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Homem Novo Procura-se Eu
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Eu
Ant贸nio de Vasconcelos Costa
Ant贸nio de Vasconcelos Costa
Homem Novo
Procura-se
FICHA TÉCNICA edição:
António de Vasconcelos Costa Homem Novo Procura-se autor: António de Vasconcelos Costa título:
revisão e paginação: capa:
Paulo Silva Resende
Sítio do Livro
1.ª edição lisboa, Janeiro 2012 impressão e acabamento: isbn:
Publidisa
978-989-20-2788-3 337333/11
depósito legal:
©António de Vasconcelos Costa publicação e comercialização
Sítio do Livro, Lda. Lg. Machado de Assis, lote 2, porta C — 1700-116 Lisboa www.sitiodolivro.pt
Homem Novo
Procura-se
Prefácio Fruto do seu labor ministerial, este livro é uma torrente da água lustral que brota abundantemente da Fonte da Graça que, depois de dessedentar o Diácono António de Vasconcelos Costa, teve o dom de com a mesma pureza cristalina, matar a sede aos fiéis leitores do Jornal “Cruz Alta”, ao fazer daquele Boletim Paroquial o depósito espiritual das reflexões centradas em Jesus Cristo que a si mesmo se apresentou como Caminho, Verdade e Vida, conforme o relato de João Evangelista (14, 6), respondendo a Tomé, quanto ao caminho a seguir. A resposta dada ao apóstolo encontrou um seguidor atento no Diácono António, que passou a segui-l’O com o propósito de deixar no mundo os sinais visíveis da sua caminhada, como acontece com mais este livro precioso, onde as linhas doutrinárias se cruzam. amiúde, com a vida concreta do autor, que tem a arte de intrometer por dentro da sua crença inabalável o Deus que ele constitui a viver face a face com os homens, na realidade dos dias. 7
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Não raro é isto que encontramos neste livro: o seu autor retratado sem retoques e até como acontece no Cap. “Creio” ao dar de si mesmo um retrato onde a afirmação da sua fé é esclarecedora, quando diz: Creio que a eternidade de Deus não lhe permite ser pontual, acidental ou factual, por isso não creio num Deus que veio e se ausentou(...) para no fim da reflexão nos dar a acepção que tem da sua comunhão com esse Deus presente, por esta ser um diálogo pessoal e afectivo com Deus e com os homens, pelo dom de nós mesmos, para concluir com esta força ascética: e na medida desse dom sou pai, sou filho, sou irmão, sou santo, e ao dizer isto – santo é todo aquele que a cada dia se aproxima mais de Deus e com isso se assemelha mais com o seu criador- o Diácono António vai buscar a antiga recomendação do Livro do Levítico (19, 2): Dirás a toda a assembleia de Israel o seguinte: sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo. O autor, é efectivamente, um feliz e pertinaz cabouqueiro, que depois de ter encontrado na pedreira da vida, com o esforço que só ele conhece, a pedra angular, passou a fazer dela o suporte da construção da sua própria casa e, de acordo com o mandato recebido pelo dom do seu diaconato, mostra aos seus irmãos, com a determinação que lhe advém da sua fé inabalável, como sem ferramentas físicas é possível a todos os homens o encontro com essa pedra angular que fez dele um homem centrado com a Verdade revelada. O livro que agora apresenta tem um nome que sugere uma procura, e sendo esta dirigida para o homem novo, desde logo o que se tende a buscar é o homem interior que no dizer de S. Paulo se renova e cresce (2Cor 4, 16), e que é, com todo o sentido a premissa apostólica lavrada no chão da vida pelo
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seu autor nos trinta e oito temas que são abordados neste livro e que, só aparentemente, é que podem parecer desligados, quando existe e de uma forma consequente e doutrinário um fio condutor que nos leva a escolher a melhor parte, que é, a primeira das reflexões deste novo livro e na qual todas as seguintes se entroncam. Esta escolha, posta naquele lugar, não aparece ali por acaso, porque não se pode procurar o homem novo sem que este tenha chamado para si aquela escolha por ser um ponto de partida fundamental. Temos assim, que a meta onde está a finalidade da procura – o homem novo – tem a sua génese na assunção da melhor parte, por ser aí que se imbrica com toda a acuidade o sentido de Deus que não cessa de chamar a atenção do homem para que largue para o monturo toda a sucata que ele carrega a mais e faz derrear o seu bornal de peregrino. Este livro assume-se como um atado de vimes espiritualizados, que, sendo embora de