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título: Por Amor à Índia
autor: João Feyo Folque
edição gráfica: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)
paginação: João Feyo Folque
arranjo gráfico de capa: Ângela Espinha
1.ª edição
Lisboa, fevereiro 2025
isbn: 978 989 9198 17 3 depósito legal: 541409/24
© João Feyo Folque
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E a todos os portugueses que faleceram no decorrer da invasão do Estado Português da Índia realizada pela União Indiana em 1954 e 1961.
“Eu vos mando, filho, com este socorro a Diu, que pelos avisos que tenho, hoje estará cercado de multidão de turcos. Pelo que toca à vossa pessôa não fico com cuidado, porque por cada pedra d’aquella Fortaleza arriscarei um filho. Encommendo-vos que tenhaes lembrança d’aquelles de quem vindes, que para linhagem são vossos avós, e para as obras são vossos exemplos; fazei por merecerdes o appellido que herdastes, acordando-vos que o nascimento em todos he igual, as obras fasem os homens differentes; e lembro-vos que o que vier mais honrado, esse será meu filho. Esta he a bênção que nos deixaram nossos maiores: morrer gloriosamente pola lei, polo rei e pola pátria. Eu vos ponho no caminho da honra, em vós está agóra ganhal-a.”
Exortação do Governador D. João de Castro dirigida a seu filho D. Fernando, quando o enviou de Goa em socorro da fortaleza de Diu
João Feyo Folque, Visconde de Fontainhas, representa um legado histórico que se confunde com a Ìndia.
A presença remonta ao seu avô, João Feyo de Basto Folque, também titular do mesmo previlégio nobiliáquico, quando ocupou as funções de governador da Índia portuguesa.
Essa proximidade com o território, reforçada com a documentação herdada e pelas inúmeras viagens realizadas à região, traduziram-se, no neto, numa inspiração e num compromisso.
Inspiração, que levou este a percorrer os espaços mais marcantes da actividade do governador Folque, e, simultaneamente, o compromisso de perpetuar essa Memória, nomeadamente registando-a neste livro.
Trata-se atendendo à época, de uma Índia repartida entre impérios. O britânico e o português.
Na narrativa em apreço, o texto centra-se no caso luso.
É um regresso ao passado com aroma, alma e cor.
Através de uma escrita clara e objectiva, é possível perceber a carismática liderança do governador, bem como a estima que gozava junto da população nativa.
A Administração confrontava-se com vários desafios: a habitação, a saúde, as vias de comunicação, a gestão das idiossincrasias locais, e as relações com o poderoso vizinho, entre outras.
As fotografias, os relatórios, a descrição dos produtos, são elucidativos quanto às necessidades e ao zelo administrativo.
É um regresso ao passado, indispensável, para conhecer mais detalhadamente um período histórico que agora fica desbravado.
É, igualmente, um reencontro com uma história familiar que liga três gerações: o avô governador, o filho nascido no sub-continente indiano, e um neto que nos convida a revisitar as experiências mencionadas.
Provavelmente, em “Por Amor à Índia”, o leitor sentirá este apelo e poderá ser tentado a deslocar-se a um espaço e tempo diferentes, recriados nesta obra. E em que algumas cumplicidades e hábitos mantém-se actuais, através do entusiasmo preserverança e dedicação do, agora, representante do título de Visconde de Fontainhas.
Vicente de Paiva Brandão
Desde criança sempre ouvi falar muito do meu avô paterno, da sua paixão pela Índia, razão que fez com que permanecesse naquele território até à sua morte. Uma estadia de 43 anos na Índia, unicamente interrompida por duas viagens que fez à terra natal, sempre a servir Portugal com uma Metrópole distante e pouco informada do que se passava naquele longínquo Estado Português da Índia, formado pelos três distritos: Goa, Damão, onde se inseria Dadrá e a Praganã de Nagar-Avely, e Diu.
