A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 2
16/04/17 17:16
A MAÇONARIA EGÍPCIA EM PORTUGAL O Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraïm
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 3
16/04/17 17:16
FICHA TÉCNICA edição: Edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro) título: A Maçonaria Egípcia em Portugal – O Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraïm autora: Ana Margarida Santos revisão: Pedro Rangel imagens: José Maria paginação: Alda Teixeira 1.a Edição Lisboa, março 2017 isbn: 978-989-8867-00-1 depósito legal: 423202/17 © Fórum Cívico Lusitano
publicação e comercialização:
www.sitiodolivro.pt Publicação e comercialização autorizadas pela Grande Loja Simbólica de Portugal e pela Grande Loja Simbólica da Lusitânia.
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 4
16/04/17 17:16
ÍNDICE PREFÁCIO ................................................................................................................................. Detalhe da porta do Templo Orpheu ...............................................................................
9 22
1. OS RITOS EGÍPCIOS NO CONTEXTO NACIONAL .............................................................. Origens da Maçonaria .......................................................................................................... A Maçonaria contemporânea ............................................................................................... A introdução do rito em Portugal ......................................................................................... A consagração da Grande Loja Simbólica de Portugal ......................................................... A adesão ao CLIPSAS ............................................................................................................ A adesão à UMM .................................................................................................................. A criação de uma via mista .................................................................................................. A consagração da Grande Loja Simbólica da Lusitânia ........................................................ A criação de uma via feminina ............................................................................................. A fundação dos Altos Graus do Rito AnƟgo e PrimiƟvo de Memphis-Misraïm em Portugal Tratado de amizade com o Grande Oriente de França .................................................... Tratado de amizade com a Grande Loja de França .......................................................... Tratado de Amizade com a Grande Loja Simbólica de Itália ............................................ Carta Patente para a Maçonaria Simbólica da GLSP ........................................................ Carta Patente para a Maçonaria Filosófica da GLSP ........................................................ Carta Patente para a Maçonaria Simbólica da GLSL ........................................................ Instalação da Loja Phoenix .............................................................................................. Instalação do Triângulo Ísis .............................................................................................. Instalação da Grande Loja Simbólica da Lusitânia ........................................................... Consagração do Triângulo Saqqara para a via feminina .................................................. Instalação do Triângulo Philae ......................................................................................... O templo e os degraus da sabedoria ......................................................................................... Detalhe do Templo Orpheu ............................................................................................. Cargos de Loja ........................................................................................................................... Insígnias e paramentos ............................................................................................................. Colar de Grande Oficial de Grande Loja do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm Primeiro avental de Venerável Mestre Instalado, I.’. Orpheu, do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm em Portugal .................................................................................. Joia de Mestre Maçom .................................................................................................... Joia do cargo de Grande Orador ...................................................................................... Joia do cargo de Adjunto de Grande Património ............................................................. Joia do cargo de Grande Chanceler ................................................................................. Joia do cargo de Gr.´. Experto .......................................................................................... Joia do cargo de Intendente do Património .................................................................... Joia do cargo de Experto .................................................................................................
23 23 28 39 44 45 48 48 51 52 53 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 70 71 74 74 75 76 77 78 79 80 81 82
Página | 5
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 5
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Joia do cargo de Intendente da Harmonia....................................................................... Joia do cargo de Hospitaleiro .......................................................................................... Joia do cargo de Secretário.............................................................................................. Joia do cargo de II Vigilante ............................................................................................. Joia do cargo de Intendente dos Ágapes ......................................................................... Joia do cargo de Tesoureiro ............................................................................................. Joia do cargo de Guarda Interno ..................................................................................... Erguer o véu sobre o simbolismo .......................................................................................... Organizações paramaçónicas ............................................................................................... Ser maçom hoje ....................................................................................................................
83 84 85 86 87 88 89 90 93 93
2. O RITO ANTIGO E PRIMITIVO DE MEMPHISͳMISRAÏM ................................................. As correntes influenciadoras ................................................................................................ O espírito do rito ................................................................................................................... A origem dos ritos egípcios................................................................................................... O Rito de Misraïm ................................................................................................................. O Rito de Memphis ............................................................................................................... O Grande Oriente de França como guardião do rito ............................................................
97 97 102 106 110 111 113
3. ESTRUTURAS DO RITO ANTIGO E PRIMITIVO DE MEMPHISͳMISRAÏM EM PORTUGAL .................................................................................................................... Estruturas da via masculina ................................................................................................. Símbolo da Loja Phoenix, n.o 001, a trabalhar a Oriente de Lisboa ................................. Símbolo da Loja Hórus, n.o 002, a trabalhar a Oriente de Por mão ................................ Símbolo da Loja Djed, n.o 003, a trabalhar a Oriente de Viseu ........................................ Símbolo da Loja Mikerinos, n.o 004, a trabalhar a Oriente de Lisboa .............................. Símbolo da Loja Udjat, n.o 005, a trabalhar a Oriente do Porto ...................................... Símbolo do Triângulo Sirius, n.o 006, a trabalhar a Oriente de Lisboa ............................. Símbolo do Triângulo Garibaldi, n.o 007, a trabalhar a Oriente de Vila Real ................... Símbolo do Triângulo Seshey, n.o 008, a trabalhar a Oriente de Aveiro .......................... Símbolo do Triângulo Osíris, n.o 009, a trabalhar a Oriente de Coimbra ......................... Símbolo do Triângulo Thot, n.o 010, a trabalhar a Oriente de Castelo Branco ................ Símbolo do Triângulo Ámon Rá, n.o 011, a trabalhar a Oriente de Por mão .................. Estruturas da via mista ......................................................................................................... Símbolo da Loja de inves gação Abu Simbel, n.o 001,..................................................... Símbolo da Loja Ísis, n.o 001, a trabalhar a Oriente de Lisboa ......................................... Símbolo da Loja Nefer , n.o 002, a trabalhar a Oriente de Faro .................................... Símbolo do Triângulo Nur, n.o 003, a trabalhar a Oriente da Covilhã .............................. Símbolo da Loja Thebas, n.o 005, a trabalhar a Oriente de Oeiras .................................. Estruturas da via feminina.................................................................................................... Símbolo do Triângulo Saqqara, n.o 004, a trabalhar a Oriente do Porto.......................... Símbolo do Triângulo Philae, n.o 006, a trabalhar a Oriente de Oeiras............................
117 117 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126 127 128 128 129 131 132 133 134 134 136
AGRADECIMENTOS ................................................................................................................. 137 ANEXOS .................................................................................................................................... 141 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 153
Página | 6
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 6
16/04/17 17:16
“Toda a conduta deve ser conforme com o fio-de-prumo� Ptahotepe
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 7
16/04/17 17:16
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 8
16/04/17 17:16
PREFÁCIO Quando levantámos colunas à primeira loja maçónica do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm em Portugal, a Loja Phoenix, em 3 de maio de 2008, em Lisboa, estávamos longe de imaginar a evolução que o rito iria ter no nosso país. Nessa altura pensámos que, para a Maçonaria portuguesa, seria interessante a instalação de uma forma regular e ins tucional deste rito esotérico e espiritualista, complementando os outros ritos já existentes na Maçonaria Liberal portuguesa, nomeadamente o Rito Escocês An go e Aceite e o Rito Francês, pra cados pelo Grande Oriente Lusitano. Apelando a um crescimento espiritual e esotérico, numa perspe va adogmá ca, respeitando a liberdade absoluta de consciência e em Livre Pensamento, este rito maçónico tem a caracterís ca marcante de abranger todas as sensibilidades espirituais, desde as mais posi vistas às mais espiritualistas. Através de um sistema maçónico de trinta e três graus, o maçom é convidado a percorrer o caminho do Conhecimento, projetando essa evolução nas suas ações, conhecendo-se a si próprio, conhecendo melhor a natureza humana nas suas múl plas e complexas dimensões e abrindo os seus invólucros espirituais, que estavam adormecidos antes da sua iniciação maçónica, através das sucessivas passagens aos graus superiores. Esta espiritualidade própria do rito iden fica-se nas influências de diversas correntes iniciá cas, nomeadamente a Ordem Rosa-Cruz, o Mar nismo, os Cabalistas, a Alquimia e a Escola Pitagórica que, ao longo dos tempos, foram dando à humanidade um sen do convergente da Espiritualidade Universal. Desde o seu início, em Portugal, que no rito houve uma preocupação constante no processo de admissão dos seus membros, privilegiando a qualidade em vez da quan dade, e dando sobretudo importância àquilo que a pessoa É, como ser humano, e não ao que representa na sociedade onde está inserida. Isto é, o que é relevado são os valores é cos e morais que cada um possui intrinsecamente e a sua sensibilidade espiritual. Página | 9
