Encontro no Caminho da Vida

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E é desse projeto a que vinha Que zeloso, a ordem nos deixou, De negar-se a si, como ensinou, E tomar a sua cruz como convinha. C

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E ao cortejo que então formou, Amando e servindo, como viu fazer, “a sua Igreja” ele lhe chamou.

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E de tal forma o “segue-Me” me tocou Que, perante esta imagem, ouso dizer Que o homem em Cristo se moldou.

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A. Vasconcelos Costa

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Afoito e decidido Ele caminha Na senda bem penosa que pisou Por puro amor aos homens ensinou O projeto do Pai que p´ra nós tinha.

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FICHA TÉCNICA EDIÇÃO:

Edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro) Encontro no Caminho da Vida AUTOR: A. Vasconcelos Costa TÍTULO:

CAPA:

Ângela Espinha Alda Teixeira

PAGINAÇÃO:

1.ª Edição Lisboa, Março 2018 ISBN:

978-989-8867-27-8 DEPÓSITO LEGAL: 435981/18 © A. VASCONCELOS COSTA

PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

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Faz-te ao largo De dentro, vem a voz que me convida A ser fiel a Deus no doce mando E velas enfunar ao sopro brando Do seu Sagrado Espírito que é vida Ao largo me fazendo vou rumando Seguindo sem apegos à partida Largando lastros da mundana vida, De Deus a força do amor tomando E seja o mar encapelado ou brando Enfurecido o vento, ou mal sentida A brisa que na vela vai soprando Ao largo faço o barco, nesta vida, Porque, se duro é ficar vogando, É repousante Deus, nossa guarida. Diácono A. Vasconcelos Costa

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INTRODUÇÃO Caros leitores: Filhos de um Deus “louco de amor” que se compraz em “descer” da Sua eterna glória e fazer-se caminho de novidade, (um connosco, na humanidade que somos e Ele assumiu), que nos qualifica como participantes da divindade que era e é, eternamente d’Ele, “reassumida” na ressureição; (dizia): acolhamos o desafio de que, pelos meios que consigamos imaginar, procuremos fazer com que a vinda de PEDRO do nosso tempo, (Bento XVI) não tenha sido – como já é para a comunicação social – um acontecimento do passado (embora recente), mas sim um abrir de fronteiras para um futuro que começou com o seu embarque no avião para vir até Portugal e que deixou, bem fundas, raizes entre nós, para que, com a nossa força milenar de anunciadores da Boa-Nova, esse futuro comece a acontecer a partir de nós e a tempo breve, porque (no dizer do próprio Papa), “já não temos tempo para perder tempo”. É esta a leitura resumida que faço deste dom de Deus, para nós, para a Europa e para o mundo, destes novos tempos que ficaram inaugurados com a catequese da Quarta-feira seguinte ao seu regresso.

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Aqueles que, de forma consagrada, estão no meio do povo por delegação do nosso pastor, o nosso Bispo, estão ao vosso serviço com as faculdades (e os limites) que o Espírito Santo usará como melhor convenha, para que as raizes aqui lançadas, bebam do humus (a nossa tensão adâmica) a seiva que fará florir para nós e para o mundo, a frondosa árvore do jardim celeste que acolhe pássaros de todas as espécies (usando a imagem sugerida por Jesus para equiparar ao Reino). Mãos à obra que o tempo urge!

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Zelo de Pastor Começo por trazer à colação uma reflexão sobre o cerne da evangelização: Tenho presente o que escrevi em 4 de Agosto de 1996, dia de S. João Maria Vianey – o Santo Cura d’Ars. “A um clero excessivamente preocupado com o saber sobre Deus, este Santo serve de exemplo e chamada de atenção”. Hoje, como na primeira Igreja, e no tempo de João Maria Vianey, o mundo, cansado de palavras, de discursos, de ideias e ideologias, procura vivência, sabedoria de Deus, que não é o mesmo que saber coisas sobre Deus. Um pouco na linha do que o Papa Francisco disse numa entrevista, falando de Maria: “Se queremos saber QUEM É MARIA, perguntemos aos teologos, mas se queremos saber COMO AMAR MARIA, perguntemos ao povo de Deus” e explica que “este povo, só o é verdadeiramente, na unidade eclesial”. Deixar o púlpito (profeticamente caído em desuso e entretanto substituido pela cátedra) e mergulhar no meio do mundo carente de um Deus vivo, comprometido com o homem e presente ao homem no mistério da encarnação, e dado ao homem no mistério da cruz, para que este se eleve até à vida, no mistério da ressurreição, é o movimento que se impõe. 11

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O segredo da missão que o ocidente tão bem captou, e Portugal de uma forma mais intensa, é este mergulhar no meio do mundo, fazendo da palavra vida e servindo a VIDA ao homem que Deus, por Jesus, quer atrair a si. João Maria Vianey, ao consagrar ao sacramento da reconciliação grande (a maior) parte do seu esforço pastoral, realizou obra de maior vulto do que se houvesse obtido douturamento em conceituadas faculdades. A custo foi ordenado, diz-nos a sua biografia, e, contudo, nada lhe faltou do conhecimento de Deus (que é relação de intimidade) para conseguir dá-l’O aos homens d’Ele carentes. O santo cura d’Ars poderia ter um déficit cultural sobre o saber coisas de Deus, mas conhecia Deus (no estrito senso da Sagrada Escritura) em cada momento da sua vida.