Começou por servir o seu País na Índia ainda no tempo da Monarquia, continuou na 1.ª República e ficou durante o Estado Novo, nunca poupando críticas quando as tinha que fazer, e nunca deixando de governar com uma disciplina rígida e honestidade intransigente, mas sempre com um coração aberto aos problemas daqueles povos que, embora muitas vezes esquecidos pela Metrópole, não eram menos portugueses de nascimento e de alma. Talvez, por estas razões, ainda hoje é lembrado com respeito, e a sua memória e o seu nome estão presentes na memória de muitos.1
Devido a este amor e a esta forte dedicação, poucos haviam que conhecessem melhor os problemas das Praças do Norte do que ele, e muitos à
1 É claro, que uma pessoa que serviu tanto tempo o Estado, não está livre de críticas. Muitas delas, de quem teve que pôr na ordem instaurando processos, ou de quem teve que afastar por não ter capacidade para o lugar que ocupava. Outras críticas vieram ainda de adversários políticos ou de inimigos de Portugal. Num livro escrito por António José do Rosário há poucos anos e considerado de «manifesto interesse cultural» pela Secretaria de Estado da Cultura, muita mentira é dita sobre um governador que se percebe claramente ser o Governador Folque. De um modo grosseiro, sujo e cobarde dizem-se coisas que se o governador estivesse vivo não o diriam. Depois de o ler, fui investigar e através de documentos oficiais que possuo, percebi logo a razão desse ódio! Como o autor já faleceu abstenho -me de mais comentários…
chegada ao território para exercerem funções variadas, incluindo governadores-gerais, pediam-lhe conselhos que ele dava de bom grado ao recebê-los tanto em Damão como em Diu, ou mesmo chegando a deslocar-se a Goa para o efeito.
Sendo seu neto, herdei a maior parte do que sobrou dos seus documentos, escritos e memórias. Eu e a minha irmã crescemos rodeados de móveis e objectos que pertenceram aos nossos avós e que vieram da Índia, mas principalmente ouvindo histórias e aventuras daquele avô, que pouca gente na Metrópole conhecia fisicamente, mas de que todos ouviam falar através de pessoas que o lá conheceram. Também era habitual comermos comida indiana em casa dos nossos pais ou tios e frequentávamos restaurantes indianos em Lisboa como o célebre Velha Goa em Campo de Ourique. Por vezes, encontrávamos pessoas de lá, que ao saberem quem éramos, vinham ter connosco e choravam ao recordar e falar do Capitão Feyo Folque. Por tudo isto, nasceu em mim, uma enorme atracção pela Índia e também uma curiosidade e vontade de saber se realmente as histórias que se contavam eram realmente verídicas.
Decidi pois há uma dezena de anos conhecer aquele país, aquele povo, e principalmente as nossas antigas possessões naquela enorme União Indiana. Começando pela capital Delhi, onde mal cheguei senti que estava em casa, percorri o Estado do Rajastão através do Palace On Wheels, um comboio antigo lindíssimo que aconselho vivamente; depois, fui para Bombaim e segui para o Estado de Goa que percorri quase todo, inclusive as montanhas. Quis fazer o percurso que os meus avós tinham feito e fui às cidades do interior onde viveram, visitei quartêis, igrejas e mercados que frequentaram. Imaginei-os a assistir à Missa na Sé de Velha Goa, ou a apanhar o fresco da noite à beira do Mandovi nas ruas de Pangim. Deixei então o território, e segui para o mais importante da viagem: Damão e Diu, hoje unidos juntamente com Nagar-Avely e Dadrá, formando um Território da União, onde fiquei meses. Quem não conhece a Índia por vezes não tem a noção das distâncias, mas para ir de Goa para Damão é preciso apanhar um avião para Bombaim, pouco mais de uma hora de voo, e depois à volta de cinco horas de automóvel; se optar seguir para Diu, então poderá apanhar novo avião e será mais uma hora de voo. Portanto em distância, de Goa a Diu são à volta de duas horas de avião, isto para se fazer uma ideia de que os territórios do Norte e Goa são completamente diferentes, aqueles rodeados pelo Estado do Gujarate e este pelo Estado do Maharashtra e o Estado do
Karnataka. Desde o clima ao dialecto, passando pela arquitectura, culinária, e mesmo em certos aspectos do culto religioso, enfim toda uma cultura e costumes completamente díspares.
Nesta primeira viagem a minha irmã juntou-se a mim em Diu e esteve alguns dias. Foi uma sensação indescritível, percorrermos juntos os lugares e monumentos que ouvíamos em crianças. Anos depois voltaria para passar a Páscoa comigo, uma experiência única...