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 9
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Ao longo deste tempo tenho assis do ao desenvolvimento do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm em Portugal e testemunhei a criação de várias lojas maçónicas por todo país, nomeadamente em Vila Real, no Porto, em Aveiro, em Viseu, em Coimbra, na Covilhã, em Castelo Branco, em Lisboa, em Faro, em Por mão e mesmo no estrangeiro em Cabo Verde, em Angola e em Moçambique. E é neste contexto que, em 21 de maio de 2011, o passo natural foi a consagração da primeira Grande Loja maçónica portuguesa do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm - a Grande Loja Simbólica de Portugal –, que teve lugar no Palácio Maçónico do Grande Oriente Lusitano, em Lisboa. Foi feita, assim, História na Maçonaria em Portugal. Paralelamente, criámos a via mista do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm, onde homens e mulheres podem par lhar os trabalhos em loja, com o Levantamento de Colunas da Loja maçónica Ísis, em 14 de novembro de 2009, em Lisboa. Procurou-se desta forma dar oportunidade à Mulher de ser iniciada neste rito, em igualdade de género. Passados sete anos, a via mista do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm autonomizou-se. Consagrei a Grande Loja Simbólica da Lusitânia, que teve o apoio direto da Grande Loja Simbólica de Portugal e do Grande Oriente de França, e vejo-a agora seguir o seu caminho na Via Mista, com os mesmos Valores e Princípios que sempre nortearam o Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm no nosso país. Uma palavra de reconhecimento se impõe ao Grande Oriente Lusitano que, através dos seus Grão-mestres, António Reis e Fernando Lima, veram um papel de relevo na implementação deste rito em Portugal, por todo o apoio e confiança que manifestaram desde seu início. A prá ca do rito em Portugal observa hoje a linhagem maçónica do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm e a legi midade que lhe advém da ligação ins tucional com o Grande Oriente de França, que nos outorgou as Cartas Patente da Maçonaria Simbólica e Filosófica para a sua prá ca em Portugal, tendo o apoio e confiança do nosso Garante de Amizade em França, Jorge Portugal Branco, sido fundamental. A Grande Loja Simbólica de Portugal é também membro das três principais organizações maçónicas mundiais – o CLIPSAS, a AME e a UMM –, contribuindo assim para levar o trabalho maçónico desenvolvido pelas nossas lojas onde ele for mais necessário. Página | 10
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 10
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
Mas mais importante do que tudo isto é sen rmos que estamos a contribuir para o aperfeiçoamento do Homem, da sociedade e da humanidade como um todo e que, transmi ndo os nossos valores e conhecimentos, estamos a construir uma sociedade mais Justa e Fraterna. E isto porque a iniciação no Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm transforma o ser humano, possibilita a abertura dos horizontes espirituais, alterando a sua maneira de ver e sen r o mundo nas suas variadas formas, do visível ou invisível, da Matéria ou Espírito. Por isso, nas nossas lojas, os trabalhos são exclusivamente voltados para os conteúdos da Maçonaria do rito, não abordando qualquer po de assunto relacionado com polí ca ou de outro âmbito. Os trabalhos maçónicos das lojas são ainda refle dos em ações concretas de apoio social direto a Associações de Solidariedade Social que pra cam o Bem, todos os dias, apoiando as populações mais desfavorecidas. Procuramos, com o nosso trabalho diário, honrar todos os Mestres Memphis-Misraïm que nos precederam e que dignificaram a Maçonaria, muitos deles com grande sacri cio pessoal, em prol de uma sociedade que valorize o ser humano, com generosidade e compaixão. E será assim que vamos con nuar com o nosso trabalho de transmissão da Gnose e da Tradição Maçónica do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm para as gerações vindouras, dando uma visão humanista, justa, solidária, numa sociedade onde cada vez mais é necessário uma Luz brilhar no Espírito dos Homens. “As Fundações do nosso Templo estão postas,…, e a nossa Obra secular pode retomar o seu curso…” 1
Pedro Rangel Grão-mestre da Grande Loja Simbólica de Portugal
.’.
1
Trecho do Ritual de I.o Grau do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm.
Página | 11
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 11
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
A Influência Egípcia no século XIX No início do século XIX a maioria das lojas maçónicas dedica-se mais ao mundo da cidade do que às cerimónias. Margaret C. Jacob2, que estudou a influência das lojas maçónicas nos séculos XVII ou XVIII na Europa, indica que estas são as precursoras da sociedade civil. O século XIX viu igualmente a criação de muitos graus adicionais e organizações que propunham atribuir mais segredos esotéricos. Para pôr em prá ca essas ideias, os maçons voltaram-se para o Egito, não só para os seus rituais como também para a construção do seu Templo. Esta nova empa a parece ter despoletado aquando da campanha de Bonaparte, rodeado de ilustres eruditos, ao Egito. Salientamos, nessa época, a aparição no panorama maçónico de duas novas organizações: o Rito de Misraïm e o Rito de Memphis. Encontramos outros exemplos deste entusiasmo pelo Egito na célebre ópera de Mozart, A Flauta Mágica (1791) representada em Berlim em 1815, cujos cenários de Karl Friedrich Schinkel, pintor e arquiteto, repletos de referências egípcias influenciaram, sem dúvida, os trabalhos que se seguiriam.3 Pensemos igualmente na ópera de Verdi, Aida, representada no Cairo no dia 24 de dezembro de 1871. O interesse pelo Egito está ainda associado aos estudos pela tradição clássica da Grécia e da Roma An ga, ambas provenientes do Egito.4 Exis u uma verdadeira influência egípcia em todo o Império Britânico e nos Estados Unidos. Alguns exemplos o testemunham tal como o edi cio de es lo egípcio em Virginia Commonweaith University em Richmond (Estados Unidos) datado de 1845, o memorial a Georges Washington, réplica do famoso farol de Alexandria, ou ainda o átrio do templo monumental do Rito Escocês na Rua 17 em Washington, imponente mas indubitavelmente de es lo egípcio.5
2
J
Margaret C., Living The Enlightment: Freemasonry and PoliƟcs in Eighteeth Century-Europe,
New York, Oxford University Press, 1991. 3
Bullock C. Steven, IniƟaƟng The Enlightment?, Recent Scolarship in European Masonry, Eighteenth
Century Life, Durhan, Duke University Press, Vol. 20, no1, 1996, 80-92. 4
C
Patrick ed., The InspiraƟon of Egypt: Its Influence in the BrisƟsh ArƟsts, Travelers and Design-
ers, 1700-1900, Brighton Burough Council,England, 1983, 1-3, p.117. 5
C
Richard G., The EgypƟan Revival: Its Sources, monuments and Meaning, 1808-1858, Berkeley,
University of California Press, 1978, p.109.
Página | 12
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 12
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
Em Paris, existem obeliscos, pirâmides, esfinges, colunas de capitel palmiforme e hieróglifos que circundam a cidade e lhe conferem um aspeto exó co vindo do Oriente. O desenvolvimento das coleções do Louvre, as viagens dos ar stas e dos sábios desde a campanha do Egito souberam irradiar este lado egípcio presente na arquitetura e urbanismo parisiense e religar Paris a esta grande corrente egiptológica do século XIX.
História dos Ritos de Memphis e de Misraïm Os ritos egípcios encontram a sua fonte nos finais do século XVIII. Nessa época algumas lojas desenvolvem-se sob diversas influências provenientes do Médio Oriente. É o caso, por exemplo, dos Arquitetos Africanos em 1767, do Rito PrimiƟvo dos Filadelfos em 1780, do Rito dos Perfeitos Iniciados do Egito em 1785, da Ordem Sagrada dos Sofisianos em 1801 ou ainda dos Amigos do Deserto em 1806. De uma forma geral, podemos dizer que estes ritos representam o que poderemos chamar, a tradição egípcia. Encontramos no seu âmago uma associação de diversos mitos como a Cabala, o herme smo neoplatónico, tradições cavaleirescas e outras, oferecendo-nos uma fonte natural de inspiração. Estes vários ritos vão beber na fonte de algumas obras bem conhecidas, Sethos de Jean Terrasson (1731)6, Oedipus AegypƟanicus de Athanade Kircher (1652)7, Monde PrimiƟf de Court de Gebelin (1773)8. Oriundos ou inspirados destas ordens ou das tradições que antecederam, estes ritos de Memphis e de Misraïm conheceram um certo êxito em meados do século XIX. Estes dois ritos provêm simbolicamente do Egito de Alexandria. Durante muito tempo, Alexandria permaneceu a capital intelectual, espiritual e mí ca de uma parte do mundo mediterrâneo. Hermes é o iniciador por excelência e o mestre dos segredos. Os
6
T
Jean, Sethos, Histoire ou Vie Tirée des Monuments, Anecdotes de l’Ancienne Egypte, Tra-
duite d’un Manuscrit Grec, Paris, H.L Guerin, 1731. 7
K
8
C
Athanade, Oedipus AegypƟanicus, Rome, Mascari, 1652-1654, (3 tomes). de G
Antoine, Le Monde PrimiƟf, Paris, L’auteur, 1773 (BNF No ce No FRBNF 3049
2449v).
Página | 13
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 13
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Ptolemeus serão fascinados pelo culto que era dado na cidade de Hermópolis. Tudo isto dará a Alexandria o sincre smo original mesclando civilização egípcia e sabedoria grega. A par r da fundação de Alexandria e da ocupação grega, o Egito vai tornar-se uma província do helenismo. Aqui o egípcio coteja o grego, o judeu o cristão num espírito de tolerância, o deus egípcio da sabedoria Toth torna-se Hermes, o culto a Serápis integra o cris anismo primi vo. Alexandria remete-nos certamente para a idade do ouro simbólica da tolerância. As mulheres nham igualmente um papel importante neste grande movimento. A figura mais relevante é, sem dúvida, a de Hipá a. A sua sabedoria suscitou o ódio de faná cos e esta grande iniciada seria assassinada em 415 de uma forma extremamente cruel. A famosa biblioteca de Alexandria con nha obras de valor incalculável. Foi o imperador Diocleciano que mandou apreender os documentos sobre a transmutação realizando um auto-de-fé público em 296. Ele é um dos muitos mitos que ins tuem um rito maçónico e que produzem os seus valores. A estrada que liga o Egito ao ocidente é longa e variada. Desde a mais longínqua an guidade, olhamos e admiramos o Egito devido às suas escolas de mistérios, género de universidades guardiãs dos conhecimentos mais sagrados. Os maiores filósofos es veram nesta velha terra do Egito para procurar no seio dos seus templos o acesso aos mistérios, guiando-se pelos passos dos augustos predecessores. Numerosos textos aludem a estas estreitas relações que sempre exis ram entre os sábios da Grécia An ga e os do Egito. Platão, que esteve no Egito, evoca as conversas de Sólon com os sacerdotes egípcios em Timeu, Plutarco refere que Tales esteve presente no Egito. Jâmblico acrescentará que Pitágoras estudou nos templos egípcios durante cerca de 22 anos. Os ritos maçónicos egípcios não apareceram de uma só vez tal como os conhecemos hoje em dia. Torna-se imprescindível sinte zar a sua história, apontar as suas caracteríscas próprias e anotar o que trazem de específico no panorama maçónico que conhecemos. Se estes ritos perduraram até aos dias de hoje é porque correspondem certamente a uma via e que refletem uma sensibilidade muito par cular. Conhecer a sua história, estudar a sua evolução em diferentes autores ou propagadores permite, sem dúvida, compreendê-los melhor na sua globalidade. É o que vamos tentar estabelecer porque é importante distanciar o mito e a realidade.