a) A preocupação das almas Como manifesta um sabor de conhecimento, aquele seu testemunho de que se encurtava o tempo e a distância, quando percorria caminhos longos para substituir párocos doentes, porque, durante o percurso, rezava. Vêm até nós doutores das mais diversas matérias teológicas, mas, bem raramente, nos cruzamos com almas que nos incendeiam para Cristo, por força da sua intimidade com Ele. Há uma identidade sacramental, sem dúvida, que nos permite ter Cristo oferecido ao Pai na ara da redenção, pela repetição 12

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(anamnese) e pelo poder atualizante (epiclese) do gesto de quinta-feira feira Santa. Mas a força deste mistério só se dinamiza nos iniciados no tempo longo da mistagogia. Hoje, porém, o tempo é outro; é o tempo de kerigma. É o tempo do ensinamento, da comunicação do mistério redentor de um Deus entregue aos homens por amor dos homens. A dificuldade que se nos depara é que este Deus não é um teórico e de discursos, antes, é um Deus de VIDA que só contagia e apaixona pela força de comunicação de UMA VIDA APAIXONADA E CONTAGIANTE.

b) O exemplo como força da missão Jesus não se comunica aos homens por discursos. Jesus não é uma lição, é um fogo, melhor dito, é uma pessoa ardendo de amor por aqueles a quem se quer comunicar. Quem muito sabe d’Ele, eleva-se a si mesmo quando fala d’Ele, mas quem foi incendiado (e arde) gera à sua volta o fogo inextinguível, no simples viver com os homens “assim o entendeu Moisés na experiência da sarça ardente, por isso voltou e se tornou condutor de um povo no caminho da libertação e, (acrescento agora), assim o entende o Papa Francisco”. Muitas santas coisas saboreei na minha ordenação diaconal; muitas delas revivi, ao rezar a liturgia da ordenação, ao rever a gravação, mas uma “educa constantemente o meu coração quando 13

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a relembro,” (com toda a carga que este termo EDUCAR tem na minha estrutura ética = dotar dos dados necessários para agir verdade humana e levar à sua realização): Do meu Bispo recebi O LIVRO DA VIDA e um PROGRAMA – crê no que lês; ensina o que crês; vive o que ensinas. O MUNDO ESTÁ VAZIO DE DEUS, porque ensinámos e celebrámos mas não vivemos e foi, seguramente para este ensinamento vivencial (com a vida) que Jesus nos enviou em missão: Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei convosco até ao fim dos tempos; Mas, ensinar o quê? Pois, evidentemente, a VIVER TUDO O QUE VOS MANDEI (e eu acrescento, porque Jesus o pressupunha) pelo exemplo. Neste dia 4 de Agosto de 1996, peço ao Senhor da vinha, por intermédio de S. João Maria Vianey, que eduque os corações de todos os pastores, para que falem mais com a vida no meio dos homens, do que com a BOCA, ou A PENA.

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Fundamentos da Pastoral Porque a questão se põe no “como” e no “quê”, pareceu-me oportuno começar por evocar o que na cadeira de teologia pastoral, aprendi a partir da sebenta da cadeira, e com as conclusões oferecidas pelos nossos Bispos, na relação final do Sínodo, que serviu de referência numa dissertação que dirigi ao colégio de diáconos. (Curso de educadores da Fé – Redentoristas 1982) No batismo o cristão recebe a missão histórica de Jesus Cristo, que é desenvolvida na inserção comunitária, no corpo total deste mesmo Cristo, que é a Igreja. A nossa filiação divina em Jesus Cristo, operada pelo Espírito Santo “POR ELE, COM ELE E NELE”, não é uma consequência passiva, como marca indelevel, (que de facto é) e incondicional, (o que não é verdade), pois se trata de um compromisso ativo a satisfazer na história. Jesus Cristo é o Logos Eterno de Deus agindo na história, na realidade plena de Jesus de Nazaré, como início de uma ação até ao fim dos tempos, pela mesma via de encarnação no humano, nos homens que aceitam essa missão e aderem ao estilo de vida divina de COMUNHÃO AGÁPICO-ESPIRITUAL. 15

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Esta comunhão agápico-espiritual é a essência da Igreja e a ação de Cristo continua-se nela através dos cristãos que vão ser – nessa unidade – o mesmo Cristo, a agir na realidade temporal do hoje. A Igreja não poderá ser o sinal (sacramento) de Cristo a agir no real histórico de cada tempo se não continuar a praxis vivencial do mesmo Cristo no AGORA concreto dos homens. A esta ação prática da Igreja, explicitando a fé no enquadramento social que lhe é imposto, chamamos AÇÃO PASTORAL. É através dessa ação pastoral que a Igreja – PRESENÇA FÍSICA DO PRÓPRIO CRISTO NO MEIO DOS HOMENS – pela ação do Espirito Santo, eleva e unifica com Deus, os homens e, com eles, todas as coisas. Nesta ação exercida através das dinâmicas do PROFETISMO, SACERDÓCIO E REALEZA de Cristo, das quais participa, em unidade com Ele – CABEÇA –, a Igreja anuncia, celebra e serve a comunhão dos crentes unidos ao seu SENHOR.

a) Como, quem, a quem, qual Impõe-se discernir o que deve ser a Igreja, em função da revelação, para saber não só o COMO realizar essa ação, mas o QUEM, o A QUEM e QUAL. É da dinâmica do povo eleito, em si mesmo mediador para os outros povos até aos confins da terra, da palavra, da liturgia e da salvação reveladas, que se colhe a certeza de que a Igreja é um todo

