Lembra-te de Mim

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LEMBRA-TE DE MIM


FICHA TÉCNICA EDIÇÃO:

Edições Vírgula ® (chancela Sítio do Livro) Lembra-te de Mim AUTOR: A. Vasconcelos Costa TÍTULO:

REVISÃO:

Cecília Sousa Patrícia Andrade PAGINAÇÃO: Paulo S. Resende CAPA:

1.ª EDIÇÃO Lisboa, Março 2014 ISBN:

978-989-8678-55-3 371217/14

DEPÓSITO LEGAL:

© A. VASCONCELOS COSTA

PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Av. de Roma n.º 11 – 1.º Dt.º | 1000-261 Lisboa www.sitiodolivro.pt


A. VASCONCELOS COSTA

LEMBRA-TE DE MIM



À Igreja: Sacerdócio real, nação santa, povo resgatado, por eterno querer do Pai, realizado no dom sacrificial do Filho, pelo poder do Espírito Santo, dedico esta colectânea de homilias, reflexões e testemunhos - neste ano da graça em que assumimos a caridade como vivência da Fé - procurando aprofundar e enraizar as razões da nossa esperança. A quantos acolherem esta partilha, peço a intercessão para que eu cresça na fidelidade ao Evangelho e dele dê testemunho.



. APRESENTAÇÃO , Todas as vezes que contemplo o trono da Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Benfica, uma série de questões me tomam por dentro com a premência de quem urge uma resposta: Porque me trouxe o Senhor para esta paróquia? Que espera de mim aqui? Quem é o Senhor para mim? Hoje, 8 de janeiro de 2014, frente a este harmonioso conjunto de imagens, que não consigo imaginar de outro jeito, dei comigo a pensar: MARIA ENTRE O CÉU E A TERRA, e a inversão de realidades: O RESSUSCITADO EM BAIXO, ENTRE MARIA E OS HOMENS, E O SACRIFICADO EM CIMA, ENTRE O CÉU E A TERRA... Perdeu-se o meu pensamento, tentando buscar o sentido pleno de cada situação e, não sabendo explicitá-lo com clareza, vi, no ventre virginal de Maria, o Deus Eterno, na PALAVRA, concebido em HUMANIDADE, situação singular e plena do PARAÍSO. 9


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Quando DEUS e o HOMEM, este criado à imagem e semelhança d’Aquele, estavam em perfeita harmonia em querer, sentir e agir, unidade plena e perfeita do homem com a Trindade, três vezes santa (Deus e o Homem, numa só pessoa, ainda que em duas naturezas, senti-O ali, no ventre virginal). Já plenamente homem no meio dos homens, mas ainda esperando a rotura que o faria emergir no meio dos homens, sujeito e cativo das vicissitudes históricas. Aquele novo Ser, detentor pleno da nossa humanidade, na plena harmonia da vida em Deus - sem perder «um avo» da sua essência divina, - antes que qualquer urgência ou premência de sobreviver lhe condicionasse o querer nesse paradisíaco estado de não comer e ser feliz, dizia, este novo Ser iria romper a barreira e confrontar-se com a marca do pecado que pôs termo a essa harmonia e que nos condicionou a emergência de OPTAR por, ou contra a nossa condição original. Este Jesus, uma vez brotado do ventre de Maria, encetou uma nova experiência: a de não mais ser Deus e humano, PORQUE SIM, e começar a ser Deus humanizado, porque OPTOU! Esta opção justifica aquela celsitude do ventre de Maria. A que a cruz demonstra. Na sua entrega, rasgou os céus. Não para neles se refugiar, consolado, recompensado pelo denodo dessa entrega, mas sim para, sem barreiras, vir retomar-nos nesta humanidade ferida que somos e Ele compartilhou e, com ELE, nos elevar até à plenitude... 10


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Contudo, (inaudita grandeza prometida): SÓ ATINGIREMOS TAL PLENITUDE quando a harmonia do DIVINO e do HUMANO também existir como a do VERBO no ventre virginal de Maria (nesta outra gravidez, a da Igreja), em cujo ventre singular nos modelamos até que se rompa a placenta da história. O que quer que isto signifique, QUERO CRER ASSIM... Decorreram oito dias desde esta «meditação» e, de novo diante deste «midrash», assim figurado, como que senti um sorriso de contentamento no Jesus escondido, como o pastorinho Francisco lhe chamava. Firmou-se no meu pensamento e no meu coração, a definitiva certeza de que, no ventre de Maria, se modela o perfeito, verdadeiro e pleno sonho eterno de Deus. Porém, este sonho só acontece, só tem viabilidade histórica, com o concurso do Homem, e tal concurso ganha a sua expressão na elevação do calvário, quando o Homem assume e fixa na sua estrutura humana a divindade que se lhe entregou, repetindo em si o dom aos outros. E, como consequência deste êxito assim construído, numa laboriosa apropriação do ser Deus e homem dado aos homens por amor, evoluindo do existir para o ser (tarefa nunca plenamente conseguida nos transes da História, porque só plena no Reino) emerge o Cristo ressuscitado, escondido, sem dúvida, mas sensivelmente mais eficaz do que nunca. A humanidade divinizada, porque divindade no humano, em corpo, sangue, alma tão real e perfeita como está no céu, na comunhão com o Pai e o Espírito 11


