edição: Edições
Parténon® Sonho Europeu – 50 Países Unidos na Diversidade – Uma Europa de Lisboa a Vladivostok autor: Rogério Barros Costa título: O
capa:
Patrícia Andrade Paulo S. Resende
paginação:
1.ª edição Lisboa, maio 2018 isbn:
978‑989-8845-23-8 439112/18
depósito legal:
© Rogério Barros Costa publicação:
www.sitiodolivro.pt
Enquanto houver homens, haverá memória. Enquanto houver memória haverá História. Teremos nós, algum dia, coragem de enfrentar a nossa memória colectiva e não insistir em repetir sempre os mesmos erros que a nossa própria História nos relata?
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Agradecimentos Sempre que um tema versa o futuro, como se pretende com este ensaio, torna-se muito mais difícil a análise das expectativas do que simplesmente o relato e a análise de factos já ocorridos. É menos comprometedor, por outro lado, não acertar em previsões inconsequentes, ou só acertar de vez em quando, facilitando-se a especulação barata ou expressando desejos que, de qualquer maneira, sabemos que têm pouca probabilidade de se tornarem realidade. Desta forma, os conselhos de pessoas competentes e conhecedoras dos temas ou das situações podem e devem ser extremamente convenientes, credibilizando o que se escreve e ajudando a que esses temas possam ser incluídos em debates públicos mais ou menos alargados, mais ou menos públicos. Fica sempre, ao fim e ao cabo, o desejo do autor de que o trabalho desenvolvido na elaboração deste ensaio possa vir a ter alguma, mesmo que diminuta, utilidade na elaboração do nosso futuro comum. Desta forma, aqui ficam os meus agradecimentos a todos aqueles cuja gentil participação me fez consolidar o corpo das visões que
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tenho para esta Europa que queremos construir, num futuro que não espera por nós.
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PREFÁCIO
Europa a 50 O Sonho Europeu Um ensaio e uma solução para unir e desenvolver uma Europa causticada por milhares de anos de guerras e invasões e que procura a Paz. Nas palavras sábias dos seus fundadores, uma Europa que se quer europeia, mas que nesta realidade que vivemos ainda não o é e nem o sabe ser, que olha demasiado para o lado, ainda mais demasiado para trás e receia escolher um futuro e enfrentá-lo. Uma solução de Paz que exija, a partir de um olhar diferente, um novo entendimento e uma nova prática de relacionamento dos povos. Uma solução de Paz, que exija novos Estados, envolvidos numa nova Cidadania, uma Cidadania europeia, numa nova Liberdade de Solidariedade Social que a livre circulação dos europeus através da sua Europa torna premente, num entendimento global para um crescimento comum que as novas gerações têm o direito de exigir das gerações precedentes. Os europeus não podem continuar a ter medo uns dos outros.
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A Europa tem-se perdido moralmente no caos da organização das suas instituições, que lhe esvaziam princípios e valores. Dessa dissonância a uma crise institucional era um passo. É isso que está em causa neste ensaio através da questão do euro, da moeda única europeia sonhada, desejada e não ponderada, que apenas acelerou o processo e manteve a tradição de uma Europa dividida. Pela primeira vez a Europa tenta unir-se sem ser pela força das armas, embora presa das ameaças das armas alheias. Uniões forçadas duram o que duram e a memória dos homens não permitem que sejam duradouras. A ganância de alguém estraga sempre esses matrimónios forçados. Mas nem tudo são espinhos, também há rosas. É um facto que a atitude das novas gerações face à ausência de fronteiras que as impeçam de procurar novas oportunidades, de conhecer novos horizontes, tem provocado mudanças substanciais ao nível da rede de universidades onde origens e mentalidades diferentes se passaram a entrecruzar e a aprender que não devem ter medo uns dos outros só porque falam línguas diferentes ou têm culturas diferentes. Falta fazer muita coisa, nomeadamente nos campos da solidariedade, da saúde, da segurança social, do meio ambiente ou da defesa comum, onde os interesses privados/públicos continuam a obstaculizar entendimentos, mesmo que isso seja contra os interesses das populações. O segredo de uma verdadeira cidadania europeia reside num equilíbrio entre os interesses da Europa, no seu todo, e dos países, nos seus particulares. A conformação de uma nova identidade que os equilibre em liberdade e com justiça, reside nessa nova participação social que implica mudanças profundas na gestão dos homens e das Nações. De todas as Nações europeias, de Lisboa aos Urais. E mais longe ainda.