grande valia pela forma e, sobretudo, pelo conteúdo, podiam, pela dispersão com que foram publicados, perder a eficácia apostólica que esteve na sua origem, razão pela qual, no feixe em que o presente livro se tornou, ganharam em sentido colectivo a força que está impressa em cada um dos temas, onde perpassa a brisa leve do Espírito, que quer andar por aí, de candeia acesa à procura do homem novo, tão necessitado de encontrar nos tempos actuais, varridos como estão por um vento contrário ao plano traçado por Deus e vivido entre nós por Jesus Cristo, que falou insistentemente dele e pelo qual se deixou morrer. Vale a pena – mais uma vez - situar o entendimento de quem é o homem novo prefigurado por Jesus e que é procurado
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nos tempos que passam pelo Diácono António de Vasconcelos Costa. O homem novo que motivou S. Paulo, nasceu numa certa noite, no momento em que Nicodemos ouviu de Jesus a máxima bem conhecida e de profundo sentido: Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. (cf. Jo 3, 3-7), algo que pareceu muito confuso àquele fariseu que tinha pelo Filho de Deus uma estima muito especial. O pensamento Paulino chama-lhe homem interior – como já se disse - por oposição ao homem exterior que se pode corromper, mas tendo na força do oposto a graça de se poder erguer para a glória de Deus, que faz do crescimento interior do homem uma luta embrenhada num processo de conversão, com a Vida no Espírito a vencer o homem exterior, dado aos prazeres voláteis de um mundo rasteiro e chamativo. (cf. Gál 5, 17). É para este homem novo, que tal como o antigo sinedrita aprendeu a ter por Jesus um sentimento de confiança e passou a procurá-l’O na noite das suas inquietações mais íntimas nos muitos livros que a Imprensa católica hoje põe à disposição dos leitores, ou por outra forma qualquer, que este livro foi escrito ao dar corpo a um acervo de documentos de profundo cunho eclesial e que se encontravam dispersos. O inspirado autor teve a arte de lhes dar uma união perfeita, porque em todos eles é na escolha da melhor parte, no sentido mais profundo do ensinamento da Igreja – Mãe e Mestra - que vamos encontrar, redimido, o homem novo deste tempo algo iconoclasta.
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Cumpre dizer que o homem novo que se procura, só verdadeiramente é encontrado, depois de ter assumido para si a vitória do Espírito sobre a cupidez mesquinha que faz rastejar o homem, criado por Deus para a glória das alturas. A melhor parte que é preciso agarrar como um tesouro e como alavanca para a regeneração do homem, tem como assento a cena bíblica de Betânia, numa casa bem conhecida de Jesus, onde Ele costumava repousar das longas caminhadas que fazia no anúncio do Reino. Naquele dia, a anfitriã Maria (Lc 10, 38-42) senta-se ao lado do Mestre e põe-se a escutá-lO com a atenção que lhe era devida, enquanto Marta se atarefa com o trabalho das lides domésticas, indo ao ponto de pedir a Jesus que mande Maria ajudá-la, mas tendo ouvido como resposta: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária. O relato evangélico não nos diz se Marta conseguiu o apoio pedido ou se tendo abandonado o serviço, reconheceu que, verdadeiramente, o que importava era ouvir o Senhor e se teria tomado lugar ao lado da irmã. Não importa, porém, o desfecho da história, mas importa reter que Marta e Maria representam a diversidade de dons que temos: uns próprios para a acção; outros, para a escuta, para a interiorização e oração. Para a construção do Reino ambos os dons são necessários e de tal modo importantes, que ambas acolhem o Deus que costumava passar em sua casa sempre que se dirigia a Jerusalém, porque era ali que iria ter lugar a escolha da melhor parte, um ensinamento profundo que leva o Diácono António a dizer num dado passo que Maria - a da melhor parte - entendeu que Jesus veio para se dar, para ser Ele a servir, para ser Ele a amar e
