Comunicação para a Mobilização Social

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Neste livro o autor faz uma incursão ao nível contextual sobre alguns dos problemas sociais mais candentes da sociedade angolana, apresentando algumas propostas de soluções. Em 2016, o autor publicou a sua segunda obra literária – o livro Comunicação e Opinião Pública – que resultou de um trabalho científico de pesquisa de campo, que buscou avaliar a existência ou não de espaços para participação dos cidadãos durante a emissão dos programas radiofónicos, tendo como pressuposto o facto de os meios de comunicação social serem os formadores da opinião pública. No livro o autor trata de temas, tais como quem é considerado figura pública, o que é a opinião pública, o estado de opinião e comentários, e muitos outros mais. Os livros Pensar Social, Exercer Cidadania e Comunicação e Opinião Pública já contaram com adaptação artística teatral, tendo sido as duas peças levadas a cena pelo grupo Julu nas salas de teatro do vasto repertório angolano.

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Pressupostos para Acções Colectivas

Bento José dos Santos é um comunicólogo angolano, especializado em Relações Públicas e Pesquisador de Políticas Sociais. O autor é romancista e funcionário público há mais de 20 anos e tem desempenhado várias funções executivas de âmbito público, institucional e privado, como a de professor, director executivo da empresa de comunicação Emissor, director-geral da empresa SSL. Foi também chefe de imprensa do Comando da Polícia de Guarda Fronteira em 2009 até 2012, tendo sido congratulado com um certificado de Mérito pela sua envolvência profissional na promoção da imagem da Polícia de Guarda Fronteira no contexto nacional e internacional. Foi Assessor para as áreas política e social do município de Samba Caju na província de Cuanza Norte, no ano eleitoral de 2017 e actualmente exerce a mesma função de Assessor no distrito urbano da Ingombota, sendo também editor da Rubrica Comunicar em Sociedade, emitido no programa radiofónico Nas Ondas da LAC, frequência 95.5 em FM. Pensar Social, Exercer Cidadania foi a sua primeira obra literária publicada no ano de 2015, uma obra que aborda temas ligados aos problemas sociais, nomeadamente a criminalidade, a sinistralidade rodoviária e a perda dos valores humanos e sociais. ...//...


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título:

Comunicação para Mobilização Social: Pressupostos para Acções Colectivas Bento José dos Santos ediçãográfica : Edições ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)

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autor:

paginação:

Paulo S. Resende Ângela Espinha

grafismo da capa:

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1.ª edição, Lisboa janeiro 2019 isbn:

978­‑989-8867-40-7 443835/18

depósito legal:

© Bento José dos Santos

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. publicação e comercialização

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ÍNDICE Prefácio 11

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1. MOBILIZAÇÃO SOCIAL: NOÇÃO CONTEXTUAL 17 1.1. Introdução 17 1.2. Síntese Histórica de Alguns Processos de Mobilização no Contexto Mundial 29 1.3. Paradigmas da Mobilização Social na Perspectiva do Autor Bento dos Santos 35

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2. CONCEITOS SOCIAIS: PERSPECTIVAS DE INTEGRAÇÃO EM PROCESSOS DE MOBILIZAÇÃO 41 2.1. Introdução 41 2.2. A Importância dos Conceitos em Processos de Mobilização Social 46

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3. COMUNICAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL 53 3.1. Introdução 53 3.2. A Coordenação da Informação No Contexto Jornalístico e o Seu Enquadramento Social 67 3.3. Os Formadores de Opinião No Quotidiano Social 73 3.4. A Publicidade e a Propaganda Como Estratégias Para a Mobilização Social 79 3.5. Relações Públicas e Mobilização Social 86 3.6. Grupos de Pressão Na Participação Social 82 3.7. O Papel Estratégico dos Grupos de Pressão nas Sociedades 99 3.8. Com o Surgimento das Redes Sociais, o Povo Deixa de Ser Massa? 104 3.9. A Internet Como Plataforma da Mobilização Social 117

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4. FACTORES QUE CONDICIONAM A MOBILIZAÇÃO SOCIAL 121 4.1. Introdução 121 4.2. Mobilizar Com Base Na Argumentação 129 4.3. A Crítica no Contexto da Mobilização Social 146

