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JOSÉ ALEXANDRINO AURÉLIO
A HISTÓRIA FAZ-SE VIVENDO Crer é Poder
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FICHA TÉCNICA edição: edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro) título: A História Faz-se Vivendo – Crer é Poder autor: José Alexandrino Aurélio capa: Patrícia Andrade paginação: Alda Teixeira revisão: Sílvia Lobo 1.ª Edição Lisboa, junho 2016 isbn: 978-989-8821-23-2 depósito legal: 408371/16 © José Aurélio
publicação e comercialização:
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ÍNDICE
I. Lema de vida da família Fagundes, “Crer é Poder”. . . . . . .
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II. O latifundiário e sua ascendência . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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III. Acontecimentos de relevo nas décadas de 30 e 40 do século XX. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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IV. As descolonizações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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V. As grandes ditaduras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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VI. Evolução da sociedade portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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VII. Aventura de um Fagundes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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VIII. Félix Fagundes e os seus dez filhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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IX. Um Fagundes no douro vinhateiro . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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X. Lenda do tesouro e as suas consequências . . . . . . . . . . . . .
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XI. Regresso às origens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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XII. Percurso de vida da família Fagundes. . . . . . . . . . . . . . . . . 103 XIII. Nova geração de Fagundes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 XIV. A Força do amor baseado na fé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 XV. Emigração dos Fagundes e sua evolução . . . . . . . . . . . . . . 127 XVI. Revolução nas terras do Alentejo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 XVII. O inesperado acontece . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 XVIII. Família Fagundes num passeio aos Picos da Europa. . . . . . 141
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NOTA DO AUTOR A obra está estruturada em XVIII Partes, cada uma relacionada com a vida das várias personagens. Pura ficção, figurando como principal a Família Fagundes, começando pelo senhor Joaquim Fagundes, cuja profissão era a de caçador de cobras mateiras para lhes tirar as gorduras e delas, fazer pomadas para curar as picadelas de insetos, incluindo as de abelhas e vespas. Salientando-se o contributo que este Rabo Ovelhense deu ao repovoamento da Aldeia, imbuído, tanto ele como os seus ascendentes no princípio de “Crer é Poder” Não só no repovoamento da Aldeia, como também na qualidade de vida dos seus filhos, não esquecendo o Quitério, neto do caçador de cobras, filho de Zacarias, que chegou a Juiz Desembargador. As histórias de vida de cada uma das personagens é fantasiada mas, no entanto, algumas, correspondem a realidades, citando-se como exemplo a sova que o Zé apanhou de seu pai depois de ter levado umas marradas de um garraio bravo que pretendia tourear; a vida das cegonhas no campo; a atividade de um “Ganadero”, explicando-se o que é uma ferra e uma tenta de gado bravo; a história do bezerrinho órfão de mãe e que, por isso, foi criado com os empregados do Lavrador Ribatejano e como procedeu na altura de ser corrido numa tourada no Campo Pequeno; os seareiros da Companhia das Leziras dos anos 40. Enfim! Contem muitas histórias fantasiada, mas também algumas verdadeiras. 7
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Também se pretende fazer o contraste entre o povo trabalhador da época e os Latifundiários para quem trabalhavam de sol a sol por uma mísera jorna, bem como dos marçanos, de tenra idade, 10, 11 e 12 anos, que vinham da Província para os merceeiros dos Grandes Centros, de Lisboa e Porto, ganhando uma miséria e transportando, às costas, cestos com mercearias para clientes, chegando a subir aos 3.o, 4.º, 5,º e 6.º andares. Em resumo: trata-se de uma mistura de ficção com factos reais. o autor