Página | 14
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 14
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
Na sua origem, estes ritos egípcios caracterizam-se essencialmente pelos seus Altos Graus. Aparecem no início do século XVIII em Veneza na senda de Cagliostro e a sua Alta Maçonaria Egípcia. No entanto o seu surgimento propriamente dito dar-se-á em finais do seculo XVIII, início do seculo XIX. Estes Altos Graus conhecerão, mais tarde, numerosas evoluções. Inscrevem-se todos no prolongamento de diversas correntes hermé cas, algumas com uma origem maçónica, outras parecendo ser mais an gas. No pensamento dos protagonistas da época, trata-se em determinado momento de despertar, par ndo dos conhecimentos já adquiridos, um saber, um pensamento e uma prá ca enquanto fazer destes mistérios mais an gos a fim de os integrar no seio da Franco-maçonaria. Somente numa fase posterior serão incorporadas as referências egípcias. O Rito de Misraïm surge em 1811. Ele vai desenvolver, mais par cularmente, as caracterís cas da cabala enquanto o Rito de Memphis destacará os aspetos do hermesmo e os mistérios pré-cristãos. De 1811 a 1813, os irmãos Bédarride desenvolvem o Rito de Misraïm em França. Jacques Ragaigne e a Loja l’Orientale integram em 1865 o Grande Oriente de França, introduzindo, assim, a transmissão do Rito de Misraïm. O Rito de Memphis nasce um pouco antes de 1838, sob a influência de Jean É enne Marconis de Nègre (1795-1868) que funda, mais tarde, a Ordem de Memphis assumindo o cargo de Grão-mestre. Em 1862, respondendo ao pedido do Marechal Magnan, Grão-mestre do Grande Oriente de França, para a unidade da Ordem Maçónica em França, Marconis propõe a união do seu rito à Obediência, o que aconteceu no mesmo ano: as lojas que compõem a Obediência reúnem-se no Grande Oriente de França. Tornando-se o fiel depositário do Rito de Memphis, o Grande Colégio dos Ritos do Grande Oriente de França oferece um reconhecimento oficial ao Soberano Santuário de Memphis nos Estados Unidos. Sob a grande mestria de Seymour, este abre numerosas lojas não só nos Estados Unidos mas também em diversos países do mundo. Funda um Soberano Santuário para a Grã-Bretanha e Irlanda, cujo Grão-mestre é John Yarker. Em 1881, Yarker procede a uma troca de Cartas Patente com o rito reformulado de Misraïm de Pessina, sob a Égide de Giuseppe Garibaldi, que assumirá o cargo de Grão-mestre Mundial da união dos dois ritos, “Memphis e Misraïm”.
Página | 15
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 15
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
John Yarker e os 33 graus John Yarker nasce em 17 de abril de 1833 na pequena aldeia de Swindale em Inglaterra. Com 16 anos, ele e os seus pais estabelecem-se em Manchester. Este pacífico negociante em importação-exportação iniciado em Manchester em 1854 com 21 anos na Loja Integrity n.o 189 da Grande Loja Unida de Inglaterra nha à sua frente uma carreira na maçonaria clássica que parecia já traçada. Apresentam-no como um irmão inteligente e culto. Dotado para a inves gação e escrita nomeadamente dos rituais. Durante vários anos, colaborará na célebre revista maçónica Ars Quatuor Coronatorum da famosa Loja n.o 2076 de Londres, fundada em 1856 sob o tulo par cular de Quatuor CoronaƟ. Apesar de este rumo parecer estar traçado, o seu interesse irá paula namente incidir sobre o que em Inglaterra se chama Fringe Masonry ou Maçonaria à margem, uma maçonaria muito mais esotérica. Facto que lhe causou alguns problemas junto das autoridades maçónicas inglesas. A par r de 1871, estabelece uma estreita relação com a Societas Rosicruciana In Anglia ou S.R.I.A, fundada em 1866. Esta sociedade rosacruciana trabalha nos fundamentos cien ficos e filosóficos. Em 4 de junho de 1872, Harry J. Seymour, o Grão-mestre do Rito de Memphis nos Estados Unidos, estabelece em Londres um Soberano Santuário do Rito AnƟgo e PrimiƟvo para a Grã-Bretanha e Irlanda. John Yarker torna-se o primeiro Grão-mestre Geral. Em 1876, incorpora igualmente no Rito An go e primi vo, o Rito de Misraïm, que Robert Wentworth Li le nha introduzido em Inglaterra em 1870. Em 1881, Yarker adquire uma Carta Patente do Rito Reformulado de Misraïm de Pessina (com os 33 graus) em troca de uma Carta Patente de Memphis. O Rito An go e Primi vo chamar-se-á finalmente Rito de Memphis e Misraïm. Após numerosas peripécias, John Yarker torna-se até à sua morte em 1913 Grão-mestre. Entretanto trabalha afincadamente. Podemos afirmar, sem qualquer dúvida, que ele foi o maior ritualista desta segunda metade do século XIX. A denominação Rito de Memphis & Misraïm subs tuirá paula namente a de Rito AnƟgo e PrimiƟvo. Porém estamos ainda longe da designação atual. John Yarker estabelecerá correspondências entre eles. A escala de graus transmi da nos Estados Unidos contém 33 graus. Sabemos que o Grande Oriente de França nha pedido ao irmão Marconis de Nègre a contração da sua Página | 16
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 16
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
escala em 33 graus aquando da sua integração na Obediência. Yarker optará igualmente por uma escala de 33 graus ligeiramente modificada por ele próprio, com o nome de Rito An go e Primi vo da Maçonaria. A escala inicial de Marconis de Nègre integrava um 90.o grau, 30.o grau da nossa escala, Sublime Mestre da Grande Obra e um 95.o grau, 33.o da nossa escala, Patriarca Grande Conservador. Finalmente, o grau de Sábio das Pirâmides era o primeiro grau puramente egípcio frequentemente conferido após os graus de Real Arco, Rosa-Cruz e Cavaleiro Kadosh. A par cularidade da obra de Yarker reside no facto de ter sido um irmão apaixonado pelos mistérios. Soube apoderar-se de um sistema ainda em construção, desenvolvido inicialmente a par r de um sistema de Altos Graus anglo-saxões. Irá, apoiando-se nesta arquitetura, desenvolver os seus temas favoritos. Descreve os rituais dos trinta Altos Graus do seu sistema em Manual of the Degrees of the Ancient and PrimiƟve Rite of Masonry, e ainda em outras obras: Lectures of the Ancient and PrimiƟve Rite (1882) ou ainda em The Arcane Schools, A Review of the Origins and AnƟquity, with a General History of Freemasonry, and Its RelaƟons to the Theosophic, ScienƟfic and Philosophic Mysteries (1909). Este úl mo pode ser considerado como o apogeu da sua obra. Podemos afirmar que, após John Yarker, o rito não será mais o mesmo e disporá de um verdadeiro corpus com material iniciá co coerente. Ele soube dar com o seu precioso trabalho de ritualista toda a sua força ao Rito de Memphis-Misraïm tal como o pra camos atualmente na Grande Ordem Egípcia do Grande Oriente de França.
Período recente Robert Ambelain, assumindo a direção do rito em 1960, irá reformular os rituais em profundidade e renomeará a sua Obediência com o nome de Grande Loja Francesa do Rito AnƟgo e PrimiƟvo de Memphis-Misraïm. Robert Ambelain transmi u no dia 1 de janeiro de 1985 o seu cargo de Grão-mestre vitalício a Gérard Kloppel. A história de Memphis-Misraïm entra assim num período conturbado, em grande parte devido à sobreposição de sistemas de equivalências internas (Maçonaria de Memphis-Misraïm, mar nismo, gnos cismo, Elus-Cohens, cavalaria, etc.) Página | 17
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 17
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
A confusão estabelecida entre estes diferentes sistemas, muito perce vel em certos graus, o estabelecimento de uma hierofania soberana, associada a uma direção vitalícia tornaram muito instável a estrutura da Ordem. As inúmeras cisões à inicia va de irmãos tulares de Altos Graus conduziram o rito a uma incompreensão e à sua rejeição pelas principais Obediências. Com efeito, e sensivelmente depois da prá ca do rito se ter ex nguido no Grande Oriente de França, Memphis-Misraïm tornou-se para muitos maçons não um rito mas uma Obediência. Os problemas encontrados pelos grupos maçónicos que trabalham neste rito tornaram suspeito in fine o próprio rito. Porém o histórico que acabámos de traçar revela o quanto é interessante e toda a sua riqueza iniciá ca e simbólica. Cisões cada vez mais numerosas apareceram até 1999 data a par r da qual um pequeno número de lojas se aproximou do Grande Oriente de França, quer por afinidades pessoais quer filosóficas. Em 1999 concre za-se a integração destas lojas, assim como o despertar da patente dos Altos Graus do rito egípcio possuído pelo Grande Oriente desde 1862, oferecendo uma base estável ao rito e permi ndo manter vivo um dos cons tuintes históricos da franco-maçonaria universal. No que concerne aos Altos Graus dos ritos egípcios tal como são pra cados no Grande Oriente de França, a situação é diferente porque são executados seguindo a escala de 33 graus definida pelo acordo da fusão de 1862 estabelecida por Marconis de Nègre. É o sistema em 33 graus conforme a escala de John Yarker, publicado em Londres em 1875.