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5. PROBLEMAS SOCIAIS E RESPONSABILIDADES COLECTIVAS 155 5.1. Introdução 155 5.2. Os Conceitos dos Problemas Sociais 157 5.3. Pressupostos Para Definição dos Objectivos Colectivos 160

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6. EVENTOS QUE MOBILIZAM 169 6.1. Introdução 169 6.2. Procedimentos Para Planificação de Eventos 172 6.3. Caracterização de Eventos Que Mobilizam 174 6.4. O Plano de Comunicação Como Estratégia da Mobilização Social 179

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7. GENERALIDADES MOTIVACIONAIS EM PROCESSOS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL 183 7.1. Introdução 183 7.2. Mobilizar em Tempos de Crise 201 7.3. Conclusão: Mobiliza! Não Junta! 207

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COMUNICAR PARA MOBILIZAR

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Pela necessidade de os governos salvaguardarem os poderes instituídos. Pela necessidade do envolvimento social das pessoas em processos políticos, assim como nos eventos da fé, e nas diversas formas de entretenimento cultural, desportivo e musical. Pela necessidade da preservação da saúde, e da implementação da multiplicidade das formas do Direito, e ademais actividades inerentes à vida em sociedade. Ao comunicarmos, envolvemo-nos inúmeras vezes em processos de mobilização, tendo em conta que o nosso eu nos mobiliza para as acções. A presente obra apresenta conteúdo sustentado na hermenêutica da Ciência da Comunicação, aliada à experiência nos diversos processos de mobilização em que frequentemente todos nos vemos envolvidos.

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Prefácio

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Quando o escritor Bento José dos Santos me convidou para fazer o prefácio do seu livro com o sugestivo título Comunicação para Mobilização Social: Pressupostos para Acções Colectivas, fiquei um pouco reticente. Considerei a tarefa portadora de um grau acentuado de dificuldade, principalmente por se tratar de uma obra com forte pendor académico. O presente livro, sublinhe-se, é o resultado de pesquisa exploratória feita pelo autor na sequência da sua segunda obra intitulada Comunicação e Opinião Pública, publicada no ano de 2016. Embora não tenha ligação directa com a obra Pensar Social, Exercer Cidadania (2015), uma publicação anterior resultante de pesquisas bibliográficas, o seu conteúdo também tem memórias neste livro. Na verdade, os três livros têm uma estreita ligação. À medida que fui lendo o exemplar que me foi facultado para dar sustentabilidade ao prefácio, descobri-me “mergulhada” num universo cativante que tem como pano de fundo a comunicação. Escrever o prefácio passou a ser o aprazível resultado da leitura de um material que aflora questões pertinentes, por vezes inquietantes, mas que também dá respostas a discussões que saem da academia para o espaço público. Ou não servisse a comunicação para registar – enquanto divulga – histórias e rotinas. Em todo caso, o comunicólogo Bento José dos Santos dá aos leitores mais exigentes motivos para novas abordagens que conduzem, indubitavelmente, a reflexões profundas neste campo de conhecimento académico que estuda a comunicação humana, a interacção entre os sujeitos e a sociedade. 11


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Bento José dos Santos reflecte assim o resultado das suas pesquisas em mais de duzentas páginas distribuídas por sete capítulos com vários subtemas. A temática da Mobilização Social, que conforma a génese da pesquisa, faz-se presente em todas as etapas do livro estabelecendo um eixo que conecta os diferentes capítulos até à etapa conclusiva. A “Comunicação e Mobilização Social”, “A Coordenação da Informação no Contexto Jornalístico” e “Os Formadores de Opinião no Quotidiano Social” traduzem assuntos bastante mobilizadores, passe-se a expressão intencionalmente redundante. Os assuntos conquistaram o estatuto de lugares cativos na senda do debate das estruturantes questões nacionais. Os temas “O Papel Estratégico dos Grupos de Pressão nas Sociedades”, “A Internet Como Plataforma da Mobilização Social”, bem como “O Plano de Comunicação Como Estratégia da Mobilização Social” englobam tópicos transversais com amplo respaldo no presente contexto político-social angolano. No fundo, os temas, cada um por si e todos interligados, contribuem para uma percepção generalizada dos vários enredos que norteiam a mobilização social. Uma análise exaustiva levaria à rápida conclusão de estarmos diante de um manual sobre mobilização social: o que é, como a materializar, as sinuosidades conducentes a ela podem ser encontrados neste manual que, sem ser vocacionado ao uso panfletário, tem o seu cariz político. Assim sendo, o livro “Comunicação Para Mobilização Social” reúne condimentos para ser uma ferramenta com certificação científica recomendável a políticos e aos demais interventores sociais. A experiência profissional acumulada pelo autor num órgão paramilitar 12