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por isso se quedou num acolhimento receptivo e interiorizante, para nos dizer mais adiante que ela não escolheu a única parte válida, apenas a melhor, ao passo que Marta – a da acção – cumpre, na cena que lhe coube a parte de quem, na linha de um outro valimento assume a aceitação do serviço em prol do outro, e que é na sã doutrina evangélica o dom da caridade cristã. Eis, porque, ao longo de todo o livro, é nesta linha de contemplação e acção que se definem as traves-mestras de todos os temas, havendo em todos o afã doutrinário de se saber escolher o modo como devemos partir na procura do homem novo, o que leva o autor a uma peregrinação espiritual de uma profundeza evangélica que é conseguida através de um misto de vida vivida nos seus dois aspectos fundamentais: o horizontal, enquanto membro activo de uma sociedade que o chama a intervir no aspecto terreno e no vertical, que reclama para o Alto a sua espiritualidade vivida profundamente através do seu Ministério diaconal. E isto posiciona-se assim, porque todo o cristão que foi resgatado pelo Sangue do Cordeiro, se passou a possuir em si a promessa da ressurreição, continua a viver o impressionante complexo de matéria e espírito, porque o homem continua a existir nessa dualidade que Deus não enjeita – porque a criou - mas pedindo a todos o equilíbrio que deve nortear o corpo e a alma. Como procurar, então, o homem novo que não pode ser, apenas, o título de mais um livro, mas antes, tem de ser na complexidade funcional que o forma um portador privilegiado da graça de Deus? Como nos alerta o Diácono António, este começa por ser procurado na humildade, pois enquanto não mudar o coração
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dos poderosos, enquanto não se tornarem humildes, enquanto não se tornarem simples os homens superiores, tudo o que colheremos será a guerra,1 ou seja, há nestas palavras o sentido da escolha da melhor parte que passa sempre pela mudança do homem, com especial enfoque para o coração dos poderosos, que tantas vezes determinam a condução dos povos ao arrepio da Graça de Deus. O homem, obra prima da Criação, recebeu todos os instintos vitais para poder usá-los em ordem à citação que acima se faz, porque o poder da Graça o tornou assistente de uma luta interna, onde os actores que vivem dentro de cada um para dirimir a fonte de tentações a que ele está sujeito no corpo e no espírito, está naturalmente precisado de um encontro com a novidade expressa no Sermão da Montanha, onde Jesus deixou o convite da escolha da melhor parte, porque aquele discurso resume todo o Evangelho e o modo como deve ser mudado o coração do homem. Eis, porque, é nesta escolha fundamental que se encontra o homem novo, e não no poema do astronauta de António Gedeão que chama por esse mesmo nome, Neil Armstrong, só porque pôs o pé na lua e espetou no seu chão poeirento a bandeira da sua Pátria, mas tendo sido, ao que parece, apenas o protagonista de um feito novo. O que se pretende na ordem eclesial para onde aponta este livro, é, também, um feito novo, mas com a novidade de se ter enterrado o homem velho, um escravo no seu íntimo pelo domínio que em si operam os malefícios de um mundo rasteiro que vive em pecado contínuo, por descurar a fidelidade a Jesus Cristo e não ter adquirido a mentalidade d’Ele, 1
in, Cap. “Deus nos Livre dos Perfeitos”
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como S. Paulo nos diz em 1Cor 2, 16, porque é na assunção desta fidelidade que o homem ao humanizar-se procura ser um valor para a vida dos outros, como avisadamente nos recomenda o Diácono António. 2 O homem novo é, assim, um valor que cada um vai buscar dentro de si mesmo com a riqueza da Palavra, e fazer dela um meio de estar no mundo com o instinto gregário de uma multidão que faz desse valor um modo de chegar mais perto dos seus irmãos e ser herdeiro com Cristo na Glória, sabendo que o fim último da sua estada no mundo é o encontro definitivo com Deus. Homem Novo, procura-se... precisamente por isto mesmo. Está de parabéns o Diácono António de Vasconcelos Costa ao ter reunido neste livro tantas e tão profundas reflexões que são uma mais valia em cima deste tempo tão necessitado de palavras cordatas – polémicas às vezes! – mas sempre centradas nas raízes mais profundas do Evangelho de Deus.
Teodoro A. Mendes
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in, Cap. Aqui e Agora
A melhor parte Cheios de si mesmos, não se identificarão com os destinatários da encarnação: a descoberta de que a existência é um dom aos outros, na medida em que conseguir ser manifestação de Jesus que se dá, que ama, que morre de amor por nós. A este sentimento novo que ganha o coração de quem se coloca vazio e acolhedor de Jesus que revela em si o amor de Deus, chamemos HUMILDADE e ao gesto de ficar acolhendo e transformando em vida o que Ele nos comunica do amor de Deus chamemos ORAÇÃO CONTEMPLATIVA.
