O Primeiro-Ministro Derrotado

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Nuno Nogueira Do Prefácio

O PRIMEIRO-MINISTRO DERROTADO

Tratar-se-á de um simples romance no qual são abordadas pequenas estórias do quotidiano artesanal que vivemos ou estaremos perante um “romance de ideias” ou “romance de ideais”?

ASK NOT WHAT YOU CAN DO FOR YOUR COUNTRY, BUT WHAT YOUR COUNTRY CAN DO FOR YOU!

Ler este livro leva-nos a aprofundar a nossa compreensão sobre o sentido da vida, os desafios e angústias que nos atingem e como nos moldam as experiências de fracasso e de sucesso que vamos tendo nesse percurso sinuoso repleto de encruzilhadas nas quais vamos tendo de assumir, com maior ou menor consciência, decisões que marcam para sempre o nosso “destino”.

O PRIMEIRO-MINISTRO D E R ROTA D O

ASK NOT WHAT

YOU CAN DO

FOR YOUR COUNTRY,

BUT WHAT YOUR COUNTRY CAN DO

FOR YOU! O Primeiro Romance de Nuno Nogueira Prémio RH Revelação 2009


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O Primeiro-Ministro Derrotado Ask not what you can do for your country, but what your country can do for you!

Nuno Nogueira 2011


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FICHA TÉCNICA Editor: Vírgula (Chancela Sítio do Livro) Título: O Primeiro-Ministro Derrotado Autor: Nuno Nogueira Fotografia da capa: Ângela Sá Paginação gráfica: Antónia Lemos 1.ª Edição Lisboa, 2011 Impressão e acabamentos: Agapex Depósito Legal: 326795/11 ISBN: 978-989-8413-25-3 © Todos os Direitos Reservados Publicação e Comercialização Sítio do Livro, Lda. Lg. Macahdo de Assis, lote 2 - C 1700-116 Lisboa www.sitiodolivro.pt Do autor: www.nunonogueira.org


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A meus pais, pela sua infinita sabedoria e generosidade.

A Joana, por tornar a vida num sorriso.


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Livros são papéis pintados com tinta. Fernando Pessoa


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Ao passar dos dias

Muitas vezes interrogo-me se estarei a tirar o máximo partido da minha vida. Questiono a razão de ser da minha existência, em particular, de viver neste preciso momento e nesta exacta dimensão temporal. Ter a oportunidade de ler este livro constituiu uma agradável surpresa. Contagiou a minha alma atingindo o âmago das minhas angústias circunstanciais. Lê-lo, levou-me a reflectir quanto ao modo como tenho encarado a vida e as pequenas decisões com as quais somos, diariamente, confrontados. Detalhes que, a cada passo, podem mudar radicalmente o nosso percurso. Os momentos da vida, tal como os pensamentos escritos neste livro, não são perfeitos em todas as suas dimensões e vivê-los mais descontraída e relaxadamente, constituirá, desde que li estas memórias, uma nova exigência na minha vida pessoal e profissional. Este livro tinha de existir. Fez-me pensar.

Teresa Mota, Empresária

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Prefácio

A condição da existência humana é uma expressão da sua capacidade de sobrevivência e de competitividade num contexto cada vez mais exigente de sustentabilidade e durabilidade das relações que estabelecemos entre nós. Construímos o nosso caminho paulatinamente, começando por ouvir, estabelecendo pontes de diálogo e entendimento com os outros e desenhando ideias e ideais que procuramos pôr em prática, dando sentido à nossa vida. Ler este livro leva-nos a aprofundar a nossa compreensão sobre o sentido da vida, os desafios e angústias que nos atingem e como nos moldam as experiências de fracasso e de sucesso que vamos tendo nesse percurso sinuoso repleto de encruzilhadas nas quais vamos assumindo, com maior ou menor consciência, decisões que marcam para sempre o nosso “destino”. Tratar-se-á de um simples romance no qual são abordadas pequenas estórias do quotidiano artesanal que vivemos ou estaremos perante um “romance de ideias” ou “romance de ideais”? O leitor decidirá à medida que for saboreando cada palavra escrita e encontrando nela algo mais do que o seu mero sentido expresso e se reencontrar, ainda que metaforicamente, com a sua própria existência ou, eventualmente, desinteressar-se rapidamente, pela descoberta que timidamente, vai fazendo das várias personagens.