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I Lema de vida da família Fagundes “Crer é Poder”
Nas desertas terras do Alentejo profundo houve em tempos uma família, a família Fagundes, constituída por sete pessoas: quatro filhos de 2, 5, 7 e 12 anos, pai, mãe e avó materna. O chefe de família tinha como ocupação principal apanhar, no mato, cobras mateiras para delas tirar as banhas para fazer um “unguento” muito usado no tratamento de papeira, inchaços provenientes de picadelas de vespas, melgas e mosquitos, estes muito abundantes no fim do verão, mais precisamente nos meses do outono. O Ramires, com apenas 5 anos, logo muito cedo começou a mostrar a sua perspicácia para tudo o que o rodeava, fazendo perguntas sobre tudo e mais alguma coisa. Uma das perguntas que fazia com muita frequência era porque queria saber como se faziam os meninos que depois de crescidos são homens e mulheres. As pessoas, por mais voltas que dessem no engendramento das respostas, como por exemplo que eram as cegonhas que traziam os bebés, nunca o convenciam. Já crescidinho, com cerca de 9 anos, dormindo com os pais aos pés da cama uma das noites, estando acordado mas fazendo que estava a dormir, ouviu o pai a dizer para a mãe: “Vá coração! Abre as pernas!” 9
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De manhã, quando tomava o pequeno-almoço, vira-se para o pai e pergunta-lhe: “Ó pai! O coração também tem pernas?” O pai, um pouco atrapalhado, diz-lhe: “Tem agora pernas! Quem tem pernas somos nós e as galinhas.” A criança não ficou muito esclarecida, mas calou-se. Continuando a dormir com os pais e de vez em quando ouvindo a mesma conversa, quando lhe nasceu mais um irmãozinho, o Quitério, depois de todo o trabalho de parto, quando a mãe já estava bem e com o bebé ao colo, o Ramires vira-se para o pai e diz-lhe: “Olha! Agora é que eu sei o que uma vez te perguntei! Lembras-te? Quando o pai diz: ‘Vá coração! Abre as pernas’, é quando o pai e a mãe estão a fazer os bebés! Diz lá! É ou não é?” O pai, muito embasbacado, limita-se a dizer-lhe: “Cala-te rapaz! Já viram isto? Até já a pulga tem catarro. Não querem lá a ver o raio do gaiato!” O Ramires, certo dia, esteve uma tarde inteira numa fazenda que a sua avó materna tinha junto a um vale, com dois pinheiros mansos muito altos, nos quais as cegonhas iam fazer os ninhos, onde punham os ovos, de onde saíam os cegonhinhos. O que é que o Ramires viu? A cegonha estar pousada o dia quase todo em cima do ninho onde tinha os ovos. Foi acompanhando a estadia dela em cima dos ovos até que, certa vez, viu dois cegonhinhos com o bico no ar e o cegonho, o pai, a dar-lhes de comer. Veio a saber depois, pelas pessoas mais velhas, que o casal de cegonhas se substitui na alimentação dos filhos, ficando um sempre no ninho, junto deles, enquanto o outro vai pelos vales à procura de rãs, lagartixas e pequenos peixes para, depois, no ninho, lhes darem. Concluída esta observação, verificou que as cegonhas se preocupam com os seus filhos e não a transportar bebés, ficando, de vez, para o Ramires, o assunto esclarecido. 10
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As cegonhas (ciconia spp.) são aves migrantes da família Ciconiidae. As cegonhas têm cerca de um metro de altura e três quilos de peso. O seu habitat é variado e a alimentação inclui pequenos vertebrados. São animais migratórios e monogâmicos. As cegonhas não têm siringe e por isso não emitem sons vocais, emitem sons batendo com os bicos, atividade a que se dá o nome de gloterar. A vida dos pais do Ramires era muito difícil. O pai teve de procurar outro meio de vida pois o que tinha, matar cobras para fazer unguentos, com a modernização, que andava a passos largos, com a invenção de outros produtos concorrentes, deixou de ser rentável. Por isso teve de arranjar outro meio de vida a fim de sustentar a sua prole. A mãe dos gaiatos, além de arranjar os filhos, pouco mais sabia fazer. Assim, o senhor Fagundes, por intermédio de um dos seus compadres, conseguiu o lugar de guardador de porcos na herdade de um latifundiário lá da terra, o sr. Agripino, trabalhando à “Comodia”, esta constituída por produtos da horta, feijão, grão, carne de porco, farinha para fazer pão e, pelo S. Miguel, mês de setembro, uma parte em dinheiro para gastar na feira anual da terra. O Zacarias, inconformado com a vida que levava, não só ele como toda a família, começou a dizer aos pais, quando tinha 15 anos, que não queria ficar só com a 3.