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“L’ Enlèvement d’Europe”, imagem parcial do quadro do francês Noël-Nicolas Coypel, 1727
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Uma História de Amor Numa proposta de revisão dos membros da zona euro, o ex-presidente francês Giscard D’Estaing incluiu Portugal, em 2013, numa short list de Estados-Membros a manter num núcleo duro da zona euro em que participariam os seis Estados-Membros fundadores e Portugal, Espanha e Áustria. Independentemente da análise do mérito da proposta, existe um claro e histórico reconhecimento do compromisso dos portugueses com a Europa o que merece, creio, que se faça uma breve resenha do nosso envolvimento histórico com este continente, mesmo se algumas considerações remontam à mitologia grega. Esta proposta de D’Estaing aconteceu exactamente durante o período de intervenção da troika que ajudou Portugal a sair da bancarrota de 2011. O que só aumentou o seu mérito numa análise valorizada pelo promotor e claramente destinada ao povo português 1. O nome Europa tem, na mitologia grega, uma origem romântica que distingue o continente europeu dos demais continentes. De acordo com as diversas interpretações dadas por diversos intérpretes dessa mitologia, a bela Europa seria filha do rei da Fenícia,
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Agenor, e irmã de Cadmo e Fénix, cujo nome também se associa a Fenícia. O deus dos deuses, Zeus, apaixonou-se por ela em dada altura e, com o auxílio de seu filho Hermes - mensageiro dos deuses e dos comerciantes, entre outras qualidades e defeitos que lhe eram atribuídos - raptou-a, usando o artifício de se disfarçar de um belo touro branco colocado no meio de um rebanho conduzido por este seu filho, para que a sua muito ciumenta mulher, Hera, não se apercebesse da assolapada paixão que tinha pela bela e jovem princesa. Hermes, diz a lenda, encaminhou a manada para a praia fenícia2 onde Europa e suas amigas se banhavam e divertiam. Seduzida pela beleza do touro em que Zeus se havia transformado, Europa foi levada por este, pelo mar, para a ilha de Creta, onde o seu irmão Cadmo a procurou. Ao longo dessa jornada em busca da irmã, Cadmo teria fundado a cidade de Tebas3. Europa teve, em Creta, três filhos de Zeus: Minos, futuro rei de Creta e antepassado do Minotauro, Radamanto e Sarpedão. Tempos depois, já separada de Zeus e casada com Astérion, de quem não teve filhos, Europa foi de novo raptada, agora por Júpiter, que nutria por ela igualmente uma grande afeição. Fugindo com a sua amada de Creta, atravessou com ela os mares e levou-a para outra parte do mundo, que dela terá recebido como baptismo o seu próprio nome: Europa 4. Ou seja, em Portugal, tão esquecido neste continente europeu que o diz periférico, erradamente, poderá estar muito do simbolismo desta mitologia europeia que nos faz simultaneamente navegantes do mundo, atravessando os mares, tal como Júpiter o teria feito, levando a sua Europa a outros continentes, portugueses europeus de coração e convicções milenárias, com eles levando também a mensagem de Europa pelo mundo fora. Ao contrário de outros povos europeus, que
