficando densa, grossa e tão espectral que era possível ver os fantasmas de todas as incontáveis gerações que ali viveram. «Vamos, me responda, estou tão ansioso por saber sua própria opinião sobre sua decadência tão lastimável.» «Foi culpa dela...» «Não, não... não foi. Eu sei muito bem que a culpa foi somente sua.» Começamos a subir uma ladeira, ainda mergulhados em névoa e em meio aos ciprestes. Ouviam-se os latidos dos cães não muito longe, outra vez ganindo atrás de alguma lebre de má sorte e sem se importar com o barulho de antes. «O que levaria um jovem de futuro tão brilhante a mergulhar dessa forma na violência e insanidade? Egoísmo? Ciúmes? Inveja? Ira reprimida? Ora, ora, temos tantas possibilidades...» «Não temos. Eu te falei a verdade; ela me traía
«Para onde nós vamos?» Pergunto, gemendo, arrastando os pés pelo chão. «Não tenha pressa. Podemos conversar muito no meio tempo.» Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa a ele ouvi ao longe um ruído muito alto, que quebrou com a parede grossa de silêncio que havia no ar. Não consegui entender o que acontecera, só tinha certeza que viera da casa. Os cães agora latiam em frenesi e loucura. «O que foi isso?» «Nada, apenas seus amigos festejando.» «Festejando?» «Claro, eles têm um excelente motivo para festejar.» Minha cabeça estava girando, andava sem saber como o estava conseguindo. Não tinha como questionar as coisas que ele dizia. «Por que você a matou?» Perguntou o homem de repente, e em uma simplicidade enorme. «Como você sabe?» Falar doía demais, era um tormento, um suplício, mas eu falava mesmo assim. «Todos sabem.» «Ela merecia...» 236
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e me enganava de uma forma tão cruel que perdi o controle.» «Essa é a mentira que você conta para si mesmo? A justificativa que inventou para não entregar-se de uma vez aos braços da loucura? Fugir de si mesmo é como se estes cães de caça que tanto latem decidissem perseguir seus próprios rabos.» «Você não deve saber o que um homem amargurado e ferido na alma é capaz de fazer por vingança.» «Não sei mesmo – Ele disse isso abrindo ainda mais seu sorriso – Mais sei o que é desafiar quem me criou.» «Como?» «Ache o que você quiser. Você tem esse direito. Pelo menos por enquanto.» Chegamos a uma clareira, no topo da colina. Podia ver a casa dali, velha, decadente, prestes a desabar. Adiante havia um poço. Chuva, neblina, frio e fantasmas. A visão daquele ponto não passava de um borrão cinza na imensidão sem vida que era todo aquele pedaço perdido de mundo.
Meu passado era uma enorme sombra. Tinha tentado sepultá-lo durante muito tempo, e quando estava conseguindo apareceu ela, e fez meu mundo desmoronar outra vez. Eu matava mulheres sim, foram muitas, tantas que não
lembro o nome de quase nenhuma. A bebida e os remédios faziam esquecer-me de tudo; mas ela, a última e derradeira mulher da minha vida, fez com que esses vícios fossem levados a um nível que me destruiu por completo, eu não era mais nada.
«Sua infância foi feliz aqui.» «Foi.» «Até que você viu seu tio abusando o filho do empregado.» Não respondo nada. Uma chaga quase fechada foi arrebentada de novo, o sangue jorrou em torrente, e a dor voltou ainda mais intensa do que foi naquele dia remoto. «Foi a primeira vez que a ira brotou dentro do seu ser. E a primeira vez das tantas que você matou. Até hoje seus parentes devem se perguntar que fim levou seu tio depois daquele inexplicável desaparecimento. Mas eu sei, porque eu estava lá observando e sabendo que mais 237
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«O que ela tem a ver com isso tudo?» «Só o fato de ela ter sido sua primeira mulher em uma cama, e que na hora seguinte arrancou-lhe a cabeça.» Meu passado era uma enorme sombra. Tinha tentado sepultá-lo durante muito tempo, e quando estava conseguindo apareceu ela, e fez meu mundo desmoronar outra vez. Eu matava mulheres sim, foram muitas, tantas que não lembro o nome de quase nenhuma. A bebida e os remédios faziam esquecer-me de tudo; mas ela, a última e derradeira mulher da minha vida, fez com que esses vícios fossem levados a um nível que me destruiu por completo, eu não era mais nada. «Não fique aí se remoendo, olhando apenas para o chão. Você já passou tempo demais fazendo isso naquela casa imunda e infestada de pragas. Vamos, se abra.» «O que você quer que eu diga?» «O que você sente?» «Vontade de te matar.» «Não me surpreendo. Mas digame como é ter dupla personalidade?» «Se é dois num só, como você deve supor. Mas não, não se é nada. O que você preferiria: o jovem e brilhante advogado com futuro sem limites ou o assassino louco e demente com trauma de infância que mata sem motivos? Não adianta querer um ou outro, pois não se é nada, se é apenas um espantalho, uma carcaça vazia.» Ele me olhava com a mesma doçura, candidamente, sorrindo de uma maneira que ia me deixando irritado, nervoso, inquieto e só aumentava meu completo desequilíbrio. «Se você repetir uma mentira mil vezes ela se torna verdade? Sua capacidade de ser dissimulado
cedo ou mais tarde eu e você estaríamos aqui neste exato lugar.» «Seu cretino... você não sabe de nada. Eu nunca matei mais ninguém.» «Não se faça de desentendido. Você gostou daquilo, tinha um sabor de poder que te enfeitiçou. Mas não se assuste ou fique preocupado com o que eu pense de você, eu também sei que você só teve a coragem de recomeçar a matança vários anos depois. Aquela moça que você tinha encontrado no primeiro dia de aula da faculdade, cujo nome já se perdeu no esquecimento, ela gostava realmente de você.» 238
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sempre me fascinou, meu caro. Como alguém iria desconfiar de um jovem tão dedicado, simpático, gentil, honesto, amigo de todos? Não porque você tinha uma versão boa de si mesmo, mas porque você era realmente muito bom em esconder o verdadeiro monstro que sempre foi.» E ele tinha razão, eu era muito bom nisso. «Por que você veio até aqui desencavar meu passado, que nem mesmo eu queria lembrar?» «Porque sim. Você jamais pode esquecer isso. Os atos das pessoas são irreparáveis, logo nunca deverão ser esquecidos, e mesmo que você queira com todas suas forças, nunca irá conseguir uma proeza como essa.» «Eu iria parar, iria mesmo. O sujeito normal dentro de mim estava começando a vencer, a tomar o espaço do assassino. Todas as mulheres que matei não tinham me feito nada, absolutamente nada, só as matava por diversão. Mas a última, a mulher que eu amei de verdade, pela qual me decidi a largar meus sonhos e até parar de matar, ela me apunhalou. Você sabe o que é uma