ª classe, que tinha adquirido na escola da terra, cuja professora era a D. Carrola, uma regente escolar muito boa. Inconformado, disse-lhe que qualquer dia ia para Lisboa, pois um seu amigo foi para lá e arranjou logo emprego numa mercearia e que estava muito contente. Se bem o disse, melhor o fez. Certo dia, apanhou boleia numa camioneta que andava a carregar fardos de palha para os cavalos da GNR em Braço de Prata, em Lisboa, e lá foi ele. Quando chegou a Lisboa, procurou o seu amigo na mercearia onde trabalhava, no bairro da Graça. Como só levava 20 11
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escudos que tinha roubado à mãe, que lhe dera para ir fazer um recado, pediu ao amigo para o deixar dormir com ele até arranjar trabalho. Este, seu amigo de infância, logo lhe disse: “Oh Zacarias! Os amigos são para as ocasiões. Pois sim senhor! Ficas a dormir comigo até arranjares trabalho.” E assim sucedeu. Depois de muito procurar, apenas conseguiu um empregozito de vendedor de jornais, a quem o pessoal chamava “Os Ardinas”. Depois de o seu patrão lhe explicar como devia fazer, como devia anunciar os jornais e a forma de se dependurar nos elétricos para não pagar bilhete, um belo dia, junto ao campo de futebol do Sport Lisboa e Benfica, num dia em que este clube realizou um jogo com o Sporting Clube de Portugal, lá estava o Zacarias a apregoar o seu jornal: “Olha o Correio da Tarde! Traz a tragédia do Porto Brandão! Uma mulher que mordeu num cão! Custa apenas 3 tostões! Serve para ler e resguardar a cabeça do sol enquanto vê o jogo!” Foi uma vida muito dura, não a suportando por muito tempo. Depois de muito procurar, conseguiu arranjar trabalho como marçano na mercearia do senhor Boavida, perto daquela onde trabalhava o seu amigo. A vida aqui também não era boa, pois, durante o dia, tinha de subir aos terceiros, quartos, quintos e por vezes sextos andares com cabazes de compras às costas para entregar às clientes. O melhor deste trabalho eram as gorjetas que as senhoras lhe davam e que guardava, pois o seu ordenado era muito pequeno, constituído por alimentação, dormida e, ao fim do mês, uns míseros trocos que nem lhe davam para poder ir ver os pais à sua terra, de três em três meses. O Zacarias, apesar de tudo, não desistia dos seus intentos, que eram de um dia poder vir a ser alguém na vida, como por exemplo o seu patrão que também começara como marçano, 12
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tal como ele, e hoje tinha algumas seis mercearias e dois filhos doutores; um de leis e outro professor. “Não é isto que eu quero”, dizia o Zacarias sempre que estava aborrecido. “Tenho que arranjar outro emprego que me permita estudar, pois é isso que eu quero. E se eu falasse com o senhor Agripino, propondo-lhe que dos porcos que o meu pai anda a guardar, que são seus, eu ser seu represente em Lisboa na venda direta aos merceeiros, da carne desses porcos. Para tal, ele teria que os mandar matar no matadouro da terra. Vamos a isso.” O senhor Agripino aceitou com agrado a proposta e de imediato se disponibilizou para fornecer carne de porco para venda em Lisboa. De imediato se colocou em campo na venda de produtos de suíno, conseguindo um sucesso que poucos poderiam imaginar, beneficiando pela boa qualidade do produto. Todavia, este emprego não lhe dava tempo para se poder matricular numa escola noturna a fim de poder continuar a estudar como trabalhador estudante. Seguindo o seu velho lema de “Crer é Poder”, não se ficou por aqui. Assim, passado algum tempo, através de um seu amigo, conseguiu um outro emprego com entrada às 9 horas e saída às 18 horas, o que o levou de imediato a matricular-se numa escola da sua área de residência na qual completou o ensino básico e, após a sua conclusão, numa escola comercial, tirando o respetivo curso com elevada classificação. Sempre com muita apetência pelos estudos, matriculou-se no Instituto Comercial e, concluindo com êxito os três anos necessários para entrar na Faculdade de Economia, matriculou-se no respetivo curso, concluído com elevada classificação. 13