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e num partido político, onde o conceito de disciplina ganha real dimensão, terão de algum modo contribuído para influenciar a escolha da linha de investigação do académico Bento José dos Santos. A publicação deste livro assume particular relevância num contexto como o de Angola, onde ainda são escassas as referências bibliográficas de autores nacionais no ramo das Ciências da Comunicação. As universidades e instituições superiores vocacionadas para o ensino de matérias inerentes à comunicação social e áreas interligadas são relativamente novas. A primeira geração de licenciados no país conta pouco mais de 10 anos, tendo sido realizada a primeira cerimónia de outorga de licenciaturas em 2007. A comunidade académica carece de monografias, dissertações de mestrado e teses de doutoramento produzidas no país, o que, em nosso entender amplia as dificuldades de quem se propõe estudar a nossa realidade. A intenção de fazer pesquisas no “imberbe” universo académico da comunicação em Angola pode facilmente converter-se num complexo meandro susceptível de desencorajar especialistas a prosseguirem estudos posteriores à graduação neste campo de análise. Porém, o convite está lançado aos académicos, pesquisadores, comunicólogos, jornalistas e profissionais de outras áreas do saber. E o convite é extensivo a qualquer pessoa simplesmente interessada em ler, ampliar conhecimentos, questionar e interagir. Apesar de ter sido redigido por um Comunicólogo e Pesquisador Social que é também Especialista em Estratégias de Comunicação, este livro tem uma linguagem acessível para um público diversificado. 13


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Escrito de maneira despretensiosa, Comunicação para Mobilização Social: Pressupostos para Acções Colectivas é sustentado por critérios técnico-científicos, mas com linguagem descodificada, cumprindo assim uma das funções primordiais da comunicação: passar a mensagem. Estamos perante um argumento de peso que aumenta o leque de razões para tornar a leitura mais apelativa. Luanda, 12 de Setembro de 2018 Luísa Rogério Jornalista

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Maria Luísa de Carvalho Rogério é jornalista sénior, trabalha há mais de 31 anos no Jornal de Angola, o principal diário da imprensa pública institucional do estado ango-

lano. Foi editora da secção de Cultura

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nos anos 2001 até 2011, e fez inúmeras coberturas da área política, social e desportiva, tendo-se tornado editora principal do referido jornal. A jornalista foi presidente do Sindicato dos Jornalistas Angolanos entre os anos 2004 e 2015. Actualmente, Luísa Rogério como é geralmente tratada, é a vice-presidente da Federação Africana de Jornalistas.

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1. MOBILIZAÇÃO SOCIAL: NOÇÃO CONTEXTUAL 1.1. Introdução

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Líderes mundiais, artistas, jornalistas, diplomatas, militares, religiosos, professores, cientistas, políticos, funcionários públicos e privados, músicos, jovens, adolescentes, adultos, idosos, pessoas de diversas culturas, pessoas com diferentes status sociais, em diversos processos de comunicação, todos buscam serem aceites pelos seus entes sociais, nas diversas etapas da vida. Convencer vontades, dizer algo e ser aprovado por quem nos ouve parecem ser meras acções que retratam situações rotineiras. Mas não! Estas intenções, que ao princípio podem parecer-nos menos importantes, estão situadas entre as primeiras necessidades da comunicação humana no contexto das relações sociais. Um dos maiores desafios das sociedades actuais tem sido a busca para reunir consensos entre as diversas vontades das pessoas, por forma a salvaguardar os interesses das maiorias. A necessidade da convivência faz com que os seres humanos tendam a crer uns nos outros; essa condição, também conhecida como viés da verdade, funciona como um padrão social, que faz com que as pessoas que constituem as sociedades possam conviver com normalidade no que concerne à valorização ou aceitação das diversas acções que ocorrem no dia-a-dia nos distintos contextos sociais. Percebemos que, se o viés da verdade não existisse, era bem provável que as pessoas tivessem sempre de procurar comprovar se as informações recebidas das outras pessoas seriam verdadeiras ou não. 17