A PráƟca dos Ritos Egípcios no Grande Oriente de França À luz desta tradição, a Grande Ordem Egípcia, conservadora do Rito An go e Primivo de Memphis-Misraïm no Grande Oriente de França, adota uma exigência permanente de liberdade e de rigor moral, de procura de Conhecimentos e de Fé no Homem. Integra contribuições filosóficas, cabalís cas, hermé cas, gregas, gnós cas, próprias desta cultura mediterrânica donde surgiu e que despertam, por vezes, um lado oculto
Página | 18
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 18
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
na História do Ocidente, uma antologia da recusa do religiosamente correto, e um guia para uma espiritualidade livre. Todos os graus pra cados são profundamente egípcios na sua natureza e não se interligam com a escala dos Altos Graus dos outros ritos. Nesta escala, o 33.o e úl mo grau do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm da escala de Yarker tal como é pra cado no Grande Oriente de França equivale, pelo seu conteúdo iniciá co com o 95.o grau do outro sistema. É conveniente salientar que o Rito AnƟgo e PrimiƟvo de Inglaterra (1881) u lizava o sistema em 33 graus tal como foi definido por Yarker em ConstuituƟon, Statues, Ceremonials and History of the Ancient and PrimiƟve Rite of Masonry. Do mesmo modo em l’AnƟco e PrimiƟvo Rito Orientale di Memphis de Palermo, fundado em 1921 por Reginald Gambier Mac Bean, é usada esta escala em 33 graus. De facto, o Grande Oriente de França tornou-se o fiel depositário dos ritos de Memphis e Misraïm quer pela integração de lojas devidamente patenteadas quer por indicações testamentárias. No seio da Obediência, esta maçonaria incarna não só aspetos simbólicos dos irmãos Marconis de Nègre e Jacques Ragaigne mas também os valores humanistas dos irmãos Louis Blanc, Pierre Leroux citando apenas dois. Assim as diferentes iniciações propostas vão guiar o inves gador das ciências tradicionais ao reaparecimento do herme smo do renascimento, sondando os mistérios gregos e o esoterismo do an go Egito. Tal como é definido atualmente, o rito aparece como uma progressão coerente levando o maçom a aprofundar a sua demanda do sen do da existência e da vida. O rito propõe quatro etapas principais neste caminho da iniciação egípcia: •
A primeira etapa, o grau de Cavaleiro Rosa-Cruz da Águia Negra, Branca e Vermelha designado por Cavaleiro da Águia Vermelha, 12.o grau, talvez o mais rico porque abre a porta ao estudo de numerosas vias iniciá cas. Encontramos os elementos do Rito Hermé co e Alquímico designado por “Estrela Flamejante”, fundado pelo barão Tshoudy no qual descreve a Grande Obra e apresenta uma explicação alquímica dos principais símbolos maçónicos.
•
A segunda grande etapa é o grau de Filósofo Hermé co (20.o). Inscreve-se, sem dúvida, nesta filiação iniciáƟca que parece ser a herdeira longínqua dos mistérios de Elêusis, de Mitra e que assume diversas fases desde os círculos neoplatónicos
Página | 19
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 19
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
do Renascimento. A Academia Neoplatónica de Florença foi fundada em 1459 por Cosme de Médicis e dirigida por Marsilio Ficino. Esta academia agrupa personagens como Guido Cavalcan , Giovanni Pico della Mirandola, Dr Fortuna, Angelo Poliziano, Laurent le Magnifique. Em 1462, Marsilio Ficino começa a traduzir Platão com a ajuda de uma assembleia de sábios à qual dá o nome de Academia, em homenagem à que Platão nha fundado em 387 a.C.. Comenta O Banquete de Platão, De amore em 1469, traduz em la m a obra de Platão em 1484 e a de Plo no em 1486 assim como Hermes Trismegisto. São precisamente estes ensinamentos hermé cos e as suas correspondências que são objeto de estudo neste grau. •
O grau de Mestre Egípcio, Sábio das Pirâmides, Amigo do Deserto ou Patriarca de Ísis, 27.o grau faz-nos regressar ao Egito, berço das iniciações e do esoterismo ocidental. Os cultos isíacos como os cultos orientais invadem o mundo greco-romano e culminam em iniciações. O Egito faraónico já nha conhecido cerimónias semelhantes relatadas por Heródoto. Os peregrinos no fes val de Abidos podiam tornar-se um Osíris por iden ficação. A iniciação isíaca está retratada no livro XI das Metamorfoses de Apuleio. Os ritos incluíam testes iniciá cos que decorriam em cerimónias secretas que culminavam num renascimento, numa nova vida.
•
O 30.o grau, o de Sublime Mestre da Grande Obra, relembra a nossa filiação às escolas pitagóricas, colocando o homem no centro do universo, dando-lhe as chaves para a sua compreensão.
•
Todos os outros graus, Grande Defensor do Rito, 31.o grau, Príncipe de Memphis, 32.o grau e, por fim, o de Patriarca Grande Conservador, úl mo grau na escala são atribuídos em cerimónia própria.
A finalidade deste empreendimento iniciá co é, sem dúvida, a busca da Unidade reencontrada do Homem na procura da verdade. É este homem que, tornado filho da luz ou novo Osíris pelo desabrochar da sua própria consciência, poderá afrontar as vicissitudes do futuro. Começa então para o maçom egípcio uma viagem solitária, mas solidária, interior mas aberta para os outros e para o mundo. Começa aqui um convite à Viagem ao centro do Universo e do seu próprio centro. Foi com muita alegria que em junho de 2016 o Grande Oriente de França e a Grande Ordem Egípcia transmi ram as Cartas Patente do rito para as lojas simbólicas e lojas de Página | 20
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 20
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
perfeição ao Nosso Ilustre Irmão Pedro Rangel para a Grande Loja Simbólica de Portugal e à Nossa Ilustre Irmã Isabel Viana para a Grande Loja Simbólica da Lusitânia aquando dos respe vos Convénios em Lisboa. A Grande Ordem Egípcia procedeu igualmente às transmissões iniciá cas regulares para os Altos Graus. Porque tudo é justo, terminarei sublinhando que vemos em consideração a fraternidade que sempre exis u entre ambos aquando dos nossos encontros. Constatámos, por outro lado, a devoção que cada um empreende diariamente no caminho que decidiu traçar, perspe vando-se um futuro brilhante. Allez mes Sœurs et Frères portugais ! Et que l’esprit du rite vous accompagne. Jean IOZIA Primeiro Patriarca da Grande Ordem Egípcia do Grande Oriente de França
Página | 21
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 21
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Detalhe da porta do Templo Orpheu
Página | 22
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 22
10/04/17 19:38
1. Os ritos egípcios no contexto nacional Origens da Maçonaria A Maçonaria foi, através dos tempos, alvo de inúmeras perseguições e equívocos por parte de quem dela não fazia parte e é por este mo vo que não existem muitos documentos de tempos mais recuados que permitam traçar uma linhagem desde a data do seu nascimento até à atualidade. Dos documentos sobreviventes muitos não são documentos escritos, mas sim objetos permeáveis à interpretação de quem para eles olha, outros fazem parte de uma tradição verbal que está dependente da segurança da memória. E aqueles escritos que não se perderam e narram uma parcela da sua história, podem parecer-nos descontextualizados pois existem hiatos de tempo ou de linhagem geográfica. Cabe à nossa reflexão e racionalidade tentar preencher esses hiatos, talvez nem sempre de forma correta. Por isso não sabemos se é um fenómeno que remonta aos primórdios da humanidade ou se será rela vamente recente, pois só entre os séculos X e XV começam a exis r algumas fontes escritas que nos permitem, com alguma segurança, encontrar similitudes, paralelismos ou iden dades. Sabemos, porém, que faz parte da natureza do Homem interrogar-se sobre as origens da vida, o seu sen do, ou do que existe para lá do véu da morte que nos separa de tudo quanto conhecemos. Ao longo do tempo, consoante o período da evolução ou a cultura envolvente, foram também ensaiadas várias respostas a estas questões, que hoje nos são trazidas pelos achados arqueológicos e que transmitem a forma muito própria do Homem entender ou representar a sua relação com o meio envolvente, a par r da observação dos astros, dos ciclos das estações, dos ciclos de luz e sombra, da reprodução, do nascimento e da morte. Página | 23
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 23
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Também no Egito estas questões foram colocadas e respondidas quer através dos mitos de criação, quer através dos mistérios, nomeadamente os de Osíris e Ísis9, onde de forma recorrente se evoca a temá ca da morte e da ressurreição, a presença da Divindade em cada Ser e as suas múl plas facetas, apesar da sua unidade. Do estudo da an ga civilização egípcia, pode compreender-se que a natureza era concebida como emanada de um princípio consciente a que chamavam Maat (ou Maet), que representa a re dão, a verdade e a jus ça e que era também o princípio ordenador de todas as condutas sociais. Um dos principais responsáveis para que este conhecimento chegasse até nós foi Jean-François Champollion, que descobriu o princípio da tradução dos hieróglifos10, e nos permi u divisar várias iden dades entre a estrutura simbólica da atual Maçonaria e a da Maçonaria Opera va no contexto do an go Egito, remontando às confrarias de construtores, enquanto escola iniciá ca e de mistérios, dotada de uma estrutura simbólica rica e complexa11. Sabemos, assim, que já no an go Egito exis am corporações de pedreiros, a quem incumbia a construção dos templos e moradas de eternidade dos faraós. Eram organizações possuidoras de conhecimentos técnicos específicos ligados à arquitetura e à matemá ca e que, dado o poder que encerravam, eram interditos a terceiros que não pertencessem à corporação. Este facto não nos surpreende, pois as corporações da
9
Através dos quais o iniciado receberia o conhecimento sobre o Amen , aprendendo a linguagem
simbólica das artes e ciências liberais, aprofundando depois os seus conhecimentos sobre ciência e filosofia e, por fim, passando pelas representações simbólicas da morte e ressurreição de Osíris. Nomeadamente das máximas dos sábios egípcios onde se inclui Ptahotepe, como a citação que
10
inicia este livro e do qual podemos re rar verdadeiro simbolismo maçónico no sen do contemporâneo. É também com base nestas interpretações feitas sobre os documentos que a arqueologia nos trouxe que o Egito é, de alguma forma, visto como o progenitor da alquimia no sentido de transfiguração e lance dúvidas sobre se não terá aí existido também uma via iniciática institucionalizada. Neste sen do, Rogério de Sousa iden fica a existência de comunidades de trabalhadores espe-
11
cializados no setor da construção de templos e complexos funerários, dizendo que estas “comunidades, poderíamos dizer “maçónicas”, porque de construtores, mas não pressupondo, evidentemente, qualquer ligação umbilical entre estas e as insƟtuições da actualidade que se inƟtulam como tal”. In Em busca da imortalidade no AnƟgo Egipto – Viagem às origens da civilização, Ésquilo, 2012, pág, 107.