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A partir daí, passou a ser conhecido como o senhor dr. Zacarias e a exercer a profissão de professor desta faculdade. A história deste irmão está dita. E os outros dois? O Asdrúbal e o Ramires. O Asdrúbal, o do meio, sempre foi alérgico aos estudos, tendo ficado só com a 3.ª classe, fazendo mais tarde o exame da 4.ª, quando atingiu a maioridade e pretendeu tirar a carta de condução. Obtida a carta de condução, seguiu a profissão de motorista de longo curso, dando assim satisfação ao que sempre aspirou, conhecer vários países, o que não conseguiria se tivesse outra. O Ramires, desde pequenino que sempre gostou de brincar aos polícias e ladrões, sendo ele sempre o polícia. Como tudo levava a crer, assim que atingiu a maioridade, logo se inscreveu no primeiro concurso que surgiu na PSP (Polícia de Segurança Pública), tendo sido aprovado com boa classificação. E o Quitério? O Quitério, sendo o mais novo, foi o último a deixar a casa dos pais. Não sei se pelo facto de ter assistido à evolução na vida dos seus irmãos, cada um à sua maneira; não sei se por isso, se por qualquer outro motivo, a verdade é que dos seus três irmãos mais velhos, só aproveitou o de melhor que cada um deles fez. Muito ponderado em todos os seus atos, só se decidindo quando tinha a certeza de que ia por bom caminho. Ouvindo os seus irmãos, especialmente ao mais velho, de que “Crer é Poder”, interiorizou de tal forma esta frase que disse para si: “Se o meu irmão Zacarias sempre disse isto e conseguiu chegar onde chegou, porque é que eu não hei de conseguir também?” Imbuído deste pensamento, dedicou-se aos estudos logo de pequeno e, tal como o irmão mais velho, também se licenciou, em Direito, vindo mais tarde a optar pela magistratura, como juiz. 14
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Não restam dúvidas de que estes dois irmãos, confiantes no seu “Crer é Poder”, atingiram o que cada um ambicionou. Atitudes que deviam servir de exemplo a muitos jovens que, por qualquer pequena adversidade, se deixam cair no poço, e com dificuldade de lá conseguem sair. O senhor Fagundes, orgulhoso com a carreira profissional dos seus filhos, falava com frequência com o latifundiário lá da terra, o senhor Agripino, dizendo-lhe: “Ó senhor Agripino! Quer o senhor acredite quer não, mas eu prefiro a minha vida à sua! Já viu! Um filho juiz; um professor; um polícia e um motorista? Este é que foi burro! Ele não era mais parvo do que os irmãos. Não quis foi estudar! O polícia também podia ter sido doutor! Mas ele só queria, desde pequeno, era ser polícia! Qualquer dia, mais dia, menos dia, já é chefe! E não se fica por aí! Não tarda muito que não seja comissário. Os seus filhos o que é que são? Agricultores! Quase que não sabem ler e só sabem é andar a chatear os trabalhadores que, dia inteiro, andam agarrados ao rabo da charrua atrás das muares, a lavrar a terra, ganhando dez reis de mel coado. Sabe por que é que os meus filhos chegaram onde chegaram? Porque eles sempre acreditaram no lema da família Fagundes, de “Crer é Poder”. Eles acreditaram, logo puderam.”
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II O latifundiário e sua ascendência
O senhor Agripino era um grande proprietário agrícola do Alto Alentejo, com muito montado, gado vacum, porcos, ovelhas e éguas para criação de raça lusitana. Os postos fixos de trabalho resumiam-se aos de pastores, para guardarem o gado, e eguariços. Este era o nome que se dava aos homens que guardavam as éguas e as domavam, bem como os cavalos, para poderem ser montadas e trabalharem na fauna agrícola. A estes grandes proprietários agrícolas chamavam latifundiários, precisamente por possuírem grandes extensões de terrenos, conhecidos por latifúndios. Este senhor, mais tarde, comprou uma herdade no Ribatejo e passou a criar também gado bravo para as touradas, adquirindo em Espanha uma manada de 50 vacas de raça miúra e um semental ao “ganadero” Domingos Ortega. No monte da herdade, localizada entre Samora Correia e Alcochete, das várias pessoas que lá trabalhavam, havia uma a quem chamavam o tio Joaquim do Telhal, que tinha um filho que, embora ainda muito jovem, talvez por ver lá muitas vezes toureiros de alto gabarito, tais como Manuel dos Santos, Diamantino Viseu e a cavaleira Conchita Cintron, de nacionalidade chilena, meteu-se-lhe na cabeça que havia de ser toureiro. 17
