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Construção do império na América Latina: a estratégia militar do EUA
James Petras - Especial para Rebelión (tradução para o português da versão em castelhano: Aluizio Lins Leal*)
Construção do Império na América Latina: a estratégia militar dos EUA.
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Introdução A construção de um império, em particular um império capitalista em princípios do século XXI, requer uma elaborada arquitetura militar para poder expandir, proteger e consolidar os grandes interesses econômicos, essenciais para os impérios modernos.
Enquanto que os “teóricos globalistas” escrevem sobre as “classes dominantes mundiais” e “o fim do estado-nação”, o aparato militar do estado imperial, e em concreto o dos EE. UU, cresceu enormemente durante a última década, e tem uma importância fundamental em promover e proteger as corporações, bancos e empresas de importação-exportação baseadas nos EUA. O objetivo deste trabalho é descrever e analisar o alcance, a profundidade e a estratégia do aparato militar dos Estados Unidos na América Latina - destacar seus múltiplos enlaces e controles sobre os militares e como esses controles se destinam a aumentar o poder do estado imperial norte-americano. As vastas operações militares dos
EUA e o êxito alcançado em forjar instituições militares dependentes mediante uma complexa rede de programas e atividades conjuntas refutam a retórica sem sentido sobre o “governo das corporações globais” Para demonstrar a importância do militar, este informe se concentrará no Império Norte-americano na América Latina.
A primeira parte deste trabalho tratará sobre os interesses econômicos estratégicos dos EUA e a justificativa ideológica da expansão militar norte-americana na América Latina. Na segunda parte, o informe se centrará na arquitetura do império militar, especialmente no estabelecimento de relações de dependência ou mercenárias. A terceira parte tratará sobre os objetivos operativos e a propaganda projetada para legitimar a militarização da política latinoamericana sob a tutela dos EUA. Na conclusão se discutirá o fenômeno dual da expansão do controle militar dos Estados Unidos e o fortalecimento do papel dos militares nas decisões sobre as prioridades da política latino-americana;o impacto sobre a substância e as estruturas do sistema político e o papel do império norte-americano em delinear a política inter-americana.
As instituições militares estratégicas, assim como as políticas dirigidas à América Latina, foram detalhadas sucintamente pelo General Peter Pace, da Infantaria de Marinha dos Estados Unidos, Comandanteem-Chefe do Comando Sul dos EUA (Comando SUL). A área de responsabilidade do Comando SUL abarca toda a América Central e América do Sul, o Caribe e as águas que a rodeiam, totalizando mais de 15, 6 milhões de milhas quadradas e mais de 404 milhões de pessoas. Este informe se baseia no testemunho do General Pace perante o Comitê dos Serviços das Forças Armadas do Senado dos EUA, de 27 de março de 2001.
Bases econômicas do império militar
Os arquitetos da estratégia militar norte-americana na América Latina estão perfeitamente conscientes da importância central que têm os interesses empresariais dos EUA na hora de formular políticas. A elaboração da estratégia militar e os programas estruturados para incrementar o poder militar dos Estados Unidos dentro dos exércitos latinoamericanos estão legitimados pelos interesses econômicos norte-americanos: lucros, mercados e acesso a matérias primas estratégicas, em particular a fontes energéticas. O general Pace, na sua introdução ao Senado, enuncia claramente as bases econômicas em seu discurso sobre a estratégia militar norteamericana:”Mais de 39 por cento do nosso comércio se realiza dentro do hemisfério ocidental. Ademais, 49 centavos de cada dólar gasto na América Latina se usam em bens e serviços importados dos EUA. América Latina e Caribe suprem aos Estados Unidos mais petróleo que todos os países do Oriente Médio” (o
General Pace é bastante engenhoso no tratamento dos dados. O “Hemisfério Ocidental” a que se refere aqui inclui o Canadá, que, obviamente, não faz parte da América Latina e é o principal sócio comercial dos EUA, no Hemisfério. Em segundo lugar, quando diz que 49 centavos de cada dólar se gastam na importação de bens e serviços é duvidoso, já que a maioria da América do Sul, Argentina, Brasil e Chile têm importantes relações comerciais com a Europa e com a Ásia. Pode ser que as suas cifras se tenham inflado ao incluir o”serviço da dívida” como “serviços norte-americanos”. Devido ao aumento dos movimentos anti-imperialistas e anticoloniais em todo o mundo, os poderes imperiais contemporâneos, ainda que contidos nas formas mais flagrantes e evidentes de dominação, envolvem suas políticas e instituições imperiais em uma retórica democrática.