Tenho voltado à Índia com regularidade, aproveitando para conhecer mais lugares, cidades, pessoas, enfim toda uma cultura imensa cheia de espiritualidade, de romance e sensualidade, mas também de materialismo e egoísmo que ao longo de meses de estadia se vai percebendo e aprendendo a respeitar. É costume dizer-se que na Índia tudo é possível; é verdade! República com os seus Maharajás, pacifista mas bastante militarizada com guerras e terrorismo, economicamente emergente mas onde existe também uma pobreza extrema, laica mas onde não se vive sem espiritualidade e religião, enfim tudo isto junto e mais alguma coisa é o fascínio deste grande país, de paisagens lindas e variadas, de gentes simpáticas e acessíveis, de comidas exóticas e odores fortes e doces; a diferença de beber uma água de coco numa praia do sul de Goa, ou um cup of tea no Restaurante Glenary’s em Darjeeling é abissal, e vê-se tanto nas coisas mais simples como esta que acabo de referir ou ainda nas grandes questões humanistas, ambientais, etc. A Índia é tudo isto e muito mais!
Tenho variado o mais possível os lugares para onde vou, e estive em alguns países vizinhos para conhecer, mas também para fazer algumas comparações, como o Nepal, Maldivas e Bangladesh. Tenho conhecido pessoas interessantíssimas, muitas das quais de quem fiquei amigo, como Mahmudul Hassam e a sua família ou o seu amigo Ruku Mondala, a quem não posso deixar de agradecer todas as amabilidades e disponibilidade em me mostrar parte do Bangladesh, país tão bonito e tão mal tratado pela Comunidade Internacional que já fez parte da Índia; a Margarita Luzuriaga, de Buenos Aires, que também viajava no Palace On Wheels, tendo já vindo a Portugal mais do que uma vez, tornando-se amiga também da família; Saryuben Dave e o seu marido, que sendo ela de Diu, casou e vive em Rajkot com a sua família há muitos anos, um casal de uma simpatia extrema. Algumas dessas pessoas ainda com casa na Índia e em Portugal. Mas acabo sempre as viagens com estadias de meses em Diu, depois de passar por Damão sempre que posso, para rever lugares e amigos que fiz nesse território como a Henriqueta e o José (Jack)
Colaço, o Noel Gama e a sua encantadora mãe Noémia Gama, que se lembra muito bem do meu avô, o Eurico do Rosário, a Maria Antónia que canta lindamente o fado, a Maria da Graça a grande animadora das Festas de Damão do 2 de Fevereiro, e tantas outras pessoas que me têm recebido tão bem nessa terra. Por sua vez, a Ilha de Diu é uma paixão, uma princesa do Golfo onde tenho amigos e conhecidos de todas as religiões, onde realmente estou em casa… Diu foi o lugar onde a minha família mais gostou de viver, 21 anos!
A Diu e a amigos especiais, como Lalitcumar Lalgi e sua mulher Niranjana Deuchand e Francisco e Alina Cruz, que me integraram respectivamente na comunidade hindu e católica, devo conhecimento e compreensão, mas sobretudo uma grande amizade que perdurará. Não posso deixar de mencionar amigos como Gilberto e Anita Almeida e os seus filhos Leslie e Liza, Edwin e Gladys Rosário, e tantos outros filhos desta terra que me receberam tão bem e tão amistosamente que passei a considerar Diu a minha segunda casa senão a primeira. Com inúmeras pessoas que têm passado por Diu conversei e troquei impressões, entre as quais João Alarcão, Leninha Trigueiros, Pedro (Peu) Madureira, José Maria Reis, Padres Pedro Quintela e José Pinheiro, Naresh Fernandes, Walter e Rosemarie Zöller, Gerhard Grandl, Françoise Allet e Alain Gielen, Utako Daidouji, Adam Yamey e sua mulher Lopa chegando mesmo a criar laços de amizade com algumas delas; outras por sua vez foram “levadas” por mim como Pedro e Maria João Castilho, Willy von Battlehner, Inês Almeida Azevedo Guerra, Ana Corrêa de Sá, ou Francisca e Ana Couceiro da Costa, estas últimas bisnetas do Governador-Geral Francisco Couceiro da Costa a quem me referirei mais à frente…
Quem vai à Índia não fica indiferente! Em 1954, quando da invasão dos enclaves portugueses Dadrá e Nagar-Avely, a minha avó enviou de Lisboa para Moçambique uma carta para a sua filha onde escreveu: «Tenho sentido muito todo este caso da Índia e reconheci agora que não foi indiferente ter lá vivido tanto tempo e ter estado ligada a ela apesar d’ela me ter roubado o melhor tesouro da minha vida!!! Deus salve a Índia e nos dê a honrosa victória. O movimento patriótico aqui tem sido colossal assombroso, há muito grito “a Índia é e será sempre nossa!”. Agora todos se vieram apoiando o governo e confiando plenamente em Salazar.»