Página | 24
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 24
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
Idade Média estavam vinculadas ao mesmo po de sigilo profissional, conhecido como segredo. Sabemos também, por ter sido veiculado pela via helenís ca, que exis am no Egito an go as chamadas escolas de mistérios, que estavam subdivididos em mistérios menores e maiores, nos quais se incluíam os mistérios de Ísis, de Serápis e Osíris, e que consis am num conjunto de provas a que o iniciado se sujeitava. Embora a arqueologia nos tenha trazido ves gios de que em todas as sociedades tradicionais exis ram rituais ou ritos de iniciação, seja tribal, religiosa ou mágica, em que o silêncio era um dos elementos mais significa vos (o que sucedeu também com o Egito12), tal não significa que as corporações de construtores fossem também u lizadas como via iniciá ca, como hoje as conhecemos. Do mesmo modo que não será também um indício da sua linhagem com a atual Maçonaria e nem mesmo com os ritos egípcios. Bastará para tanto analisar as alusões feitas na lenda de Hiram Abiff às corporações de pedreiros egípcias e à sua influência na construção do Templo de Salomão, que têm origem posterior. É por estes mo vos que se tem entendido que a Maçonaria contemporânea ou Especula va é um fenómeno totalmente dis nto da Maçonaria Opera va, nomeadamente no contexto egípcio. Encontram-se indícios de que nela se terá inspirado, recriando sob a forma de ritos e rituais a simbologia da construção inerente à Maçonaria Opera va, do mesmo modo que a alquimia contemporânea recria o simbolismo da transmutação dos metais em ouro e a Igreja católica recria a comunhão dos primeiros cristãos e os seus rituais. Mas a falta concreta de genealogia recuada aos primórdios da humanidade não lhe re ra qualquer dignidade, antes lhe imprime uma individualidade específica, de mérito próprio, de via em si mesma. Por outro lado, considerando o elevado desenvolvimento religioso e filosófico evidente na cultura e cosmogonia do an go Egito, ele foi escola e influência das origens do pensamento filosófico, como a escola de Tales de Mileto, a escola de Pitágoras ou mesmo em Atenas, entre outras, em que são feitas diversas referências ao Egito e às suas crenças.
Embora já helenizado, como no caso da representação de Harpócrates com o dedo indicador sobre
12
os lábios em sinal de silêncio.
Página | 25
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 25
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Mas, como é natural, a evolução ou a influência entre culturas não é linear. Por exemplo, o culto de Ísis sofreu transfigurações à medida que foi sendo transmi do dos gregos aos romanos que o propagaram por todo o mundo mediterrâneo e Europa ocidental. De modo que Ísis foi iden ficada com várias deusas gregas e romanas, tais como Deméter, Perséfone, Diana, Selene, Ceres ou Minerva. O mesmo sucedeu com o monoteísmo de Akhenaton, exis ndo teorias de que tal culto se transfigurou no culto de Moisés, que o con nuou no judaísmo, e como tal se explica que o An go Testamento esteja perpassado de referências religiosas do an go Egito e à invocação do deus Adon ou Adonai, iden ficado com Áton. O mesmo sucede com algumas correntes que iden ficam o culto de Serápis com o culto do Cristo numa vertente de gnos cismo cristão. Também o herme smo foi lançar raízes no an go Egito, pois os neoplatónicos designavam por Hermes Trismegisto o deus egípcio Toth, iden ficado com o deus grego Hermes. Mas, como se disse, nenhuma evidência existe de que o que hoje conhecemos como Maçonaria tenha do origem no an go Egito. E se é certo que, quer perante um templo egípcio, quer perante uma catedral cujo sen do esté co ultrapassa grandemente a sua função, para o intérprete desses vastos documentos se torna óbvio que houve também a intenção de transmi r uma mensagem rela va ao sagrado, também é certo que, a exis r uma via iniciá ca, ela seria enformada pela realidade religiosa e cultural da época, não podendo ser iden ficada com o que atualmente é a Maçonaria. A generalidade dos autores concordam, pois, que a Maçonaria terá do origem nas confrarias ou corporações de construtores com a chamada Maçonaria Opera va, entre os séculos X e XV, momento em que os construtores de igrejas e catedrais, organizados em corporações sob a tutela das Landmarks, nham direitos especiais de passagem que os libertavam de certas obrigações e impostos, mo vo pelo qual eram chamados pedreiros-livres. A dado momento estas prerroga vas terão sido estendidas a nobres que não pra cavam a arte da construção em sen do próprio, o que terá dado origem à Maçonaria Especula va. Mas a verdade é que as origens quer da Maçonaria contemporânea, quer da Maçonaria Opera va estão envoltas numa penumbra histórica, não sendo possível determinar com exa dão se terá sido este o seu berço, dada a ausência de documentos que permitam fazer afirmações concretas. De todo o modo que é entendimento generalizado que a Maçonaria dita opera va, mãe da Maçonaria contemporânea, teve origem nas corporações de construtores de Página | 26
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 26
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
igrejas e catedrais na Idade Média, embora apropriando e alterando princípios e simbolismos muito anteriores de origens diversas e que foram ver dos nas chamadas Old Charges13, documentos que con nham os deveres dos maçons e que, com o surgimento das grandes lojas, viriam a ser subs tuídos pelas ConsƟtuições de Andersen. Além dos deveres dos maçons, estes documentos procuravam também traçar a história da Maçonaria e regular a sua organização, sendo os textos mais an gos cópias manuscritas de rituais e normas. Mas não só o próprio segredo maçónico e as perseguições de que os maçons foram sendo alvo ditavam que pouco fosse reduzido a escrito, como a pouca documentação que possa exis r de períodos mais recuados fica à mercê das sucessivas interpretações que foram sendo feitas. Em todos esses documentos não existe, porém, qualquer referência ou registo de ritos egípcios, sendo as poucas alusões feitas em tais manuscritos ao an go Egito uma recompilação de lendas, muitas vezes descontextualizadas, fruto do contexto histórico e interpreta vo da época. Mesmo em Portugal é di cil situar com certezas essa origem da Maçonaria contemporânea, embora se consigam encontrar algumas analogias com as corporações que vieram a designar-se corporações de o cio e que consis am essencialmente numa organização de mesteres ou profissões com uma hierarquia vincada e organizada em três níveis: Mestres, Oficiais ou Companheiros e Aprendizes14. A corporação estabelecia regras para a admissão e exercício da profissão e funcionava também como uma escola, transmi ndo aos Aprendizes os conhecimentos técnicos necessários para que estes viessem a desempenhar um o cio. O exercício da profissão dependia, pois, da integração nesta estrutura, sendo o trabalho desenvolvido em
Que inclui nomeadamente os seguintes manuscritos: édito de Rothari (643), cons tuições de York
13
(926), carta de Bolonha (1248), York (1370), Preambolo Veneziano rela voalle Mariegole dei Taiapiera, dei tagliatori dipietra (1307), Regius (1390), Cooke (1450), Grande Loja n.o 1 (1583), Wood (1610), entre outras, in hƩp://www.rgle.org.uk/RGLE_Old_Charges.htm, consultado em 14.04.2016. Em Portugal, o primeiro regimento de corporações de o cio data de 1489, sendo o primeiro orde-
14
namento estatutário conhecido o dos borzeguieiros, sapateiros, chapineiros, soqueiros e cur dores de Lisboa.