As “ameaças” ao poder imperial se expressam em termos moralistas. O expansionismo militar imperial se justifica em termos da luta conjunta contra a atividade criminosa internacional, que afeta adversamente tanto o centro imperial como aos países latino-americanos envolvidos. Na prática, a ameaça real são as forças militares nacionalistas e os sistemas democráticos participativos que desafiam a dominação dos EUA. Os problemas de princípio, como são definidos pelos estrategistas militares norte-americanos, têm a ver com o controle das conseqüências sociais derivadas das políticas neoliberais e da exploração econômica da América Latina. A expansão militar dos Estados Unidos e o fortalecimento dos exércitos latino-americanos são a principal ameaça para o surgimento da democra
cia e a estabilidade regional. Os militares, contudo, vêem as conseqüências - a oposição popular- produzidas pelo domínio e a exploração norte-americana como “a ameaça” para a América Latina.
Por conseguinte, o General Pace argumenta que “a maior ameaça para a democracia (sic), a estabilidade e a prosperidade regional (?) da América Latina são a imigração ilegal, o tráfico de armas, o crime, a corrupção e o tráfico de drogas ilegais“ (os comentários em parênteses são do Autor), A imigração ilegal está diretamente relacionada com a militarização norte-americana da Colômbia, e o empobrecimento do Peru, América Central e México se devem à aplicação de políticas neoliberais. O que o Chefe do Comando SUL descreve como “ameaças” na realidade são as práticas dos seus aliados militares. Os Contras respaldados pelos EUA na América Central; Montesinos, um recurso da CIA no Peru; Noriega, o ex-homem forte do Panamá(velho empregado da CIA) e muitos outros militares têm estado envolvidos no tráfico de armas, com o conhecimento e apoio do Comando SUL. O incremento da imigração ilegal, um antigo problema no México, está diretamente relacionado com as enormes transferências de lucros, juros e pagamentos de royalties desde o México a bancos e corporações norte-americanas. O crescente problema da imigração ilegal desde a Colômbia aos países vizinhos é o resultado da estratégia, ajuda militar e assessoramento do Comando SUL. O equipamento e treinamento dos esquadrões da morte colombianos (as chamadas “unidades paramilitares”) é parte de uma estratégia geral para militarizar a Colômbia e absolver os militares colombianos dos massacres generalizados de dirigentes civís e dos movimentos sociais. A verdadeira preocupação do Comando SUL é que países vizinhos da Colômbia (Equador, Venezuela, Panamá, Brasil), que estão sofrendo os mesmos efeitos adversos das políticas neoliberais, se mobilizem politicamente contra a dominação militar e os interesses econômicos dos EUA. Como indica o General Pace, “Muitos dos países que compartem fronteiras permeáveis com a Colômbia continuarão sendo vulneráveis à imigração ilegal e às incursões de insurgentes armados”. A militarização da Colômbia por parte dos EUA e os seus efeitos de desbordamento aos países vizinhos significa que o Comando SUL está se mobilizando para militarizar toda a região, incrementando os envios de armamento e o controle das forças armadas de toda essa zona. A militarização regional se denomina agora como “Iniciativa Andina”.