mentira? Você sabe o quanto uma mentira destrói?» «Claro que sei. Sou mestre nisso! Conte mais, conte mais! Minta mais para mim, minta mais e mais para você mesmo!» Ele estava efusivo, com uma alegria tão grande como se estivesse contando a ele algo muito divertido. Os latidos dos cães de caça pareciam mais próximos agora. «Por bastante tempo me deixei enganar, sem desconfiar. O amor pode cegar tanto quanto a raiva; talvez no fundo soubesse, mas não queria. Um dia não suportei mais, e o assassino deixou só outra parte, ele se fundiu com o outro e perdi o controle. A ira me invadiu por completo e terminei com tudo. Fugi; escondo-me da polícia, passo os meus dias em uma sala escura me embebedando e deixando os remorsos me consumirem, esperando não sei o quê.» «Então creio que temos a resposta daquela pergunta. Quem é você? Quem é você de verdade? Sem as mentiras, sem correr ao redor do pró-
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prio rabo? No fundo da sua alma?» «Um assassino que deixa seu passado apodrecê-lo. Um animal entocado sem coragem de encarar o mundo.» «Você tem a solução para esse medo de encarar o mundo depois de tudo o que fez.» Estava petrificado. Não de medo, não de frio. Não sabia o porquê, apenas estava completamente duro. Não sentia minhas articulações, me ocorreu que estivesse virando uma estátua; que um destino cruel estava me eternizando na melancolia para que jamais conseguisse me esconder de novo, e que o fardo do remorso jamais me abandonasse. Mas não era isso, era algo pior. A água gelada da chuva escorria pelo meu pescoço, sobre meus olhos, entrando pelo meu nariz junto com a respiração densa. Revi minha vida em poucos instantes, como um pano de fundo para a imagem do olhar doce e angelical do homem elegante que não dissera quem era e o que queria. Mexi-me duramente, virando para o outro lado. Lá embaixo a casa encoberta pela neblina. Mas de repente ela explode, e as labaredas laranja emergem da névoa, e a velha casa começa a ruir.
«Meu amigo, aos poucos você está se libertando. Apesar da brutalidade, matando aquela mulher você deu o primeiro passo para essa liberdade. Os remédios, as bebidas, o isolamento... tudo um longo caminho. E agora essa casa amaldiçoada ruindo... você está quase lá. Só falta um único passo.»
Estava petrificado. Não de medo, não de frio. Não sabia o porquê, apenas estava completamente duro. Não sentia minhas articulações, me ocorreu que estivesse virando uma estátua; que um destino cruel estava me eternizando na melancolia para que jamais conseguisse me esconder de novo, e que o fardo do remorso jamais me abandonasse. Mas não era isso, era algo pior. 240
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O ar infernal do incêndio em meio ao chuvisqueiro e a neblina era espantoso. As paredes caíam, o teto já desabara, e eu vislumbrava com uma clareza cristalina a multidão fantasmagórica de almas que emergia do calor, fugindo dali, conseguindo sua própria liberdade após décadas aprisionadas, agrilhoadas pelas barbáries feitas por tantas gerações depravadas e cruéis. O homem estava certo, acabara de desmoronar a última coisa que me mantinha ligado a esse mundo podre. «É agora. Eu te ajudo.» Reparei certa mudança na voz dele, estava mais grave, mais ressoante. Olhei para seu rosto, ainda estava sorridente, mas agora um sorriso que concorria com minha insanidade. Seus olhos brilhavam, quase soltando fagulhas. Ele enfiou a mão dentro de suas roupas, e de lá tirou um jornal, que me entregou. Tinha cheiro de recém impresso, folhas alvas e ainda quentes. Na manchete: «Corpo de assassino em série é encontrado dentro de um poço.» A data era de cinco dias depois daquele. Levantei o olhar, e encontrei o dele. Suas íris estavam vermelhas, seu rosto pálido e o sorriso completamente demente. Suas roupas desmancharam, transformando-se em trapos rasgados. Começou a andar na minha direção, gargalhando, abrindo o sorriso tanto que pude ver todos os seus dentes reluzentes e pontudos.
Comecei a andar de costas, sem pensar no porquê disso. Não estava com medo dele. Não tinha medo de mais nada àquela altura. Encarava os olhos dele friamente, sem temer mais nada, só indo mais para trás a cada passo que ele dava. E quando finalmente parei, estava bem na beirada do poço. Virei-me de frente para aquele buraco e olhei para seu fundo, ouvindo a gargalhada frenética do homem elegante que agora era maltrapilho. No reflexo escuro da água parada vi de relance os rostos de todas as mulheres que matei durante meus anos de loucura; e pela última vez vi com
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clareza o sorriso da última, daquela que eu amei e da única que senti dor ao matar. «Ela te amava, muito mesmo» o homem de repente soou gentil outra vez. «Nunca te traiu ou mentiu, cada palavra que ela dissera era genuína e sincera, e você a matou porque esse é quem você é de verdade. Um assassino, repleto de ódio, que tem sede de sangue. E você sabe disso, tanto quanto você sabia que ela te amava.» Foi estrondoso o momento que o restante da casa desmoronou, voaram brasas ardentes e cinzas por todos os lados. Finalmente a última masmorra da minha insanidade foi destruída.
«A grande mentira de todas colapsou com aquelas facadas, e você quebrou. Fugir de si mesmo é como um cão de caça perseguindo o próprio rabo. Eles souberam, todos eles, e você fugiu e escondeuse. Mas não tem mais para onde fugir, nem onde esconder-se. Vamos, está na hora.» E ao som da chuva, do crepitar do fogo e das risadas dementes daquele demônio, me joguei para a escuridão eterna. A última coisa que ouvi em vida foram os latidos dos cães de caça.