Página | 27
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 27
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
oficinas ou lojas sob a responsabilidade de um Mestre, que acompanhava a formação dos Aprendizes. Se nestas organizações podemos iden ficar perfeitamente os três primeiros graus da Maçonaria Simbólica e a designação dos templos onde se reúnem os maçons, não existem suficientes dados concretos para lançar alguma luz sobre o que sucedeu primeiro, isto é, se a Maçonaria como via iniciá ca não foi historicamente estranha a esta pologia de organização ou se foi criada ou influenciada por ela. Pelo que temos de concluir, juntamente com José Manuel Anes15, que a iniciação artesanal está presente na Maçonaria Opera va e na Maçonaria Simbólica nos três primeiros graus, fazendo a ponte entre uma e outra, salientando ainda que nem a Maçonaria Opera va está isenta de símbolos, nem a Maçonaria Simbólica isenta de opera vidade.
A Maçonaria contemporânea Independentemente das suas origens, a Maçonaria contemporânea, também chamada de Especula va, representa um legado humanista, fundamento moral e é co das atuais sociedades democrá cas. Nas palavras de António Arnaut16, a Maçonaria é “uma Ordem iniciáƟca e ritualista, universal e fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância, que tem por objeƟvo o desenvolvimento espiritual do homem com vista à edificação de uma sociedade mais livre, justa e igualitária.” É uma Ordem iniciá ca, pois para nela se ingressar é necessário ser-se iniciado, ou submeter-se ao ritual de iniciação, palavra que provém do la m iniƟaƟo cuja raiz significa iniciar, instruir, começar. Deste modo a iniciação, ou mais propriamente o ritual de iniciação, mais do que uma simples purificação pelos elementos, representa uma rutura com o mundo material, procurando operar uma mutação ontológica no candidato, preparando-o para receber a luz maçónica, isto é, permi ndo-lhe que por esta
Re-criações herméƟcas II, Hugin, Lisboa, 2004.
15
Introdução à Maçonaria, 7.a edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pág. 17.
16
Página | 28
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 28
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
via se coloque no caminho do conhecimento. O ritual de iniciação e a transformação profunda que pode acontecer no candidato não é algo se possa explicar mas apenas vivenciar, por isso pode ser comparada com um processo alquímico, num percurso efetuado das trevas para a luz, em que o neófito se transforma noutro ser, rompendo com os preconceitos com que olhava o mundo à sua volta. E tal como a alquimia se des na a transformar metais, a Maçonaria visa trabalhar a pedra, pelo menos a um nível simbólico, passando também pelas três fases de desenvolvimento da obra17, como Aprendiz, Companheiro e Mestre18. Apesar de a Maçonaria não ser considerada uma religião no sen do de que não concede sacramentos, é ritualista na medida em que observa determinados ritos ou rituais nesse percurso filosófico que se propõe encaminhar os iniciados. Para Roger Dachez, o rito pode ser equiparado a etapas ou graus que se deverão atravessar através de rituais apropriados19, tendo em vista essa transformação do ser humano. Temos deste modo os rituais ou reuniões dos maçons, onde se trabalha a pedra bruta produzindo pensamentos ou reflexões e o rito propriamente dito, enquanto um conjunto coerente e organizado de uma linguagem simbólica com um obje vo pedagógico específico consoante o grau em que o maçom se encontra. Considera-se também a Maçonaria como universal e fraterna pois, mesmo abarcando as diferenças que dis nguem os diversos ritos, ela tem por missão elevar o espírito do Homem com vista ao progresso moral e espiritual de toda a humanidade, numa lógica de tolerância e de liberdade, em que os maçons se assumem como irmãos nesta procura de uma sociedade em que tenha plena aplicação a sua divisa, e que foi também o lema da Revolução francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. É também filosófica, desde logo num sen do literal da expressão, pois os maçons procuram ser “amigos da sabedoria” ou ter “amor pelo saber”, abarcando nos seus estudos reflexões relacionadas com as questões fundamentais da existência, do conhe-
Humberto Eco, Os limites da interpretação, Lisboa, Difel, 1992, dis ngue também entre alquimia
17
opera va e alquimia simbólica. Embora, regra geral, se iden fiquem quatro fases do processo alquímico (nigredo, albedo, citrinitas
18
e rubedo), fala-se comumente de três (nigredo, albedo e rubedo). Les rites maçonniques égypƟens, puf, Paris, 2012.
19
Página | 29
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 29
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
cimento, da linguagem, da procura da verdade e dos valores morais, assentes no livre-pensamento e na compreensão da alteridade do outro. Esta liberdade, defendida pela Maçonaria, não é só a liberdade de ser mas também a liberdade de pensar. Em nenhuma escola maçónica se impõem dogmas, quer rela vos a crenças, quer rela vos a ideologias, sendo dado espaço ao maçom para que faça o seu próprio caminho, em respeito pelas suas convicções ou crenças pessoais – quer religiosas, quer polí cas ou filosóficas –, fomentando a tolerância, a introspeção e a reflexão nas relações interpessoais, conquanto as mesmas não impliquem a repressão da liberdade alheia. Assim, da mesma forma que a iniciação não pode ser explicada, tem de ser vivida, a Maçonaria pode ser explicada mas não é possível ser interiorizada ou compreendida a menos que seja vivida. Hoje em dia é possível saber quase tudo sobre os diferentes ritos, sobre a Ordem maçónica, os seus princípios e até detalhadamente sobre como desenvolvem os seus rituais. Porém, di cil será que se compreenda verdadeiramente qualquer dessas informações se não forem vividas ou sen das e mesmo a sua ap dão para provocar transformações profundas no ser humano fica diminuída por via desse contacto indireto e puramente intelectual. Ainda assim, comum e inapropriadamente se diz que a Maçonaria é uma Ordem secreta, o que já se viu que não corresponde à verdade, ela é antes uma Ordem iniciáca no que diz respeito à necessidade de passar pelo ritual de iniciação para nela se ser recebido, embora exista de facto um segredo maçónico. Fernando Pessoa, que faz também um paralelismo entre a alquimia e as colunas simbólicas das ordens iniciá cas, diz-nos que esse segredo tem “a mesma razão porque eram secretos os Mistérios AnƟgos, incluindo os dos cristãos, que se reuniam em segredo para louvar a Deus, em o que hoje se chamariam Lojas e capítulos, e que, para se disƟnguir dos profanos, Ɵnham fórmulas de reconhecimento – toques e palavras de passe.”20 E se na Maçonaria dita opera va, de que é herdeira, havia efe vamente um segredo relacionado com o o cio, atualmente isso atenuou-se. O que se pede ao maçom é que seja discreto, isto é, que guarde recato sobre o que se passa nas reuniões e sobre a qua-
In José Manuel Anes, Fernando Pessoa e os mundos esotéricos, Ésquilo, 2004, Lisboa.
20
Página | 30
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 30
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
lidade de membro de um Irmão, pois a Ordem existe publicamente mas sem propósito publicista, e só assumindo-se como um fórum livre de debate de ideias em que os seus membros podem expressar-se livremente sem constrangimentos de qualquer ordem, pode criar-se um espaço próprio de reflexão apto à evolução moral e espiritual do ser humano21. E se nos primórdios o segredo maçónico nha também uma função prá ca, que seria a proteção da Ordem em geral e de cada maçom em par cular, atualmente cada maçom é livre de se assumir como tal desde que não interfira com a liberdade dos demais. Existe, pois, uma outra vertente do segredo maçónico, menos divulgada, e que se encontra relacionada com o silêncio. Na magia hermé ca são definidos quatro pilares da aprendizagem, segundo a máxima la na noscere, audere, velle et tacere e que significa saber, ousar, querer e guardar silêncio22. Este silêncio, em que primeiro se apreende a realidade, se reflete sobre ela, se interiorizam os primeiros signos simbólicos para depois com eles se aprender a traduzir a sua mensagem, é impossível de comunicar a quem não o tenha experimentado ou sen do ou, dito de outro modo, a quem não tenha sido iniciado23. Esse simbolismo consta hoje, perfeitamente explicado ou revelado, na maioria dos livros sobre Maçonaria, desde o significado dos utensílios maçónicos à própria organização dos rituais, mas compreendê-lo e vivenciá-lo são coisas bem dis ntas, por isso se diz que o verdadeiro segredo maçónico não é algo material, é simplesmente incomunicável. E, porque deriva da experiência e reflexão pessoal de cada um, é um processo evolu vo que se vai enriquecendo à medida que se trilha o caminho nessa procura que não termina, nessa obra sempre inacabada que é a construção do templo interior e, por osmose, do templo universal. O silêncio é, assim, um veículo de aprendizagem, de interiorização, observação e ponderação, que é próprio de um trabalho interno de autoconhecimento. Esta conceção implica, em todo o caso, um profundo respeito pela natureza e por todos os seres, pelo
Cada potência maçónica desenvolve os seus trabalhos de acordo com determinado rito que con-
21
siste em verdadeiras sínteses da verdade rela va aos arqué pos. Franz Bardon, Le Chemin de la Véritable IniƟaƟon Magique, 1956.
22
Refere-se por vezes um quinto pilar “ire”, que significa agir de acordo. Nas palavras de André Pothier, “O simbolismo oferece-se em silêncio àqueles cujos olhos do cora-
23
ção estão abertos”.