Tráfico de armas
O maior traficante de armas da região é o Comando SUL e não os cartéis da droga. Os segundos maiores traficantes são os aliados militares de Washington, com o equipamento em particular dos grupos paramilitares. Os terceiros maiores traficantes são cartéis da droga que trabalham com o exército e a polícia. As guerrilhas na Colômbia carecem do armamento pesado que têm as forças armadas, não têm sequer sistemas portáteis de armas para defesa aérea. O tráfico de armas que realizam os insurgentes é uma atividade mínima, em comparação com a que realizam o Comando SUL e os
seus aliados militares. Ademais, os fins e a utilização da compra de armas são radicalmente distintas:os EUA e o exército traficam com armas para proteger a ordem socioeconômica existente e aterrorizar a população, enquanto que os insurgentes, suas armas leves e seus mísseis”caseiros” estão projetados para derrubar essa ordem e defender o campesinato.
O delito e a corrupção são outros dos “perigos”, segundo o General Pace, para a democracia e a prosperidade. A corrupção da política e dos políticos é predominante entre os que têm o poder governamental e os altos cargos do exército
com os quais o Comando SUL colabora ativamente, aos que assessora e dirige. Cada grande escândalo de corrupção que teve lugar na América Latina na década passada envolveu políticos e oficiais que levavam adiante os delineamentos norte-americanos de política econômica neoliberal e a “defesa do hemisfério” (leia-se a hegemonia dos Estados Unidos). Enquanto os guerrilheiros seqüestram milionários para financiar suas atividades, os maiores bancos norte-americanos, incluídos o Citibank, o Banco de América e os principais bancos de Miami e outras cidades, alvejam entre U$250 e 500 bilhões ao ano, segundo as audiências no Senado norte-americano. E quanto ao tráfico de drogas, a maioria dos lucros é branqueada nos bancos norte-americanos. O camponês recebe uma fração do preço final. A erradicação da coca, que coaduna a penetração profunda dos EUA em todos os níveis da polícia, forças armadas e o sistema político latino-americano é um pretexto para o controle a longo prazo e em grande escala pelo Comando SUL de todo o Aparelho de Estado latino-americano.
A arquitetura da esfera militar
O Comando SUL se localiza em Miami, com uma subsede em Porto Rico. É responsável pela planificação, coordenação e condução da atividade militar dos EUA em toda a América Latina e no Caribe. Instalou bases militares com aeroportos em Aruba-Curaçao, nas Antilhas Holandesas; em Manta, no Equador, e em Comalapasa, El Salvador. Estas bases permitem aos EUA introduzir-se na maior parte dos países da América Latina, tanto no espaço aéreo quanto por mar e por terra. Ademais, os Estados Unidos têm uma base operacional militar em Soto Cono, Honduras, que dá apoio a helicópteros nas missões intervencionistas norte-americanas na América Latina e no Caribe. A facilidade com que os militares norte-americanos puderam construir essa rêde de bases a serviço do império se deveu principalmente ao apoio e treinamento a longo prazo de oficiais militares dependentes realizados pelo Comando SUL na América Latina. Assim o manifesta o General Pace:” As excelentes relações entre os Esta dos Unidos e El Salvador, fortalecidas durante anos de sólido contacto entre os militares de ambos os exércitos, ajudou a alcançar negociações favoráveis sobre o acordo FOL”(Locação Operativa de Avanço, em inglês Forward Operating Locations, base aérea). Os anos de sólida colaboração entre os exércitos incluem a década de 1980, em que 75.000 salvadorenhos foram assassinados pelos militares, A vitória militar sobre as guerrilhas foi seguida pela consolidação do poder dos EUA sobre os seus lacaios salvadorenhos e a utilização das instalações salvadorenhas como base de avanço para a expansão militar norte-americana em toda a região. Em El Salvador a década de colaboração com os militares e os esquadrões da morte valeu a pena: El Salvador é agora um lugar-chave para expansão do controle do Comando SUL na zona. Atualmente, ele embarcou em um projeto similar com o exército colombiano e seus subordinados, os esquadrões da morte, as chamadas forças “paramilitares”. Da mesma forma, a intervenção política norte-americana no Equador para derrubar a junta popular em janeiro de 2000 e a consolidação do regime de Noboa facilitou grandemente a que o Comando SUL pudesse assegurar a base militar de Manta.