Ao assumir a tarefa de divulgar no jornal paroquial “Cruz Alta” temas sobre a fé e os sentimentos que experimento, hesitei um pouco na escolha do tema de abertura, não por falta, mas por excesso deles, até que me fixei neste título: “A MELHOR PARTE” Conhecemos todos bem a passagem do Evangelho de João onde Jesus usa esta expressão, como característica da opção de Maria, irmã de Lázaro e de Marta. Na sensibilidade que o Renovamento Carismático da Vida Cristã me educou (ad-ducere) e a partir dela (ex-ducere) 15
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senti-me amado por um Deus que é meu Pai, e desejei com entusiasmo, ser instrumento para ajudar os meus irmãos na fé a chegar a essa mesma experiência. Na verdade, tudo o que procuro comunicar, mesmo enquanto ministro da palavra da Igreja, tem por “leit.motiv” a convicção de que, enquanto não nos reconhecermos, até no plano afectivo, como filhos de Deus – Amor, não seremos capazes de uma relação santificante connosco, com os outros e com o próprio Deus. Dizemos, e não pode ser negado, que a ignorância sobre a revelação perverte a fé no seu próprio fundamento, mas não é menor o risco de intelectualizar Deus de tal maneira que nos transformemos em meros papagaios das coisas de Deus e nunca nos achegarmos àquela empolgante descoberta que gera o homem novo, homem consciente do facto de DEUS VIVO NA INTERIORIDADE DO PRÓPRIO HOMEM. A descoberta do “caminho, verdade e vida” que cada um de nós tem de fazer para viver coerentemente a relação com os outros, (descoberta só acessível àqueles que se sentem verdadeiramente filhos de um Deus que os ama e neles quer viver amando a partir de cada um, com os dons, as características, “os talentos” de que cada um está dotado), essa descoberta, dizia, só a faremos pelo Espírito Santo, na atitude de Maria, bebendo do Mestre a eterna palavra que o Pai nos quer dizer. Louvar, adorar, dar graças, numa palavra, viver no Espírito Santo, em humildade e contemplação, bebendo a palavra que é esse mesmo Senhor que se dá, assusta muita gente que teme despersonalizar-se, perder o estatuto de ser inteligente e superior, ser uma pessoa de acção, de obras, um activista.
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Em todas as objecções que tenho colhido ao longo desta experiência que já conta 25 anos, ressalta, de forma notória, a preocupação da defesa de um estatuto descurando o zelo pela pureza da fé, que, em boa verdade, cabe genericamente à Congregação criada para esse fim na Santa Sé e, proximamente, ao Ordinário do lugar, o nosso Bispo. Este quadro de confrontação das opções de Marta e Maria é paradigma de uma dialéctica que cada um de nós vive (em cada um e em cada momento), na procura de uma relação com Cristo, jogando-se, por um lado, o nosso total esvaziamento e radical dependência e, por outro, a afirmação da nossa capacidade de fazer coisas agradáveis a Deus. Falta-nos muito conhecimento da vida dos Santos, sobretudo das suas acções, para descobrirmos quanto é necessário para agirmos com coerência, (agir com eficácia de humanidade), uma vida de entrega humilde ao querer de Deus que ressoa no nosso coração a partir do louvor e acção de graças. Quantos activistas já semearam desgraças, tensões, conflitos, malquerenças? Com muito menos empenho e eficácia, lutadores pela liberdade e direito dos pobres e oprimidos fizeram correr rios de sangue e ceifaram milhares de vidas, levando aqueles que pretendiam defender a situações ainda mais humilhantes da sua dignidade; Gandhi, vertendo apenas o seu próprio sangue, realizou obra de vulto e todo o seu ser ressumava interiorização, contemplação (embora não se confessasse cristão). De quem se coloca vazio e receptivo diante do Senhor da Vida jamais se colherá adversidade, confrontação, disputa, porque recebe do próprio Senhor o querer e a finalidade do agir.
