Jantar de Fim de Verão

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Jantar de fim de ver達o Beth Salreta


FICHA TÉCNICA EDIÇÃO: Vírgula (Chancela Sítio do Livro) TÍTULO: Jantar de fim de verão AUTORA: Beth Salreta CAPA: Sítio do Livro, Lda. PAGINAÇÃO: Nuno Ferreira DESIGN CAPA: Nuno Moreira 1.ª EDIÇÃO LISBOA, JULHO 2012 IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Publidisa ISBN: 978-989-8413-63-5 DEPÓSITO LEGAL: 345932/12 © BETH SALRETA PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Sítio do Livro, Lda. Lg. Machado de Assis, lote 2 — 1700-116 Lisboa www.sitiodolivro.pt


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Introdução

Esta é principalmente uma história de amor. Existe tanto desamor neste mundo, que eu creio mesmo assim, ser possível haver uma história de amor sem condicionantes como os que estamos habituados a ter. É possível viver uma história, sem se ouvir aquele familiar dizer isto ou aquilo, ou sequer, pensar no que esta ou aquela pessoa vai dizer. Basta força de vontade e muita determinação para se conseguir isso. Na nossa vida temos muitas condicionantes. A sociedade, a família, os amigos. Todos opinam, ninguém vive a nossa vida. Devemos sempre acreditar no amor, no amor verdadeiro. Amor não é só o que sentimos por aquele alguém especial do sexo oposto, ou não, mas com uma componente carnal. Amor é muito mais. Falo aqui no sentido mais lato da questão. Existem muitas formas de amar. A amizade é uma forma de amar. Aqui, eu tento mostrar, sobretudo, sentimentos. Por vezes esquecemo-nos de vivenciar na maior plenitude os sentimentos que temos. Sejam eles bons ou “menos bons”. Recuso-me terminantemente a usar o termo “mau”.

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Dá tanto trabalho fazer o bem, como fazer o mal. Então, porque não fazer o bem? Este livro é tudo isso, o bem, o menos bom, os nossos medos e vivencias, porque somos sobretudo e simplesmente humanos. Esta história é sobre uma mulher que vive o seu dia-a-dia sem um objectivo definido e que após uma vicissitude da vida, encontra um amor, que pode ser o verdadeiro. Agradeço a todos os meus amores. A todos os que me falaram de sentimentos vividos e que pude expressar aqui. Foram imprescindíveis, afinal, muito do que está aqui relatado, não foi vivido por mim. Não deixa de ser importante. Espero que sirva para mostrar que ainda é possível. “Quem quer, arranja uma maneira. Quem não quer, arranja uma desculpa.”

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Ali estava eu, à janela, sentindo os raios de sol a lamber a minha pele e recordando aquele dia que me parecia, ao mesmo tempo, tão longe, embora estivesse tão perto. A recordação do começo era tão doce que me fazia estremecer, e sorrir, aninhando-me no conforto dessa lânguida viagem pelas recordações da vida. Naquele dia, eu estava particularmente feliz. Tinha sido convidada para uma festa em casa de uns amigos e esmerava-me no preparo para a ocasião. Tinha escolhido umas calças claras de linho e uma blusa de alças de um tom verde-claro que imitava a água de uma qualquer praia tropical. Tinha o cabelo solto e o conjunto ficava completo com umas sandálias de meio salto cremes. Uma distracção era muito bem-vinda, pois não saía de casa já havia algum tempo. A festa tinha lugar numa antiga aldeia outrora abandonada e que renascia agora aos poucos com especial graça. Não a conhecia e estava expectante. Tinham-me dito que se tratava de um lugar muito belo, mágico, mas eu queria ver por mim. Será que valeria a pena? Estaria com amigos e isso já valia a pena. Alguns eram muito animados e qualquer serão em sua companhia era sempre digno de nota e nunca 7


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dado o tempo por desperdiçado. Ia ser muito bom. Ao chegar fiquei deveras espantada. Não estava preparada para a beleza que se apresentava à minha frente. Depois de termos sido conduzidos por uma alameda de velhas árvores, desembocámos num largo que parecia nada mais nada menos que saído de um quadro. A casa principal, que mais parecia um pequeno solar antigo, escondia-se por detrás de tílias e camélias sem idade, todas elas demonstrando amor na sua plantação. As paredes estavam pintadas de heras e as grandes janelas, de pequenos vidrinhos e caixilhos brancos, davam um ar romântico ao cenário. Os canteiros que adornavam o caminho de acesso à entrada eram bordejados de alfazema, com apontamentos de alecrim. Apetecia-me tocar-lhes e guardar esse aroma. Como estávamos no final da tarde, a luz fazia jogos de cor e sombras indescritíveis em cada recanto mais escondido. Era uma beleza. Apaixonei-me logo por aquele sítio tão belo. Adivinhava-se vida e paixão em cada pedra. Mal sabia eu o que a noite me traria. Entrámos para uma sala decorada a preceito, bem ao estilo palaciano, sem deixar de ser moderno, com pesadas cortinas de brocado, em tom cru e amarelo, espelhos adornados de talha dourada, riquissimamente trabalhada, assim como os sofás enfeitados com grandes e fofas almofadas, dando-lhes um ar mais leve e cómodo. Os candeeiros de luz velada pareciam jorrar ouro em vez de luz. Nos aparadores encontravam-se verdadeiras peças de arte, elaboradas nos mais diversos materiais: pedra, madeira, ferro e mesmo porcelana. O chão de tábuas corridas, compridas e bem brilhantes, de onde emanava um leve cheiro a cera, fazia adivinhar milhares de passos nelas percorridos. A sala de refeições apresentava-se decorada de modo similar, com arranjos florais aqui e ali, como que aprisionando o Verão que quase terminava e as velas acesas emprestavam um ar quente e acolhedor. Grandes espelhos nas paredes faziam com que o espaço parecesse maior do que realmente era e a sua indiscrição servia para se avistar quem se encontrava mais longe. As mesas exibiam toalhas brancas