Marisa Ferreira, Abril de 2011

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Desculpa peรงo eu pela intromissรฃo.


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Experiencio hoje o Outono da vida intensa que vivi e, agora que escrevo sobre esses tempos idos, dou-me conta do quanto ficou por fazer, por dizer, por escrever ou por pintar, e da crua verdade do que sempre me iam dizendo: “que o tempo vai passando, vai correndo, sem que disso nos lembremos”. Se o leitor tiver já percorrido caminhos parecidos, terá idêntica sensação e partilhará das angústias que hoje verdadeiramente sinto. Se, no entanto, nos dias que hoje partilhamos, florescerem ainda na sua vida as primeiras folhas das árvores que enobrecem o parque da sua cidade ou colher os frutos da laranjeira plantada no seu jardim, folheará com desdém o livro que agora segura, murmurando para consigo, tal como segredam às areias, as ondas do mar, que o seu tempo estará ainda para vir, que muito terá ainda para pintar. Mas, se me permitir a intromissão nos seus já livres e dispersos pensamentos sobre o muito que ainda irá fazer, permita-me que o questione quando foi a última vez que reflectiu sobre o que já fez?

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Longe de mim querer tirar-lhe esse infinito prazer e deleite que os sonhos nos provocam, mas diga-me – quando o fez? E parou, mesmo, no tempo e no espaço, reflectindo? Sim… Sei que é um luxo no tempos que correm. Mas não me dê desculpas. Desculpa peço eu pela intromissão. Ter essa oportunidade nos dias de hoje tem-se tornado um privilégio. Um raro privilégio, ter alguns minutos só nossos para parar e reflectir – como tem sido a nossa vida, como temos vivido? Pensar seriamente sobre o caminho que vamos trilhando na nossa demanda pelos objectivos que procuramos alcançar é, hoje em dia, concordará o leitor, praticamente um luxo. Embora um luxo, uma necessidade básica e indispensável. Quase primitiva. Pense num filme que gostasse de ver e vá ao cinema. Passeie um pouco pela praia ou pelo campo. Viaje. Escreva. Desenhe. Tenha filhos. Ande de bicicleta no parque. Brinque com os seus filhos. Ao fim e ao cabo, pense bem no que tem feito por si. Pense bem no tempo de vida que temos e na forma como esse tempo pode acabar quase instantaneamente, de um momento para o outro. Nessa altura, concluiremos certamente que teria valido a pena pensar em tudo isso mais cedo, antes que se tornasse irremediavelmente tardia tal reflexão. 20


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Sorrio ao sentir que perdi os primeiros leitores ao lerem estes primeiros e difusos pensamentos quase paternalistas. Provavelmente, neste momento, devolvem à procedência, o livro que agora folheiam, a uma remota e obscura prateleira na livraria. Alguns outros – mais resistentes, talvez porque se encontram vagabundos de tempo, entre biscoitos e chá inglês – recostam-se na poltrona e, a cada suspiro de frustração que cada palavra lida lhes origina, vão se aguentando. Não vos quero perder a todos. Pelo menos, para já. Até porque, não raras vezes, nos questionamos se os caminhos que trilhamos nas nossas vidas terão sido previamente rabiscados caoticamente num caderno de apontamentos de ideias soltas de um Imaginativo Stylist ou desenhados numa das muitas folhas brancas de um bloco de papel vegetal de um Grande Arquitecto, sendo inúteis os prévios considerandos, se esta última visão for a sua. Amiúde, vêm-me ainda à memória as recordações, já breves mas marcadas, da concepção muito própria que a Luísa tinha sobre estas insignificâncias filosóficas da vida sobre as quais sempre recaíam as nossas conversas de fim de noite, quando nos juntávamos em tertúlia, entre amigos, na esplanada do Piolho.