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indivisível, indissociavel da responsabilidade pastoral que sobre todos impende. Claro que esta ação só é possível sob a moção do Espírito Santo que, a cada qual, empenha nessa ação com as virtudes específicas que mais convêm à unidade e à capacidade pessoal. Daqui se infere que, em termos de serviço, não cumpre tudo a todos, mas antes, a cada qual uma parte complementar das parcelas que outros desempenhem, para execução plena da ação total de Cristo. É o mesmo que dizer que todos são responsáveis e agentes de pastoral e o Espírito Santo, no específico das capacidades de cada um, os potencia para a eficácia do próprio Cristo. Esta ação deve, por isso, ser entendida como um direito e um dever próprios e não como cooperação no cumprimento do dever de outrem, como, por exemplo, o pároco.

b) A Sociedade e a mensagem Esta ação tem condicionantes que lhe são impostas pelos próprios contextos sociais e, por isso, não se descobre como possa vir a ser realizada a missão da Igreja, sem que antes se tenha auscultado a realidade em que vai ser agida essa missão. Os dados novos que levam quer agentes quer destinatários da pastoral, a moldar o comportamento, a mentalidade, as reações, os anseios, a recetividade à BOA NOVA da SALVAÇÃO EM JESUS

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CRISTO, são factores que interessa ter em conta para que se possa exercer uma pastoral eficiente. Sem conhecer o concreto existencial em que se movem os destinatários da pastoral e os factores que lhes impoem mudanças estruturais profundas, não há hipótese de poder ser instrumento e sinal dessa salvação e, entender isto, é entender as dinâmicas profundas da própria encarnação. É fundamental esta atenção aos geo-destinatários da ação pastoral porque geograficamente vamos descobrir cenários tão diferentes, desde o ruralismo ao urbanismo, desde o meio agrícola ao industrial, desde o abandono de cada um à sua sorte até ao associativismo com o consequente sentimento de força e quase auto-suficiência, desde o analfabetismo à cultura generalizada, criando cada um destes quadros, novas e diversas exigências, a quem queira dialogar com eles ou veicular-lhes novas propostas de vida. Por esta ordem de razões, se o agente da pastoral não identifica e não se identifica coerentemente com os seus destinatários, quer no cariz específico, quer nas possibilidades, quer nos padrões de religiosidade ou de catolicidade, como expressão espontânea de um sentir congénito nesta matéria (religiosidade natural), não poderá fazer qualquer pastoral minimamente eficaz, com sentido de encarnação. É a antítese da alienação, tão frequente nesta busca de relação com o Salvador, desenquadrada das vicissitudes do dia a dia. Isto é dito quanto aos cuidados a ter em relação aos destinatários, mas há outra ordem de cuidados e esses dizem respeito ao tipo de Igreja que os próprios agentes de pastoral imaginam e procuram construir com a sua ação. 18

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c) Que Igreja A pronta condenação que emitimos perante a passividade de certos cristãos, não leva em conta que, geralmente, o seu erro está somente em serem coerentes com um conceito clericalista da Igreja que lhes foi transmitido. Dependendo, como ficou dito, a ação pastoral de um coerente e suficiente conhecimento da realidade e dos geo-destinatrários, (e insisto no específico GEO para que não percamos de vista a circunstância sociológica experienciavel em concretas latitudes e longitudes) desenvolve-se essa ação em parâmetros definidos pela natureza e fundamento teológico dessa mesma pastoral, por um lado, e, por outro, pela compreensão da Igreja e da sua ação. Desde que Deus permitiu ao homem dar-se conta deste diálogo ativo de salvação, esta salvação é anunciada e mediada na história por um povo e, dentro dele, para ele mesmo, por agentes específicos. Desde os profetas e sacerdotes aos reis, essa mediação vem sendo realizada na história na medida das possibilidades práticas concretas e continua, quando o Espírito errompe em ação concreta no humano, dinamizando essas linhas de uma tríplice ação que, assumidas por Jesus, surgem indissociáveis e complementares. Este tríplice ministério exerceu-o o Cristo histórico e exerce-o o Cristo total na Igreja (seu corpo) pela ação unificadora do Espírito Santo. Mas, como no povo eleito, os reis, sacerdotes e profetas eram mediadores apenas para o povo escolhido, da dinâmica e densi19

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dade da Boa Nova a acontecer, sendo o próprio povo o mediador dessa mesma salvação para os outros povos, assim também Jesus Cristo – CABEÇA – (rei, sacerdote e profeta por excelência) continua a mediar a salvação para o novo povo – O SEU CORPO – e este, unido em si mesmo e à cabeça, continua como o seu mestre e Senhor e com Ele, a agir essa BOA NOVA ANUNCIADA AOS POBRES. Com o exito da pastoral, na Igreja e, por ela, no mundo, o Verbo vai ganhando intensidade, profundidade e amplitude, por ação do Espírito Santo, continuando assim a realizar a encarnação. Em consonância com S. Paulo podemos dizer que, com a comunhão e a relativização da indivídualidade, diminui o homem e cresce Cristo – mistério em imparável evolução de encarnação e assunção do humano pelo divino.

d) O tempo e a Igreja Esta tríplice missão da Igreja (profetica, sacerdotal e real ou serva), missão pastoral, está esquematizada no mandamento: Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E, porque a ação pastoral se desenvolve no tempo, ao ritmo das condicionantes que este lhe fixa, vamos ver, ao longo dos séculos, a Igreja como que a mudar de rumo ou de ritmo, indubitavelmente por moção do Espirito Santo que a constroi e guia. 20

