FICHA TÉCNICA Edição: Vírgula® (Chancela Sítio do Livro) Título: A Árvore de Jeremias Zacarias Autor: Alberto Da Antas Capa: Patrícia Andrade Paginação: Nuno Remígio 1.ª Edição Outubro, 2013 Depósito legal: 364688/13 ISBN: 978-989-8678-28-7 © Alberto Da Antas PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
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Para o Manuel Maria
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1 Sentado numa esteira de cores esbatidas pela passagem do tempo, o velho Jeremias Zacarias dormitava, cambaleando a cabeça contra o seu peito desnudado, com as costas apoiadas no tronco daquela estranha árvore, abraçada por grossas hastes retorcidas, vindas das entranhas saudáveis da terra, cuja copa de pujantes folhas largas, formava uma extensa e aprazível sombra, debaixo da qual se resguardava da canícula opressiva que naquela tarde se fazia sentir. Há longos anos que Jeremias vivia como um eremita naquele belo lugar de natureza luxuriante. Ele sabia das histórias que no passado o povo contava a seu respeito, e sorria, porque parte delas nunca tinham ocorrido, e as outras, apareciam com roupagens que deformavam a realidade acontecida. Mas aquela sua gente, sempre gostava de efabular a verdade, e mais a enfeitavam quando a pessoa envolvida ali tinha nascido, era o seu caso.
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Jeremias nasceu na cidade de Santo António, numa noite clara de lua cheia. Duzentos anos antes, a sua família tinha chegado à Ilha do Príncipe, fugida de São Tomé em frágeis pirogas, devido a uma revolta de escravos, que os angolares tinham encetado contra a desumanidade como eram tratados nas roças. Mas se a fuga os tinha posto a salvo, a liberdade que desfrutaram naqueles dias em cima do oceano, pouco durou, porque se eram escravos na ilha grande, os que não foram severamente punidos, escravos continuaram a ser naquela pequena ilha. Jeremias era filho de Leopoldo Zacarias, um negro forro que andava embarcado nas naus que faziam a carreira entre Lisboa e Luanda. Sua bisavó de nome Joana, tinha recebido a carta de alforria, guardada religiosamente por Jeremias, num lugar seguro que só ele conhecia. Certa vez, quando um oficial de cavalaria duvidou da sua condição de negro livre, Jeremias pediu um tempo breve para a comprovar. Correu célere por entre a mata, e, quando regressou, perante todos os que se aglomeravam para ver no que aquilo ia dar, puxou pelo velho documento, devidamente autenticado, desdobrou-o com o cuidado que tal preciosidade merecia, e num escorreito desfilar de palavras, sem tropeções nas sílabas ou nos ditongos, leu: “Digo eu Manoel de Sousa Magalhães, que entre os bens livres e desembargados de que sou legitimo senhor e possuidor, é uma escrava mestiça de nome Joanna filha da minha escrava Helena criola, que agoconta aliás tem de idade treze annos, a qual escrava Joanna, deve acompanhar-me atte
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o dia em que eu cazar ou fallecer, e sendo que a mesma descrita tenha filhos, tanto ella como seus fillhos gozarão da mesma liberdade, cuja liberdade é o dia de minha morte por diante como de ventre livre nascesse; e não poderão meus herdeiros prezentes e fucturos contradizerem esta liberdade de que a faço de minha livre vontade sem constrangimento algum, e sim pelo muito amor que lhe tenho pela ter creado como filha, e além disso me ter servido completamente; e havendo duvida sobre o ponderado recebo a dita escrava em minha terça pela quantia de cento e vinte mil reis, e declaro que presentemente o posso fazer por possuir bens aundantes que bem chegão para esta liberdade”. Quando terminou, assegurou: - Eu sou bisneto da falecida escrava Joana - que descanse em paz - e devido a ela, um alforriado. - Perante o olhar incrédulo do oficial, o povo exultante, pegou nele e levou-o em ombros pela Rua da Misericórdia até à Praça do Pelourinho. A partir daquele acontecimento, ele que já era considerado um jovem de invulgar saber, passou a ser olhado pelos seus, ainda com mais respeito. Jeremias Zacarias deu sinais que estava a acordar, ergueu um pouco a cabeça, descerrou levemente as pálpebras, voltou a fechá-las, fazendo um tempo de espera para despertar, por fim, abriu os olhos ainda com a sonolência toldando-lhe o olhar. A tarde estava quase a dar lugar à noite, sentiu a presença de alguém, e não demorou a perceber que quem ali se encontrava era a sua eterna amiga. - Há muito que estás por aí? Porque não me acordaste quando chegaste? – Interrogou.