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Dizia ela que a vida era uma sucessão de post-its que íamos escrevinhando e vivendo, por vezes guardando, por vezes reciclando, por vezes apagando definitivamente da memória. A cada dia, novos rascunhos de ideias, novas lembranças de amores e desamores, novas imagens e tendências, novos desafios e aventuras, amizades e sensações. Hoje é difícil de imaginar mas os post-its eram ainda uma novidade nos tempos das nossas tertúlias universitárias e a eles recorríamos, metaforicamente, com frequência, nas nossas divagações mais filosóficas sobre o existencialismo da vida ou, já agora, e a ser honesto, sobre qualquer outro tema que se entretelasse entre meia dúzia de copos. Sempre achámos que a Luísa era demasiado visionária e «muito à frente» tinha sempre algo de radicalmente diferente para partilhar connosco, a cada noite – ora um namorado novo cuja vida era, no mínimo, «muito alternativa», ora uma viagem que de súbito tinha concretizado aos confins da Indochina, ao estilo backpack, como hoje se diz, ou – ainda me lembro… – daquele dia em que nos surpreendeu com um telefonema da esquadra pedindo para lhe levar «agasalhos para a noite». Tenho saudades da Luísa. Sabíamos que a iríamos perder.

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É inevitável perdermos das nossas vidas comuns essas personagens que estão para além da nossa própria compreensão. Provavelmente, para além da sua própria compreensão. E a quem, com ou sem post-its, com mais ou menos desenho técnico, com maiores ou menores rabiscos, a vida ou o destino lhes reserva lugares especiais. Pouco tempo depois, tinha acabado o curso, ainda soubemos que chegou à magistratura, falámos de novo num casamento – já não me lembro bem qual - e… pouco mais. Um velho amigo, desses tempos, encontrou-a fortuitamente no aeroporto de Viena há dois anos e soube que é hoje assessora jurídica de um magnata do petróleo saudita. Reagi, com satisfação: «Só podia!»

Esta não é por isso uma história sobre a Luísa, embora muitas tivesse para contar da nossa vida em comum na faculdade. Mas a imagem que dela guardo acompanha-me sempre que escrevo algumas das melhores memórias desse tempo e, de algum modo, esse seu olhar sobre o destino ou a vida que escolhemos ou não viver, adequa-se à história que, por ora, quero convosco partilhar.

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Eu serei, a exemplo de alguns dos leitores, dos que crê que as nossas escolhas são os traços da nossa vida, pelo que me é sempre muito difícil partilhar do entusiasmo dos que lêem o seu destino nas cartas, nas estrelas ou mesmo na pauta de uma composição musical já escrita.

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Éramos grandes amigos.


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As diferenças que derivam das experiências, da personalidade e dos pensamentos únicos de cada um de nós levam a que a nossa sociedade seja pluralista, multicultural e diversificada. Uma imensa palete colorida de cores infinitas, sem princípio nem fim, que deslumbra alguns e atormenta outros. Cada um de nós tem uma opinião muito própria quanto à forma como a vida deve ser gozada, como a nossa existência deve ser vivida e como os nossos pensamentos devem ser partilhados. Mas se todas essas nossas diferenças nos levam a sonhar ser possível um mundo de ideais partilhados, de debates profícuos, de estimulantes trocas de pensamentos, por mais simples que seja o tema de conversa e de, juntos, fazermos das diferenças motivo de união e proximidade, não deixará de ser também verdade que tais diferenças são inúmeras e inócuas vezes, fontes de extremismo e radicalismo que a todos afecta. De alguma maneira, poderíamos até dizer que, ao longo dos últimos anos, grande parte das energias mundiais foram desperdiçadas em inconsequentes acções unilaterais e isoladas sobre os grandes desafios civilizacionais bem como de imobilismos atrozes perante atrocidades inqualificáveis e, pensaríamos, inimagináveis pela mente humana.