A intervenção militar norte-americana, ao impor seus clientes em um país proporciona um trampolim para um controle regional mais geral; dispara uma espécie de efeito imperial multiplicador. A construção de forças militares dependentes requer uma multiplicidade de atividades. Assim o descreve o General Pace:”Nosso enfoque se centra em operações combinadas, exercícios, treinamento e educação, ajuda em têrmos de segurança e programas de assistência humanitária”.
Tanto na forma como na organização e conteúdos, os oficiais latino-americanos são treinados diretamente para servir aos interesses estratégicos, econômicos e militares do império. Com estes programas, os EUA exigem o fortalecimento dos militares e o aumento de sua capacidade para reprimir os adversários - segundo estes sejam definidos por eles, EUA. Em cada região: Caribe, América Central e no resto da América Latina, o Comando SUL esteve armando, treinando e doutrinando os exércitos nacionais para servir aos interesses dos Estados Unidos, sob sua liderança. A finalidade é evitar a utilização de tropas norte-americanas, e desta forma reduzir a oposição política nos Estados Unidos. O modelo consiste em que Washington dirige e treina os exércitos latino-americanos mediante “programas conjuntos” extensivos e intensivos, e subcontrata companhias privadas de mercenários que fornecem militares especializados, todos eles oficiais “retirados” do exército norte-americano. A construção desta rede imperial é descrita com o sardônico linguajar eufemístico comum a todas as sangren
tas tentativas militares contemporâneas. Por exemplo, o General Pace descreve a construção de Estadosclientes no Caribe como “assistir a Nação Associada no treinamento de suas forças de segurança com novo equipamento defensivo”, Conseqüentemente, os lacaios caribenhos “acolheram o TRADE WINDS 2000, um exercício multinacional que promove a cooperação de forças de mar e terra em resposta às crises regionais...”. O alcance da participação militar dos EUA no Caribe aumentou enormemente nos últimos dois anos. A Guarda Costeira norte-americana dirige operações e treinamento, e aumenta o fluxo de armas aos militares caribenhos. Nestas operações, grande quantidade de agências norte-americanas participam por terra, mar e ar nos países do Caribe. Segundo o Comando SUL, essas agências incluem: DEA (Agência Antidrogas, em inglês Drug Enforcement Agency), o Departamento de Defesa, o Serviço de Aduanas dos EUA, a Guarda Costeira dos EUA e várias outras agências.
Na América Central, o Comando SUL pretende aumentar o tamanho e a eficiência dos exércitos para que sirvam aos interesses estratégicos dos Estados Unidos.
Sob a retórica eufemística de “manter a paz”, o Comando SUL organiza seminários e operações para promover a subordinação aos militares norte-americanos e seus objetivos estratégicos. Neste contexto, “manter a paz”se refere à organização de exércitos com militares de vá-rios Estados dependentes sob a direção do Comando SUL para assegurar as zonas conflitivas e manter ou reinstaurar regimes favoráveis aos Estados Unidos. Os exercícios conjuntos são considerados por Aparentemente para campanhas antidrogas, são exercícios com finalidades múltiplas, projetados para consolidar o controle dos EUA, incrementar a vigilância aérea contra potenciais rebeldias antiimperialistas, assim como campanhas antidrogas seletivas.
ele como uma excelente oportunidade para “treinar pessoal multinacional das nações do Caribe e América Central para operações de manutenção da paz”. O Comando SUL também treina e doutrina tropas de terra e do ar da América Central em um programa chamado “Céus Centrais”. Aparentemente para campanhas antidrogas, são exercícios com finalidades múltiplas, projetados para consolidar o controle dos EUA, incrementar a vigilância aérea contra potenciais rebeldias antiimperialistas, assim como campanhas antidrogas seletivas.