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Logo nos 3 primeiros séculos, encontramos um acento todo especial no comunitário vivido e partilhado e a vida, crescendo e ganhando matizes de libertação e alegria interior a partir dessa comunhão eclesial: ERA A MATER ECLESIA A DAR A VIDA. Teodorico I, em 381, com a oficialização do cristianismo como religião do Império,, dá-lhe um cunho jurídico ou legalista e esvazia-o (pelo memos parcialmente) da atmosfera de fé dos primeiros séculos. Neste ambiente, a pastoral ganha uma tensão jurídica, (moral, e justiça) pois lhe cabe mais avaliar o grau de adesão já imposta por lei do que fomentá-la. Não era o CONVERTER que estava em causa, porque já se nascia e vivia cristão por razões de estado, mas apenas VELAR para que a vida não negasse a MARCA.pela ação de interventores carismáticos que D. José Traquina me salientou, como “S. Bento, S. Bernardo, S. Francisco, S. Domingos, S. Inácio de Loyola” e outros, pelas formas que o Espíto Santo lhes incutia, reconvocavam a igreja para caminhos de verdade evangélica. De um longo tempo em que bastavam umas tantas fórmulas, e um culto que se torna mais mistérico, para concretizar a ação pastoral face a esta acomodação às moções exteriores, se inicia um longo caminho com o monaquismo, o chamamento à oração e ao trabalho, a pobreza evangelica como padrão de vida (os mendicantes). Tudo isto foi necessário para que os concílios encontrassem as almas certas para lhes dar forma e conteudo. Quando uma nova reviravolta se dá na estrutura social e os geo-destinatários da ação pastoral se assumem como razão de ser das 21

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ações das estruturas, ressurge a pregação, sob a forma de proclamação e, ao mesmo tempo, surgem os primeiros resumos doutrinais. Tudo toma formas claras, elaboradas, codificadas e fecha-se a pastoral à evolução e à criatividade. Nos séculos seguintes, tudo se queda por aí. Procuram-se métodos de comunicação do que já está DEFINITIVAMENTE formulado. Esquece-se a BÍblia. Não é sem certa malícia que geralmente se faz esta constatação e, contudo deveriamos ter presente que, por essa altura, mormente nos séculos XVIII e XIX, a RAZÃO ganhou tais foros de cidade que se tornou a única soberana; o pensamento e todas as conclusões a que a mente chegava nas suas divagações exploratórias eram A LEI. A esta luz entenderemos como, a partir do fixismo tridentino e da restrição de acesso à Bíblia, se impediu a proliferação de caminhos de difícil retrocesso e nisso não será difícil presentir a força do Espírito Santo. Por este tempo a pastoral concentra-se no ensino da institucionalidade. A celebração da fé cede perante o dever. Faz-se a apologia da Igreja dispensadora de MEIOS DE SALVAÇÃO. Acolhidos como MÁGICOS.

e) Instituição e carisma No dealbar do século XX começa a manifestar-se a frustração gerada por sonhos, ideais e ideologias centrados no material, para que re-eclodisse a pneumatologia, o carisma, a celebração viven-

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cial da fé que culmina na liturgia e o primeiro grande passo é o VATICANO II. Desde então, ainda que a passos lentos, tudo se renova, de dentro para fora, do interior para a superfície. O homem deu-se verdadeiramente conta das condições novas que o mundo aporta à ação pastoral, deu-se conta da dignidade a que está chamado, voltou à fonte e a vida nova no Espírito Santo brota. É o tempo da reconciliação da revelação com a situação humana concreta, via única da incarnação. De tudo quanto se disse ficam algumas ideias a reclamar clarificação. Se o centro da pastoral, como agente e destinatário dela é o homem, tem que iluminar-se a pastoral no COMO e no PORQUÊ, a partir da complexidade do próprio homem. São aportações necessárias à eficácia da ação pastoral o estudo suficiente do CONTEXTO SOCIOLÓGICO que determina o tipo de orientação, o esquema de interações, do CONTEXTO PSICOLÓGICO que gradua a intensidade e finalidade da ação. Contudo, não parecem suficientes estes conhecimentos de dados exteriores relativos ao campo onde se vai agir a pastoral, pois que, sem cuidado AD INTRA no que respeita à organização dessa pastoral, tudo resultará infecundo ou deficiente. Uma linear preparação, desde a seleção de matérias à forma de as comunicar, desde a decisão do ritmo e cadência até ao grau de aprofundamento, são necessários, para que não seja mais negativo o estágio final do que o inicial.

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Se na pastoral a Igreja, pelos seus membros em unidade de ação, age a missão histórica de Cristo, dimensionada à esfera da própria humanidade, num universalismo de unidade de fim (católico), os frutos da ação pastoral têm que ser NOVOS CAMINHOS DE VIDA RUMO À SALVAÇÃO ESCATOLÓGICA. Isto não se obtem sem prévio conhecimento do ESTÁGIO REAL HOJE, do FIM ÚLTIMO A ATINGIR, das ETAPAS A PERCORRER e das INTERIORIZAÇÕES A OBTER, passando, por conseguinte, pela PREPARAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, PRAXIS COORDENADA e CONTROLO da ação pastoral, mantendo sempre bem presente que por sobre todas estas condicionantes prevalece o intrinseco caracter sacramental, que é, recordêmo-lo, TUDO REALIZAR NA PESSOA DE CRISTO SALVADOR, PRESENTE E ATIVO NA HISTÓRIA. Atentos aos homens concretos, os agentes da pastoral estarão igualmente, digo até, mais ainda, atentos a Deus, de quem emana e ao qual se destina toda a ação. Não iluda o agente por razão nenhuma a fonte e primordial agente, no qual se pode executar com exito, que é o próprio Senhor do homem, da vida e da história: Jesus Cristo ressuscitado de quem a Igreja é SINAL VISÍVEL. Eis porque a ação pastoral não pode ignorar o caracter de DOM DE DEUS (teocêntrica), a certeza da ação de Cristo (cristocentrica) a expressão da eficácia no Espírito (pneumatológica), a dinâmica de sinal eficaz da ação de Deus na história (sacramental) e, por tudo isto, tornar-se sinal, fermento e concatenizador da UNIDADE UNIVERSAL EM DEUS TRINDADE (eclesial). Por outro lado, porque este Deus Trindade conduz o homem à aspiração máxima, por Ele gravada no coração do mesmo homem, 24