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Poderá parecer a muitos que não foi Deus que nos chamou à existência, mas que nela surgimos fruto do acaso e vivemos apenas por causa de nós mesmos, olhando a encarnação como intromissão abusiva, para contrariar este dom da liberdade que nos define; esses não irão nunca, nessa presunção com que se exibem, (não saberão) aceitar que a eles se aplique a causa da encarnação: a compaixão de Deus pelos errados caminhos dos homens. Cheios de si, não se identificarão com os destinatários da encarnação: os homens que trilham esses errados caminhos. Para estes, a vida não será mais do que tomar consciência dos próprios valores, (reais ou presumidos), e exibilos perante os outros para serem reverenciados, adulados e respeitados: é a vida, por si mesma, que começa e acaba em si mesma, e que traz consigo o próprio prémio; no dizer de Jesus, já tiveram a sua paga. Marta, que não conseguiu descobrir a melhor parte, queria agradar a Jesus com o que tinha para lhe dar, com o seu trabalho, com as suas capacidades de cozinheira e dona de casa, sem dúvida com os seus méritos, presumindo que Jesus teria vindo a sua casa para ser servido. Custa-me afirmar, mas sinto que devo fazê-lo, que muitos de nós queremos ser Igreja para mostrar as nossas qualidades e capacidades e não para saborear e ver como é bom o Senhor. Maria – a da melhor parte – entendeu que Jesus veio para se dar, para ser Ele a servir, para ser Ele a amar, e por isso se quedou num acolhimento receptivo e interiorizante. O seu coração estava disponível para a descoberta de que a sua existência é um dom aos outros, na medida em que
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conseguir ser manifestação de Jesus que se dá, que ama, que morre de amor por nós. Esta é, para mim, a abissal e todavia subtil diferença: querer fazer ou querer ser dócil instrumento do fazer do próprio Senhor, único que ama, porque Ele mesmo é o Amor. Maria saboreia a melhor parte, não para ficar imóvel, inactiva, na doçura da contemplação, no aconchego vazio de escutar para “blá-blá-blar” coisas sobre Ele, mas para viver por Ele, com Ele e n’Ele. A este sentimento novo que ganha o coração de quem se coloca vazio e acolhedor de Jesus, que revela, em si, o Amor que é Deus, chame-se HUMILDADE e ao gesto de ficar acolhendo e transformando em vida o que Ele nos comunica do amor de Deus chamemos ORAÇÃO CONTEMPLATIVA. Muito do nosso desfasamento do projecto de Deus, a que devemos chamar, com toda a propriedade, pecado, nasce na nossa falta de humildade e germina e dá frutos pela ausência de oração contemplativa. Tantas vezes ouvimos dizer que todos somos chamados à santidade, deveríamos mesmo dizer que para isso existimos, mas importa guardar no coração esta certeza: A HUMILDADE E A MISERICÓRDIA são os pilares da ponte que nos leva à santidade de vida, percorrendo o tabuleiro da CONFIANÇA. Direi de outra forma este pensamento de Santa Teresinha do Menino Jesus (e da santa face): solidamente fundamentados no esvaziamento de nós mesmos – que apenas os humildes (0S QUE TERÃO A VISÃO BEATÍFICA DE DEUS) conseguem – e seguros da misericórdia de Deus que só conseguiremos pela oração contemplativa, chegaremos sem vacilação à meta que nos
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é oferecida por Deus e Ele mesmo, no Filho, nos torna acessível pelo Espírito Santo. Entendamo-nos! Jesus não disse que Maria escolheu a única parte válida, apenas a melhor, o que supõe que a parte de Marta é, também ela aceitável, desde que doseada (“preocupas-te com muita coisa quando uma só é necessária”). Faz sobrar tempo para a parte que Maria escolheu (a melhor parte = estar na minha presença, acolhedora, expectante ).
À procura de uma espiritualidade “se puderes, afasta de mim este cálice”, más é importante que consigamos acrescentar: faça-se a Tua vontade. É evidente, que bem mais valiosa que a floresta que arde, é o coração do outro que, com o seu gesto de dar, grita: estou a teu lado. Um dia, cada um de nós vai olhar o que julgava seu e sentir, afinal, que não é senhor de nada.