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Se, por um lado, a humanidade tem a capacidade de fazer uso da inteligência para dominar a natureza, não é menos verdade que em diversas ocasiões tal capacidade é confrontada com a constante necessidade de a humanidade buscar consensos para questões ou assuntos considerados como temas de interesse público.1 O paradigma da sociabilidade humana faz com que a mobilização social esteja presente no seio das actividades humanas, pois só assim se entende a natureza social dos seres humanos que estão predestinados a viver e conviver com os seus semelhantes, partilhando objectivos comuns. Etimologicamente, a palavra «mobilizar» teve a sua origem na palavra latina mobilis que significa «o que pode mudar de lugar». A palavra «mobilização» foi usada em primeira instância no contexto militar e pode ser entendida como «o acto de reunir e preparar as tropas e as provisões em geral para um ambiente de guerra». A sua extensão etimológica integra a expressão de movere que significa «mudar de lugar, mover, deslocar». 1 Temas de interesse público são temas seleccionados, hierarquizados e difundidos pelos meios de comunicação social ou por estruturas que exercem poder numa determinada sociedade. São temas que geralmente dominam as pautas informativas dos meios de comunicação social, podendo ser de natureza social, política, económica, cultural, entre outras; podendo ter origem a partir de acontecimentos ou factos de ocorrência natural, institucional pública ou ligados às instituições privadas ou ainda resultantes de acções individuais ou colectivas, mas que pelas suas características geralmente têm dimensão colectiva e podem massificar-se no contexto social através da sua difusão pelos meios de comunicação social. 18


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O filósofo Bernardo Toro e a especialista em mobilização social, Nísia Werneck, defendem que «a mobilização social é muitas vezes confundida com manifestações públicas, com a presença das pessoas nas praças, com a realização de passeatas, etc.». Os autores esclarecem que os referidos eventos nem sempre caracterizam uma mobilização e explicam o porquê: «A mobilização ocorre quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade decide e age com um objectivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos e desejados por todos.» (Toro e Werneck, 1996). Segundo os autores, «toda a mobilização é mobilização para alcançar um determinado objectivo predefinido, um propósito comum, por isso é um acto de razão que pressupõe uma convicção colectiva que convém a todos. Para que ela seja útil a uma sociedade, tem de estar orientada para a construção de um projecto de futuro. Se o seu propósito é passageiro, converte-se em um evento, uma campanha e não em um processo de mobilização. A mobilização requer uma dedicação contínua e produz resultados quotidianamente.» (Toro e Werneck, 1996). Por conseguinte, nem sempre o conceito de mobilização é usado fazendo referência às pessoas. Em muitas ocasiões, o termo pode ser usado como metáfora, por exemplo fazendo referência à mobilização de recursos materiais, entre outros. O verbo «mobilizar» pressupõe pôr em movimento, mover ou movimentar, activar, envolver, incitar à participação, motivar, impulsionar, chamar, apelar, sensibilizar, comover, etc. Entre as distintas acepções conceituais, a mobilização social também pode ser entendida 19


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na perspectiva de buscar consensos entre as pessoas para propósitos comuns. Tem sido na base do referido paradigma conceitual que, durante anos e ao longo da história da mobilização social, se pode identificar vários momentos em que as estratégias da mobilização social foram e têm sido activadas para o alcance de distintos objectivos comuns. No caso específico de Angola, também podemos identificar os marcos da mobilização a partir dos objectivos e dos processos aliados à busca da realização das vontades colectivas que foram e ficaram visíveis no que concerne aos processos históricos da mobilização social; isto desde a análise histórica que se pode fazer da forma como viviam os grupos étnicos que habitaram os distintos reinos de Angola até ao período da vigência do colonialismo, que veio a dar origem à luta de libertação, que culminou com a independência de Angola do jugo colonialista português. Conforme consta nos registos históricos, a colonização portuguesa em África resultou dos descobrimentos, que começaram a partir da ocupação das Ilhas Canárias, ainda no princípio do século XIV. Importa realçar que a primeira ocupação violenta dos portugueses em África ocorreu durante a conquista de Ceuta em 1415. Contudo, a «verdadeira descoberta» de África pelos exploradores portugueses iniciou-se um pouco mais tarde, no século XV. A expedição ao continente africano começou quando Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança, abrindo as portas aos europeus para a colonização da costa oriental de África. Angola foi um dos países da 20