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Assim, quando se realizavam as ferras e as tentas, lá estava ele sempre a assistir e, quando lançavam para a arena um bezerro ou uma bezerra, lá estava o Zé a pretender fazer umas faenazitas. Nem sempre se saía bem. De vez em quando, levava umas sovazitas dos bichos e, uma das vezes, o seu pai chegou a casa na mesma altura que ele e, ao vê-lo, todo emborralhado, resultante de andar de gatas à frente do garraio, perguntou-lhe: “O que é que andaste a fazer?” “Andei a brincar com um bezerro e ele deitou-me ao chão, mas não me partiu nada.” O tio Joaquim, sem mais nem menos, prega uma bofetada no pobre Zé do Telhal, que o deixou meio azoado. Conclusão: o pobre levou do bezerro e depois de seu pai. Perante esta e outras situações idênticas, o pobre do Zé concluiu que teria de escolher outra vida, pois a de toureiro não lhe estava reservada. Acima, fala-se de ferra e tenta. Vamos saber o que são: A tenta realizava-se, normalmente, na primavera de cada ano, em março, abril ou maio, para os “ganaderos” verificarem quais as bezerras que deviam ser selecionadas para procriação de touros destinados às lides nas touradas; observarem o seu grau de bravura. Não é mais nem menos como se pratica nas touradas espanholas, o cavaleiro montado no cavalo e este com uma proteção em couro que lhe tapa, normalmente, toda a parte esquerda do corpo do cavalo e, o cavaleiro, com a perna esquerda protegida com uma armadura metálica ou de cabedal grosso, recebe o touro com uma vara munida de uma ponta metálica e, quando o touro se atira ao cavalo, espeta-lha no cachaço, tantas vezes quantas as que o animal lá for. Não são raras as vezes em que o touro deita o cavalo ao chão, saindo, tanto o cavalo como o cavaleiro, muito mal tratados, por vezes, mortos. A ferra consiste em aplicar um ferro em brasa na anca esquerda dos bezerros, machos e fêmeas, quando têm mais ou 18
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menos um ano, ferro este que marca a divisa do dono do animal. Por exemplo, a divisa dos “ganaderos” Palha Blanco era um P (com uma cruz em cima). Nestes acontecimentos havia sempre uma festa, pois era nestas alturas que os aspirantes a toureiros saltavam para a arena a fim de mostrarem o que valiam. Havia sempre um bezerro ou uma bezerra para os curiosos. Também nestas alturas os toureiros de nomeada, como aqueles que atrás se indicam, se iam treinar, não com bezerros, mas sim com vacas ou garraios bravos. Nestas herdades, os seus proprietários, além das ferras e das tentas, noutras alturas, a título de divertimento, com os seus amigos, organizavam corridas de galgos com lebres da propriedade. Como se processavam estas corridas? Os participantes andavam montados em cavalos e os rapazes, que eles contratavam a troco de almoço e uns cobrezitos, andavam com os galgos à trela. Quando no mato se levantava uma lebre, gritavam para os soltarem; uns tantos de cada vez, de donos diferentes, a fim de competirem entre si. Os animais desatavam a correr atrás da lebre, mas ela fazia-lhes fintas com tal destreza que dificilmente as apanhavam. Depois havia sempre grandes almoçaradas. Atrás fala-se no senhor Joaquim do Telhal. Porque assim chamavam a este senhor? Curioso! Porque ele, na sua terra, aprendeu a fabricar tijolo e telha de canudo, bastando-lhe para tal existir barreiras de onde pudesse extrair o barro, água e lenha para cozer o material fabricado. Como o fabricava: Cavava a barreira, extraía o barro; depois, num buraco feito na terra com cerca de três metros de comprimento, dois de largura e um metro de fundura, a que davam o nome de barreiros, metia o barro lá dentro e com água amassava-o. Depois, com formas de madeira moldava o tijolo e a telha que, ato contínuo, 19
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estendia numa eira de terra batida a fim de secar. Depois de seco, ia para o forno, entretanto erguido na meia encosta de onde era extraído o barro e com lenha de sobro e de pinheiro durante três dias estava a arder. O fogo era alimentado por umas caldeiras, normalmente duas, abertas no fundo do dito forno, nas quais se introduzia a lenha. Quando a incandescência chegava ao cimo do forno, que tinha cerca de três metros de altura, dava-se o material por cozido. Deixava-se arrefecer durante três dias e, então, procedia-se à desenforna. Depois, daí, ia para pilhas de onde seguia para as obras consoante as necessidades. Quem seguir o trajeto de Samora Correia para Alcochete verifica, da esquerda e da direita, na encosta da grande várzea, que se atravessa a cerca de seis quilómetros de Samora, os montes