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Se, para mim e para si, podemos estar perante preocupações comuns que nos afligem ou nos mobilizam ocasionalmente, mas que não definem nem determinam o nosso percurso de vida, já o mesmo não se poderá dizer do Miguel. Ou o Ferreira, como a maior parte dos nossos amigos o chamavam. Entre nós era maior a proximidade ou não fôssemos enfant terribles da creche, de onde já nos conhecíamos. Éramos por isso próximos, muito próximos e, quanto mais não fosse por isso, para mim sempre foi o Miguel, o combatente idealista que se revoltava todas as noites por preferirmos a discussão nocturna, entre copos, dos males da faculdade e da vida, em vez do combate feroz nas ruas contra, dizia ele: «a reacção». Para outros, no entanto, o Ferreira era um perigoso anarquista, comunista, esquerdista, que escrevia barbaridades intraduzíveis em folhetos alternativos que circulavam no campus e que incitava motins e violência. Talvez sim. Talvez isso justifique as inúmeras vezes que o defendi, ora para evitar a sua expulsão da faculdade, ora para lhe garantir, aqui e ali, uma ou outra pena suspensa. Enfim…Acabei por não me livrar da fama de ajudar um arruaceiro, como diziam os meus pais ou, preferindo essa versão, de ser um amigalhaço, um

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amigo com quem se podia sempre contar, mesmo nas horas mais amargas ou difíceis das suas vidas. Talvez fossem os seus olhos azuis enormes, por vezes inquisitivos e intimidadores, outras vezes brilhantes, a cada defesa entusiasmada dos seus ideais. Talvez fosse o seu corpo franzino que, aparentando fragilidade, se agigantava pela sua inabalável fé nos princípios que apregoava. Talvez fosse tudo ou fosse nada, mas eu gostava do Miguel, da sua energia, da forma quase irresponsável como acreditava na possibilidade de mudar o mundo. Éramos grandes amigos. Tenho bem presente a sua famosa «teoria da energia alternativa», que nos fazia quase todas as noites rir e corar, sempre que falava de questões, ainda hoje actuais – talvez ainda mais do que naquela época – como o terrorismo e a defesa do ambiente. Defendeu-a então num longo artigo publicado no jornal da faculdade, valendo-lhe rasgados elogios do então presidente da associação de estudantes – eleito pouco antes com o apoio de uma força política de esquerda – e, de muitos outros, o primeiro título de reaccionário.

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Segundo ele, quer quanto ao terrorismo, quer quanto à defesa do ambiente, os problemas seriam muito menores e mais facilmente atalhados caso as energias múltiplas e dispersas que são aplicadas em esforços inconsequentes se concentrassem, não nos motivos e razões do que nos separam mas sim, na forma como nos podemos entender quanto a um problema que nos seja comum e sobre o qual possam existir bases mútuas de compreensão. No essencial, a existir uma única energia social que se focasse não nas diferenças entre maneiras de viver e de estar mas sim no que, em acordo, se poderia fazer, toda a existência humana seria bem mais rica intelectual e culturalmente. Teremos que reconhecer que se tratava de uma visão ingénua de uma ideia do mundo e da humanidade que está longe de estar próxima da realidade. Mas era ainda jovem. Muito. E essa sua inconsequência inocente é que lhe concedia e lhe retirava, simultaneamente, o charme próprio dos idealistas. É claro que, não lhe servia este argumento para questionar as enormes vantagens do debate, da simples e pura discussão de ideias, por vezes quase física. Mas assentava-lhe como uma luva para conseguir demonstrar que a inacção que geralmente se segue a tais discussões provoca o esvaziamento de todas as energias que se concentraram no processo. 32