Por tudo o que já contei, e sabendo que o meu avô gostaria que fossem publicados e dados a conhecer os seus escritos e pensamentos, resolvi entregar-me a este trabalho, onde através de uma pequena biografia partilho informações e dados de documentos oficiais que tenho no meu arquivo, e
outros narrados por elementos da família e amigos com quem conversei e que conheceram muito bem o meu avô, como Zulema Figueiredo, Tulsidas Laxmidas Raghuvanshi ou Noémia Gama, que tiveram uma importância vital para compreender melhor a parte mais humana e pessoal do Governador Folque. Nas variadas transcrições optei com frequência por escrever com a mesma ortografia dos originais, incluindo erros e falhas, salvaguardando o mais possível o texto original. Também os nomes de localidades, regiões, mares, etc. foram escritos como se escrevia no Português da altura, comparando algumas das vezes com os nomes actuais. Optei também, por cronologicamente sinalizar o respectivo ano, sabendo de antemão que embora graficamente não seja o mais bonito, em termos de percepção, como os assuntos se repetem amiúde, será mais fácil de localizar no tempo.
Uma vez em Diu, na inauguração de uma exposição sobre os portugueses, apresentaram-me como neto de um Governador Português ao Administrador de Damão e Diu. Enquanto apertávamos as mãos com reverência em frente de câmaras e jornalistas, o Administrador disse-me «É uma honra, o Passado e o Recente juntos», ao que eu respondi «Sem ressentimentos, Sr. Administrador» dizendo-me o Administrador de seguida «Então tenho muita honra em que inaugure a exposição a meu lado» …
Nestes anos, falei com alguns indianos que foram a favor da invasão dos Territórios Portugueses na Índia, inclusive militares, tendo todos eles me falado com imenso respeito dos militares portugueses de Damão e Diu, e da sua resistência. É um orgulho! Já não há lugar a ressentimentos, existe um Passado comum, uma História que deve ser preservada, e um Futuro que espero seja promissor para estes Povos.
Espero assim poder dar uma ideia aos portugueses de cá e de lá, luso-descendentes e indianos, o mais imparcial possível não abdicando por exemplo do termo “invasão” quando alguns dizem “libertação”, de uma época não muito distante.
Independentemente da Religião, do Regime, da Politica e de quaisquer tipos de interesses, a minha Familia sempre teve e continua a ter um grande AMOR À ÍNDIA em que que o meu avô, o Capitão Feyo Folque, foi o expoente máximo desse Amor.
Coruche, 2022
Mapa da Índia, em mármore branco de Makrana, no Templo Bharat Mata dentro do Campus Mahatma Gandhi Kashi Vidyapith em Varanasi. O mapa, com as escalas perfeitas, é ladeado por cinco pilares, que representam os cinco elementos básicos da Criação: Terra, Água, Fogo, Ar, Céu. Esses pilares, juntam-se num ponto, que significa a união dos elementos com o Supremo. Este templo, inaugurado em 1936 por Gandhi, e portanto antes da Partição, é dedicado à Mãe Índia.
«Na prosperidade, o pai; Na adversidade, a mãe.»
Pasta para correspondência dada como prémio pela Câmara Municipal de Setúbal pela classificação no exame elementar em 1891.