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lisas, deixando que todo o esplendor nos fosse apresentado através da decoração e dos pratos. A conversa era fácil e descontraída, pois estávamos entre amigos, alguns de longa data. Havia muita animação. Sentámo-nos à mesa, aguardando pelas entradas que consistiam numa salada de frutos vários com camarão e enfeitada com pétalas de flores comestíveis de várias cores, transportando-nos para um mundo imaginário. Foi acompanhada de um frisante com uma frescura difícil de suplantar, nem doce, nem seco. Apenas fresco. Foi perfeito. Entre pratos, e dada a demora, decidi ir explorar as redondezas. Saí para um pátio nas traseiras, decorado com sofás feitos de velhas camas de ferro, pintadas, e com almofadas de cores garridas. Havia vasos de várias flores e alguns deles pendurados, com petúnias brancas, que se debruçavam em verdadeiros cachos. Este ambiente descontraído convidava a um chá da tarde intimista e a scones acabados de sair do forno. Deste pátio partia uma ruela feita de pedra e de cujos muros e velhas paredes pendiam maracujás e flores de jasmim. Aqui, o jogo de sombras e de cores era ainda mais notório e impressionante. Devido ao final de tarde, tudo se tornava de um leve tom amarelo, não deixando adivinhar a real cor do que se me apresentava. Tudo parecia coberto de ouro e as folhas brilhavam como milhões de estrelas no firmamento. As pedras pareciam moles e convidavam a ser pisadas. Percorri aquela ruela de cheiro inebriante e o meu pensamento começou a vaguear. Surgiu um som de água a correr e eu pensei que se tratava de uma fonte. O fim da ruela presenteou-me com uma pequena praça que dava acesso a outras ruelas de igual encanto. Aqui, a água corria pelo chão e, quando dei por isso, cobria-me os pés, correndo suavemente como se me beijasse. Oh, como era agradável sentir aquela suavidade. Procurei a origem desta água cálida que teimava em beijar-me docemente. Junto das paredes das velhas casas conseguia ver-se alguns canos por onde passava a água que as servia, só que, devido ao correr dos anos, estavam partidos aqui e ali, deixando a água, antes aprisio-

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nada, correr livremente. Esses canos eram feitos de grés e o mais surpreendente é que tinham desenhos em alto-relevo. Conseguiam ver-se motivos florais de especial encanto, pássaros, borboletas, como se o artesão tivesse querido aprisionar momentos felizes, fazendo desses canos telas, janelas de felicidade. Que mestria, que encanto. Adivinhava camélias dobradas, botões de rosa e pequenas flores de jasmim, beijadas por borboletas e abelhinhas. Pássaros tão perfeitos que quase podíamos adivinhar as suas cores e botões de uma flor que não consegui imaginar qual seria. Até se podia adivinhar o relevo de seus corpos e penas. Pareciam voar. Estas peças de arte encaixavam-se umas nas outras de um modo intrincado. A água cantava. Eu não queria voltar, queria abarcar mais e mais daquela beleza, como se tivesse ficado viciada nela, tentando beber daquela fonte de beleza e felicidade que eu nunca pensei que pudesse existir. Aproximei-me de uma pequena bica e atrevi-me a provar aquela água. Que doçura, que sabor. Era um conjunto ímpar, aquela luz, a leve brisa que parecia acariciar aquelas ruelas e passava por mim, aflorando docemente a minha pele nua, deixando nela o doce aroma do jasmim, despertando todos os sentidos. O amarelo das pedras das ruelas parecia cada vez mais um tapete de ouro e eu era transportada para um mundo sem paralelo. O brilho já estava em mim e eu não queria acordar daquele sonho. Já não me lembrava do jantar para o qual havia sido convidada. Estava a ser alimentada por beleza e muito mais. Eu conseguia sentir o amor do construtor daquele hino à beleza, ali, à espera de ser desfrutado. Prossegui o meu caminho e ao longe vi-o. Tinha um pé num muro baixo e olhava o horizonte. A luz do sol banhava-o de dourado tornando-o um complemento de toda aquela magnificência. Não resisti, prossegui o meu caminho, ao seu encontro. Fui-me aproximando aos poucos, ao mesmo tempo que observava aquele ser tão absorto em seus pensamentos. Não sabia se tinha o direito de o importunar, mas o meu desejo de saber quem era e o

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