História Cirurgia Pediátrica

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Opinião do Especialista

Esta subseção visa trazer ao leitor a arte e a ciência da medicina intimamente ligadas, porquanto acreditamos que uma não exista sem a outra. Arte, baseada na vivência de um médico reconhecidamente competente por seus pares, e ciência, calcada na melhor evidência contemporânea. Sabemos que as respeitadas verdades de ontem muitas vezes tornam-se divertidas doutrinas sem valor amanhã, mas isso não pode nos afastar do intento de procurar levar ao nosso leitor a melhor verdade de hoje. Constantino José Fernandes Junior Editor Associado da einstein

Cirurgia Pediátrica: perspectivas futuras – Declaração da Cirurgia Pediátrica José Pinus* * Vice-Presidente da World Federation of Associations of Pediatric Surgeons, Presidente da Academia Nacional de Cirurgia Pediátrica, Presidente do Conselho Consultivo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein - São Paulo (SP).

Quero ressaltar, desde logo, que esta contribuição não contém nenhuma originalidade intrínseca, ou qualquer outra em especial, que já não seja de pleno conhecimento de todos. Contudo, na qualidade de vice-presidente da World Federation of Associations of Pediatric Surgeons (WOFAPS), acredito ser importante enfatizar alguns dados e conceitos, para nós óbvios, mas que merecem ser salientados, mesmo como simples advertência para o futuro da cirurgia pediátrica como especialidade.

Breve história da evolução da cirurgia pediátrica No início do século XIX, com um novo conceito de que as crianças deveriam ter um atendimento diferenciado, separado dos adultos, foi fundado em Paris, em 1802, “L’Hopital des Enfants Malades”, considerado o 1º Hospital Infantil, seguido depois por outros países, como Inglaterra em 1851 e, nos EUA e Canadá, em 1855. Criou-se assim o esboço da pediatria como especialidade. As crianças ali internadas tiveram suas afecções cirúrgicas (predominantemente ortopédicas) tratadas por um ou mais cirurgiões, que passaram a acumular experiência em ortopedia e cirurgia infantil, e seus resultados foram superiores aos obtidos por outros

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colegas, porém publicados bem mais tarde, entre 1901 e 1928. Em 1909, Fredet e Ramsstedt realizaram uma piloromiotomia para correção da estenose hipertrófica do piloro e, em 1911, Pouliquen utiliza o enema para tratar uma invaginação ileocólica. Podemos considerar que a “Moderna Cirurgia Pediátrica” iniciou-se a partir de 1920, com W. Ladd em Boston, D. Brown, em Londres e L’Ombredane, em Paris(1). Surgem numerosas publicações e fatos marcantes: em 1928, Lancelot, Barrington e Ward enunciaram a frase que se tornou célebre e tantas vezes repetida, “The adult may be safely treated as a child but the converse can lead to a disaster”. Em 1941, Ladd e Gross publicaram o livro “Abdominal Surgery of Infancy and Childhood”, a partir do qual expressões até então usadas para justificar as mortes dos recém-nascidos, como “era muito pequeno para viver” ou “foi um ato divino”, não tinham mais razão de ser(1). Em 1953, R. Gross(2) publicou o livro “The Surgery of Infancy and Childhood”, que se constituiu em um clássico da cirurgia pediátrica. Seguem-se numerosas outras publicações, em revistas médicas e tratados de Cirurgia Pediátrica, contendo os resultados das experiências acumuladas das afecções cirúrgicas pediátricas. O aprimoramento das técnicas e táticas empregadas e a integração de novos conceitos desenvolvidos em pesquisas originais por cirurgiões pediatras, e negligenciadas até então pelo cirurgião de adultos, foram por eles utilizadas mais tarde, principalmente na década de 70-80(1).

No Brasil, em 1964, foi fundada a Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediátrica (CIPE) A Cirurgia Pediátrica teve um enorme impulso de desenvolvimento, consagrando-se como especialidade, naturalmente com a contribuição dos neonatologistas, anestesistas pediátricos, patologistas, radiologistas pediátricos, e também graças à terapia intensiva pediátrica, com especial destaque à assistência ventilatória e à nutrição parenteral prolongada, bem como o fato de as crianças serem atendidas em centros especializados. E assim chegamos à fundação da WOFAPS. O momento era propício e graças ao entusiasmo de todos os envolvidos surgiu a WOFAPS, o que ocorreu em São Paulo, no dia 15 de outubro de 1974, durante a realização do que foi o maior congresso da especialidade até então, com 1.285 participantes, represen-


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tando 43 países, sob a presidência do saudoso Prof. Virgilio A. Carvalho Pinto.