Nasceu no Paço dos Duques de Aveiro, situado na freguesia de São Lourenço de Azeitão em Vila Nogueira de Azeitão, no distrito de Setúbal, pelas dez horas da noite do dia 04/08/1881, tendo recebido o nome de João Feyo de Basto Folque. Era filho de Alberto Carlos de Feyo Folque, representante do título de Visconde de Fontainhas, e de sua mulher D. Maria Joana Avellar de Basto, e neto paterno de João Joaquim de Souza Folque e de D. Carlota Emília Cordeiro Feyo (Fontainhas), e materno de José Xavier de Basto e de D. Maria Justina Avellar. Foi baptizado a 18/09/1881 na Igreja Paroquial de São Lourenço de Azeitão, tendo como padrinhos Ignácio Xavier de Basto e D. Amália Augusta Taborda de Basto. Sendo dos rapazes o mais velho, teve como irmãos D. Maria Joana Feyo de Basto Folque, que casou com o Dr. Eduardo de Sousa Magalhães, Luís Feyo de Basto Folque, que casou com D. Ester Regina Amzalak e José Pedro Feyo de Basto Folque, Conde de Valle de Reis, pelo seu casamento com Dona Constança Maria da Conceição Berquó de Mendóça Rolim de Moura Barreto, 4.ª Duquesa de Loulé, 5.ª Marquesa de Loulé, 12.ª Condessa de Valle de Reis etc. De todos os irmãos existe ainda hoje geração.
Tendo efectuado os seus primeiros estudos em Setúbal, ingressou de seguida no Colégio de Campolide e mais tarde na Escola Politécnica de Lisboa, onde pertenceu à Tuna Académica, chegando a ser presidente da Assembleia-Geral da Tuna; a 21/03/1902 fez parte do elenco na representação do drama histórico em dois actos Aventuras na Corte, expressamente escrito para o grupo dramático da escola.
As suas férias de Verão eram passadas na Arrábida com um grupo de amigos. Vindo de uma família com tradições militares, de onde se destacam entre outros os seus dois bisavôs paternos, ambos marechais de campo, a 17/02/1900 assentou praça como voluntário no Regimento n.º 1 de Caçado-
res da Rainha, tendo passado de seguida para o Regimento n.º 4 de Cavalaria do Imperador da Alemanha Guilherme II.
Em 1906 recebeu a medalha militar de cobre de comportamento exemplar.
Tendo tirado o Curso de Infantaria da Escola do Exército2, por decreto de 15/11/1908, era Alferes para o regimento de Infantaria n.º 13, recebendo nesse ano o prémio de Tiro com Espingarda.
Seu irmão José, no intuito de lhe arranjar noiva, várias vezes o desafiou para ir aos saraus realizados às quintas-feiras em Lisboa em casa de seus primos os Condes de Nova Goa. Esses convites foram sempre declinados até que uma noite, por grande insistência, lá aceitou e foi. Nessa noite conheceu Dona Maria Luísa de Castello Branco José da Costa3 e pouco tempo depois, a 05/07/1909 na Igreja de São Pedro de Alcântara em Lisboa casava com ela. Nascida a 28/05/1880, na freguesia da Foz no Porto, era filha de Dom Bernardo José da Costa (Soure) e de sua mulher Dona Maria Domingas de Castello Branco (Pombeiro). Também ela tinha três irmãs: Dona Mariana de Castello Branco José da Costa, que casou com o Juiz António de Almeida Azevedo, Senhor da Quinta da Costa do Valado perto de Aveiro, Dona Francisca de Castello Branco José da Costa, que entrou na vida religiosa, e Dona Constança de Castello Branco José da Costa que casou com António Parro. Tanto Dona Mariana como Dona Constança têm hoje geração viva.
2 A 11/10/1907.
3 Dona Maria Luisa e suas irmãs tinham vindo para Lisboa para o Palácio Palhavã, entregues aos primos, para seren apresentadas à Sociedade e casarem. Viviam com a sua mãe num convento de uma Ordem francesa no Porto, desde que esta tinha ficado viúva ainda muito nova. Uma das suas irmãs tomou hábito nessa mesma Ordem.