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- Não quis importunar a tua sesta, tempo disponível é o que não me falta. Entretive-me a olhar para tudo o que de belo aqui tens: a tua bela árvore, a cachoeira, os riachos, as bananeiras; ali as de fruta-pão, acolá as de ouro, mais além, o extenso mangueiral, ao fundo o meu rectângulo sempre coberto com viçosas rosas vermelhas, e por fim, esta vista soberba que daqui do alto se tem sobre este mar sem termo. Sabes, vieram-me à memória os momentos em que por aqui andei, este será, naturalmente, sempre o meu lugar. - Fez uma breve pausa. – Quando há pouco te observava quase que não conseguia distinguir-te do tronco dessa árvore. Jeremias deu uma ruidosa gargalhada. – Isso é mera ilusão. De facto, nascemos quase que em simultâneo, e também é verdade que o fortalecimento desta árvore se foi fazendo pelo alimento que de modo assíduo lhe fui oferecendo. Admito que a pertença seja mútua, mas só isso, nada mais. - Entendo-te, mas observando o tronco largo, retorcido, longos são os anos que por vós passaram. Qual é exactamente a tua idade? Na altura em que aportei a esta ilha, tínhamos mais ou menos a mesma, não era assim? - É verdade, só que já se passaram um ror de anos, e enquanto eu já estou a terminar o inverno da velhice, tu, manténs-te como da última vez que te vi; linda e inacessível. É essa imagem que sempre fica de quem parte ainda jovem. Talvez por esse facto, os deuses que na antiguidade andavam por aí, adoravam rodear-se de gente nova, cheia de beleza e viço. Eram ciumentos dessa força e formosura, que só a juventude possui, e, certamente, por esse desejo lascivo, os
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escolhiam e os levavam para o seu seio. - Concluiu Jeremias. - A morte de quem é jovem, será sempre vista como uma imperfeição do que devia ser a sequência da finitude familiar. Mas voltemos ao que te perguntei, afinal quantos anos já passaram por ti? Jeremias abriu um largo sorriso. - Que importância pode ter a minha idade? Vocês, os brancos, têm essa obsessiva mania de tudo querer medir; é a distância que caminhamos, é o tempo que se demora a confeccionar a comida, é o período que dormimos ou o que estamos acordados, é a idade que passa por nós; e isso não tem qualquer interesse. A minha idade? Sei lá qual é, há muito tempo que decidi perder-lhe o conto. O que sei é que o meu passado, como se nota, é imenso, o futuro terá um prazo curto, e o presente, esse, bem, esse quase que não existe. - O presente quase que não existe? Jeremias ajeitou melhor as velhas costas ao velho tronco, afagou a sua branca barba, e respondeu: – Sim, o presente é meramente um pequeníssimo momento de transição. É assim com tudo na vida; no falar, no fazer, e no acontecer. Em rigor, o presente é uma simples e brevíssima passagem para o passado. - Meu bom Jeremias, continuas o mesmo na forma de pensar as coisas, sempre admirei esse modo diferente de as observares. Esboçou um leve sorriso. - Acho que herdei isso do meu avô; um iletrado com muita curiosidade por tudo o que o rodeava, depois, acresce que alguém me doou o húmus de-
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cisivo que permitiu a minha mente voar em liberdade, sem as restrições que os poderes instalados nos impõem. - O nosso benquisto professor, ou melhor, mestre-escola, como gostava de ser chamado. Jeremias ia responder, quando ouviu passos arrastados vindos da casa, olhou, e entendeu pelos sinais gestuais, que Rosário lhe perguntava: – Já acordaste, com quem estavas para aí a falar? - Com vozes que me vieram visitar. Rosário aproximou-se, pegou-lhe com ternura pelo braço a fim de o ajudar a levantar, enquanto continuava o seu linguajar que só o velho entendia. – Acho que estás a ficar com pouco juízo na cabeça, então agora falas com vozes, sem que se veja vivalma por estas bandas. - Rosário, por vezes, nós vemos e ouvimos coisas que mais ninguém consegue, e como venho de um tempo antigo, é natural que haja vozes remotas que gostem de aparecer por aí. - Vá lá, deixa-te desses falares dificultosos que arrepiam a minha dura pele. – E, encaminhando-se para casa, aconselhou: – Vamos, apressa-te, começou o novo dia. Já se ouvem os ruídos estranhos da noite, e ela não gosta que a gente a ande por aí a espiar. Jeremias sorriu: “começou o novo dia”. De facto, desde que vivia naquele pedaço de paraíso, que tinha adoptado o calendário lunar, como nos tempos lá muito para trás, em que o dia começava ao pôr-do-sol, e as horas eram contadas a partir do nascer da alva, por essa razão, sempre dizia que
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se recolhia pela hora dĂŠcima segunda. Ele considerava que os homens nunca deviam ter mudado aquela bonita forma de contar o tempo diĂĄrio.