Aprendi com a Igreja a viver com todo o empenho, no dia-a-dia, a vida como ela acontece e, no acontecimento, sentir o amor de Deus a manifestar-se. Foi essa a principal lição que colhi de Jesus no Tabor. Quando tudo parece ruir à nossa volta e a angústia nos avassala, é natural e humano que gritemos: “se puderes, afasta de mim este cálice”, mas é importante que consigamos acrescentar: FAÇA-SE A TUA VONTADE. Não pretendo, de forma nenhuma inculcar que o sofrimento ocorra por vontade de Deus, desse Deus que veio para que tenhamos a sua alegria e a nossa alegria seja completa. 21
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A “alegria” de Jesus no Tabor, é a certeza de que a vontade do Pai está a acontecer e se o sofrimento não pode ser evitado para que ela se realize, então a pena que sofremos valerá a pena e, não sendo vontade de Deus enquanto objecto, inscreve-se nessa vontade como instrumento ou meio. Foi a esta luz que fixei o meu pensamento no incêndio generalizado que devorava as nossas matas e florestas. Tanto que se disse, tanto alarido e desespero, indiscutivelmente fundamentados, a ponto de se procurar culpados e se acusar em todas as direcções! Governo, madeireiros, incendiários, até as forças que combatiam as chamas, (e alguns largaram férias) mesmo os próprios proprietários, todos foram acusados. Reclamou-se depois, mundos e fundos, que nem um país rico pode assegurar. O essencial, de tudo isto poderá, todavia, resumir-se ao facto de, por um conjunto de causas remotas e próximas, circunstanciais ou provocadas, o fogo (vindo do céu, no caso das trovoadas secas) reduziu a cinza o património de milhares e a riqueza florestal de uma nação. Durante anos viram a natureza, com generosidade, a fazer crescer bens com que esperavam aliviar o peso da sua velhice e, em poucas horas, as suas seguranças, a materialização do seu viver, foi consumido pelas chamas. Que para alguns, a vida era a sua casa, a sua mata, o seu bocado de terra, fica expresso num desabafo: ao fim de uma vida de trabalho, fiquei sem nada; já não vale a pena viver! Outros, tanto valorizavam esses haveres mais do que a vida, que, ao acorrer a eles, se ficaram pelo caminho, exaustos,
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sufocados, ou mesmo devorados também pelo implacável fogo que não obedece a leis senão as suas. Neste ponto, é imperativo que continuemos dizendo: Louvado seja Deus, pelo que é e o que faz, sem que possamos inferir que esse louvor se deva pelos incêndios, eles mesmos, mas pelo que, a partir deles, aprendemos do real valor das coisas e das pessoas. Ficou intacto e mais evidente, tudo o que é verdadeiramente fundamental: DEUS – A VIDA – OS OUTROS Deus, que é Amor imperecível. A Vida, dom maior, que nenhum TER equivale. Os Outros que, pela vibração no íntimo de cada um do sentir de Deus, se abrem rasgadamente à partilha, quase podendo sentir, a exemplo da passagem dos actos dos Apóstolos, que a nada chamaram seu e tudo puseram em comum. Cheguei à conclusão de que não será nunca possível acumular uma riqueza tal que preencha, por si mesma, a vida com a alegria de a ter vivido, frente a este inferno generalizado do Norte ao Sul do Pais. Fazei amigos com o vil dinheiro, disse o Mestre, e, neste ímpeto de generosidade, fica evidente, que bem mais valiosa do que a floresta que ardeu, é o coração do outro que, com o seu gesto de dar, gritou: não percas a esperança, estamos aqui a teu lado. Esta calamidade pode bem servir para nos rendermos à evidência de como o Amor pode renovar a face da terra! Bastará, tão-somente, que sintamos o coração doer com a dor do outro e tudo fazer para sanar essa dor. Um dia, cada um de nós vai olhar o que julgava seu e sentir, afinal, que não é senhor de nada.
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Esta natureza que tudo dá, se a não tratamos com o zelo e carinho que merece, depressa nos deixará de mãos vazias. No tempo da minha avó, era roubo andar pelas matas a apanhar lenha... mas as matas estavam limpas. Hoje, que não precisamos de lenha, a natureza se encarrega de a queimar, ainda que, por vezes, com uma ajudinha do próprio homem! Perante esta prodigalidade da natureza, que me dá o ar que respiro, a água que é suporte e sustento de tudo quanto vive, a luz e o calor que animam, outra reflexão me ocorre, ou, a mesma, noutro parâmetro, que vou explanar, com risco de me repetir em alguns pontos...