«Ninguém se perdeu jamais Num caminho recto»
Onze dias depois de casar, embarcavam para a Índia, para assumir o cargo de ajudante de campo do Governador-Geral José Horta e Costa, tendo desembarcado em Goa a 09/08/1909. Exonerado deste cargo, é nomeado a seu pedido Secretário-Assistente do Comando Militar e Administração Civil de Nagar-Avely4, «…lugar que serviu com zelo e dedicação…». Para este enclave foi viver, embora contra a vontade de muitos especialmente de alguns familiares «que viam naquela região de matas e mosquitos a viuvez irremediável…», tendo lá nascido num acampamento nas matas o seu primeiro filho Alberto. Por uma portaria de 1889 os territórios de Nagar-Avely e Dadrá5 , distanciados apenas de 6km,6 embora fazendo parte do Distrito de Damão e distando apenas 30km de Damão e sendo atravessados pela linha férrea inglesa7, passaram a ter uma administração independente que se reportava directamente ao Governo-Geral. Foi um erro grave e economicamente desastroso para Damão. Territórios ricos com as suas matas8 e produtos agrícolas
4 Por portaria de 14/02/1910. O Comandante Militar e Administrador Civil e Administrador Rural e Florestal de Nagar-Avely era o Capitão Lindorpho Pinto Barbosa.
5Em 1783 tomámos posse das 66 aldeias destes territórios e de mais 6 em 1785, em virtude do tratado celebradoem 1780 com o antigo Senhor de Pooná e seus domínios.
6 A superfície total da Praganã era de 49100 he estando mais ou menos metade ocupada por floresta.
7 A linha férrea unia Bombaim a Barodá, dirigindo-se então para a Índia Central. A estação que “servia” e continua a “servir” Damão fica em Daman Road na aldeia então inglesa de Vappy.
8 As matas que ocupavam uma área aproximada de 25000 he produziam: Sag ou Teca (Tectona grandis); Sadrá ou Mareta (Terminalia glabra); Keir, Kôir ou Pau-ferro (Acácia catechú); Canty, Caly-Canty ou Lál Keir (Acácia sundra); Babul ou Babaliá (Acácia arábica); Hedú ou Aldavane (Nauclea cordifolia); Tanasse (Ougenia dalbergioides); Jambol ou Jambu, Jamboleiro (Eugenia jambolana); Sissom (Dalbergia sissoo); Ambry (Terminalia chebula); Assane (Bridelia retusa); Alió (Chrysophylum roxburghii); Ambó, Mangueira (Mangifera índica);Amly ou Ambly, Tamarindeiro (Tamarindus índica); Bendy, Pau-rosa (Thespesia populnea); Beró (Terminalia belerica); Biá ou Biblá (Pterocarpus marsupium); Bil ou Billy (Aegle marmelos); Bondará (Lagerstroemia microcarpa); Bôr ou Macieira (Ziziphus jujuba); Cumbió (Careya arbórea); Calame (Nauclea parvifólia); Cancâr
forneciam o Concelho de Damão, que agora tinha ficado mais pobre e abandonado. A principal base de alimentação de Damão vinha de Nagar-Avely, o batte e outras gramíneas, assim como a sura, as aves domésticas e o gado lanígero e bovino… Já por uma portaria de 1883, Dadrá tinha deixado de ser a sede do Concelho, passando a aldeia de Silvassá, subindo à categoria de vila, a ser a sede do Concelho com o nome de Vila Paço de Arcos.
A situação geográfica de Nagar-Avely (tomando como ponto Silvássa) é: Latitude 20º16’N.; Longitude 73º00’E. Dadrá: Latitude 20º19’N.; Longitude 72º58’E.
A Praganã, com uma extensão de 504 km2, fazia fronteira a N. S. e O. com território britânico e a NE. com oEstado Nativo de Dharampur (feudatário do Império Britânico), e com dois colectorados da Índia Inglesa. Um pequeníssimo território no centro da Praganã, com uma aldeia chamada Megual, pertencia também ao Rajá de Dharampur9 .