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a ação pastoral, sendo celebrativa da vida, melhor dizendo, da fé na vida, é pedagógica por excelência.

f) Um estito pedagógico A Seleção de um estilo pedagógico é um imperativo que emerge da sacramentalidade da pastoral, assim entendida porque manifesta, como nos sacramentos, o agir do próprio Cristo, nas expressões que Ele mesmo instituiu. A pedagogia pode analizar-se sob vários ângulos, havendo várias hipóteses de trabalho, no campo dos princípios, no campo dos valores e no campo das atitudes e assim, podemos fazer um discurso normativo (teleológico) valorizativo (axiológico) ou funcional (activo ou positivo). É neste último que brotam as maiores tensões, pois se destina a integrar a pessoa no contexto comunitário, salvando e exaltando a própria personalidade. A dinâmica pedagógica, porque incide mais, ora nos agentes, ora nos fins, ora nos instrumentos, ganha cambiantes que interessa discernir. Deverá ainda atender-se aos vários enquadramentos da pedagogia que, de um classismo fixista, se projeta hoje num humanismo prático tipo ambiental (pequenos grupos com identidade definida) ou tipo institucional (grandes grupos com identidade assumida). O mestre pelo mestre cede importância ao mestre pela matéria; o documento pelo documento cede importância ao documento pelo 25

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conteudo (DINÂMICA DE PEQUENOS GRUPOS) ou ao documento pela finalidade (DINÂMICA INSTITUCIONAL). Largando a proposta cega da verdade em termos absolutos, esta evolução serve melhor a verdade acessível ao homem hoje, sempre com a possibilidade de atualização ou correção perante dados novos, tendo sempre bem presente a identificação do objetivo único e comum para que o serviço que a ação pastoral realiza (como sinal e vivência da própria verdade de ser Igreja) não redunde em ações da Igreja ou em serviços da mesma. O homem rumo ao seu destino ÚNICO é o objetivo da ação da Igreja na história, por isso, sejam quais forem as vias, os modos, as formas e os ritmos que essa ação assuma, é sempre uma e única ação em curso, a ação da Igreja no mundo, diferente hoje da de ontem, porque sendo comum o fim, são diferentes – e em mudança permanente – os geo-destinatários e os agentes. A dinâmica de pequenos grupos condiciona indubitávelmente a formulação do documento mas nunca poderia condicionar a matéria desse documento. A verdade, o caminho e a vida admite todas as etapas desde que não se vede a progressão para novas etapas. Hoje esta certeza parece iludida com a preocupação de cativar o grupo na etapa em que se encontra, o que gera uma sobrevalorização estática da realidade concreta, por vezes longe até da verdade nas suas consequências últimas. O que se diz da dinâmica de grupos, se dirá, com mais equidade ainda, da dinâmica institucional.

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g) Esquemas pedagógicos Vejamos com discernimento crítico, os vários esquemas pedagógicos, desde a PEDAGOGIA CLÁSSICA à INSTITUCIONAL, como se deu um passo no bom sentido e outro menos coerente. Ao passar da pedagogia clássica para a chamada NOVA PEDAGOGIA, passou-se do teorismo para o personalismo didático; quando se passa desta para a pedagogia institucional, a razão de ser da ação pedagógica se centra em si mesma, prevalecendo o testemunho de si mesma em detrimento do testemunho do Salvador a agir no meio do seu povo. Não se pretende com este enfoque da pastoral, que continua o mesmo de todos os tempos da Igreja, que esta se divida em si mesma para se moldar às circunstâncias em função dos meios e possibilidades, mas que neles se insira para que, com mais eficácia, possa atingir o fim desejado pelo Redentor do mundo: ser caminho de salvação eterna (salvar almas, como então se dizia). É serviço a Deus e aos homens reconhecer que certas reflexões sobre a nova problemática de ser Igreja, no concreto existencial que a envolve, ao deixarem de exprimir claramente o fim último e inalienável da sua ação, talves porque satisfaz mais o exito imediato verificável, se perdem desse fim último que só Um julga, só Um avalia, só Um aquilata. Refletir a pastoral não pode quedar-se pelo rever de contextos e formas, mas, concomitantemente, amadurecer, interiorizar e levar para a vida o fim último da sua razão de ser.

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A ajuda ao homem histórico a crescer para o Senhor da história, a ajuda ao homem vivo a crescer para a vida, a ajuda ao homem em génese a crescer para o homem pleno, o homem – como diz uma profecia polaca – a justificar-se num tempo e num espaço concretos, a crescer para o homem justificado (e só Cristo justifica), essa ajuda, só a Igreja a viabiliza, pela adesão à vivência histórica de Cristo, potenciada pelo Espírito Santo. Em síntese digamos que a pastoral é a ação da Igreja, pela qual esta leva os homens ao fim do projeto de ser homem, através da história do tempo e do espaço, partindo da sua finitude e limitação rumo à transcendência.