Página | 31
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 31
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
mistério da vida ordenado por um princípio superior que é simbolizado pelo Grande Arquiteto do Universo, pelo Supremo Arquiteto de todos os Mundos ou outra designação que seja adotada, e que não é assimilado a qualquer en dade divina das religiões do livro. Cada maçom tem a liberdade de interpretar esse símbolo de acordo com as suas convicções pessoais sem que lhe seja imposta qualquer religião, sendo livre de o iden ficar com Deus ou com o deus em que acredita, o que implicará naturalmente que respeite também as outras religiões e convicções, numa lógica de tolerância. Como se vê, o obje vo fundamental da Maçonaria contemporânea é a construção de um ser humano melhor e de uma sociedade mais justa e mais fraterna, para o que recorre à simbologia da arquitetura e da geometria, onde se incluem os instrumentos da Maçonaria Opera va, por exemplo, a régua, o esquadro, o compasso, o maço e o cinzel. Neste sen do, cada um e todos os ritos maçónicos, tal como cada uma e todas as religiões, visam o propósito de “re-ligar” o ser humano ao divino e, apesar de estas vias poderem divergir em pequenos apontamentos das etapas do caminho, pretendem ensinar o Homem a caminhar para o seu aperfeiçoamento. Por isso, e à semelhança das an gas corporações de o cios, a Maçonaria é uma escola, uma escola de valores e de virtudes composta por Homens livres e de bons costumes, pois es mula em cada um dos seus membros a liberdade de pensamento, de crenças, de ação e de expressão, permi ndo que todos se expressem de acordo com as suas opiniões ou convicções pessoais, sob o entendimento de que é através desta livre troca de ideias que se permite um desenvolvimento são e compreensivo do ser humano. Enquanto associação, a Maçonaria estrutura-se em diferentes Obediências ou potências que são compostas por lojas e/ou triângulos, cujas reuniões são dirigidas por um Mestre. Não existe qualquer estruturação hierárquica entre Obediências, sendo elas independentes entre si, pelo que é hoje claro que a Maçonaria não atua como organização nem pode ser vista como tendo uma conceção comum ou um programa de ação. Não visa outra coisa que não o aperfeiçoamento moral e espiritual daqueles que a compõem e, por seu intermédio, da humanidade, e fá-lo através da procura da Verdade e de respostas para as questões que desde sempre se têm colocado ao ser humano sobre o sen do da vida. Deste modo cada rito organiza o seu programa de estudo em graus que correspondem a temas de estudo sistemá co de natureza simbólica ou filosófica a aprofundar Página | 32
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 32
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
pelo maçom. Sendo a regra a divisão em 33 graus, os primeiros três (a chamada Maçonaria Simbólica ou Azul) são o de Aprendiz, Companheiro e Mestre, sendo do 4.o ao 33.o grau denominada Maçonaria Filosófica. Vemos aqui aquilo que Chris an Jacq chamou “os 33 graus da sabedoria”24 enquanto degraus um percurso iniciá co de ascensão do ser humano ao conhecimento. A generalidade dos autores refere que a Maçonaria contemporânea, dita Especulava, teve a sua origem em Inglaterra, em 1717, no contexto do iluminismo, com a formação da Grande Loja de Londres. Existem, porém, diversos registos anteriores a 1670 de lojas que a precederam, onde eram iniciados membros da nobreza claramente por razões dis ntas do trabalho opera vo25. Julga-se que a Maçonaria tenha sido introduzida em Portugal por comerciantes britânicos, em 1727, com a abertura em Lisboa da Loja Os Hereges Mercadores26 sob a responsabilidade de William Dugood e que, após um período de desenvolvimento, a 28 de abril de 1738, por intermédio da bula In EminenƟ Apostolatus Specula, o Papa Clemente XII proibiu os católicos de se tornarem membros de lojas maçónicas, condenando esta prá ca, o que levou ao adormecimento das lojas, apesar de várias delas terem resis do e levantado colunas ou trabalhado na clandes nidade. Só a par r de 1760, sob a proteção do Marquês de Pombal, a Maçonaria terá do um período de desenvolvimento derivado da tolerância estatal que, intercalado com períodos de perseguição e de clandes nidade após a queda do Marquês de Pombal, permi u que, em 1802 fosse criado o Grande Oriente Lusitano, pois o número de lojas jus ficava já a criação de uma estrutura que coordenasse as a vidades da Ordem.
Chris an Jacq, A viagem iniciáƟca ou os 33 graus de sabedoria, Editora Pergaminho.
24
Neste sen do, William James Hughan, The Old Charges of BriƟsh Freemason, 1872.
25
Digno de nota, refere-se ainda que, antes de 1717, existem registos da presença de mulheres na Maçonaria só vindo a sua exclusão a ser clara com as Cons tuições de Andersen, em 1723. Não se sabe se esta terá sido a primeira loja em território nacional, nem qual seria o seu verdadeiro
26
nome, na medida em que os registos existentes são aqueles que resultaram da Inquisição. Em 1733 foi erigida uma segunda loja em Lisboa, por irlandeses católicos, denominada Casa Real dos Pedreiros Livres da Lusitânia, sob a responsabilidade de George Gordon.
Página | 33
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 33
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Após a Revolução Liberal de 1820, a que a Maçonaria portuguesa não foi alheia, pensa-se que o número de lojas tenha ascendido a cerca de 22, até que o regresso do absolu smo impediu esta evolução, levando a que as a vidades fossem suspensas. Embora não existam registos de lojas femininas em Portugal neste período, em 1822 foi publicado, após tradução anónima, um livro sobre Maçonaria de Adoção27, o opúsculo Vénus Maçona e, já em 1834, é feita referência ao Rito de Adoção no livro Bibliotheca Maçonnica28, pese embora as informações neles con das não sejam totalmente coincidentes entre si. Só em 1834, depois da implantação do regime cons tucional, a Maçonaria veio a conhecer um longo período de paz, que lhe permi u desenvolver os seus trabalhos, chegando a a ngir o número de 56 lojas. Deste modo, em 1864 é fundada a primeira loja maçónica feminina em Portugal, a Loja Direito e Razão, ligada à Confederação Maçónica Portuguesa, e, em 1881, a Loja Filipa de Vilhena, loja de adoção e filial da loja masculina do Grande Oriente Lusitano Restauração de Portugal. Já em 1923, a Loja feminina Humanidade filia-se na Ordem maçónica mista “Le Droit Humaine”, sendo a primeira loja da via mista em Portugal. Apesar de a República ter resultado também da intervenção de maçons, este novo regime debilitou a Maçonaria, fruto de discordâncias polí co-par dárias. O rude golpe sobreveio com o movimento militar e a ditadura do Estado Novo e, em 21 de maio de 1935, com a Lei n.o 1901, que proibia e confiscava os bens de todas as associações secretas, visando exclusivamente a Maçonaria, obrigando ainda todos quantos exercessem funções públicas a declarar que não pertenciam a qualquer associação secreta. A Maçonaria passou então a uma fase de clandes nidade. Com a Revolução de 25 de abril de 1974 e o advento da liberdade, a Ordem pode retomar os seus trabalhos com serenidade, entrando num período de crescimento desde a publicação do Decreto-Lei n.o 594/74, de 7 de novembro, que revogou expressamente a Lei n.o 1901, de 21 de maio de 1935, legalizando as sociedades secretas e
“Maçonaria/das/Senhoras/ou a/Verdadeira Maçonaria/de Adopção/Precedida de algumas Refle-
27
xões sobre as Lojas/irregulares e sobre a Sociedade Civil, com/Notas críƟcas e Filosoficas”, de Louis Guillemain de Saint Victor. De Miguel António Dias, tomo IV.
28
Página | 34
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 34
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
devolvendo-lhes os seus bens29. A Maçonaria portuguesa e o Grande Oriente Lusitano retomam então formalmente os seus trabalhos, com poucas lojas sobreviventes e, em 1980, a Ordem Maçónica Mista Internacional “Le Droit Humain”, volta a laborar em Portugal. Porém, desde 1984 várias cisões se verificaram na Maçonaria regular, registando-se o surgimento de novas Obediências. Em junho de 1991, um grupo de maçons do Grande Oriente Lusitano funda a Grande Loja Regular de Portugal, sob os auspícios da Grande Loja Nacional Francesa e, em 1996, fruto de uma cisão no seio da Grande Loja Regular de Portugal, é criada a Grande Loja Legal de Portugal. Só em dezembro de 2011, a Grande Loja Regular de Portugal e a Grande Loja Legal de Portugal passaram a cons tuir novamente apenas um único corpo maçónico da corrente tradicional, ligada à GLUI. Em março de 1997 foi criada a Grande Loja Feminina de Portugal, com a legi midade da Grande Loja Feminina de França, tendo sido a primeira Obediência feminina em Portugal e membro do CLIMAF – Centro de Ligação Internacional das Maçonarias Femininas, que resultou da instalação, em 1983, da Loja Unidade e Mátria e do crescimento das suas oficinas. Com raízes na 1.a República enquanto loja feminina de adoção, em Portugal a Ordem maçónica mista passou a ser representada pela Federação Portuguesa da Ordem Maçónica Mista Internacional “Le Droit Humain”, cons tuída formalmente em 2007. É neste contexto de florescimento da Ordem maçónica a nível nacional e de pluralismo que, em 3 de maio de 2008, é introduzido em Portugal o Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm, com a instalação da Loja Phoenix, em Lisboa, a primeira loja deste rito a trabalhar na via masculina, com o apoio da OIRAPMM. Três anos depois, em 21 de maio de 2011, foi consagrada e instalada a Grande Loja Simbólica de Portugal, em Lisboa, no Palácio Maçónico do Grande Oriente Lusitano.
O Palácio Maçónico, confiscado em 1937, foi devolvido ao Grande Oriente Lusitano, tendo sido
29
recuperados ainda diversos objetos e livros, sendo que muitos haviam sido entretanto desviados.