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SEXTA-FEIRA 13
específico que caracteriza tal temor: Triscaidecafobia. Um medo irracional e incomum do número 13. No entanto, o pavor específico da sexta-feira 13 (fobia) é chamado de Parascavedecatriafobia ou Frigatriscaidecafobia! Parecem palavrões, não?! Contudo, vale frisar que em sociedades ancestrais, especialmente as pagãs, o número 13 representava o oposto, isto é, a sorte. Na Antiguidade, o número 13 recebia uma conotação positiva; poderia representar o mais poderoso e sublime. Assim, é dito que Zeus se juntou a 12 deuses num cortejo e, sendo o 13º, se distinguiu pela superioridade. Ulisses, por sua vez, escapou de ser devorado pelo Ciclope e era o 13º elemento do grupo. Na própria numerologia, há quem atribua o número 13 às renovações, boas vibrações e afins. Partindo dessa dicotomia, ambivalência, porém, com ênfase ainda nas lendas tétricas, surge esta antologia, tão interessante e bacana. São mais de 260 páginas e contam com 32 autores, contos que abordam as mais variadas perspectivas e plots. Destaque para o meu amigo brejense, pernambucano, contista, poeta e cordelista: Jonnata Henrique. Seu conto “O Pacto dos Malditos VS As Relíquias de Lúcifer” tem treze páginas (olha aí o 13 de novo), uma trama diversificada, original e imprevisível, onde três personagens protagonizam o enredo intrigante. Todavia, todos os personagens são peculiares e dinâmicos. Há ótimas descrições cenográficas, que já arrebatam logo na primeira página, incutindo grande imersão ao leitor. Boas cenas de horror e ação. Bastante magia e elementos fantásticos que contrastam com o ambiente de trevas e muitas vezes demoníaco projetado pelo autor. Leitura mais do que recomendável! (in Facebook, 12/05/2016)
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exta-Feira 13, antologia organizada e coordenada por Isidro Sousa, editada também por ele e Paulo Lobo. O misticismo apenso à data Sexta-Feira 13 remonta às antigas eras. Para muitos, considerado um dia de mau agouro. Enfatizam que o número 13 é sinônimo de má sorte; pelos mais variados significados, dos quais todos não caberiam neste texto, mas há alguns relevantes que vale a pena citar, já disseminados: * Nas Sagradas Escrituras, o capítulo 13 do livro do Apocalipse faz referência ao anticristo e à besta. * Na Última Ceia estavam presentes 13 elementos – Jesus e os seus 12 apóstolos. Nessa ocasião, Jesus foi traído por Judas Iscariotes. * 13 de Outubro de 1307, a Ordem do Templo é acusada de traição à Igreja, pelo Papa Clemente V, sob pressão do Rei da França Philip IV, mandando para a prisão os seus membros, nomeadamente o seu grão-mestre. E ainda, no tarô, a carta de número 13 representa a Morte (ainda que caibam os mais variados significados e interpretações). E quanto à sexta-feira, muitas culturas também consideram como dia de infortúnio: * Na tradição judaica o grande dilúvio aconteceu na sexta-feira. * A morte de Cristo aconteceu numa sexta-feira conhecida como Sexta-Feira da Paixão. * Marinheiros ingleses não gostam de zarpar seus navios à sexta-feira. Para se ter ideia da profusão, existe um termo
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NOVAS EDIÇÕES
BRISAS DE OUTONO Uma antologia Sui Generis dedicada ao Outono. Reúne, ao longo de 230 páginas, contos, crónicas, cartas e poesias de 65 autores sobre a terceira estação do ano, aquela que mais se associa à melancolia, à nostalgia, ao declínio da existência, já que algumas das suas principais características são a queda das folhas das árvores, as suas nuances amarelas, castanhas e vermelhas, o tom cinza do céu, modificações repentinas do clima e frutos amadurecidos.
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is a terceira de um conjunto de quatro antologias da Colecção Sui Generis que se dedicam a cada uma das estações do ano, sendo esta consagrada ao Outono, estação que surge logo depois do Verão e antecede o Inverno, preparando a vinda da estação mais fria. O Outono é caracterizado pelo declínio gradual nas temperaturas e pelo amarelar e início da queda das folhas das árvores, indicando a passagem de estações, sendo a estação que mais se associa à melancolia, à nostalgia, ao declínio da existência, já que algumas das suas principais características são a queda das folhas das árvores, as suas nuances amarelas, castanhas e vermelhas, o tom cinza do céu, modificações repentinas do clima e frutos amadurecidos que, deste modo, pesam nos galhos e caem sobre a terra.
230 páginas deste livro intitulado «Brisas de Outono», redigidos por 65 autores lusófonos contemporâneos, de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde e Moçambique. Uma belíssima obra literária sobre o Outono que surge na sequência de outras duas obras já publicadas, dedicadas a outras duas estações, «A Primavera dos Sorrisos» (Sui Generis, 2017) e «Sol de Inverno» (Sui Generis, 2019), e que, tal como as anteriores, proporcionará leituras agradáveis e prazenteiras.
Organização: Isidro Sousa. Autores: Adelina Santos, Adriano Lisboa, Amélia M. Henriques, Ana Campos, Ana Isabel Herédia, Ana Maria Dias, Anderson F. D. Souza, Anna Civolani, Auriza Vieira Monteiro, Caio Sena, Cleusa Piovesan, Cristina Sequeira, Daio Alberto Marques, David Sousa, Diamantino Bártolo, Edson Almeida Coimbra, Fátima d’Oliveira, Gina Maria, Guadalupe Navarro, Helô Silva, Isabel Martins, Isidro Sousa, Ivanildo Sales, Janice Reis Morais, José Duarte, José Teixeira, Julia de Sousa Dias, Julizar Dantas, Kopyfield, Leila Alves, Lin Quintino, Lira Vargas, Lucinda Maria, Lurdes Bernardo, Magda Brazinha, Marcos Marinho, Maria Angélica Rocha Fernandes, Maria de Fátima Soares, Maria dos Santos, Maria Eloina Avila, Maria Esmeriz-Thomas, Maria João Abreu, Marisa Luciana Alves, Mary Rosas, Melania Ludwig, Mitro Vorga, Mônica Gomes, Mwele Y’Osapi, Neusa Canabarro, Olímpia Gravouil, Paula Homem, Rodrigo Mendes, Rosa Carvalho, Rosa Lídia Santos, Rosa Marques, Rossana Jansen, Rozz Messias, Ruthy Neves, Sara Timóteo, Selva Alves, Simone Fontarigo, Tauã Lima Verdan Rangel, Teresa Faria, Tiago Sousa, Ziney Santos Moreira.