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Eclesiologia Cristocêntrica Assim definidos esquematicamente os fins da pastoral e as condicionantes da mesma, importa, a um nível mais fundamentante, analisar algumas características dessa ação em ordem a um tipo ideal de Igreja, em cuja construção os agentes se vão empenhar, e o modo prático de agir. Há um princípio de base para discernir as coisas do Espírito que pode ser assim explicitado: A inspiração afere-se pela bondade relativa de todas as fases do esquema, porque só é moção do Espírito Santo aquilo que é bom no PRINCÍPIO, no MEIO e no FIM e gera unidade e paz. Só o que vem de Deus é bom e esta certeza arreda a falsidade de opções que pretendem justificar a validade dos meios pela bondade dos fins. Quando se diz, por exemplo, que o mestre cede à matéria, é sem dúvida bom, porque o valor e importância do que se ensina, se sobrepõe ao mestre em qualquer circunstância. Quando, porém, se fala na prevalência do contexto, ou da instituição sobre o documento acabamos por condicionar ou limitar a pessoa a essas realidades. 29

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Parece que o grupo ou a instituição se tornam a única finalidade do ser homem, como que recusando ao homem as hipóteses de sê-lo primeiro em si mesmo e, depois, por consequência da eficácia do grupo ou da instituição sê-lo ainda mais em si mesmo, tomando o grupo ou a instituição como meio ou instrumento e não como finalidade. O homem não é humano para ser grupo e, todavia, é grupo para ser mais humano; por outras palavras, o grupo e a instituição servem o homem na sua vocação à humano-divinização e jamais o inverso, ou seja, a humano-divinização para servir a instituição ou o grupo. Diria mesmo que a Igreja foi fundada por Jesus para que o homem fosse verdadeiramente homem (cf.Paulo VI em Fátima), pelo que devemos regeitar tudo quanto leve a pensar que o homem tenha sido criado para ser Igreja.

a) Pastoral na síntese da cristologia e eclesiologia Ao falar de pastoral e de Igreja, temos sempre que nos reportar à sua realidade íntima (ECLESIOLOGIA) sacramental mistérica (CRISTOLOGIA) e, porque mistérica, a consciência que dela venhamos a ter, será sempre discernida no Espírito Santo a partir de imagens da Sagrada Escritura. Essas Imagens não têm em todo o tempo, o mesmo sentido ou a mesma tensão revelacional pois, muitas delas, se reportam a realidades humanas que hoje pouco ou nada dizem ao homem.

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Desde EDIFÍCIO, CASA DE DEUS, REBANHO, VINHA, até CIDADE ou CORPO MÍSTICO, ou ainda SOCIEDADE PERFEITA e, mais recentemente COMUNHÃO DE PESSOAS ou POVO DE DEUS, exprimiu-se por estas imagens uma realidade única, com diversas características que, no seu tempo próprio, geravam empatia e compromisso. Daí, o devermos reconhecer que a actualidade da imagem tem a ver com a sensibilidade do homem a que a mesma se reporta em cada época, sendo imperfeita e insuficiente sempre, em relação à realidade íntima a que se refere. Mas, se por um lado, há imagens teológicas (colhidas diretamente da revelação), por outro, também (e hoje ainda mais), as imagens refletidas pelas próprias pessoas também devem ser tidas em consideração. Estas, têm a ver com a expetativa ou com a experiência prática colhida da vivência concreta de determinada Igreja. É de salientar que, muitas vezes, a imagem da Igreja experimentada e da Igreja desejada, não são desvinculadas uma da outra, porque se terá chegado à segunda a partir da refleção da primeira, um pouco pela função exercida pela própria Igreja ou pelo que dela manifestam para o exterior aqueles que ativamente se movimentam em nome e por causa dela. Muitas diferenças que hoje identificamos, têm a sua causa profunda nessas imagens induzidas, porque menos convidativas ao convívio do que aquelas que mais veículam um sentimento de grupo ou institucional. Pretende-se, com isto, afirmar que, se algumas imagens são negativas ou servem menos a edificação da Igreja, não resolve o 31

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deixar cair pura e simplesmente o recurso ao símbolo, porque sempre terá uma potencialidade fecunda no foro íntimo da pessoa. Sendo os símbolos elos de comunhão, mantendo toda a carga pessoal, transformam os horizontes, padronizam a perceção da realidade, consolidam a gradação de valores, reforçam um quadro de emoções, estimulam a vontade potenciando a inteligência. Mas, reconhecer a crise das imagens num tempo de mudança acelerada é, por igual, reconhecer a necessidade de novas reformulações, sempre a partir da experiência viva da fé e da Sagrada Escritura. Neste esforço, chegaremos a criar uma imagem tão sistemática e concreta que, na sua capacidade de expor globalmente o conhecimento adquirido e de orientar a investigação e aporfundamento, se torna MODELO. Este modelo, sendo, como a imagem, sempre insuficiente, poderá atingir uma tal amplitude de conceitos sintetizados que, pelo menos por algum tempo, seja aceite como a expressão de toda a realidade conhecida o que nos põe perante um PARADIGMA. Se a nível das simples imagens, a passagem de umas para outras se faz sem tensões, quando estas são assumidas como modelo e, mais ainda, como paradigma, verifica-se uma certa cristalização e sente-se relutância em abandoná-las, porque sugere o ruir de algo aparentemente imutavel. Da sociedade perfeita a corpo místico e povo de Deus, houve um tempo de reflexão teológica e poderemos afirmar que cada nova proposta esclarece e aprofunda a anterior, levando mais longe a possibilidade de intuir a perfeição. 32