dos então senhores Palhas Blanco, desconhecendo-se hoje de quem serão. Todos esses edifícios foram construídos com os tijolos e telhas fabricados pelo senhor Joaquim do Telhal. Os homens morrem, mas as obras ficam. Antes de ir para esta herdade fazer tijolo e telha de canudo, o senhor Joaquim foi seareiro na Companhia das Lezírias do Tejo e Sado no fim da década de 30, como outros seus conterrâneos, a fim de cultivarem terras desta Companhia que apenas tinham mato. Como se procedia? A Companhia cedia-lhes os hectares de terra que cada um pretendia cultivar mediante uma percentagem do trigo produzido anualmente; normalmente 40%; se o seareiro colhia 1000 quilos, 600 quilos eram para ele e 400 para a Companhia. Para estas tarefas era necessário, primeiro para arrancar o mato, lavrar a terra, mondar o trigo, depois ceifar e debulhar, pessoal, que vinha, normalmente, das terras dos seareiros, auferindo jornas muito pequenas. 20
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Com a família do tio Joaquim houve alguma semelhança com a do senhor Fagundes. Alguns dos seus membros também tiveram forte vontade de querer ser alguém na vida. Para isso, também muito lutaram. A família Fagundes, os seus membros, cada um seguiu o seu rumo, guiando-se pelo princípio: “Crer é Poder”. O Asdrúbal, desprezando os estudos, teve como profissão a de motorista, ao contrário dos seus irmãos, todos conseguiram emprego de fato e gravata. O mais novo até chegou a juiz. No entanto, de uma coisa se podem orgulhar. Mantiveram-se sempre unidos, seguindo o velho princípio de um por todos e todos por um. O motorista, depois de muitos anos de motorista internacional, correndo quase todo o mundo, a certa altura, disse: “Os meus irmãos sempre disseram que ‘Crer é Poder’ e porque é que eu não hei de seguir o mesmo princípio? A partir de agora, também vou querer outra vida a fim de lhes demonstrar que não são mais do que eu.” Assim o disse, melhor o fez. Deixa a vida de motorista, consegue um lugar de empregado de escritório como arquivista na firma onde trabalhava, uma das maiores do setor, e começa a estudar, acabando de completar o 7.º ano, vindo, posteriormente, a tirar o curso de Ajudante de Despachante Oficial, candidatando-se sem demora, passando a exercer atividade de despachante oficial e, estando-se numa época de muitas importações e exportações, o seu escritório logo passou a ser um dos maiores de Lisboa. Mais uma vez, o velho princípio deu resultado. Ele quis, logo pôde. A vida nem sempre nos sorri como desejamos. Veja-se o caso do senhor Agripino Faísca. Um homem que sempre gostou de touros e touradas, tornando-se, por isso, apesar de alentejano, 21
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um dos maiores ganadeiros do país. O que havia de ser: o único filho que tinha, o Samuel, nunca gostou de touradas, embora gostasse dos touros. O que devia acontecer para ele mais desgostar das touradas: uma das vacas bravas da manada teve um bezerrinho e morreu no parto. Por esse facto, o bezerrinho foi criado no monte a biberão, que lhe era dado pelo maioral das vacas, o senhor Barrocas; isto, enquanto pequenino. Depois, quando começou a comer, ervas, palha e feno, nunca deixou de passear pelo monte, convivendo com as pessoas que lá andavam. Apesar de raça brava, dada a sua criação, convivia com as pessoas. Quando se aproximou dos 3 anos de idade, foi enviado para a manada de touros que pastava numa várzea próximo do monte, separados por uma vala com cerca de três metros de largura e dois de fundo; várias vezes passou por dentro da vala e foi para o monte, onde foi criado: gostava mesmo das pessoas que com ele conviveram enquanto lá estava. Com as desconhecidas, era preciso ter cuidado. De quem ele mais gostava era do seu tratador, aquele que lhe dava o biberão enquanto pequenino. Até o lambia. O touro chamava-se Galhardo. Como seria natural, o “ganadero”, quando deu uma corrida de seis touros para o Campo Pequeno, incluiu o Galhardo. Quando foi lançado na arena, o animal atirou-se aos peões de brega com uma gana, com uma bravura, capaz de os devorar. Depois de uns capotazos, o que estava para acontecer, sem que ninguém soubesse, o tratador do animal salta para a arena e grita para o animal: Galhardo, Galhardo, Galhardinho, sempre dirigindo-se para ele. Quando já estava perto, o animal conheceu-o, começa a urrar e a aproximar-se dele muito mansinho; encostou-se a ele, sempre a berrar e a lambê-lo. Comoveu todos os espetadores que estavam na praça que, em uníssono, grita22