Poeticamente, o Outono marca as etapas de transformação da vida, a reciclagem dos elementos da Natureza e também das emoções humanas. Nesta estação de transição entre o calor e o frio, que se completa no Inverno (quando se sente a falta de hibernar), as pessoas vão-se tornando mais introspectivas e desejosas de se abrigar nos seus refúgios, inclinando-se a buscar a meditação. As noites retornam mais cedo e são húmidas, frescas ou mesmo frias, requerendo outros hábitos, como a procura de alimentos quentes, ambientes calorosos e banhos mais aquecidos e longos. E dormir transforma-se num ritual, pois as pessoas envolvem-se em agasalhos, mantas e cobertores abundantes... É justamente na terceira das quatro estações que se inspiram (ou ambientam) os variadíssimos textos, em prosa e poesia, incluídos ao longo das 249
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LIRA VARGAS Nascida em 1952, reside em Niterói, RJ, Brasil. Formada em Letras, publicou 16 livros. Tem diversas participações em Feiras de Livros, TVs e Rádios, em obras colectivas e em movimentos literários no Brasil e em Miami, EUA, e classificações em vários festivais de literatura. Participou nas antologias «Luz de Natal» e «Sinfonia de Amor» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/clira.lira.7
NA VELHICE QUERO SILENCIAR O velho explica, se emociona e as pessoas o tratam como um bebê. Em palavras confusas tenta explicar e seus pensamentos se confundem igualmente a um bebê. Queria muito poder manter um desejo: silenciar para não ser um bebê de novo. Quero o silêncio e os pensamentos confusos, quero a emoção e a solidão, quero ser velha, não um bebê de pele enrugada e ossos à mostra arrancando piedade ou risos de quem estiver à minha frente. Quero guardar lembranças, sem nada falar, porque não saberei explicar para não ferir minha alma. Quero a solidão e uma cama, a janela aberta, mesmo que eu não entenda que aquela árvore um dia me alegrou nas estações que traziam flores e frutos e sem folhas no outono. Quero ouvir os pássaros, mesmo que não me encante, que cantem mesmo que eu não entenda, mas que me faça adormecer. Quero ser velha sozinha, sem olfato, sem paladar mas que possa engolir um pedaço de pão ou arroz. Que eu tenha visão para olhar o teto e se um inseto voar eu o acompanhe com o olhar mesmo sem saber por quê. Quero tomar banho quente e que me aqueçam, para não tremer de frio e não saber explicar. Que o café não seja quente para não queimar minha língua frágil e cansada de falar. Que aqueçam meus pés e não me deixem molhada se meus controles estiverem descontrolados. Que não façam barulho acima do que eu possa suportar, mesmo que achem que não tenho audição. Que me deem alimentos suaves mesmo que ache que será o último, apenas para eu viver. A vida mesmo se esvaindo mantém meu coração batendo, mesmo que indo lamentarei deixar esse mundo. Que eu seja velha e não um bebê, porque a velhice não é um caminho, mas o fim.
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PAULA HOMEM Diz-nos: “1959 foi um bom ano para ser baptizada – Paula. A vida levoume a uma licenciatura na área do turismo e um mestrado na área da comunicação. No entanto escrevo por paixão e é através da escrita que eu... me torno mais EU. Incitada desde muito jovem a escrever e, mais importante, a ler, tenho na prosa a minha casa, mas a poesia é o refúgio, a paz que sossega e acalma, o meu mais precioso esconderijo. Detentora de um blogue, que alimento com pedaços de alma há vários anos, sempre escrevi mais para mim. Arrisquei, não há muito, sair da minha zona de conforto e dar-me a conhecer de forma mais alargada. Por outras palavras, publicar trabalho meu. Estou, assim, presente em antologias de poesia e prosa: «Memórias Esquecidas do Tempo» (poesia), «A Lagoa de Óbidos, o Mar e Eu» (poesia), «Sonho em Poesia» (poesia), «Quando o Amor é Cego» (prosa), «Amar (S)Em Desespero» (prosa), «Cadernos de Poesia» (poesia) e «Cascata de Emoções» (poesia). Está em preparação um livro, a solo, que espero, um dia, possa ver a luz das prateleiras.” Participações em antologias da Colecção Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores» (2015), «Graças a Deus!» (2016), «Sexta-Feira 13» (2017), «Sinfonia de Amor» (2018), «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). Perfil no Facebook: www.facebook.com/paula.homem.3
A SOMBRA DE UM AMOR PASSADO Lá fora o Sol vai acordando, em tons de ouro e rosa. A aragem, bem fresca, de inícios de Outono, bate suave nas vidraças, que me apresso a abrir, escancarar como se quisesse que o mundo inteiro me viesse dar os bons-dias. E quero! Quero mesmo, já que o teu “bom-dia” jamais voltarei a ter. Partiste. Sem palavras, sem som, sem cor. Apenas e só a sombra que ficou gravada na parede do quarto – que um dia foi nosso – que um dia aconchegou o teu corpo no meu, o meu amor no teu.