A terceira região sobre a qual o império militar estendeu seu alcance é o”Cone Sul”, que inclui o Chile, Argentina, Brasil, Uruguay e Paraguay. Os últimos anos foram testemunhas de programas intensivos de doutrinamento (“diálogo”), maior colaboração militar sob a tutela do Comando SUL (“cooperação em defesa”) e “exercícios multilaterais de treinamento”sob direção norteamericana. Com um forte respaldo de Washington, os regimes chileno e brasileiro estão modernizando seus exércitos mediante um aumento dos gastos militares, especialmente compras a fabricantes de armas norte-americanos (o Chile está negociando com a Lockeed Martin a compra de aviões F-16). Dada a grande queda do nível de vida e os fortes cortes orçamentários para financiar as dívidas externas com os bancos norte-americanos, o resto dos países latino-americanos tem limitações nos fundos disponíveis para comprar armas dos EUA para defender o Império.
O Comando SUL dirigiu exercícios militares”conjuntos”com os países do Cone Sul, chamados CABANAS, que se realizaram em 2000, na Argentina, ao arrepio da Constituição do país, sem conhecimento da opinião pública em geral, e sem aprovação legislativa. Uma vez mais, esses exercícios foram organizados para combater os inimigos internos, não os invasores estrangeiros. Foram arquitetados para integrar os exércitos latino-americanos sob o comando dos EUA na repressão às rebeldias internas, caso alguns dos regimes neoliberais envolvidos na crise econômica venham a desabar. A contrapartida marítima dos exercícios CABANAS são os exercícios UNITAS, o maior exercício naval multinacional dirigido pelos Estados Unidos no hemisfério ocidental. O Comando SUL projetou esses exercícios para organizar a estrutura de mando, aprofundar sua influência sobre o pessoal dos exércitos latino-americanos, e formar os oficiais em procedimentos e táticas do exército norte-americano para colocar em prática de forma mais eficiente as prioridades políticas do Comando SUL.
A quarta região listada por ele é o “Sistema Andino”, que inclui a Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Em meio às revoltas populares do Equador em janeiro, de 2000, os militares norte-americanos, junto com o embaixador dos EUA, desempenharam um papel relevante instigando os quadros superiores do exército a derrotar a
junta popular e apoiar o novo presidente (Noboa). Assim descreve o General Pace o papel dos EUA: “no Equador, o Comando SUL trabalhou em estreita colaboração com o embaixador norte-americano e o governo do Presidente Noboa, proporcionando ajuda ao exército equatoriano, especialmente na gestão da crise nacional”. Ao apoiar o regime de Noboa, o Comando SUL pôde assegurar a Base Aérea de Manta na costa noroeste, uma plataforma de lançamento chave para estender a vigilância aérea norte-americana por toda região andina e, mais especificamente, para proporcionar espionagem aérea para o exército colombiano (e aos esquadrões da morte), treinados e dirigidos pelos EUA, envolvidos em atividades de repressão aos rebeldes. Desde Manta, o império militar norte-americano estendeu seu controle aéreo sobre toda a América do Sul. Como indica o General Pace, “Manta... é a chave para reajustar nossa zona de responsabilidade (AOR), nossa arquitetura(o aparato militar) e para estender o alcance de nossa cobertura aérea de DM&T (Deteção, Controle e Seguimento, em inglês Detection, Monitoring and Tracking ) nas Zonas-Fontes (zonas de produção de droga)”.