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2 Naquele dia de Outono, um sol de agasalho jorrava pela pequena janela, inundando aquele modesto quarto de um primeiro andar na Rua Direita dos Freires, ali bem perto do Palácio Real. José Tarouca acordou abençoando aquela dádiva com que a natureza o obsequiava logo pela manhã. Espreguiçou-se, esticando em simultâneo os braços e as pernas, e voltou a aconchegar os cobertores ao pescoço protegendo-se do frio que se fazia sentir. Era sábado, um de Novembro, dia de Todos os Santos, dia da celebração, por antecipação, dos fieis defuntos. José ouviu tocar os sinos da Igreja da Conceição dos Freires, eram nove e meia e estava na altura de se levantar, mas o conforto do leito intimava-o a ficar mais algum tempo. Por fim, contrariado, lá acabou por tomar a decisão de sair da cama; afastou a roupa para um dos lados, e num movimento rápido como quem não teme enfrentar aquele frio agreste, sentou-se na beira, com os pés descalços tocando o soalho
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carunchoso. De súbito, sentiu que a cama estremecia, de início com ligeiros movimentos verticais, que se intensificaram e misturaram com violentos abanões horizontais. De imediato, pressentiu que algo de muito grave iria acontecer. Um imenso medo de morrer quase o paralisou, só tinha trinta e um anos, e uma filha de meses. Ouviu gritos de pungente aflição, vindos de todos os lados; das outras divisões da casa, dos vizinhos de outros andares, da rua. Petrificado, olhou horrorizado, as paredes a abrirem fissuras e o tecto a fender-se, por onde, por brevíssimos instantes, sentiu o sol luminoso batendo-lhe na cara, envolto pelo lindíssimo céu azul de Lisboa, como que encenando a tragédia que estava a acontecer. Levantou-se de um salto e correu célere para a porta de saída, ao mesmo tempo que o telhado e a parede do quarto se desmoronavam por cima da cama, criando uma nuvem de pó que lhe invadiu a garganta e o obrigou a tossir compulsivamente. José alcançou a cozinha, que apesar de esventrada e ameaçando ruir, lhe permitiu abrigar-se debaixo de uma das ombreiras que ainda resistia. De repente, aliviado, deu conta que a terra se tinha assossegado da sua demoníaca convulsão. Continuou a ouvir gritos lancinantes vindos de todos os lugares, olhou em redor, tentando perceber como poderia ultrapassar aquela invulgar situação, porém, não encontrou qualquer saída segura. Então, optou por saltar para o andar de baixo na esperança de poder alcançar a rua, mas ao cair no rés-do-chão, sentiu uma fortíssima dor na perna, e temeu que a tivesse partido. Arrastou-se para a porta de saída, mas de novo a terra recomeçou a desassossegar-se, agora, ainda com maior violência.
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Pouco depois, um fragor medonho acompanhou a derrocada daquele prédio, e de outros que lhe estavam contíguos, provocando múltiplas nuvens de poeira. Em simultâneo, o fogo ateado pelo tombar das inúmeras velas que naquele dia ardiam em memória dos familiares mortos, tomava conta daquele amontoado de destroços, feito de muita madeira e de tabiques ressequidos pelo tempo antigo daquelas casas. Depressa as labirínticas ruelas se tornaram num vasto pasto de chamas, que rapidamente se propagaram para outras áreas ribeirinhas da cidade. Também junto ao rio, o Paço Real se encontrava envolto em altas labaredas, grande parte do património cultural nele encerrado, ardia naquele fogo incontrolado, como a valiosa Biblioteca Real que letra a letra desaparecia na voragem das chamas. Tudo em redor do terreiro era um imenso braseiro; homens, mulheres, e crianças, em pânico e sem linhas de fuga, refugiavam-se junto ao rio. Pelo menos, ali, sentiam a convicção de que não morreriam queimadas. No cais novo, construído com pedras de mármore em bruto, um clérigo de cara empoeirada e de sotaina chamuscada, ajoelhava-se, seguido por uma pequena multidão, que empunhando crucifixos e imagens de santos, achava que toda aquela tragédia de proporções aterradoras era o início do dia do juízo final, e, por esse dramatismo apocalíptico intuído, entoavam fervorosas preces ao Senhor, misturadas com ladainhas de aflição aos santos, e as mãos que rasgavam as vestes em súplicas de desespero, eram as mesmas, que