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Data – a determinar pelo destino Código Postal – algures no mundo
quero! Quero mesmo, já que o teu “bom-dia” jamais voltarei a ter. Partiste. Sem palavras, sem som, sem cor. Apenas e só a sombra que ficou gravada na parede do quarto – que um dia foi nosso – que um dia aconchegou o teu corpo no meu, o meu amor no teu. O dia vai crescendo e entrando, atrevido, pela janela aberta. As minhas memórias correm à desfilada; cavalos doidos a quem foram dadas asas. Saltito de imagem em imagem, de sensação em sensação. De sorriso em gargalhada, de silêncio em mágoa. Vivemos o mundo todo na infinita finitude de um amor condenado desde o início. Porque é que eu nunca vi essa finitude? Porque não quis? Porque não acreditei que a eternidade fosse finita? Ou porque jamais quis abrir as mãos e deixar que o fim me invadisse? Gostava de ter respostas, mas... não tenho. Tenho, sim, um oceano de memórias, onde me afogo a cada dia que passa, a cada novo amanhecer, a cada novo ocaso. E sabes, meu amor de sempre, deixaste os restos de uma mortalha que me veste a alma. E deixaste o calor da terra vermelha, e os odores das especiarias; deixaste as brisas húmidas dos mares do Norte, e as brumas que vestem as florestas e os campos prenhes de vida, invisíveis aos olhos dos homens. E deixaste o sussurro das tuas palavras – que se vão diluindo na distância dos dias – e a cor do teu riso que vai fugindo com o tempo, incansável no seu caminho; imparável, irreversível que é. Sabes o que deixaste mais? Eu digote: deixaste versos que nunca leste, escritos por minhas mãos. Deixaste
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bri os olhos nesta manhã de Outono, orvalhado e fresco, para ver na parede do quarto, que um dia foi nosso, a assombração da tua sombra. Sim, meu amor de ontem, de hoje, de amanhã, de sempre – a tua sombra. Essa mesma que pintei em todas as cores, enquanto tu foste tu mesmo em mim. Aquela sombra doce e fugidia que eu sentia, mais que queria sentir ou saber, um dia nada mais seria que uma memória; uma assombração de sombra. Abri os olhos – já molhados de lágrimas magoadas e duras – para esta nova manhã de folhas amarelecidas e suadas de desalento. Lá fora o Sol vai acordando, em tons de ouro e rosa. A aragem, bem fresca, de inícios de Outono, bate suave nas vidraças, que me apresso a abrir, escancarar como se quisesse que o mundo inteiro me viesse dar os bons-dias. E
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noites e dias de cumplicidade e partilha. Deixasque eras tu para mim. Como sempre foste, na te um rasto – misto de alegria e tristeza – que realidade palpável que é a minha, a minha mehoje me veste o coração e a alma. É muito duro tade. O avesso da minha pele. O espelho interabrir mão de um amor eterno! Aprender que a no de mim. A carne que falta na minha. Foste o eternidade é linda, enquanto dura. Sim, porque meu tudo. Sem ti, o sentido das coisas é uma a eternidade tem fim; sei agomancha no chão, num chão ra que tem. Por isso, hoje, sujo de ser enganado e usado. aqui e agora, espreito dos lenNum chão pisado de desengaçóis, que já te acolheram, e no. Ainda assim escrevo, porO dia vai crescendo e vejo recortar-se na parede a que pode ser, com uma sorte entrando, atrevido, pela tua silhueta. E apetece-me toque não é a minha, que sintas janela aberta. As minhas cá-la: apertá-la de novo nos as minhas palavras. Mas que memórias correm à desfilabraços. Enterrar a cabeça no idiota eu sou! Se nunca te toda; cavalos doidos a quem teu peito e, simplesmente, quei no íntimo da alma, como foram dadas asas. Saltito respirar, aspirar o teu perfuquero agora, na distância e no de imagem em imagem, me, também esse uma memósilêncio, tocar-te? Louca, comde sensação em sensação. ria. A tua silhueta tem vida pletamente louca! Jamais seDe sorriso em gargalhada, própria, move-se ao sabor do rei capaz de entender esta de silêncio em mágoa. teu querer – como sempre – “volta no caminho”, este muVivemos o mundo todo na mas move-se, igualmente, ao ro de silêncio inexplicado. Porsabor do meu sonhar. Cresce quê? Nem a assombração de infinita finitude de um amor e enche a manhã. Cresce e sombra tem capacidade para condenado desde o início. distende-se até à cama onde o me responder. Não há explicaPorque é que eu nunca meu corpo, em espera, abre ção: é isso mesmo, não há exvi essa finitude? Porque as portas a todas as memórias plicação! não quis? Porque não que exalam de uma assombraAssim, melhor será não me acreditei que a eternidade ção de sombra; a tua. prender mais com essa quesfosse finita? Ou porque Peguei na caneta para te tão. Aliás, nem com essa nem jamais quis abrir as mãos escrever; não devo enviar a com nenhuma outra que leme deixar que o fim me carta. Não vale a pena! O que bre o que foste, e como parinvadisse? Gostava de ter foi já passou, e as memórias tiste. Mas como sabes – digo respostas, mas... não tenho. são, somente, as minhas. Aineu – uma folha em branco é Tenho, sim, um oceano de da assim escrevo-te, naquela um desafio para mim. Escrememórias, onde me afogo vã e idiota esperança que posvo-te uma carta de amor, de sas vir – em sombra – ler as a cada dia que passa, amor desamado, porque foi isminhas palavras. Que te veso que me deste. Um amor a cada novo amanhecer, nhas debruçar sobre o meu mentido e desamado, com a cada novo ocaso. ombro, como fazias tantas veroupagens de amor verdadeizes, respirando para o meu ro. E eu aceitei-o, como se fospescoço, onde deixavas ficar o se o maior e mais puro AMOR, teu perfume sobre a minha pele – pairando duo mais ardente e profundo AMOR. E amei-te – rante o dia todo – enchendo o meu ar, encheneu sim – profunda e ilimitadamente. Pergunto à do o meu coração de ti. Como fui louca, neste assombração da tua sombra, que ainda paira na amor que sempre quis intemporal e inesgotáparede do quarto, porque te amei (amo) assim, vel! Nem sonhas, não podes, é impossível, o e se terás tido, sequer, a noção da força e tama256
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nho do meu amor. Não espero resposta, evidentemente, se não as tinha quando não eras assombração, muito menos agora que o és. Mas gostava de ter percebido o que te ia no coração e na alma: nunca entendi, pelos vistos. O que sentiste, o que fui eu durante estes anos em que achei, tolamente, sermos dois num só. Pelo menos eu fui dois num só. Tu... nem tanto. E agora, que o tempo se vai escoando pela brecha da sua própria passagem, eu tenho comigo esta tua assombração de sombra, pairante e desconcertante, na parede do meu quarto. Sim, este quarto que um dia (faz quanto tempo?) foi o nosso quarto, o nosso ninho. Onde a pele se perdeu na pele, e as mãos se renderam às mãos; os olhos se fecharam de sonhos e morre-
ram de desejos. Onde as sombras eram vivas e felizes, retumbando de alegre despreocupação, de cúmplice serenidade e plenitude consumada. A ampulheta não pára; a areia escoa-se, lentamente, docemente, inexoravelmente, pelo vidro estenosado. Tal como as lembranças, que de nós ficaram, vão passando pelo gargalo dos meses, dos anos, e vão caindo, devagar, silenciosas e magoadas, no fundo de um poço chamado coração – o meu. Minha bem-amada assombração de sombra – de um amor perdido – deixo-te, simplesmente, uma única lágrima, embrulhada neste ar de Outono que entra pela janela e enche de dourados e rosados a parede onde habitas. Eternamente, tua. Lágrimas de luar
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pois! O Antunes, que já se estava a afastar para chamar o elevador, ria a bom rir com o caricato da situação, enquanto o Jaime, já meio refeito, lhe dizia: – Arre gaita! Que é preciso ter azar. Nem tempo dão a um “gajo” para limpar a vista! Mas afinal que pressa é esta em irmos embora, que nem temos cinco minutos para falar com a senhora? – Olha, telefonou-me o chefe a dizer que, afinal, o médico legista, ao pretender fazer a autópsia ao padre, descobriu que ele não era padre. – O quê? Isso agora vê-se através de autópsia? O Antunes, desatando a rir, respondeu-lhe: – Não, parvo! O médico descobriu que o cadáver é de um homem dos seus trinta anos, que de padre só tinha a máscara de velho na cara e a sotaina vestida. – Hã? – É como estás a ouvir! – Mas então o que faria esse indivíduo vestido de padre e disfarçado? – Sei lá! O mais provável seria querer manter-se incógnito, para fugir de alguém.