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Santo. Numa única frase, a Igreja, comunhão da humanidade em si e em Cristo. É esta a ação do Espírito Santo nesta comunhão humana: dar-nos Cristo que nos leva ao Pai e ser construtor da união e da paz, única vontade da Trindade Santíssima. De novo, decorridos mais oito dias, em 22/01/2014, em plena observação atenta do trono da Igreja, dou por mim a sentir a imperiosa necessidade de integrar no conjunto até agora contemplado, a peça mais próxima, diria mesmo, mais atual, (no contexto Histórico da fé celebrada hoje), o ALTAR. Como na experiência há dias vivida Jesus sorriu, senti que esse sorriso era de verdadeira alegria por ter dado um importante passo em frente. A confirmar esta suposição, surge-me, como que vinda do mais íntimo de mim mesmo, a pergunta: Não te parece que há uma duplicação de sinais neste quadro a que já chamaste de MIDRASH? Não entendo bem a pergunta mas, pensando nela, diria que, de facto, entre o Altar e o Sacrário existe uma certa dualidade, porquanto no Altar, acontece o que no Sacrário se guarda. Essa voz, ouso chamar-lhe assim, insiste: E se houvesses de sintetizar – que quer dizer, eliminar as duplicações e redundâncias – que retirarias? Sem refletir, sem medir consequências, respondi: AQUILO QUE GUARDA O QUE ACONTECE! O SACRÁRIO! 12


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E conclui, se tal acontecer, o MIDRASH pode ser visto de cima para baixo ou inversamente, porque o ALTAR não é mais do que o calvário e o VENTRE VIRGINAL DE MARIA, a charneira que sobrepõe as duas realidades porque, desde o primeiro instante da vida daquele ser incarnado, é o DEUS ETERNO ENTREGUE AOS HOMENS PARA SALVAÇÃO DO MUNDO. Concentra-te no altar onde tudo o que as outras duas premissas do MIDRASH acontecem: DEUS VEM À HISTÓRIA, FEITO HOMEM E, NESSA HISTÓRIA, NO HOJE CONTINUADO EM CADA DIA, MORRE, RESSUSCITA, DÁ-SE COMO ALIMENTO E GARANTIA DE VIDA ETERNA. Recorda que há mais de 50 anos se vai atribuindo ao tabernáculo da reserva – o Sacrário – a dignidade que lhe é devida, em local de culto à parte, para que o essencial do acontecimento salvífico fique evidente: A PÁSCOA, PLENITUDE DA ENCARNAÇÃO DO VERBO. A. Vasconcelos Diácono

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Perder, do tempo, o conto, é desatino. Perder, da vida, o gosto, é animal. Mas ter este são gosto é um sinal Que do humano sigo o bom destino. Mas gosto, ao prazer não faz igual Porque no gosto faço humano hino De viver pelo outro, a ele animo E no prazer, do outro, faz banal. Como saber, em suma, no final, Se te uso ou me dou, e assim defino Entre existir e ser, fosso abissal? É que usar-te por mim sem outro tino, O busca, qualquer ser irracional, Mas gastar-me por ti, humano é signo! Se com esta proposta não te identificas, Vai ao Calvário e lá mais homem ficas.