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ram: tirem daqui o animal e não o matem. Foi retirado. Agora se o dono o mandou matar ou não, isso não se sabe. Segundo se consta, não. Morreu de velhinho. Todos os anos, o senhor Agripino mandava vir ranchos de mulheres da Beira Baixa, da zona de Cantanhede, para a desmouta e mondas das searas. Para o efeito entrava em contacto com um indivíduo da zona de recrutamento, de nome Neves, e incumbia-o da reunir um grupo de 30 a 40 mulheres e trazê-las consigo, de quem passava a ser o capataz. Este pessoal tinha retribuição mista, constituída por azeite, farinha de milho, feijão e pouco mais. Quanto a dinheiro, ao fim de cada mês, o capataz dava-lhes uma pequena verba por conta e, só ao fim do contrato, normalmente de três a quatro meses, é que lhes dava o resto. Este indivíduo era um senhor! Quase todos os anos tinha uma amante, escolhida de entre as contratadas, que sempre beneficiava de uma descarada proteção, quase nunca andando na faina do campo, mas era sim cozinheira, ajudante, ou encarregada de limpeza dos espaços onde dormiam, normalmente num armazém, em cima de uma esteira de buinho e uma manta. A estas pessoas, no Alentejo, chamavam-lhes Ratinhos, e no Ribatejo, Gaibéus. Soeiro Pereira Gomes, no seu livro “Os Esteiros”, fala nelas. Enquanto o senhor Agripino foi vivo, a vida nas suas propriedades agrícolas no Alentejo e no Ribatejo evoluíra muito bem. A ganadaria prosperava, com touros que dava para as touradas em Portugal e Espanha. Quando morreu, foi o descalabro. Só tinha um filho, o Samuel, nada feito à vida do campo, pois só queria era a boa vida da cidade, deslocando-se com frequência a Lisboa e, daqui, para o Estoril, onde se viciou no jogo, levado por más companhias, uma delas a menina Francisquinha que conheceu nos bares do Cais do Sodré. 23
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Após a morte do pai, tomou conta de toda da fortuna e, como se esperava, não demorou muito que acabasse com tudo o que o pai lhe deixara. Começou por vender a ganadaria ao grande “ganadero” espanhol Domingos Ortega; depois foi a herdade do Alentejo e, por fim, a do Ribatejo. Com o dinheiro com que ficou, como gostava muito do mar, gosto adquirido quando viajava nas fragatas que transportavam, no Tejo, cortiça e fardos de palha das herdades de seu pai para Lisboa, imbuído deste gosto desde pequeno, o que lhe havia de dar na cabeça? Dirigir-se aos Estaleiros da Moita onde eram feitas as fragatas e encomendar uma ao senhor Jaime Ferreira da Costa, já falecido, com a finalidade de organizar excursões pelo Tejo, entregando a administração à sua amiga Francisquinha. Então não querem lá ver que esta menina demonstrou um enorme talento na administração do negócio, de tal modo que, em pouco tempo, de uma, passaram a cinco fragatas, não lhe faltando clientes para se divertirem navegando pelo Tejo, de Cascais e Vila Franca de Xira. Este sucesso da menina Francisquinha levou o senhor Jaime das fragatas a implementar a construção de fragatas, de tal modo que as pessoas que visitavam o estaleiro o tomavam como a universalidade do mar, com enormes potencialidades, como recurso de património fluvial do concelho da Moita, apresentando trabalhos e objetos sobre: – O imaginário dos oceanos antes das grandes navegações do século XV. – Instrumentos de navegação e observação astronómica utilizados pelos portugueses. – Ferramentas de construção naval dos estaleiros locais.
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– Trabalhos sobre povos, culturas e civilizações de outros continentes. – Réplicas à escala de navios do Tejo e outras embarcações à vela. – Vários objetos ligados à temática e cultura do mar. – Documentos fotográficos sobre a ligação da Moita do Ribatejo ao Rio. – Imagens de visitas de estudo ao Rio. A este grande mestre sucedeu-lhe o filho Jaime Costa que ainda, embora sem o fulgor de outrora, mantém o estaleiro, onde repara e fabrica fragatas como aquelas que no tempo de seu pai se espalhavam pelo Tejo, desde Lisboa a Vila Nova da Barquinha, parecendo borboletas rasando as ondas do Tejo. Relativamente ao Samuel, dada a influência que, em princípio, a sua garina teve na sua vida, é caso para dizer: “Atrás de um mau homem está uma boa mulher.” Tiveram dois filhos, o Arnaldo e o Rafael, que seguiram a vida do pai, manobrando as fragatas no Tejo.