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b) Discernimento conclusivo Ponderada a consciência de Igreja que os agentes da pastoral devem ter e irão testemunhar, ponderada a consciência de Igreja que vão encontrar e que vai, pela sua ação, sofrer correção e aprofundamento, tendo presente que a consciência de Igreja assenta na tradição, na experiência histórica e na evolução, os agentes têm que fazer opções e, quanto a estas, vão manobrar entre duas tensões: O ideal do DEVER SER que intuiram no modelo ou paradigma, vai ser apenas parcialmente possível por força do viável PODER SER. Assim tem sido em toda a história da Igreja. Não quer isto dizer que devamos tomar como ótimo ou como meta apenas o que se enquadre no campo do possível, antes deve ter-se como motivação que o ideal será sempre uma meta a buscar por fases, embora sempre inatingível porque apenas possível na Escatologia. Sem um profundo conhecimento Eclesiológico, Cristológico e Pnematológico não há hipótese de se fazer uma suficiente proposta. A correta ação pastoral, supõe, como se afirmou, o conhecimento das circunstâncias dos (geo)destinatários e do enquadramento sociológico, mas resultará vazia se não veícular o sólido testemunho da verdade nestas duas vertentes porque a ação pastoral é toda ela Cristológica quanto à forma, Eclesiológica quanto aos meios e Pneumatológica (santificadora) quanto à finalidade. Ao longo dos séculos assistimos a profundas mudanças do conceito de Igreja que surge como mistério e comunhão e se foi assumindo como guia dos povos, até que, no século passado, procura a 33

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sua renovação num novo pentecostes que busca obter a frescura e interiorização vivencial do primeiro século no dinamismo técnico cultural do século XX, reassumindo a sua situação de diáspora. É a este sopro pneumático, a esta densidade carismática que os agentes da pastoral hoje têm que estar atentos e a sua importância é tanto mais nítida quanto mais se sente o desânimo e o sentimento de fracasso de tantas experiências passadas. À pastoral hoje põe-se uma questão que carece de urgente resposta: IGREJA/MUNDO que relação? Sem que a Igreja se reassuma como “encarnação da resposta às aspirações concretas e últimas do homem”, não terá hipótese de levar por diante a sua missão de testemunha da salvação a acontecer na história. Este testemunho há-de comunicar-se em 3 dinâmicas indissociáveis: A IGREJA E O MUNDO; A IGREJA NO MUNDO e A IGREJA PARA O MUNDO. E O – PORQUE TEM QUE RECONHECER O MUNDO COM A SUA IDENTIDADE PRÓPRIA. NO – PORQUE TEM QUE ENCARNAR, SE FUNDIR, SE CONCILIAR COM ELE NAS PROPOSTAS QUE LHE APRESENTA. PARA O – PORQUE ELE É A RAZÃO DA SUA EXISTÊNCIA (o porquê e não o para quê) E É, POR IGUAL, A VONTADE IMPERIOSA QUE LHE EXIGE A AÇÃO PASTORAL.

Alguma vez se terá previlegiado um destes pontos em detrimento dos outros esquecendo que a Igreja nunca será uma resposta 34

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para o mundo se não se inserir nele em perfeito diálogo, auscultando os seus anseios e projectos, espiritualizando-os e dando-lhes uma dimensão escatológica. Mas, recordemos, a coerente opção pastoral reclama, à partida, uma perfeita concepção de Igreja, um perfeito conhecimento da missão histórica de Cristo e uma absoluta docilidade ao Espírito Santo. O Concílio Vaticano II não deixou de nos definir a Igreja como a vivência em comunhão de quantos procuram assumir a sua humanidade em construção na história, através da experiência relacional com todos os homens. Este modelo de Igreja – COMUNHÃO AGÁPICO ESPIRITUAL – é a verdadeira expressão da encarnação do Logos e, por isso, se afirma como CORPO DE CRISTO e POVO DE DEUS. “Não é um conjunto de pessoas marcadas pelo mesmo sinal ou esperando o mesmo fim, mas uma realidade humana, viva e ativa, una em si mesma, una nas suas expressões vivenciais e una com Deus, formada por pessoas cuja identidade se funde na identidade una e nova da Igreja”. Este ser novo, que é o corpo vivo e activo de Cristo, acolheu e torna presente e extensiva a cada membro a salvação e, pela manifestação coerente da comunhão, medeia a salvação do mesmo Cristo para todo o género humano. Não é a salvação pessoal que justifica esta adesão ao Corpo de Cristo, senão que a certeza de que a salvação de Cristo não poderá ser mediada para o mundo se o Espírito não continuar a encarnar numa humanidade concreta, viva e visível, com tensões de cato35

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licidade, o Logos Eterno que se torna, no concreto histórico dos homens, potência de divinização do humano. A Igreja não é uma ORDEM RELIGIOSA universalista porque a personalidade de cada um é uma parcela única e insubtituivel no tesouro da vida, oferecido por Deus, por esta via, a todos os homens. Esta NOVA PESSOA, a Igreja, vai viver no mundo, distinguindo-se dele, pelo estilo de vida de AMOR E SERVIÇO que leva, mas perderá a sua finalidade e até a sua identidade se se recusar a ESTAR no mundo ou a DAR-SE ao mundo. ESTAR NO MUNDO SEM SER DO MUNDO é ser diferente, por causa do mundo, por força da sua missão escatológica no meio dos homens. É este modelo comungante que melhor concretiza o UNIVERSALISMO DA IGREJA DE JESUS CRISTO, porque a territorialidade cede perante a premência da comunhão. É todo pneumático este modelo e, no paradigma de CORPO DE CRISTO VIVO NO MEIO DOS HOMENS E PARA ELES encontrará toda a sua dinâmica, desde o COMO, pela ação livre e revitalizadora do Espírito Santo, até ao PARA QUÊ na opção messiânica de Jesus Cristo. Teme-se um pouco esta visão de Igreja e contudo ela resolveu, em si mesma, todos os riscos que comporta. A permanente tensão entre carisma e instituição que Paulo nos relata nas suas cartas e que Lucas suavizou nos actos, pela exigência interior (a sua formação helénica) de mostrar uma Igreja perfeitamente harmónica, como tudo o que é de Deus, esta tensão, dizia,