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. O VALOR DO TEMPO , (Cruz Alta)

Na celeridade da vida, os tempos fortes, maternalmente preparados pela Igreja para reavivar a nossa fé nos mistérios «balizadores» da nossa salvação, depressa se escoam. Terminámos em Novembro o tempo comum para fazer a caminhada do Advento/Natal e para reiniciarmos o tempo comum de um novo ano, o qual interromperemos na oitava semana para nos «recentrarmos» no tempo da Quaresma/Páscoa. É neste primeiro período desse tempo comum que nos chega à mão mais um número da nossa «Cruz Alta». Poderíamos perguntar-nos o que de novo se gerou em nós, que novas atitudes, que renovação de coração o Espírito Santo conseguiu operar em nós nessa festividade da espera/encontro com o Deus humanado no Verbo nascido de mulher. 17


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Poderíamos e deveríamos porque, se nos tais tempos fortes de Advento/Natal e de Quaresma/ Páscoa, nos dispomos a rever critérios e a abrir mais francamente o coração a Cristo, é no tempo comum que melhor nos colocamos em questão face ao agir de Cristo no nosso dia a dia, e nos damos conta do que é, em cada momento, pautarmo-nos pelo querer de Deus. Os desafios de cada momento, de cada circunstância e de cada acontecimento são as melhores desculpas que apresentamos para nos demitirmos do esforço de crescer em Deus, procurando ter, uns para com os outros, os mesmos sentimentos de Cristo. Este Cristo que, antes de iniciar a sua vida pública, se confrontou com essas mesmas circunstâncias e vicissitudes: o tempo necessário (40 dias e 40 noites) deixando-nos um critério seguríssimo: desprendido de todas as seguranças e certezas (deserto), gastar todo o tempo necessário (40 dias e 40 noites) para que o coração, em cada provocação do zelo de nós mesmos, da acomodação, da auto contemplação, saiba discernir e assumir o querer de Deus. Durante estas oito semanas do tempo comum a Igreja continua a seguir pelo trilho aberto pelo Mestre, cumprindo o Ministério que lhe foi confiado, inspirada pelo Espírito Santo que nos foi dado, convidando-nos à docilidade sem reservas, na senda de Samuel, a mesma docilidade que faz de Cristo o «cordeiro de Deus». Este cordeiro é o Deus que entre nós armou a sua tenda. É Senhor de todo o nosso Ser, 18


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não só a alma, mas também do corpo, alma, espírito e vontade. São de Armellini nas suas reflexões domingo a domingo, as pistas que, a partir do segundo domingo do tempo comum, partilho convosco: 2º domingo: Deus procura o Homem (1ª leitura). Como se dá o encontro (Evangelho.) e quais as consequências (2ª leitura). 3º domingo: Decisão de cortar com a vida passada (1ª leitura – Jonas 3,1-5.10 - e Ev.) e a importância de utilizar bem o tempo presente (2ª leitura). 4º domingo: Anúncio de um profeta que vem falar aos Homens em nome de Deus (1ª leitura). Este profeta, quem não se limita a falar em nome, é ele mesmo a palavra de Deus (Ev.) que nos leva a tomar as decisões mais extremas, por amor a essa Palavra (2ª leitura). 5º domingo: A vida do Homem é sofrida (1ª leitura) mas Jesus dá a esse sofrimento um sentido e uma tensão redentora (Ev.) ensinando a abraçar no amor à construção do Reino todos esses revezes. (2ª leitura) 6º domingo: Seja qual for a atitude do Mundo face ao sofrimento e à doença (1ª leitura), em Cristo a missão é sempre a de restaurar a comunhão, recuperando-a para a comunidade (Ev), ainda que tenhamos de pôr em causa os nossos interesses particulares (2ª leitura). 7º domingo: E a maior das doenças é o afastamento de Deus (1ª leitura), do qual o Homem sente não poder libertar-se por si mesmo, pois só Cristo salva (Ev.). 19


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É imperativo que a vida seja sempre concordante com a fé proclamada (2ª leitura) 8º domingo: Vale pois a pena acolher e procurar a intimidade que Deus nos oferece, mesmo depois das nossas infidelidades (1ª leitura), não olhando à fealdade ou ao «conspurcamento», fruto das repetidas adulterações, mas sim olhando com indefectível amor. É isto que nos retoma e nos purifica (Ev.) e é, por isso, justo que lhe respondamos com uma vida generosa e leal (2ª leitura). É para aprofundar a verdadeira dimensão desse amor por nós e para nos dar conta dessas repugnâncias em que Ele nos toma, que vamos entrar nesse outro tempo necessário, para que fique perfeita e completa a obra: Quaresma (40 dias). Em humildade e contrição... mãos à obra... porque é este o tempo favorável, é este o tempo da salvação.