Objetivos da WOFAPS Constituem seus objetivos: desenvolver e manter a qualidade da cirurgia pediátrica pelo mundo, bem como suas promoção e integração na comunidade médica e científica, a fim de garantir a todas as crianças o acesso e o direito da oportunidade a um procedimento cirúrgico efetivos de alto padrão e da melhor qualidade, bem como promovendo educação, treinamento e pesquisa. A WOFAPS foi crescendo e hoje congrega 70 associações de cirurgia pediátrica do mundo, a Associação Internacional de Cirurgia e de Pediatria, incluindo o UNICEF, a UNESCO, a OMS e todas as organizações internacionais para a saúde das crianças. Representa um importante elo entre as associações de cirurgia pediátrica, a fim ainda de favorecer os menos preparados e mais necessitados, mas uma das preocupações da WOFAPS é exatamente a de consolidar ainda mais nossa especialidade com desenvolvimento e aperfeiçoamento. Existem, todavia, inúmeros obstáculos a ultrapassar, inerentes à própria especialidade e ao potencial risco que ela vem atravessando. Procurando obter uma análise concreta da situação da cirurgia pediátrica no mundo, a WOFAPS elaborou um amplo questionário abrangendo a maioria dos itens que interessam e compõem nossa especialidade e submetido às 70 associações. Como conclusões do inquérito constatouse, entre outros fatos, que houve perda potencial da liderança no tratamento da cirurgia do recém-nascido e da criança, bem como no desenvolvimento da cirurgia pediátrica para conquistar suportes financeiros, espaços adequados e novas pesquisas. Foram, então, elaboradas algumas propostas, como ampliação das áreas de atuação e aprimoramento dos programas de treinamento. Do ponto de vista prático, o futuro da especialidade poderia se apresentar como muito preocupante: pelo número exagerado de profissionais, muitas vezes não bem preparados; fragmentação em subespecialidades e diminuição do número de casos de malformações a serem operados, em função do diagnóstico pré-natal e abortamentos; até mesmo uma mudança de atitude com relação à problemática como um todo; e, finalmente, pela necessidade do estabelecimento de novos padrões para as publicações científicas(3).

Torna-se de fundamental importância, portanto, a manutenção de Programas de Educação Continuada, ressaltando o valor humanístico e o relacionamento especial com pacientes e familiares; a promoção do intercâmbio de residentes e pós-graduandos no país e no exterior; a ampliação e integração com os pediatras; e, finalmente, a manutenção do intercâmbio científico com as sociedades afins, em todas as suas atividades. Não há dúvida, portanto, em se afirmar que, apesar das dificuldades apontadas, o futuro da cirurgia pediátrica é brilhante e seu campo de atuação sempre fascinante. Assim, há que se propiciar o aprimoramento da excelência dos procedimentos e técnicas e, ao mesmo tempo, do atendimento humanístico e o aprimoramento de técnicas minimamente invasivas; promover a integração com outras áreas, como bioinformática, genética, biologia celular e molecular, engenharia de tecidos e robótica, além de aprimorar o conhecimento de novas drogas antiangiogênese. Mas temos que nos esforçar para estimular o desenvolvimento de nossos valores humanísticos, pois tem sido dito que a tecnologia desenvolve-se mais rapidamente do que o conhecimento, que por sua vez é mais rápido do que o bom senso e a compaixão. A WOFAPS, pelo seu Comitê Executivo, decidiu pelo estabelecimento de uma campanha pelo reconhecimento da importância e do valor da cirurgia pediátrica como especialidade, enfatizando o fato de oferecermos o melhor atendimento e resultados, conforme consta da Declaração da Cirurgia Pediátrica, elaborada em Kyoto, Japão, em abril de 2001.

Declaração da Cirurgia Pediátrica • A criança não é apenas um adulto em miniatura e apresenta problemas e necessidades médicas e cirúrgicas, muitas vezes bastante diversas daquelas encontradas pelo médico de adultos. • Lactentes e crianças merecem o melhor atendimento médico disponível. Todo lactente ou criança que apresenta uma doença tem o direito de ser tratado em um ambiente adequado. Por um especialista em pediatria ou cirurgia. • O cirurgião pediatra é um profissional especialmente treinado, com ampla experiência e conhecimentos no tratamento do lactente e crianças de todas as idades (do nascimento à adolescência), portadores de afecções cirúrgicas. Em virtude de

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sua formação específica, os especialistas em cirurgia pediátrica oferecem extensa gama de opções terapêuticas e cuidados do mais alto padrão à criança. • O cirurgião pediatra diagnostica, trata e acompanha as necessidades cirúrgicas da criança, o que inclui o tratamento cirúrgico dos defeitos congênitos, traumatismos graves, tumores sólidos da infância, quadros clínicos que requerem endoscopia e procedimentos minimamente invasivos, bem como todos os procedimentos cirúrgicos da infância. • Visando proporcionar o melhor tratamento cirúrgico possível a lactentes e crianças, os procedimentos cirúrgicos pediátricos complexos devem ser realizados em centros especializados, com unidades de terapia intensiva adequadamente equipadas, de plantão 24 horas, nos sete dias da semana. Além dos cirurgiões pediatras, estas unidades devem contar com outros especialistas em pediatria, com radiologistas, anestesiologistas e patologistas. Esses centros devem oferecer cursos de pós-graduação e possibilidades de pesquisa na especialidade. Prof. Jay L. Grosfeld, Presidente da WOFAPS. Pof. Dr. José Pinus, Vice-Presidente da WOFAPS.

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Conclusão O futuro, na verdade, está no presente, no sentido de procurar alcançar o preciosismo técnico e humanístico no atendimento ao nosso paciente, com o objetivo de ultrapassar os melhores índices de sobrevida, vencendo as pequenas taxas de mortalidade e, mais do que isso, diminuindo a morbidade a fim de conseguir a melhor qualidade de vida possível. Referências 1. Fonkalsrud EW. Pediatric surgery advances into university hospital. J Pediatr Surg. 2001;36(6):409-15. 2. Gross RE. The surgery of infancy and childhood. Philadelphia: WB Saunders; 1953. 3. Rangel SJ, Kelsey J, Henry MC, Moss RL. Critical analysis of clinical research reporting in pediatric surgery: justifying the need for a new standard. J Pediatr Surg 2003;38(12):1739-43.


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