O rio Sandalcalo ou Damanganga atravessa Nagar-Avely, e percorrendo oGujarate contorna Dadrá e desagua em Damão. A divisão da margem esFotografias tiradas da ponte sobre a ribeira de Silvássa
A de cima em 1910 e a de baixo em 2012 (Garuga pimiata); Carange (Celastrus paniculata); Carvely (Bauhinia Vahlii); Cohral (Heynea trijuga); Cossame (Schleichera trijuga); Cagdol (Sterculia urcus); Damny (Grewia); Damorá (Conocarpus latifólia); Hume (Guatteria cerasoides); Limbrá (Heynea trijuga); Maurá (Bassia latifólia); Modôll (Alstonia scholaris); Palasse (Butea frondosa); Pangaró (Erythrina índica); Pimpôl (Ficus religiosa); Paddily (Stereospermum chelonoides); Quirnim ou Quiney (Mimusops hexandra); Samôr ou Sanvôr, Panheira ou Paina (Bombax malabaricum); Sirasse ou Sirisso (Albizia odoratissima); Sivane (Gmelina arbores); Timbry (Diospyros montana); Umbrá (Ficus glomerata); Vôr ou Árvore-de-gralha (Ficus índica); Aptá (Bauhinia racemosa); Rainim (Mimusops hexandra); Jaqueira (Autocarpus integrifólia); Cuddó ou Cari (Jasminum pubescens); Chaniló ou Chambil (Bauhinia vahlii); Bambú e Toncore (Bambuza). Só a mata de Selty produzia teca, sissó, keir, tanasse, ébano, babaliá, etc.. As matas eram riquíssimas e em tempos remotos veio de lá muita madeira para a construção de naus e caravelas.
9 Nesta altura reinava Mohandevji, um rei com quem João Folque teve boas relações. Reinou de 1891 a 1921 construindo imensas infra-estruturas no Estado de Dharampur (actualmente um território com 20000 habitantes) como estradas, hospitais, templos etc. O seu sucessor, o Rei Vijaydevji, subiu ao trono quando o Governador muda para Diu em 1921; já com o problema das infra-estruturas resolvido, foi um grande patrono da arte e da música, tanto indiana como ocidental, tendo escrito um tratado sobre música em seis volumes, com anotações em Guzerate, Hindi, Inglês e Francês.
querda denominava-se Uply-Patty, abrangendo um número bastante maior de aldeias do que a margem direita com o nome de Etly-Patty. Além de outros pequenos cursos de água que secavam na estação seca, a divisão Uply-Patty era banhada pelos rios Sancartor e Dungar-cary, e a de Etly-Patty pelo rio Pimpoliá, todos eles pequenos afluentes.com grandes correntes intransponíveis na monção das chuvas, mas simples regatos durante o Verão.
O Concelho de Nagar-Avely estava dividido em patelados-regedorias, e cada um deles era composto pelas suas aldeias.10
Poucos anos antes da chegada de João Folque a Nagar-Avely, era sabido «que os preceitos religiosos, assim como os misteres e as relações sociais entre os hindus, variam segundo as castas e suas multíplices subdivisões, sem que d’este facto seja licito inferir que os indivíduos de cada casta ou subcasta deixem de professar o brahmanismo, observando o rito, que lhes está especialmente prescripto, e tributando culto particular a uma ou outra das falsas divindades, que constituem a trindade indiana. Mas quem presenciar as praticas absurdas e supersticiosas, a que se entrega esta população agrícola, mas semi-selvagem; quem tiver noticia dos objectos do seu culto estravagante, facilmente se deixará persuadir de que, exceptuados os indivíduos, que, em numero assas limitado, representam as castas mais consideradas e menos rudes, o povo de Nagar Avely não professa senão o mais grosseiro e repugnante Fetichismo, sem noção alguma do Para-Brahma dos hindus.»