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. PREPARAR O CAMINHO , Iniciamos cada ano, no tempo a que chamamos quaresma, uma nova etapa, nesta caminhada para o mergulho santificador na morte e ressurreição de Cristo. Realço a palavra MERGULHO, para que desde o início saibamos que o convite para percorrer este caminho não será efetuado se não acontecer em cada um de nós a mesma morte e ressurreição que Jesus assumiu como início de plenitude. Tudo começou com o desafio em Quarta Feira de Cinzas para nos desinstalarmos e centrarmos exclusivamente em Cristo, e logo no 1º domingo, ouvirmos, da parte de Deus, que esta morte e ressurreição salvífica, só são possíveis no zeloso cumprimento da vontade de Deus. Mas, temos no 2º Domingo, um dado mais para prosseguir a subida a Jerusalém. A vontade de Deus, expressa na Lei, é agora apresentada por alguém que 21


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é superior a Moisés e Elias, cujo rosto se ilumina no contacto direto com Deus. A transfiguração de Jesus, que alguns entendem como acontecimento preparador para o próprio Jesus, é preparação, de facto, mas para nós, para os destinatários da encarnação do Verbo: A (TRANS) FIGURAÇÃO É A LUZ QUE SE ACENDE PARA QUE ENTENDAMOS A (DES) FIGURAÇÃO DO CALVÁRIO. «Trans» significa para além, para mais longe. Transfiguração é a visão para além do que a figura contém, é ver no farrapo humano pendente da cruz, o poder divinizante daquele que se torna, em si mesmo, A LEI e o PROFETA. Porém, para acolhermos Jesus nossa Lei, teremos que ter um coração como o de Abraão, que PARTE e VAI, sem destino e sem rumo, porque Deus mandara, e porque Deus iria mostrando o caminho da terra que lhe destinara. É essa a única certeza que o põe a caminho: Deus mostrará! Mas tão comprometedora é essa certeza que, de pronto, parte e se torna, como nos diz o primeiro credo do povo eleito, «errante» (meu pai era um Arameu errante). Contudo, a questão que se nos põe perante a Sagrada Escritura é sempre a mesma: É ela para nós, para o nosso hoje, ou é um relato de factos passados? Será que a nós, Deus Diz aqui e agora: DEIXA A TUA TERRA E VAI PARA A TERRA QUE EU TE INDICAR? 22


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No hoje do povo de Deus, que é a Igreja de Cristo, esta mesma Voz, sempre actual, sempre nova, esta palavra eterna de Deus que é JESUS, ressoa no nosso coração com toda a actualidade: deixa a terra do teu acomodamento e vai para a terra que te mostro, no Filho que te dei para tua salvação. Não raro, ouvimos dizer que Jesus é uma das várias vozes que prometem felicidade, salvação, paz e abastança. É tempo de nos darmos conta desta outra palavra que escutamos no hoje continuado da Igreja, pela boca do Pai: Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o (cf.Lc 9,35). De nenhum outro lado nos chegará a Voz capaz de nos conduzir à terra segura da felicidade sem ocaso, porque apenas este Filho é CAMINHO, VERDADE E VIDA. (cf. Jo 14,6) É para nos radicar (fazer criar raízes) nesta certeza, que o Pai insiste nesta preparação da nossa ressurreição em Cristo, no mandato: ESCUTAI-O. Na narração etiológica dos onze primeiros capítulos do Génesis, percebemos que a ruína e a morte do que de humano há em nós têm origem na desobediência, no querer ser o deus de nós mesmos, no recusar de outra vontade que não a nossa, apesar de já nos estar prometido o filho de mulher que de novo ligará o homem ao Deus que recusara. Este Jesus é, em si mesmo, a lei definitiva, porque goza da presença do Pai, ao ponto de irradiar a luz divina. É este Jesus que o Pai manda escutar, 23


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é este que em breve veremos esfarrapado, vilipendiado, o único que redime e salva, o único que nos diz: Levantai-vos e não temais. Bem que poderemos procurar a felicidade passageira durante umas dezenas de anos, pelos partidos, pela situação social, pela posse de bens, entre outros, mas só entenderemos a verdade da nossa condição na Terra depois da ressurreição de Jesus. É este o sentido intrínseco daquele segredo messiânico: Não conteis a ninguém até o Filho do Homem ressuscitar dos mortos. (cf. Mt 17,9, Mc 9,9) Só então entendereis, dos caminhos que o mundo vos prepara, o quão diferente é o caminho que vou abrir para vós… Antes de acolhermos as falsas esperanças de messianismos vãos, procuremos onde está, nesses messianismos e mundividências, um fundador que tenha dado a vida por nós e a tenha retomado para a partilhar connosco. Se não encontrarmos outro, então agarremos como única preocupação a decisão de escutá-lo - como Paulo escutou e seguiu, exortando o seu discípulo Timóteo a permanecer firme no sofrimento por causa do Evangelho - contando exclusivamente com a força de Deus, que nos salvou e nos atrai à perfeição com um chamamento santo, eterno e irreversível. No 2.º domingo da Quaresma (ano B) valerá a pena tomar o Sl 118:8 como fundamento das nossas opções pois, dessa forma, estaremos também a ver para além do facto; estaremos a viver a transfiguração. 24