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África subsariana que também sofreu directamente as consequências da colonização. Os colonialistas portugueses chegaram pela primeira vez à foz do rio Zaire em 1482. Tal como podemos observar nos escritos do Guia do Terceiro Mundo (1984), os portugueses alcançaram o reino do Ngola por volta de 1488, onde encontraram diversas sociedades tribais organizadas em grupos étnicos, o que nos revela que a organização social não se instalou apenas com a chegada dos colonizadores. Contrariamente, o que veio a ocorrer foi a implementação de um outro tipo de organização social, isto pela sobreposição dos poderes dos colonizadores aos poderes dos autóctones que viviam naquelas terras. Após longos anos de colonização, os países que se viam na condição de colónias portuguesas viriam a conhecer um grande avanço no desenvolvimento dos acontecimentos aliados à luta de libertação, na sequência do derrube da ditadura em Portugal (no dia 25 de Abril de 1974). A luta de libertação há muito que havia mobilizado o povo angolano, e após o derrube do sistema ditatorial de Salazar, os angolanos viriam a intensificar o alcance dos seus objectivos – entenda-se por este o alcance da independência de Angola. Assim sendo, o novo governo revolucionário português abriu as negociações com os três principais movimentos de libertação de Angola, nomeadamente MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola; FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola; e UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola, tendo nesta ocasião surgido o período de transição e o 21


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processo de implantação de um regime democrático em Angola com a assinatura do Acordo de Alvor, em Janeiro de 1975. É necessário salientar que, durante todo o período da vigência da colonização, em diversas ocasiões, o processo de mobilização esteve presente. Tanto por parte dos colonizadores que faziam recurso a estratégias de mobilização para dominar o povo angolano, tanto por parte do povo angolano que buscava libertar-se dos colonizadores portugueses. Em vários registos da história angolana podemos identificar muitas acções resultantes dos processos de mobilização desenvolvidos em várias etapas da luta de libertação. Umas com maior dimensão do que as outras, mas nas quais sempre se pode notar a busca de um mesmo objectivo, no caso em concreto, o da conquista da liberdade. Angola esteve sob jugo colonial português durante 493 anos e assim permaneceu até à conquista da independência em 1975. Pode ter-se como factual que a colonização portuguesa deixou marcas, que jamais serão esquecidas, pois as mesmas mudaram consideravelmente a história do povo angolano, os seus usos e costumes, as suas manifestações culturais e, sobretudo, a sua organização sociopolítica. Mas a independência de Angola não consolidou a paz para a sociedade angolana. Muito antes do dia da independência, a 11 de Novembro de 1975, os três grupos nacionalistas que tinham combatido o colonialismo português lutavam entre si, pelo controlo do país, e, em particular, da capital: Luanda. A guerra civil em Angola perdurou por longos 27 anos. 22


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Analisando os factos históricos, denota-se que, mesmo em períodos de guerra, a mobilização social decorreu por meio da necessidade de as pessoas participarem em assuntos considerados como sendo do interesse público. No caso específico dos factos históricos referentes à libertação de Angola do jugo colonial português, torna-se ainda evidente que um dos principais pressupostos para os processos de mobilização naqueles períodos foi, sem qualquer dúvida, a vontade de a população autóctone angolana querer alcançar a liberdade. Tal condicionalismo veio a constatar-se porque a mobilização social faz com que os indivíduos integrantes de uma determinada sociedade participem na busca da resolução dos seus próprios problemas sociais, pressupondo que a definição para o alcance dos seus objectivos culmina com acções colectivas. Entre as várias motivações para a assunção das acções colectivas, uma de entre as muitas existentes e à qual se deve dar real destaque, é a de que sozinhos dificilmente podemos realizar e alcançar os objectivos que visam abranger todos, o que pressupõe que tudo aquilo que fazemos, ou o que pretendemos fazer, precisa necessariamente do envolvimento das outras pessoas. Nenhum homem, por mais forte que seja e/ou tão-pouco por mais inteligente que possa parecer, tem a capacidade de sozinho ou de forma isolada alcançar objectivos colectivos (entenda-se por estes os objectivos que necessariamente carecem do envolvimento das outras pessoas). Uma outra motivação deve-se ao facto de sermos uma espécie imperativamente social, ou seja, o facto 23