O novo império militar se estendeu controlando não só terra, mar e ar, mas também os rios da Colômbia e do Peru. O Comando SUL treinou e equipou militares com base nos rios de ambos os países. Em Iquitos, no Peru, as forças especiais da marinha norte-americana, SEALS, são uma grande força operacional que o General Pace descreve como “a melhor instalação deste tipo na AOR(Zona de Nossa Responsabilidade, em inglês Area of Our Responsaibility)”. Na Colômbia, com U$ 1, 3 bilhões de ajuda militar norte-americana destinadas ao Plano Colômbia, o USSOUTHCOM está envolvido em todos os níveis das operações militares colombianas. Treinou três “batalhões antidrogas” de elite para operações de combate à guerrilha. Está formando as tripulações dos helicópteros equipados com mísseis e metralhadoras que trabalham com os mercenários norte-americanos subcontratados pelo Pentágono. Os quadros superiores e as Forças Especiais do Comando SUL participam ativamente nos campos de batalha, dirigindo operações de combate e coordenando a colaboração militar com os esquadrões da morte, tal qual se viu em El Salvador, Guatemala e anteriormente no Vietnam. Na Bolívia, as Forças Especiais e a DEA (Drug Enforcement Agency) atuam no Chapare, treinando pessoal e construindo novas bases militares.
As atividades do Comando SUL estão inter-relacionadas. Os exercícios militares multilaterais são o prelúdio dos programas de formação doutrinária. O General Pace declara: “O programa de exercícios do Comando SUL é o motor do nosso Plano de Campo de Batalha”. Os programas de treinamento doutrinário se dirigem particularmente àqueles militares latino-americanos que demonstrem maior disposição em servir na rede militar imperial. Os oficiais latino-americanos que completam os programas de doutrinamento são elementos valiosos para o império militar, já que muitos continuam na carreira até atingirem postos superiores.
O General Pace identifica claramente o papel dos programas de treinamento dos EUA e dos benefícios que proporciona ao Império: “A formação e o treinamento militar internacional (INMET, em inglês International Military Education And Training ) e o seu complemento, o INMET Expandido, proporcionam oportunidades de formação profissional para militares e candidatos civís selecionados cuidadosamente. Esses programas são a coluna vertebral da nossa combinação de formação e profissionalização militar. Garantem bolsas aos militares e ao pessoal civil de nossas Nações Associadas para assistir aos cursos de desenvolvimento profissional nas instituições militares dos Estados Unidos. A um custo modesto, esses programas são investimentos valiosos, já que muitos dos estudantes continuam as carreiras até chegarem a ser altos quadros dirigentes em suas respectivas instituições militares e governamentais”.
No exercício 2000, o Comando SUL recebeu U$ 9, 8 milhões para o INMET e treinou 2. 684 estudantes, aí incluídos 474 civís. O processo de construção de um império militar é, portanto, um processo integrado e inter-relacionado que começa por exercícios militares com os Estadosclientes (as “Nações Associadas”), nos quais se selecionam e treinam os militares promissores. Esses oficiais alcançam, depois, os postos mais altos e se convertem em quadros valiosos para o Império, fornecendo as bases militares para que as Forças Armadas norte-americanas ocupem o espaço aéreo, terrestre, marítimo e fluvial do país. A expansão do Estado imperial dos Estados Unidos e a integração dos militares lacaios nas suas redes destacam a importância do Estado no mundo contemporâneo.