. QUE ESPERANÇA NOS ANIMA? , Antes do Concílio Vaticano II e da reforma litúrgica, que deram origem ao ciclo de 3 anos, ouvia-se dizer, no 5.º domingo da quaresma: LÁZARO, RAMOS, NA PÁSCOA ESTAMOS. Precisamente no domingo antes do domingo da entrada de Jesus em Jerusalém para viver a Páscoa, lia-se o SINAL DA RESSUREIÇÃO DE LÁZARO (Jo 11,38 ss). Muitos exegetas sentiram que, no esquema da narração da morte e ressurreição de Cristo, segundo S. João, este episódio, de que apenas ele nos dá conta, era indispensável para nos fazer compreender A RESSURREIÇÃO DO SENHOR DA VIDA. Ter Lázaro de regresso à vida para experimentar a morte uma segunda vez, é irrelevante, e a sua morte apenas interessa enquanto serve a manifestação da glória de Deus em Cristo. 25


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Ainda hoje não faltam cristãos que pensam que o mistério da encarnação/morte/ressurreição se destina a trazer ao Homem facilidade de vida, uma vida boa, muita saúde e felicidade, uma vida longa… se possível até aos 200 anos. Como ainda estamos tão enraizados no antigo testamento, que acreditava que a longevidade era sinónimo de virtude! Segundo uma boa corrente exegética, João deixanos este sinal, para que descubramos que a ressurreição de Jesus, e a nossa (que com Ele mergulhamos na morte pelo baptismo, e com Ele ressurgimos para a vida) está para além dos parâmetros materiais. Não é para a vida material que Deus se faz homem e dá a sua vida no Calvário. Este Senhor da Vida, que chama Lázaro para fora, mas que não precisa que o chamem a Ele, chama cada um de nós para aquela vida que a pedra do túmulo não retém. A Lázaro foi preciso que retirassem a pedra. Aquando da ressurreição de Jesus, não foi preciso que fossem removê-la, quando os primeiros chegaram ao túmulo. Jesus não conheceu a corrupção, pois ao 3.º dia estava vivo, enquanto Lázaro já tinha 4 dias de túmulo. Já era pasto da morte quando Jesus o mandou sair. Lázaro ressuscita para voltar a morrer, saindo do túmulo ainda envolto em ligaduras. Jesus ressuscita para a vida eterna, deixando no túmulo, no exacto lugar que ocupara quando continha o seu corpo, o lençol e as ligaduras (fórmula para inculcar que 26


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o Ressuscitado está livre de toda a materialidade, continuando a ser plenamente ele mesmo). Bem que poderemos procurar a novidade de Jesus em confronto com esta ressurreição de Lázaro, para avaliar a que distância nos encontramos de abraçar a vida para a qual fomos criados. Deus prometeu, por Ezequiel, e cumpriu em Jesus: INFUNDIREI EM VÓS O MEU ESPÍRITO E REVIVEREIS. Não é à carne que devemos a nossa salvação, para procurarmos viver a Páscoa segundo a carne. A Salvação, a unidade do nosso querer com o querer de Deus, haveremos de a assumir na vivência do ressuscitado. É Paulo quem nos diz, em 3 versículos do capítulo 8 da carta aos Romanos: OS QUE VIVEM SEGUNDO A CARNE NÃO PODEM AGRADAR A DEUS. (cf.Ro 8) O mesmo Espírito que ressuscita Jesus, sem ligaduras, sem obstáculo da pedra, sem precisar que alguém o chame do exterior, esse Espírito, que é a Vida do próprio Deus, dá em nós testemunho de que somos FILHOS DE DEUS EM CRISTO E COM CRISTO, HERDEIROS DA GLÓRIA. Este Espírito, em nós infundido pelo nosso batismo, irá fazer com que a nossa morte não passe de um instrumento de glorificação do Filho do Homem, cuja glória partilhamos. Se não chegarmos a entender esta diferença de ressurreição, como João procura demonstrar, ao menos acreditemos neste Jesus que passou da morte para a vida e nos vem resgatando da morte e do pecado: 27


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EU SOU A RESSURREIÇÃO E A VIDA. QUEM ACREDITA EM MIM NUNCA MORRERÁ! (Jo 11,25)

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