Página | 35
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 35
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Já em 2015, no dia 5 de dezembro, na XX.a Sessão da Grande Loja Simbólica de Portugal, o Grande Oriente de França30 confiou à Grande Loja Simbólica de Portugal as cartas patente da Maçonaria Simbólica e da Maçonaria Filosófica (Altos Graus) do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm, legi mando-a para a prá ca deste rito. Deste modo, com o apoio e legi midade do Grande Oriente de França, a Grande Loja Simbólica de Portugal refundou-se numa Obediência maçónica portuguesa alinhada à corrente maçónica liberal, adogmá ca e europeísta. Atualmente a Grande Loja Simbólica de Portugal é a terceira Obediência maçónica masculina em Portugal, é membro do CLIPSAS – Centro de Ligação e de Informação das Potências Maçónicas Signatárias do Apelo de Estrasburgo31, criado em 22 de janeiro de 1961 pelo Grande Oriente da Bélgica, o Grande Oriente de França e mais seis Obediências maçónicas que responderam ao apelo para o encontro em Estrasburgo, sendo atualmente a maior organização maçónica liberal a nível mundial, a que pertencem mais de 90 Obediências maçónicas de todo o mundo. A Grande Loja Simbólica de Portugal é também membro da AME – Alliance Maçonnique Européenne, associação criada em 20 de junho de 2015, que engloba cerca de 32 Obediências europeias, representando a Maçonaria liberal e adogmá ca europeia32. A Grande Loja Simbólica de Portugal é ainda membro da UMM – União Maçónica do Mediterrâneo, a maior organização maçónica da Europa, Norte de África e Médio
O Grande Oriente de França é uma federação de ritos, congregando no seu seio a prá ca do Rito
30
Francês, do Rito Escocês An go e Aceite, do Rito Escocês Re ficado, do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm e do Rito de Emulação. O CLIPSAS é um organismo internacional que tem assento na ONU e tem por missão reagrupar as
31
Obediências maçónicas da maçonaria liberal e adogmá ca de todo o mundo. Grande Oriente de França, Grande Oriente Lusitano, Grande Loja simbólica de Portugal, Grande
32
Oriente da Bélgica, Federação Francesa de Direito Humano, Grande Loja de França, Maçonaria Internacional Ordem “Delphi”, Federação Belga do Direito Humano, Grande Oriente da Grécia, Grande Oriente de Luxemburgo, Grande Oriente da Suíça, Grande Loja da Bélgica, Grande Loja Mista dos Países Baixos, Grande Oriente da Áustria, Grande Loja Mista Universal, Grande Loja Simbólica Espanhola, Grande Loja Feminina da Bélgica, Grande Loja Simbólica do Rito Escocês Primi vo, Grande Loja das Culturas e da Espiritualidade, Grande Loja Feminina de Espanha, Grande Oriente da Roménia, Grande Oriente da Polónia e Grande Loja da Itália.
Página | 36
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 36
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
Oriente, a par das principais Obediências maçónicas mundiais. A Grande Loja Simbólica de Portugal apoia ainda associações de solidariedade social e famílias carenciadas. Com a evolução da Grande Loja Simbólica de Portugal, e não perdendo de vista que o mbre da sua cons tuição passava pela concessão de iguais oportunidades às mulheres quanto à sua inclusão na Maçonaria, em 26 de junho de 2016, em Oeiras, é consagrada uma Obediência dis nta com a instalação da Grande Loja Simbólica da Lusitânia, a segunda a nível nacional na via mista, com três lojas e dois triângulos, que recebeu nessa data do Grande Oriente de França a carta patente para a prá ca do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm na Maçonaria Simbólica e Filosófica, legi mando-a para a prá ca deste rito. Apesar da organização em duas Obediências dis ntas, o estreito laço entre ambas as estruturas permanece inalterável, sendo par lhados projetos de ação social e o sen mento de amizade e fraternidade derivados da génese comum. Fez-se, desta forma, história na Maçonaria portuguesa. Como vimos, a Ordem maçónica está dividida em diferentes ritos que, apesar das suas diferenças de linguagem simbólica ou ritualís ca, visam expressar a mesma verdade essencial, assentando indis ntamente nos três graus da Maçonaria Simbólica: Aprendiz, Companheiro e Mestre. Estes ritos agrupam-se geralmente em duas correntes: a Maçonaria Liberal e a Maçonaria Regular. Ao passo que a Maçonaria Regular, mais conservadora, não recebe mulheres e pressupõe a crença numa en dade revelada e na imortalidade da alma, desenvolvendo-se nos ideais de “Sabedoria, Força e Beleza”, a Maçonaria Liberal, tendo recebido os influxos do Humanismo, não pressupõe a crença num deus e, em regra, admite mulheres, desenvolvendo-se em torno de ideais de jus ça social e igualdade, plasmados na divisa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”33. Esta dis nção tem ainda impacto na presença ou não de um livro sagrado em loja, referindo-se às religiões reveladas ou “do livro”, permi ndo ainda, ou não, a iniciação de ateus.
Esta dis nção deriva das origens de cada rito. Enquanto a Maçonaria dita Regular tem as suas raízes
33
na Maçonaria da Grande Loja Unida de Inglaterra, a Maçonaria dita Liberal tem a sua fonte nos princípios do Grande Oriente de França.
Página | 37
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 37
16/04/17 17:16
A Maçonaria Egípcia em Portugal
Em 1961, no âmbito da Maçonaria Liberal, foi fundado o CLIPSAS, cujo obje vo é congregar maçons de todos os credos, raças ou sexos que se orientem pelos princípios do livre pensamento e da liberdade de consciência, sendo elemento fundador desta organização internacional o Grande Oriente de França e membros representantes da Maçonaria portuguesa, o Grande Oriente Lusitano e a Grande Loja Simbólica de Portugal. Dado que os ritos egípcios se inserem na chamada Maçonaria Liberal, reconhece-se que os rituais pra cados não têm origem divina, antes são criados por mão humana, tendo sido escritos e alterados ao longo da história. Longe de uma visão ritualís ca está ca ou dogmá ca, desde a sua origem, os ritos egípcios não se man veram inalterados, antes foram evoluindo pelo contacto dos seus fundadores com várias correntes maçónicas ou ordens iniciá cas, filosóficas ou espirituais, sem que tal interferisse com o necessário compromisso com a iden dade do rito. Apenas, numa lógica de hones dade intelectual, a Maçonaria egípcia reconhece que os seus rituais não foram criados por uma en dade divina mas sim por seres humanos que, constatando a riqueza da linguagem simbólica egípcia e da sua ligação privilegiada aos arqué pos conforme foram delineados pela humanidade nos primórdios da sua espiritualidade, conceberam um sistema de estudo maçónico que permi sse aceder a este caminho de uma forma mais próxima com as suas raízes. E se por um lado não existem dissemelhanças fundamentais nos três graus da Maçonaria Simbólica em relação a outros ritos, na medida em que há uma iden dade ou proximidade simbólica, ainda que várias par cularidades ritualís cas, a verdadeira singularidade dos ritos egípcios centra-se nos seus Altos Graus. Por isso não será de estranhar que José Manuel Anes34 observe que os ritos egípcios são dotados de uma forte componente hermé ca, esotérica, alquímica e ocul sta, chamando-a de “Maçonaria dos An gos”.
Re-criações HerméƟcas, Hugin, 2004, Lisboa.
34
Página | 38
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 38
16/04/17 17:16
O Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm
Apesar de exis rem vários estudos e publicações sobre os ritos egípcios, nomeadamente alguns apontamentos publicados por José Manuel Anes35 e por António Ventura36 sobre o Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm, pouco se sabia sobre ele. Assim, com a introdução em Portugal do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm, tomam novo vigor as palavras de António Ventura37 quando refere que “a Maçonaria conƟnua viva em Portugal, numa pluralidade de Obediências que refletem diferentes formas de ler, assumir e viver a tradição maçónica. Trata-se, em boa verdade, de uma espiga com diversos grãos…” E, mesmo sendo o mais jovem grão da espiga maçónica nacional, o Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm procura trazer a simbologia egípcia e a alquimia dos mistérios an gos, na sua linguagem específica, mais esotérica e hermé ca, para desta forma tentar dar resposta às necessidades espirituais de quem busca um caminho.
A introdução do rito em Portugal Em Portugal existem, pelo menos desde 1727, Obediências que têm vindo a trabalhar alguns dos vários ritos hoje pra cados, sendo os mais an gos o Rito Escocês An go e Aceite, o Rito de York, o Rito Francês ou Moderno e o Rito Escocês Re ficado. Porém, apesar de exis rem registos de que o Soberano Santuário de Lyon emi u uma carta patente para a prá ca do Rito An go e Primi vo de Memphis-Misraïm em Portugal em 1920, só em março de 2008 o rito viria a despertar verdadeiramente, fiel aos princípios de tolerância com respeito aos valores humanistas e da liberdade, na medida em que alguns autores apontam a possibilidade de existência de relações entre
Entre outros livros do mesmo autor, na segunda edição do livro Uma Introdução ao Esoterismo
35
Ocidental e suas Iniciações, José Manuel Anes faz referência à Grande Loja Simbólica de Portugal, na página 101. António Ventura, A Carbonária em Portugal 1897-1910, Livros Horizonte, 2.a Edição, Lisboa, 2008,
36
e António Ventura, Uma viagem aos arquivos do Grande Oriente Lusitano – O Soberano Gran Consejo General Ibérico, in Revista Grémio Lusitano, n.o 13, de 2.o semestre de 2008, págs. 84 a 86. Uma História da Maçonaria em Portugal, Círculo de Leitores, página 840.
37
Página | 39
A Maconaria Egipcia em Portugal.indd 39
16/04/17 17:16