A expansão do império militar proporcionada pelo Comando SUL também inclui o fortaleci mento da infra-estrutura de comando, contro
le, comunicações e inteligência para operações fixas e móveis em toda a América Latina. Ao construir essa infra-estrutura, o Estado dependente latino-americano supre o Comando SUL, nas palavras do General Pace, de “comunicações via satélite [que] são de vital importância para nossas forças deslocadas em tempos de crise”. O Comando SUL começou vários programas para aumentar a efetividade do Império no controle do rebelde povo latino-americano. Segundo o General Pae, o controle e as operações que ele realiza com os aparelhos de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR) nos Estados dependentes são “prioritárias” para dominar a América Latina. Os ISR proporcionam aos militares norteamericanos e aos oficiais latinoamericanos de todos os níveis indicações e advertências, conhecimento situacional e avaliação dos danos produzidos nas batalhas. Esses sofisticados sistemas de reconhecimento são necessários para proteger os militares norte-americanos que dirigem em combate as forças armadas dependentes. Em termos mais eufemísticos, o General Pace declara:”Os sistemas de reconhecimento sofisticados são necessários para melhorar a proteção da nossa limitada quantidade de pessoal deslocado em zonas de alto risco”. O General Pace admite que as forças militares norte-americanas participam de situações de combate real, dirigindo as forças militares contra a insurgência popular na América Latina. O alcance e profundidade da participação do Comando SUL demonstra, por um lado, a recolonização dos aparelhos militares dos Estados-clientes mediante sua absorção, e, por outro, a presença militar direta e o controle das rotas aéreas, terrestres, marítimas e fluviais. Conclusão
O império militar norte-americano, dirigido pelo Comando SUL, construiu e estendeu múltiplas organizações regionais, coordenadas pelo comando dos EUA de Miami e Porto Rico. O Império tem controle e influência sobre o espaço aéreo, as águas costeiras, as rotas fluviais e terrestres através dos aeroportos, instalações navais e bases militares. O império está construído e sustentado pelo suprimento de equipamento militar, treinamento e serviço aos clientes latino-americanos e caribenhos. O Comando SUL executa um grande número de programas (178, em 2000), combinando operações e exercícios de treinamento, cursos de formação, equipamento móvel de treinamento, intercâmbio de unidades e financiamento e vendas militares. Sobretudo usou consciente e sistematicamente o treinamento e operações “antidroga” para recrutar oficiais latino-americanos e integrá-los ao Império. Na atualidade, o império militar norte-americano nos faz recordar os impérios coloniais:comandantes brancos do Comando SUL e oficiais mestiços que dirigem os soldados de pele escura das tropas de primeira linha de combate. Isto inclui as Forças Especiais e os mercenários subcontratados, esquadrões da morte e conscritos, detecção eletrônica aérea e forças paramilitares que empunham terçados sobre o terreno. O Império se estende na direção do Sul desde Miami através do Caribe, América Central, países andinos, até o Cone Sul. É um império difícil de dirigir, aberto a desafios e mesmo “deserções”, como demonstram os levantes militares nacionalistas da Venezuela e Equador. Enquanto os EUA investem bilhões em armas e enviam milhares de assessores para recrutar e doutrinar os militares latinoamericanos, os oficiais subalternos e soldados rasos estão pressionados pelas lutas sociais massivas e os cada vez mais deteriorados níveis de vida de seus países. Têm aparecido fissuras, ainda que o Império tenha preparado forças multinacionais. O papel do Comando SUL é intervir constantemente para prevenir deserções maiores e maximizar a participação militar latino-americana. O apoio aéreo e operativo está projetado para minimizar a utilização das forças terrestres norte-americanas em combate.
A pergunta é se tudo isso será suficiente. Se as crises atuais induzidas pela pilhagem econômica levam a levantes populares em grande escala, que solidez têm os militares latino-americanos dependentes? Poderão se contrapor às forças da nação dirigidas contra o Império? A lição do Irã de 1979 é clara: um grande exército moderno, fortemente equipado e treinado pelos Estados Unidos e seus assessores militares pode ser vencido. O que está absolutamente claro é que o Estado - o Estado imperial - mediante seu aparato militar, é essencial para assegurar os mercados e os investimentos das corporações multinacionais baseadas nos EUA. A total ausência de qualquer referência a este crescente papel do império militar norte-americano nos compêndios das “teorias da globalização” é outro exemplo do vazio e da irrelevância dos seus argumentos.
James Petras - Especial para Rebelión - A Página de Petras - 5 de maio de 2001