A tentação de não ter esperança Este sentimento nasce da convicção de que Deus ama o homem porque este o merece quando, na verdade, Deus ama porque é Amor!
Muitas tentações tive, ao longo do meu viver de mais de seis décadas e várias vezes caí nelas; mas nunca alguma angústia me doeu tão forte, como a de ter acolhido a tentação de duvidar da misericórdia de Deus e sentir que a esperança, face ao meu pecado, era uma afronta a Deus. Deus justo, Deus santo, Deus amor, não pode ser tão secundarizado e mesmo desprezado ou ignorado nas minhas opções egocêntricas, fechado na minha concha de bem-estar e auto-satisfação, erguendo à minha volta uma paliçada de direitos que me constitui ilha face aos demais. Ciente desta realidade, me parecia que o simples elevar o pensamento para esse Deus, ou ter a veleidade de lhe falar, pela oração, me estavam vedados, porque, Ele se fizera um comigo e por causa da minha rebeldia dera a vida e eu, em 25
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vez de assumir a culpa da sua morte, o desafiei, continuando igual a mim mesmo, sem qualquer mudança. Face ao meu pecado, fica-me a sensação de não mais poder chamar-lhe Pai! Mas, na verdade, o maior dos meus pecados, é este sentimento! Este sentimento nasce da convicção de que Deus ama o homem porque este o merece quando, na verdade, Deus ama porque é Amor! Àquele que não pecou (se o houver) o Pai não dá sequer um cabrito para festejar com os amigos e nunca fez festa, porque é Ele a sua festa! Perante este Pai que corre, beija e se desvela em exultação e alegria, e manda fazer festa e vestir roupas novas, diria que, quanto mais rebelde e distante o homem está, mais célere é o seu acorrer. É deste Deus que pensei dever afastar-me, por não ter qualquer direito a estar com Ele e, por sua misericórdia, me descobri mais junto a Ele do que alguma vez estivera.
Quem poderá entender este deus? Que súbita carência tem o tudo em si mesmo que explique o aniquilar-se para que os que mais o negam se deixem cativar? Afinal, este estranho Deus atemporal, se faz tempo em nós em tensões de amar, no agora que vivenciamos, sem nostalgias do ontem e preocupações de um hipotético amanhã que jamais será, porque só o agora é verdadeiro tempo de viver.
Afinal, que estranho Deus é este que toda a gente evoca e invoca, procura e conclama, sobre Quem milhões de livros se escreveram, sábios teólogos dissecam e por quem os simples e humildes se deixam seduzir? Que súbita carência tem o tudo em si mesmo que explique o aniquilar-se para que os que mais o negam se deixem cativar? Quanto d’Ele se escreveu se resume numa palavra que constitui a sua essência; d’Ele, dizer AMOR, é tudo dizer! Dessa sua essência Ele cria toda a novidade que se desenrola diante dos nossos olhos, cíclica na aparência, mas, de facto, única e irrepetível. 27
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Nós dizemos que todos os anos há Primavera e Outono após Inverno e Verão e que em 24 horas de dia e noite se cumpre o dia, e não nos maravilhamos o suficiente com o facto do AGORA que jamais termina, porque todo o tempo se cumpre no agora e, depois do agora, nada há, e o agora ido nada é, e o agora é precisamente Deus connosco. Merece igualmente surpresa nossa, o facto de o agora ser a eclosão da novidade de que o agora ido estava prenhe, e que o agora vivido é eterna génese do agora a chegar, e neste infindável agora o eterno de Deus coincide com o tempo do homem. Afinal, este estranho Deus atemporal, se faz tempo em nós em tenções de amar, no agora que vivenciamos, sem nostalgias do ontem e preocupações de um hipotético amanhã que jamais será, porque só o agora é verdadeiro tempo de viver. Posso ansiar, planear, sonhar o amanhã, mas, nada será enquanto não for agora, e vazio será o agora, se o desperdicei para uma ilusória antecipação do amanhã; Jesus dizia tudo isto de uma forma mais simples, porque não tinha prosápia de filósofo. “Não vos inquieteis com o dia de amanhã, cada dia com a sua preocupação!” O drama dos incêndios também permite esta conclusão. Afinal, quem é este estranho Deus superior e eterno que se faz tempo no tempo (estarei convosco até ao fim dos tempos)? Quem é e o que procura?