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em vez de amedrontar, deve alegrar e levar à serena confiança de que Deus não faz asneiras nem o Espírito Santo age em divisão. Se a Igreja é institucional e carismática é porque ela é humana e divina, é porque está, mas não é do mundo, é porque serve mas não se identifica. Essa e outras reservas que este modelo sugere, falham pela mesma vã suspeita ou falsa convicção de que foi a institucionalidade da Igreja que a manteve viva e ativa até aos nossos dias, talvez por não se ter em conta quantas instituições meramente humanas, estados, países, civilizações, se degradaram e morreram nesse entretempo, por serem simplesmente instituições. Se esta institucionalidade e este carisma são elementos de um todo por igual necessários, haveremos de discerní-los também em Cristo, com a expressão da mesma tensão: Pai, se puderes afasta de mim este cálice, mas não se faça a minha vontade...; somos hoje cristãos, após XX séculos de experiência pascal porque a tensão se resolveu sempre para o lado carismático, parafraseado no “o Espírito Santo e nós entendemos...”. Se alguma possibilidade há de encontrar um sentido de messianidade para a Igreja, é neste paradigma em que toda a messianidade de Cristo se mantem ativa e definidora da verdade de ser SEU CORPO VIVO NA HISTÓRIA. O risco de auto satisfação que alguns autores parecem presentir, não deixa, na verdade, de estar presente, neste como noutros modelos ou paradigmas, mas continuamos a ouvir vozes profeticas a reclamar a vida messiânica, perante as novas tentações de Cristo que lhe chegam pelas vozes do mundo ensimesmado.

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A meu ver, corre mais riscos de fuga à verdade pastoral e teológica da Igreja, ou à verdade da sua missão, o afirmar-se a institucionalidade em aparente detrimento da pneumatologia. É sintomática a atração para o projeto eclesial suscitado pelo testemunho do amor vivido pelos primeiros cristãos – VEDE COMO ELES SE AMAM... E DIARIAMENTE SE JUNTAVAM A ELES MUITOS OUTROS... É da e na comunhão que brota e se realiza a missão, e a comunhão emana do carisma e não da institucionalidade, facto que nos levará a entender a que distância fica a caridade da mera solidariedade. Quando se sentiu responsavel e responsabilizado pelo futuro dos homens, começou a exprimir-se o Cristo em Jesus de Nazaré. Quando sentiu em si os vínculos de comunhão que a encarnação/ ascensão intensificava, tornou-se a génese e sacramento da Igreja. Não é dificil encontrar justificação teológica para este modelo de Igreja e para toda a consciência pastoral que comporta. Como POVO DE DEUS e CORPO VIVO DE CRISTO, a razão de ser da pastoral não pode ser outra senão a ação do próprio Cristo, como já foi dito, e a esta luz se encontra o perfeito enquadramento para a instituição e para o carisma. Todo o quadro institucional funciona ad-intra, como sinal e realizador da unidade e é este todo unificado que está enviado a agir ad-extra, pneumatologicamente. Não é da instituição nem por ela que a salvação – dom gratuito e permanente de Deus – atinge o mundo; o divino atinge o humano pela ação carismática do Espírito Santo, sendo, todavia, obrigatório reter QUE É FALSO

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O CARISMA QUE SE MANIFESTA FORA DA OU CONTRA A UNIDADE TOTAL DA IGREJA EM AÇÃO. Por outras palavras: A Instituição enquadra os homens e o carisma faz deles um todo ativo, POVO EM DINÂMICA MEDIADORA DE SALVAÇÃO PARA O MUNDO. É por esta mesma ordem de ideias que não se pode falar de SACERDÓCIO, PROFECIA e SERVIÇO (realeza) fora da unidade dessa ação carismática, porque é no Espirito Santo que bebe a sua verdadede ser. Como Cristo, o seu corpo místico (unido à cabeça) é profético, sacerdotal e real, e nenhum membro, por si mesmo e em si mesmo, como que amputado, o será. Poderá, contudo, acontecer que um só membro se encontre, por razões inultrapassáveis, a exprimir, na sua singularidade, a universalidade da salvação dada aos homens EM, POR e COM Cristo, (desde já o Papa). Ainda aqui, na singularidade da pessoa, ou é a Igreja, no seu todo indivisível, que atua pastoralmente, ou está desfazada da ação de Cristo. Enquanto a Igreja mantiver a sua expressão própria – e sempre que enquadrada no munus episcopal isso acontece – a ação que os membros realizam, em perfeita hamonia orgânica e doutrinal, é ação pastoral da Igreja a acontecer. Por isto mesmo, como ficou dito acima, é erro supor-se que o ministério pastoral possa caber a alguns, pois que é o todo eclesial que o exerce, por direito e dever indeclinável, ainda que delegável.

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