Em Noroly, onde preponderava a casta dos rajahputres, havia um pequeno pagode consagrado a Shiva11 , sem grande importância artística e
10 O Concelho estava dividido em dois grupos de aldeias, um deles com 69 aldeias onde estavam situados os terrenos reservados para matas, e no outro com poucas aldeias só existindo terrenos agrícolas. Algumas aldeias já não existem hoje em dia. Entre parenteses os nomes com a grafia actual - No norte: Dadrá (Dadra) com as aldeias Dadrá (Dadra), Demni (Demani), Tigrá (Tighra); Noroli (Naroli) com as aldeias Canary (Kanadi), Cararpará (Kharadpada), Dapeçá (Dhapsa), Noroly (Naroli); Amely (Amli) com as aldeias Amely (Amli), Atolá (Athola), Vaghechimpá (Vaghchhipa); Massate (Masat) com as aldeias Massate (Masat), Silvássa (Silvassá), Samarvany (Samarvarni); Saily (Saily) com as aldeias Carar (Karad), Cundachá (Kudacha), Racoly (Rakholi), Saily (Saily); Golondá (Galonda) com as aldeias Falendi (Falandi), Golondá (Galonda), Umbarcui (Umarkui). No centro: Canoel (Khanvel) com as aldeias Canoel (Khanvel), Cuntely (Khutali), Talauly (Talavali), Umbarvany (Umbervarni). No sul: Chincedá (Chinsda) com as aldeias Chincedá (Chinsda), Mandony (Mandoni), Rudana (Rudana); Selty (Shelti) com as aldeias Cararbary (Kherarbari), Goratebana (Goratpada), Selty (Shelti); Merúm com as aldeias Cotar (Kothar), Merúm, Vagchaurum (Vaghchauda); Sindony (Sindoni) com as aldeias Kerpum, Sindony (Sindoni); Bensedim com as aldeias Bensedum, Berpum, Vansedá (Vansda); Carchonde (Karchonde) com as aldeias Carchonde (Karchonde), Dudeny (Dudhani), Gorbary (Ghodbari); Caunchum (Kauncha) com as aldeias Beldary (Bildhari), Caunchum (Kauncha). Destas aldeias sómente Dadrá, Demni, Tigrá, Vaghechimpá, Dapeçá, Noroly, Canary e Cararpará não possuíam matas.
11 Terceira pessoa da trindade gentílica.
sem ornatos; também em Dadará existia um pequeno pagode consagrado a Bahvanim, que não passava de um pequeno casebre mandado construir pelo patel que pertencia à casta dos batelás, uma das mais consideradas naquela região. Com excepção destes dois templos consagrados ao culto hindu, não havia mais nenhum na Praganã nem qualquer monumento do Brahmanismo. Nem os maometanos nem os parses tinham templos nesta altura.
Embora estivessem representadas todas as castas do Gujarate, predominava todavia uma população de agricultores, sendo destes os varlys os mais numerosos, mas que permaneciam num estado de deplorável embrutecimento, assim como os doriás que se lhes seguiam; embora no mesmo estado mas muito mais trabalhadores eram os concanãs, mais sóbrios no uso de bebidas alcoólicas e mais abertos à civilização.
Em Dadará viviam várias famílias de ferreiros e de carpinteiros de machado, que se dedicavam à construção de carros e dos instrumentos aratórios, simples e imperfeitos. Nesta e noutras aldeias viviam também oleiros que fabricavam loiça, telhas e tijolo, e cesteiros que faziam esteiras tecidas de ólas de cajurí e cestos de bambu.
A estrada de Silvássa a Vappy, que passava por Dadrá, continuava num estado vergonhoso devido ao facto de os ingleses não tratarem minimamente dos lances no seu território.
As ligações estre as aldeias e a sede do concelho eram feitas a partir de simples caminhos carreteiros, abertos depois das monções pelos primeiros carros que precisavam de carregar madeira e que os colonos iam mantendo limpos.
Vinte e cinco poços foram abertos para os chefes das circunscrições do Norte e do Sul, e o telhado da Destilaria de Amely12 e inúmeras casas em Dadrá sofreram grandes obras.
Existia em Silvássa o Viveiro Florestal de Silvássa de onde saíam plantas para serem transplantadas nas matas, campos e mesmo para as bermas das ruas e estradas de Nagar-Avely. Também existia o Asilo-Escola Agrícola de S.Francisco Xavier13 , onde era recolhido todo o gado oferecido pelos achadores, desde a participação do achado até ao termo do prazo dos editais. Às vezes, o valor do sustento era superior ao do gado e os interessados preferiam oferecê-lo em vez de o levar… Normalmente, era
12 Algumas destilarias clandestinas, estavam situadas junto à fronteira com a Índia Inglesa, havendo por isso contrabando das bebidas, fugindo assim do Abkary, imposto sobre bebidas espirituosas, casas de jogo etc..
13 Fundado quando sucedeu a grande crise de fome, que grassou de 1900 a 1901.
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