CRIME NO ALFA 2017
N
aquele momento o telefone do Antunes tocou. – Estou sim. Diga chefe! O quê? Vamos já para aí! – Desligando, disse ao colega Jaime: – Ó pá! Já não falamos agora com a senhora! Vamos imediatamente para os serviços! O Jaime, sem saber o que se passava, fez cara de caso e, quando se ia a virar para acompanhar o colega, a porta do quarto abriu-se, aparecendo a senhora com quem pretendiam falar. Tinha ouvido a campainha e acabado de se levantar. Só tinha tido tempo de colocar um ligeiro robe, transparente, em cima da reduzida lingerie cor de salmão. O inspetor Jaime, em presença daquela Afrodite, pensou: «Já estou no Olimpo!». Atrapalhado, sem saber o que fazer, parecia um colegial a quem a namorada dá o primeiro beijo. Gaguejou, virou-se para o colega, virou-se novamente para a senhora que, curiosa, os olhava e... devorando-a com o olhar, disse: – Per... dão, minha senhora! Voltamos de...
Excerto do livro «Crime no Alfa 2017», de Estêvão de Sousa, publicado na Amazon, em Setembro de 2019 259
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JULIZAR DANTAS Nasceu em Nova Módica, MG, Brasil. À procura de um Belo Horizonte, estudou Medicina na UFMG. Diz-nos que “aqui vive um cardiologista, a navegar esta vida oceânica e confiar que, em terra fértil e semente boa, as nossas mãos, corpos e espíritos são só poesia, são poesia só”. Aprendeu com Pablo Neruda que “escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias”. Participações em antologias Sui Generis: «Brisas de Outono» (2019) e «Bendita Manjedoura!» (2019). Perfil no Facebook: www.facebook.com/julizardantas
SAÚDE E AMIZADE Alguns se afligem com a eventual extinção dos amigos reais em tempos de internet. Ora, se existem evidências de promoção do bem-estar psicológico e melhoria da percepção da qualidade de vida até mesmo pela adoção de animais de estimação, imaginem os amigos, mesmo virtuais, acalentando corações atordoados!
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ciência nos revela surpresas sobre a relação entre amizade e saúde, comprovando os ensinamentos de influentes líderes espirituais da humanidade em todos os tempos.
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Cientistas britânicos da Universidade de York associaram a solidão à elevação de aproximadamente 30% na incidência, tanto de ataque cardíaco, quanto de acidente vascular cerebral. O Interheart Study, realizado em 52 países e quase 25 mil pessoas, constatou o dobro de risco de infarto do miocárdio em pessoas submetidas ao estresse permanente no trabalho. A união de trabalhadores expostos às condições ocupacionais adversas fortalece o espírito de equipe, constituindo suporte socioemocional capaz de atenuar o estresse, promover a saúde e melhorar a qualidade de vida. Relações de amizade protegem a memória e a saúde em geral, segundo conclusões do Estu-
do sobre o Desenvolvimento Adulto, da Universidade de Harvard. O mais importante para a manutenção da saúde e felicidade ao longo da vida é a qualidade dos relacionamentos. O Dalai Lama, em “Uma ética para o novo milénio”, alerta para a relevância das qualidades do espírito humano. Amor, compaixão, paciência, tolerância, contentamento, capacidade de perdoar, noção de responsabilidade e harmonia trazem felicidade para a própria pessoa e para os outros. A conduta humana, incluindo o respeito ao outro com a sua inerente dignidade, concretiza o surgimento da ética nas relações sociais.
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Amor, compaixão, paciência,
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tolerância, contentamento, capacidade de perdoar,
Alguns se afligem com a eventual extinção dos amigos reais em tempos de internet. Ora, se existem evidências de promoção do bemestar psicológico e melhoria da percepção da qualidade de vida até mesmo pela adoção de animais de estimação, imaginem os amigos, mesmo virtuais, acalentando corações atordoados! Amigo é folha desgarrada, flor despetalada, cavalgando emoções e afeto... uma fonte de paz, cúmplice no convívio em harmonia. Quando perdemos um amigo, só nos resta a saudade. Por isso sentimos tanto a falta deles, pois amigo é o verbo em tempo perfeito, superego, substantivo e sujeito, sempre presente nas horas de aperto e afeto. Amigo é um forte, um porto seguro, o suporte que ostenta a arte de conviver e confiar o passado, o presente, o futuro. Cultivem as amizades, carpe diem!
noção de responsabilidade e harmonia trazem felicidade para a própria pessoa e para os outros. A conduta humana, incluindo o respeito ao outro com a sua inerente dignidade, concretiza o surgimento da ética nas relações sociais.
Fernando Brant e Milton Nascimento, em “Canção da América”, eternizam a verdade de, aos nossos olhos, um amigo possuir quase todas as virtudes e somente imperfeições irrelevantes. «Amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração...»
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CONTO
O CONTO DE SOPHIA CÉSAR LUÍS THEIS Professor-pesquisador, licenciado em História/Informática, discente no Mestrado em Educação pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), e também escritor, fotógrafo amador e cineasta entusiasta, apaixonado por viajar e café. Actualmente reside em Guarujá do Sul – SC, Brasil. Participou na antologia «Sol de Inverno» da Colecção Sui Generis. Perfil no Facebook: www.facebook.com/cesar.theis.5 Blogue do Autor: https://cesatheis.blogspot.com
“Emergiu nela um desejo de voar, mas com que asas poderia fazê-lo? Afinal somente ao irmão foi dito que poderia ser quem quisesse ser... a ela sempre ensinaram a consentir as normas... o comedimento às circunstâncias da vida de esposa. Lembrou da infância, o irmão que cresceu presenteado com as venturas da liberdade da juventude, enquanto ela fora aterrorizada com a possibilidade de se tornar mãe solteira.”