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de que tudo aquilo que fazemos, o fazemos efectivamente para que os outros venham a participar directa ou indirectamente, vivenciando ou mesmo partilhando as nossas realizações. A paridade que se faz entre os processos de comunicação e a mobilização social, geralmente, provém do facto de que todo o acto de mobilização social resulta de um processo de comunicação, pois a comunicação é um processo que se desenvolve entre os homens perante a necessidade de socializarem, permitindo a inteiração e o relacionamento entre os seres vivos. Por exemplo, constata-se que, desde que os homens nascem, não têm a capacidade ou a possibilidade de sobreviver sem a atenção ou os cuidados de um outro ser humano. Condicionalismos como o ter de alimentar o recém-nascido, ter de cuidar da sua higiene e saúde, entre outros aspectos ligados à sobrevivência, revelam a condição da necessidade da sociabilidade humana. Isto porque, socialmente durante os curtos e/ou os longos períodos das nossas vivências, ninguém consegue alcançar os seus objectivos sem interagir com as outras pessoas. Sabemos que a comunicação não é um processo restrito à espécie humana, todavia a sua forma consciente de realização é até ao momento reconhecida apenas aos seres mais dotados no uso da inteligência, os humanos. Paralelamente, entendemos que o ser humano é, antes de tudo, um ser social, que se relaciona pelo sentido que dá aos factos e às coisas. Esta capacidade racional faz com que os seus processos comunicativos sejam baseados em processos lógicos, onde a racionalidade os diferencia dos distintos seres vivos. 24


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Não é uma mera lógica dialéctica referir que é a comunicação que revoluciona o mundo, uma vez que ela é utilizada como veículo estratégico para inteiração humana. Os registos históricos fazem-nos saber que foi há mais de 90 mil anos que se viveu a era dos Hominídeos. Os Hominídeos formam a família taxonómica dos grandes primatas, dos quais se destacam os humanos, os gorilas, os chimpanzés e os orangotangos. Consta na História que, naquela era, predominavam os símbolos e os sinais, tidos como veículos ou ferramentas de comunicação. Assim sucedia porque os homens se comunicavam através de gestos e gritos em função das suas características filogeneticamente menos evoluídas. Eles registavam as suas vivências fazendo desenhos nas paredes das cavernas, as designadas pinturas rupestres (campo da semiótica). Os hominídeos não falavam, eram incapacitados fisicamente, e a sua comunicação era realizada por meio de ruídos e movimentos corpóreos que constituíam símbolos e sinais mutuamente entendidos, os quais eram passados às novas gerações para que se pudesse viver socialmente (campo da comunicação não-verbal). Todavia, devido às dificuldades de codificação, descodificação e memorização, concluiu-se que não era possível, naquela era, a formação de uma cultura relativamente complexa, comparativamente com a fala humana, baseada na linguagem. Apesar de tais factos históricos, ao longo do tempo o homem explorou e aprendeu a desenvolver processos de comunicação, dando origem a um novo sistema de comunicação interpessoal por meio da fala, no caso em 25


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questão a comunicação verbal (uso das palavras/ capacidade de falar), isto há cerca de 40 mil anos. A fala possibilitou que os homens dessem um salto qualitativo no desenvolvimento humano e, por meio dela, o homem começou a transmitir mensagens complexas com maior fluidez. Assim sendo, é desde os primórdios da humanidade que a linguagem oral tem sido o canal responsável por se transmitir, de geração em geração, histórias, costumes, tradições e valores. E em muitas destas gerações, o membro mais velho do grupo era muito respeitado, porque era ele também que era tido como aquele que tinha mais conhecimentos e informações. Porém, com a sua morte, uma parte da história daquele grupo também se perdia. Num outro quadrante histórico, nascia a escrita, emergindo da padronização dos significados das representações pictóricas. No início, a alfabetização era restrita aos especialistas. Cada sociedade criou uma forma particular de escrita, mas foram os Sumérios que transformaram os sons em símbolos, ou seja, os caracteres passaram a representar sílabas, no que viria a ser o primeiro passo para a escrita fonética. Com a criação do alfabeto, tornou-se possível guardar conteúdos por muito mais tempo. O homem inventou a escrita e começou a usar o papiro, a pedra e as placas de argila para gravar as suas mensagens. As primeiras mensagens eram transmitidas por estafetas, que percorriam muitos quilómetros para as levarem aos seus destinatários. Como viria a ser formalizada a comunicação escrita no seio das sociedades? A resposta a esta questão leva-nos até à inovação tecnológica de um antigo joalheiro, 26