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Se toda essa energia dispendida na discussão fosse, pelo menos em parte, aplicada em iniciativas que permitissem evitar, eliminar ou pelo menos minorar as causas do problema que suscita o abismo de perspectivas, por certo que seríamos todos bem mais socialmente inteligentes. Não havendo maldade nesta teoria, mesmo para mim que estava longe do seu espírito ideólogo e com o qual não tinha mais do que amizade que remontava a tempos pueris, não me era difícil concordar com essa perspectiva, sendo certo, todavia, que não raras vezes lhe questionávamos qual o sentido prático daquelas suas palavras escritas e ditas. Olhando-nos fixamente, encolhia os ombros, tombava a cabeça em sinal de descontentamento e gritava-nos: – Digam-me vocês qual o sentido prático destas vossas tertúlias inconsequentes, símbolo da inércia burguesa! O silêncio profundo que se instalava só era rompido com barulhentas gargalhadas de todos – Miguel, incluído - regadas com mais alguns copos e acompanhados com umas moelas bem picantes que a Dona Francisca nos fazia várias noites.

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Não posso todavia ignorar o quanto teria sido útil rirmos um pouco menos e atendermos um pouco mais às preocupações do Ferreira, ainda que ingenuamente apresentadas. Hoje mesmo, vivemos todos os dias os efeitos nefastos dessa mentalidade de rotura que nos impede de atingir a normalidade de soluções de compromisso, fruto de um imobilismo assustador que, de forma metafórica mas bem real, reflecte o dispêndio de energias nacionais nos problemas e nas suas consequências e não nas suas causas e possíveis soluções. Tal como um navio que outrora flutuando em águas internacionais, imóvel, impedido de se mover fosse em frente ou para trás, penso muitas vezes em como Portugal foi tomado por uma imagem reflectida dessa embarcação, jazendo na Europa, imóvel, sem rumo, degradando-se progressivamente.

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Morro e deixo cá ficar tudo... Ninguém vai querer saber.


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Outra das frequentes preocupações do Ferreira era a Dona Francisca. De perfil imponente, marcante, afável, de olhos pequeninos e curiosos, era a nossa segunda mãe nas noites mais longas, já depois do primeiro café e às vezes, pela alta madrugada, depois do circuito dos bares, dos «príncipes» e das «imperiais». Aliás, a tasquinha da Dona Francisca fechava muito antes de, em muitos dias, aparecermos para a visitar – era como se fossemos a sua única família – éramos os seus filhos e connosco partilhava os seus conselhos, as suas angústias, os seus desafios e as suas imensas experiências de vida. É claro que para o Miguel, a Dona Francisca era a sua oportunidade para nos falar, ao vivo, da classe operária e do proletariado. Na verdade, temos de reconhecer que é difícil imaginar como muitas famílias em Portugal vivem de forma digna e aceitável quando os seus rendimentos são manifestamente reduzidos vivendo de parcas e ínfimas reformas ou salários inexplicavelmente baixos que não justificam ou valorizam as suas muitas horas de trabalho. É claro que muitas vezes ficamos perplexos quando vemos famílias não só conseguirem sobreviver como conseguirem um nível de vida minima-

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mente aceitável, porventura razoável, até para quem tem muitas vezes dois ou mais filhos. Esse era o caso da Dona Francisca. Habitava um lúgubre mas honroso prédio de dois andares e loja no centro histórico do Porto que a sua família herdara séculos antes. Pela minúscula janela do seu quarto se abeirava para escrutinar a azáfama da cidade e, no outro «quartito» – como lhe chamava – dormitávamos nós, sempre que sucedia uma noite de S. João mais bebida. Com quatro filhos espalhados pelo mundo, vivia como podia com as saudades que a vida lhe emprestou pela imperativa necessidade de deixar partir os frutos do seu primeiro e segundo casamentos – «riqueza não é rendimento, meu filho», dizia-me ela muitas vezes, lembrando que ali, naquele prédio que eu cobiçava, ingénua e arrogantemente para «com umas boas obras, ficar um mimo», tinham vivido todos os seus antepassados, mal podendo mantê-lo, agora já «prédio velho», com os cobres cobrados na secular tasquinha. Era me difícil imaginar conseguir viver com e sem filhos, com e sem netos – tê-los mas não vê-los – saber que eles existem, mas sem os ter no quotidiano, no dia-a-dia – de algum modo, imaginá-los vivos mas não ter disso a certeza – «ouvindo apenas rumores do Brasil ou do Canadá ou das Amé-