POR CÉSAR LUÍS THEIS
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Na marcha das estações Sophia tinha apenas vinte e uma primaveras, suas tendências suicidas geralmente emergiam pela manhã, mas costumavam passar até às onze horas, quando começava a fazer o almoço... o último livro que estava lendo pareceu-lhe por demasiado cínico, por isso antes de terminar acabou por deixá-lo moribundo na primeira gaveta do criado mudo. Ponderou sobre o tempo, o adiantado da hora, abstraiu a imagem do relógio na parede branca da sala, com seus ponteiros e desenhos verdes de pássaros no lugar dos números... então um pensamento avulso, estava ela trancada, porém, não dentro de casa, mas pelo lado de fora, talvez um presságio de origem olimpiana dos lábios da própria deusa Atena, que a impedia de aprisionar-se no arcabouço cotidiano. Mas aquele evento casual, porém, inesperado, produzirá um hiato temporal, uma ruptura na ordem cotidiana, e ela, Sophia, foi habitada por uma estranha sensação, como se tivesse inadvertidamente sido sentenciada à liberdade. Embora as únicas mudanças estivessem acontecendo nela, um anjo caído, sentada naquela noite à beira de uma rua sempiterna. Emergiu nela um desejo de voar, mas com que asas poderia fazê-lo? Afinal somente ao irmão foi dito que poderia ser quem quisesse ser... a ela sempre ensinaram a consentir as normas... o comedimento às circunstâncias da vida de esposa. Lembrou da infância, o irmão que cresceu presenteado com as venturas da liberdade da juventude, enquanto ela fora aterrorizada com a possibilida-
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stava ali sentada, na beira da estrada que se prolongava até o horizonte, onde o olhar se perdia ofuscado pelas luzes coloridas da cidade, estranhamente seu coração não versava amores, mas, acerca de sonhos, aquela era sem dúvida uma curiosa singularidade que até ao pensamento desafiava, afinal ela sentia uma constante necessidade de estar apaixonada, sempre foi romântica, só existia estando com alguém, até nas memórias quase sempre era a coadjuvante na própria vida. 270
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Em casa sua mãe aprendeu a
de de se tornar mãe solteira. Em casa sua mãe aprendeu a viver em silêncio... e foi da mãe a marcante frase que carrega “o olhar de uma boa esposa nunca deve ultrapassar a altura dos ombros do marido”, enquanto seu pai vivia acorrentado à bebida... estes desencontros familiares espalhavam silentes vazios pela casa, de onde ela só conseguiu fugir quando moça se casou e tornou-se o eco no tempo do reflexo da sua mãe, uma boa esposa. Somente mais tarde ela retornou, aos dezenove anos, para enterrar a mãe num final de tarde chuvoso de setembro, entre fileiras de lápides de mármore que silentes testemunham o tempo na espera paciente pela companhia dos vivos... visitou o pai no hospital naquela terça-feira, somente um corpo frágil de cabelos brancos com a barba por fazer, que contrasta com a figura autoritária da infância que carrega na memória... ela sentou ao seu lado e fez-lhe a barba... ele não a reconheceu, o avançado estágio do Alzheimer deteriorou a consciência do presente e o aprisionou a antigas memórias espaçadas... às vezes no final da tarde no ápice das crises de confusão mental senta na cadeira de balanço ao lado da janela do quarto, com um olhar ao infinito esperando silente pela chegada da esposa e das crianças. Então uma destas lembranças pueris que acabam virando desmemória quando crescemos, ela rememorou a letra de uma música, de um dos antigos discos que seu pai escutava à noite, “por que as menininhas crescem tortas, enquanto os menininhos crescem altos?”. Então reflectiu, se tornará o que disseram que deve-
viver em silêncio... e foi da mãe a marcante frase que carrega “o olhar de uma boa esposa nunca deve ultrapassar a altura dos ombros do marido”, enquanto seu pai vivia acorrentado à bebida... estes desencontros familiares espalhavam silentes vazios pela casa, de onde ela só conseguiu fugir quando moça se casou e tornou-se o eco no
tempo do reflexo da sua mãe, uma boa esposa.
ria ser... nunca escapou das sombras para versar sonhos juvenis, embora a centelha da própria luz
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volta e meia teimava em surgir inesperada em meio aos pensamentos do cotidiano da vida de boa esposa. De repente pingos de chuva começam a salpicar a calçada e alcançam os pés de Sophia, sente o frio da água correndo sobre a pele... olha nas duas direções, uma que alude ao passado e a outra talvez ao futuro, um instante para pensar nos rumos da vida, um gesto impensado coloca uma mecha do cabelo castanho atrás da orelha, um pensamento avulso, quando não estamos indo a lugar algum qualquer lugar é bom para se estar, inclusive a beira da rua na frente de casa. Uma furtiva preocupação provocou-lhe inquietação, onde estaria o marido naquele adiantado de hora? Pois este sempre chegava em casa sistemático para auferir a precisão da posição dos ponteiros do relógio, que apontavam simultaneamente para o bem-te-vi e o sabiá, embora já estivesse atrasado para mais de duas espécies... e justo hoje que ela havia esquecido a chave, então considerou, talvez outro presságio avizinhado do meu destino por Atena.
De repente os dissimulados pingos soltos se transformaram em uma chuvarada... o som cadenciado das grandes gotas batendo contra o asfalto levou Sophia a uma insólita colisão com o vazio, revelando uma existência incapaz de sentir a si mesma, resignada às trivialidades e distrações cotidianas da vida sem o direito de sonhar. Porém nunca antes tivera a coragem de reconhecer nem nos sussurros noturnos das orações, por medo de descortinar uma descoberta com a qual não poderia conviver. Precisava desencardir-se das reminiscências, limpar o coração dos resíduos sentimentais de inúmeras compensações insuficientes que foi dissuadida a aceitar pelos seus sonhos usurpados, não poderia permitir a vida ser apenas voltas repetidas de um carrossel... de repente um enorme impulso avassalador emergiu... e saiu dançando na chuva pela rua, pela cidade e por fim pelo mundo. Fim. Carinhosamente à memória de Harry Forster Chapin.