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de nacionalidade alemã. O então especialista em polimento de pedras semipreciosas (ágata e ónix) e fabricante artesanal de espelhos que criou um metal móvel saliente, com letras esculpidas de forma inversa, que permitia carimbar letras e símbolos no papel. Johannes Gutenberg, ou de seu nome completo Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg (c.1398-1468), viria a modificar a forma como desenvolvemos e preservamos a nossa cultura. O inventor alemão tornar-se-ia famoso pela sua contribuição para a tecnologia da impressão e tipografia, através das transformações proporcionadas neste campo. Contribuiu, por exemplo, directamente para o surgimento da organização das empresas de comunicação, em concreto das indústrias livreiras (imprensa, jornais, revistas) e muito mais. Com o aparecimento da imprensa estava assim criado o ambiente para o advento de uma nova era no campo da comunicação, neste caso, a comunicação de massas. A comunicação de massas será aquela que é destinada a um vasto público. O impacto criado pela descoberta de Johannes Gutenberg ampliou-se nos séculos seguintes, como veio a suceder com o surgimento da rádio, que teve o seu apogeu na década de 40 do século XX, e da televisão nos anos 50. Nos anos 60, outra invenção serve de prelúdio a uma nova era: é criada a rede mundial de computadores. Inicialmente projetada para acesso restrito, torna-se de uso público no mês de Maio de 1995. A comunicação de massas propriamente dita teve o seu o início no século XIX, com a propagação da venda de jornais para qualquer pessoa. A sua ascensão 27


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e massificação veio a ocorrer com o aparecimento do cinema, da rádio e da televisão que, com a sua integração no contexto social, criaram um novo paradigma denominado indústria cultural e que, muito recentemente, foi revolucionada com o aparecimento dos média digitais, o que originou toda uma nova configuração na forma como as sociedades comunicam entre si na actualidade. Desde então, a comunicação de massas tem contribuído para ampliar ainda mais a influência dos meios de comunicação nas sociedades. Daí a Organização das Nações Unidas (ONU) determinar que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa devem constar nos direitos fundamentais da humanidade.

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1.2. Síntese Histórica de Alguns Processos de Mobilização No Contexto Mundial

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O recurso que se faz à História busca uma melhor elucidação para a compreensão dos factos e acontecimentos ocorridos em determinados momentos. Apesar de muitos preconceitos e mitos, muitas vezes, condicionarem a concretização do conhecimento histórico, no que diz respeito à mobilização social, procuramos esgrimir em forma de síntese alguns factos históricos em que incidiram a congregação dos povos no passado. Na primeira secção da presente obra, demos destaque ao surgimento das organizações sociais e também a algumas motivações de cariz político, cultural e social que chegaram a mobilizar multidões para alcançarem a liberdade. Todavia, com base na investigação resumida e nas citações que se impõem enunciar, procuramos destacar que a mobilização social é, e sempre foi, um acontecimento frequente no seio das sociedades. Um dos marcos da presença da mobilização social em períodos referenciados como pré-históricos2 pode ser aqui referido como sendo o da análise aos diversos registos das 2 Pré-histórico faz referência ao Período Paleolítico, que foi o mais longo (indo de 3 milhões a.C. até 10 000 a.C.). É caracterizado pelo nomadismo e pelo uso ainda precário de utensílios. Foi nesse período que apareceram os hominídeos (considerados na classe da família dos primatas). No Neolítico, a segunda e mais importante fase da pré-história, ocorreu a revolução da «pedra polida», o que possibilitou o sedentarismo e o surgimento das primeiras formas da prática da agricultura sistemática. Foi dentro da «revolução neolítica» que nasceu o homo sapiens (designação dada à capacidade de o homem pensar e raciocinar) e, por consequência, 29


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