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III Acontecimentos de relevo nas décadas de 30 e 40 do século XX
A Guerra Civil Espanhola, de 1936 a 39 Na Guerra Civil Espanhola, de um lado posicionaram-se as forças do nacionalismo e do fascismo, aliadas às classes e instituições tradicionais da Espanha (o Exército, a Igreja e o Latifúndio), e do outro a Frente Popular, que formava o Governo Republicano, representando os sindicatos, os partidos de esquerda e os partidários da democracia. Para a Direita espanhola, tratava-se de uma Cruzada para livrar o país da influência comunista e da francomaçonaria, restabelecer os valores da Espanha tradicional, autoritária e católica. Para tanto era preciso esmagar a República, que havia sido proclamada em 1931, com a queda da monarquia. Para as Esquerdas era preciso dizer ‘um basta’ ao avanço do fascismo, que já havia conquistado a Itália (em 1922), a Alemanha (em 1933) e a Áustria (em 1934). Segundo as decisões da Internacional Comunista, de 1935, deveriam aproximar-se dos partidos democráticos de classe média e formarem uma Frente Popular para enfrentar a maré de vitórias nazi-fascistas. Desta forma, socialistas, comunistas (estalinistas e trotskistas), anarquistas e democratas liberais deveriam unir-se para che27
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gar e inverter a tendência mundial favorável aos regimes direitistas. Foi justamente esse conteúdo, de amplo enfrentamento ideológico, que fez com que a Guerra Civil deixasse de ser um acontecimento puramente espanhol para se tornar numa prova de força entre forças que disputavam a hegemonia do mundo. Nela envolveram-se a Alemanha nazista e a Itália fascista, que apoiavam o golpe do general Franco e a União Soviética, que se solidarizou com o governo Republicano. Antecedentes: A Espanha, ainda nos anos 30, tinha um sistema de vida muito conservador em relação ao resto da Europa. Enquanto a Europa ocidental já possuía instituições políticas modernas, no mínimo há um século, a Espanha mantinha a velha forma tradicional, governada pelo Exército, a Igreja Católica e o Latifúndio. Foi a última monarquia Bourbon de Afonso XIII. Vivia a nostalgia do seu passado imperial grandioso, ao ponto de manter um excessivo número de generais e oficiais em relação às suas reais necessidades. A igreja, por sua vez, era herdeira do obscurantismo e da intolerância dos tribunais inquisitoriais do Santo Ofício, era uma instituição que condenava a modernidade como obra do demónio. E no campo, finalmente, existiam de dois a três milhões de camponeses pobres, “los braceros”, submetidos às práticas feudais e dominados por uns cinquenta mil “hidalgos”, proprietários de metade das terras do país. Como resultado da grave crise económica de 1930 (iniciada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929), a ditadura do general Primo de Rivera, apoiada pelo caciquismo (sistema eleitoral viciado que dava sempre os seus votos ao governo), foi derrubada e, em seguida, caiu também a monarquia. O rei Afonso XIII foi obrigado a exilar-se e proclamou-se a República em 1931, chamada de “República de Trabajadores”. A esperança era que doravante a 28
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Espanha pudesse alinhar-se com os seus vizinhos ocidentais e marchar para uma reforma modernizante que separasse estado e igreja e que introduzisse as grandes conquistas sociais e eleitorais recentes, além de garantir o pluralismo político e partidário e a liberdade de expressão e organização sindical. Mas o país terminou por conhecer um violento enfrentamento de classes, visto que à crise seguiu-se uma profunda depressão económica, provocando a frustração generalizada na sociedade espanhola. Surgem os partidos políticos: As esquerdas, obedecendo a uma determinação do “Comintern” (a Internacional Comunista controlada pela URSS), resolveram unir-se aos democratas e liberais radicais numa Frente Popular para ascender ao poder por meio de eleições. As esquerdas espanholas estavam divididas em diversos partidos e organizações. Aliaram-se com os Republicanos (Ação republicana e Esquerda republicana) e mais alguns partidos autonomistas (Esquerda catalã, os galegos e o Partido Nacional Basco). Essa coligação venceu as eleições de fevereiro de 1936, dominando 60% das Cortes (o parlamento espanhol), derrotando a Frente Nacional, composta pela direita. Esta, por sua vez, estava dividida, agrupada na CEDA (Confederação das Direitas Autónomas), no partido agrário, nos monarquistas e tradicionalistas (carlistas) e finalmente nos fascistas da Falange espanhola (liderados por José António Primo de Rivera). Em julho de 1936, o General Francisco Franco lança o Exército contra o governo republicano, levando a que nas principais cidades, como a capital Madrid e Barcelona, a capital da Catalunha, o povo saísse às ruas e impedisse o sucesso do golpe. Milícias anarquistas e socialistas foram então formadas para resistir ao golpe militar. 29
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