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ricas», como dizia a Dona Francisca. Não poderia por isso pensar que essa nua e crua realidade da sua vida familiar se tornaria tão próxima no meu futuro e parte integrante da minha rotina diária alguns anos depois. De qualquer modo, não era só da tasca que o prédio vivia. De quando em vez, o quartinho pequeno era alugado, sem renda e sem período fixos, mais ou menos «tudo incluído, incluindo a janta?» - perguntavam às vezes uns pobres solitários que vagueavam pela rua desejosos de um banho frio retemperador e lençóis lavados aos quais as esmolas de uma semana pudessem dar cobro. E, noutras vezes, enquanto o Ferreira descontava a sua raiva na «burguês vida que essa gentalha aí leva...» - à qual, aliás, ele pertencia – e nós jogávamos uma sueca entre mais uns «finos bem servidos», a Dona Francisca rendilhava «uns paninhos para os levar ali à Senhora Fernanda, que os dará bom uso na sua lojinha…». Era a Teoria do Biscate. «O segredo está nestes biscatezinhos que vou fazendo meus filhos» - dizia-nos ela, num misto de orgulho e amargura, como se algures no tempo tivesse desejado para si uma outra vida e, simultaneamente, revelasse no seu olhar profundo o orgulho de ter conseguido manter o prédio de família, embora antecipasse inglório o esforço de toda uma vida.

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«Morro e deixo cá ficar tudo… Ninguém vai querer saber…» E assim foi. A última vez que passei pela defunta tasca - por aquele lúgubre mas feliz lugar que transformava o fado da nossa vida em revigorantes e apaixonadas subversões – era uma destas novas lojas de produtos asiáticos vendidos a meia dúzia de tostões e o prédio - esse – apenas uma parte de um outro, agora novo, bem maior, com apartamentos para a classe média – «para burgueses», como diria o Ferreira. Um dos velhos vizinhos, sentando num banquinho de madeira maduro tinto olhando-me e vislumbrando-me certamente amargurado com o vulgar destino do lote, confidenciou-me – «Vendido pelos herdeiros… Nem cá puseram os pés…» - e, juntos, mudos, olhando no horizonte longínquo, reclamámos da alma a ingratidão própria da vida (ou do destino, decidirá o leitor). Nunca me perdoei por ter esquecido a Dona Francisca quando me mudei para Sul e não a ter acompanhado nos seus últimos dias. Outras tasquinhas vieram, outros lugares marcantes apareceram, mas nunca outra Dona Francisca – o seu sorriso, o seu olhar ingénuo, a sua vida simples e sóbria

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– a sua maternal presença que nos ajudou a viver a solidão da noite. Tanto disse que queria viver naquele prédio. Fazer obras, pintá-lo, arranjálo, transformá-lo numa pequenina residência acolhedora, onde receberia todos os meus amigos, do passado e do futuro, da Primavera ao Inverno. De algum modo via-me ali a morar permanentemente ou, pelo menos, recordar, em dias prolongados de férias, as muitas noites de tertúlias, de copos e de amizades ali construídas. Enfim, tantas coisas que dizemos que queremos ou que faremos e que se perdem pelos tempos, ora por, involuntariamente, a vida nos conduzir a outros caminhos, ora por evitarmos propositadamente concretizar esses planos pré-definidos para que não tenhamos de recordar memórias que desejamos também que se percam. É claro que o leitor pode sugerir que compre um apartamento no exacto lugar, que procure refazer ali um pequeno pedaço dessas minhas memórias. Mas o leitor sabe, tão bem como eu, que os cheiros não se recriam, que as pessoas não são as mesmas, que o futuro que desenhámos em tempos idos - ainda que em toscos rabiscos - já é passado, ou já não o é sequer. Da mesma forma que não chegaram a ser os sonhos que Dona Francisca tinha para si e para a sua família naquela casa. Outros sonhos se desenharam e são agora – realizados ou não – do mando de quem os vive. E, afinal, de que adiantaram os pequenos “biscates” que iam compondo o pé-de-meia da nossa terna companhia das madrugadas de copos nas noites 43