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LUCINDA MARIA Lucinda Maria Cardoso de Brito nasceu em Oliveira do Hospital, em 1952. Fez um percurso académico muito bom e tirou o curso do Magistério Primário, começando a leccionar em 1972. Encontra-se aposentada, mas continua a ensinar, agora artes decorativas, na Universidade Sénior de Rotary de Oliveira do Hospital. Tem seis livros publicados – «Palavras Sentidas» (2013), «Alma» (2014), «Divagando...» (2015), «Terra do Meu Coração» (2016), «Sonho?... Logo, Existo!» (Sui Generis, 2017) e «Um Ano... 365 Poemas» (2018) – e participações em variadíssimas obras colectivas. Da Colecção Sui Generis: «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões», «Fúria de Viver», «A Primavera dos Sorrisos», «Tempo de Magia», «Sinfonia de Amor», «Luz de Natal», «Sol de Inverno» e «Brisas de Outono». Como autora, gosta de identificar-se apenas por Lucinda Maria; não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990. Perfil no Facebook: facebook.com/lucindamaria.brito
MANDAR PARA O CESTO DA GÁVEA
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aso não estejam familiarizados com termos náuticos, o cesto da gávea é aquele lugar, no topo dos mastros das antigas embarcações, onde um marinheiro de serviço perscrutava a linha do horizonte para tentar avistar terra. Acontece que para muitos autores conceituados, nomeadamente alguns da Academia de Ciências de Lisboa, a palavra caralho designava precisamente o nome do mastro acima da gávea, logo, a gávea era conhecida como a casa do caralho. Devido à sua localização, a casa do caralho era um lugar pouco agradável por ser muito instável, já que por razões óbvias toda a oscilação e rolamento lateral das embarcações era sentido com maior intensidade nesse local. Por tudo isso, era também considerado um lugar de castigo e para lá eram mandados os marinheiros que desrespeitassem alguma ordem, tendo assim de passar horas ou mesmo dias inteiros na casa do caralho. O comandante mandava o marinheiro prevaricador para a casa do caralho. Assim se pode concluir que daí tenha origem a expressão mandar para o caralho. Como nota adicional, devo referir que há dias em que me apetece pôr a abarrotar uns três ou quatro cestos. 276
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NOVAS EDIÇÕES
SOL DE INVERNO Uma antologia Sui Generis dedicada ao Inverno. Reúne, ao longo de 286 páginas, contos, crónicas, cartas e poesias de 85 autores sobre a última estação do ano, o Inverno, que se afigura, não obstante ser a mais fria das quatro estações, tão ou mais inspirador na literatura quanto as demais estações.
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ndependentemente de se gostar ou não se gostar do Inverno, a mais fria das quatro estações do ano, esta afigura-se tão ou mais inspiradora na literatura quanto as demais estações. E imensos autores, que escrevem ao sabor da estação do momento, apresentam belíssimas criações literárias. Talvez por isso, quando Isidro Sousa, o mentor desta antologia, decidiu organizar uma obra colectiva sobre as várias estações, optou por criar quatro obras individuais, dedicando cada uma delas a uma estação específica. O projecto iniciou com «A Primavera dos Sorrisos» (Sui Generis, 2017) e prosseguiu com a presente antologia que agora se publica: «Sol de Inverno» (Sui Generis, 2019). Uma obra inspirada na canção com o mesmo título de Simone de Oliveira que representou Portugal no Festival Eurovisão da Canção de 1965, em que a cantora assume o papel de uma mulher cujo amante termina o relacionamento e ela diz-lhe como se sente... comparando a sua situação ao Sol de Inverno e cantando que ela, tal como o Sol de Inverno, não tem calor. E «Sol de Inverno», esta nova obra da Colecção Sui Generis, reúne textos variadíssimos, inspirados e/ou ambientados no Inverno, em prosa e poesia, de um total de 85 autores. Destes, apresentam-se largas dezenas de autores lusófonos contemporâneos, maioritariamente portugueses e brasileiros, aos quais se juntam textos (em menor quantidade) de autores clássicos... não só lusófonos – como Cesário Verde ou Raul Pompéia – mas também de algumas outras nacionalidades. Todos os textos destes autores, clássicos e contemporâneos ou emergentes, mesclados ao longo das 286 páginas do livro, compõem uma belíssima e interessante obra literária sobre o Inverno, que proporcionará, seguramente, boas leituras. Organização: Isidro Sousa. Autores: Alberto Caeiro, Amélia M. Henriques, Anderson F. D. Souza, André Galvão, André Maurois, António Alves Vieira, António Fadigas, Armindo Gonçalves, Augusto Gil, Beatrice Medrado, Bia Lima, Camila Oleski, Carol Assmann, Carolina Sampaio, Catarina Pedrosa, Cecília de Lara, César Luís Theis, Cesário Verde, Chris Lisboa, Cleidirene Rosa Machado, Cristina Sequeira, Daniel Vicente, David Sousa, Diego Domingos, Dorivaldo Ferreira de Oliveira, Dyego Maas, Dylan Thomas, Edvaldo Rosa, Eugénio de Andrade, Fátima d’Oliveira, Fernando Pessoa, Filomena Fadigas, Florbela Espanca, Fortunata Fialho, Giovanna Tursi Catapani, Guadalupe Navarro, Heinrich Heine, Ida Mara Freire, Isidro Sousa, Janice Reis Morais, Janiel Martins, Jorge Gaspar, Jorge Ricardo Dias, José de Castro, José Duarte Beatriz, Josué Ananias Sudi, Karenn Sanches, Leila Maria, Lucinda Maria, Luís Rôxo, Lurdes Bernardo, Machado de Assis, Manuel Amaro Mendonça, Maria Angela Alvares Cacioli, Maria Angélica Rocha Fernandes, Maria Eloina Avila, Maria Manuela Vaz de Carvalho, Mário Quintana, Marizeth Maria Pereira, Marta Maria Niemeyer, Mary Rosas, Miguel Leitão, Miriam Carmignan, Morais José Manuel, Nancy Scarlett-Hayalla, Natália Luna, Olavo Bilac, Olímpia Gravouil, Paulo Leminski, Pedro Coppola, RAADomingos, Raquel Ordones, Raul Pompéia, Renan Nonato, Ricardo Solano, Ronaldo Magalhães, Rosa Carvalho, Rosa Marques, Rosa Vital, Rozz Messias, Sara Timóteo, Teófilo Braga, Vinicius de Moraes, Wallace Stevens, Yves Bonnefoy.
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