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se erguiam para o céu, implorando a misericórdia de Deus, e com tanto fervor o faziam, que atormentavam ainda mais o desespero dos incontáveis moribundos espalhados pelo chão. Alguns pequenos botes, recolhiam pessoas para as transportar para as terras de Xabregas, pois constava, que por aqueles lados, o terramoto tinha sido mais brando e poupado. Diogo Correia, homem jovem e robusto, apoiado pelo negro Leopoldo Zacarias, organizava aquela evacuação, impedindo com autoritária rudeza, que o desespero dos adultos pudesse alterar o que ele achava justo; primeiro seriam retiradas as crianças e os feridos, a seguir os velhos e as mulheres. Os homens válidos ficariam para ajudar no que fosse preciso. Foi então que em cima daquela sólida muralha, Diogo se apercebeu que algo de muito inusitado estava a acontecer; num repente, os botes ficaram com as quilhas enterradas no lodo, e as águas do Tejo recuaram mais de sessenta metros para a outra margem. Invulgarmente, dezenas de embarcações ancoradas, também assentaram no leito do rio. A tragédia não demorou muito a ocorrer; uma gigantesca massa de água vinda do lado da foz destruiu, uma a uma, as embarcações apinhadas de gente, e prosseguindo o seu percurso devastador, rugindo furiosamente, galgou pelo cais afora arrastando tudo o que encontrava pela frente. Milhares de pessoas, em breves instantes, foram enrolados pela fúria daquele turbilhão endemoninhado que tudo arrasava. Quando finalmente, as águas cansadas por tanta destruição,
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regressaram para o interior das margens do rio, o cenário era dantesco; o terreiro estava coberto de corpos estropiados, de embarcações destroçadas, e de um monturo de variados lixos que o rio enfurecido tinha devolvido à cidade.
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3 Na Igreja do Convento de São Paulo, situada no outro lado do rio, o padre dominicano Manuel de Souto, depois de ter celebrado a primeira missa da manhã, decidiu desentorpecer as pernas num pequeno passeio. Caminhou vagarosamente por aquelas veredas com vistas desafogadas, circundadas por uma vegetação rasteira de cheiros intensos, inebriantes, provenientes da urze, do alecrim e do tomilho. Apesar do frio agreste a manhã estava magnífica, um sol límpido, permitia ver dali a capital do reino; a airosa e bela cidade de Lisboa. Olhou para o Paço, e não conseguiu ver o pavilhão real ondulando, o que indiciava que El-Rei D. José I continuava na sua real casa de campo em Belém. Contemplou a suavidade admirável das diversas embarcações, sulcando lentamente as calmas águas do Tejo. Sentou-se numa pedra, para melhor usufruir da beleza que estava diante dos seus olhos, quando, abruptamente, foi in-
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terrompido por um vibrar potente que emanava do interior daquele chão pisado pelos seus pés. Pensou de imediato que estava a acontecer um terramoto, um fragor enorme e prolongado fê-lo olhar em direcção ao convento, não quis acreditar, parte dos telhados e das paredes ruíam como um castelo de areia. Incrédulo, voltou a olhar para o outro lado do rio e a catástrofe horrenda estava a acontecer; prédios a desabar, o palácio com labaredas saindo pelas janelas. Pareceulhe que nas zonas mais altas da cidade a tragédia não seria tão devastadora. Em poucos minutos, grande parte de uma das mais belas e importantes cidades europeias tinha sido destruída. Trémulo e horrorizado, olhou para o céu límpido que contemplava bem do alto aquele inferno, e perguntou com o desespero estampado na face: – Porquê meu Deus? Porque permitiste que isto nos acontecesse? Gritos lancinantes vindos dos lados do convento interromperam as suas interrogações. Desatou a correr desabridamente, com as suas volumosas formas cinquentenárias a dificultarem-lhe o desembaraço. Esbaforido, com o cansaço patente no rosto congestionado pela correria e o coração dilacerado pelo que adivinhava ir encontrar, foi passando pelo povo simples que chorava arrepanhando os cabelos em incontido desespero, e pelos corpos estendidos no chão, já mortos ou moribundos. Viu gente correndo para todos os lados sem que percebessem para onde iam, e continuou o mais veloz que pôde. Quando chegou, junto daquele que momentos antes era um convento solidamente construído, deixou o corpo exausto deslizar para o chão, ajoelhando-se,
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e olhando em redor com o desespero no rosto. A igreja estava parcialmente destruída, a maior parte dos crentes que esperavam o início da missa para lembrar os seus mortos, encontravam-se agora entre os escombros, também eles mortos. Não conteve o choro convulsivo e a raiva da sua impotência perante uma tragédia daquela dimensão: - Porquê meu Deus? Porquê até na Tua própria casa?
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