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de boémia na Invicta Cidade? Talvez pouco. Talvez muito. Talvez, ao fim e ao cabo, os seus outros afazeres eram-lhe mais úteis do que meras fontes adicionais de rendimento extra – ocupavam-lhe o dia, o pensamento, as mãos – deixavam-na viva ao longo daqueles anos, desejosa de os prolongar tanto quanto pudesse, esperando… esperando…esperando… pelo regresso nunca concretizado dos seus filhos algures vivendo pelo mundo. Talvez compondo o seu dia e a sua azáfama diária, num certo modo de vida, numa certa forma de viver, o que a vida ainda lhe permitia, mantendo um quieto lume brando de chama nos seus sonhos que a aquecia nas noites frias e solitárias. Para muitos de nós, no entanto, o "biscate" - expediente por de mais conhecido e integrado no dia-a-dia dos portugueses - é o segredo para manter uma mínima dignidade de vida. Um extra, de uma ocupação ou duas, de um ou outro trabalho que permite acrescentar um lombo ao magro salário e que nos ajuda a viver um pouco melhor. De algum modo poderíamos dizer que esta teoria do biscate evidencia a capacidade de desenrasque bem própria dos portugueses, reveladora do seu espírito combativo de lutar por uma vida melhor.

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O Ferreira explicaria melhor no seu contexto do explorado proletariado, mas, actualmente, não me parece que o biscate esteja limitado às famílias de fracos recursos ou de vida miserável. Também a classe média – se é que ainda existe - esforça-se por dispor de fontes de rendimento adicionais que ajudem a compor o cabaz final lá de casa, especialmente, com filhos para criar ou vícios para sustentar. É claro que sempre que esta prestação de serviços ocorre sem relação contratual ou qualquer outra formalidade, passando muitas vezes à margem de qualquer legalidade, não só constitui um desvio à solidariedade social entre cidadãos para a administração da «cousa comum» mas também um pernicioso defeito de sistema que afecta, grandemente, outros prestadores de serviços e, consequentemente, a devida concorrência saudável que a todos beneficiaria. Imagine, por exemplo, que querendo efectuar alterações eléctricas na sua casa optaria por um biscate em detrimento da contratação de uma empresa ou técnico credenciado e estabelecido para o efeito. Poderia recorrer a um familiar ou amigo.

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Concordaria que no micro cosmo da nossa realidade essas opções parecem-nos simples e óbvias e que ajudar o familiar ou o amigo a compor a sua vida deveria até ser visto como um modo de retribuirmos social e directamente sobre o meio em que vivemos. É claro que somos os mesmos que depois reclamará por melhores condições e salários para os profissionais que trabalham em cada uma dessas pequenas e micro empresas que poderão concorrer com o seu familiar ou amigo, especialmente se um outro elo próximo da nossa cadeia de relações for, afinal, um dos muitos trabalhadores das muitas microempresas que sobrevivem nesse competitivo mercado. Dirá o leitor, como diria, então, o Ferreira: «Já estamos a desconversar.» E sempre que desconversávamos, o Diogo rematava a conversa com algo ao qual nem o Miguel conseguia responder, afundando-se na cadeira, encolhendo os ombros em sinal de indiferença: «Ferreira, a Terra é ou não é redonda? Se é, vai dar sempre tudo ao mesmo.» Sem dúvida Diogo. Sem dúvida. Penso.

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