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devastaram o mundo com a sua violência, os portugueses estabeleceram pontes com os mais diversos e longínquos povos, de que a nossa História é, hoje, ainda, testemunho. É por essa Europa de origens mitológicas mediterrânicas, não a Europa dos bárbaros periféricos do Norte, que acreditamos que devemos lutar, mudando já o que sabemos que está mal. Mas para ajudar a mudar a Europa dos antigos bárbaros, temos que começar por mudar a nossa Europa dentro de nossa própria casa, assumindo as responsabilidades que História e Mitologia parecem atribuir-nos e não nos rendermos a bandeiras que não são as nossas. Esse o propósito deste livro em que se objectiva apontar as grandes avenidas de mudança, nomeadamente na reforma e adequação da Democracia ao século XXI e da necessidade urgente e geral de uma Reforma do Estado de cima para baixo, como se devem fazer quaisquer reformas. Tudo o mais se resumirá a um sonho europeu que é cada vez mais forte para cada vez mais povos, onde muitos sonham poder vir a encontrar a paz, a tranquilidade e o progresso por que anseiam5. O Mundo deve muito ao dinamismo da Europa e das suas gentes. Desde há praticamente 2500 anos que os avanços culturais na Grécia antiga foram absorvidos pelos romanos que os transformaram numa cartilha de atitudes que ainda hoje seguimos, através do Direito Romano, da filosofia e das artes que recebemos de herança gerando uma parte essencial do nosso ADN ético e moral que ainda hoje exibimos. Princípios e valores cristãos, que os Impérios Romanos do Ocidente e do Oriente nos marcaram, são hoje maioritariamente fundamentais em 47 dos 50 países que a Europa comporta7, como se vê no Quadro II, embora aqui se representem e convivam todas as
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religiões do mundo, numa elevada dose de tolerância que não dispensa as inquietudes que podem explodir em qualquer momento, como aconteceu na desagregação da ex-Jugoslávia. Com o geralmente considerado primeiro grande europeu, o Imperador Carlos Magno8, no século VIII d.C., a Europa ganhou uma identidade própria e passou a ter uma entidade reconhecível, uma centralidade europeia fundamental que desde então esteve no cerne de todas as decisões tomadas neste Continente e que substituiu Roma na sua expressão continental. Com os portugueses, pais da 1ª globalização mundial, nos séculos XV e XVI, o Mundo apercebeu-se de uma primeira união de povos que, do Brasil a Timor, tendo o português como primeira língua, sul-americanos, africanos, indianos, macaenses, timorenses e outros povos e muitas etnias, da confirmação de um verdadeiro novo império de difusão de Portugal, do cristianismo e de uma civilização europeia. Portugal trouxe à Europa uma centralidade atlântica que ainda hoje se desenha no triângulo Portugal, Madeira e Açores, nas rotas para África e América, mesmo sem Ceuta (1415-1668) e Tânger (14711661), cedidas a Espanha e Inglaterra. Dois séculos mais tarde, de novo sob a inspiração francesa, o iluminismo foi outro momento grande desta Europa que combateu os absolutismos e nos transmitiu a democracia liberal de que a jovem nação norte-americana, entretanto, bebeu, que a ajudou a formar-se e se tornou na génese do Sonho Americano, que ainda perdura nos dias de hoje, embora um pouco distorcida e mais institucionalizada. O império britânico e as colonizações holandesa, espanhola, belga e francesa, que seguiram as pisadas e as rotas e interesses portugueses, principalmente entre 1580 e 1640, quando uma sucessão real tirou a Portugal temporariamente a sua independência formal sob
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o domínio de Filipe II a Filipe IV de Espanha, obrigando Portugal a perder a sua neutralidade política, contribuíram, embora de forma mais violenta, para que a Europa passasse a ter uma presença alargada e dominante ao redor do planeta e que, para mal ou bem, o nosso continente continue a ser hoje um centro de atração da vida e da cultura mundiais. Mesmo países de grande dimensão, como a China, apesar das suas diversas tentativas de exploração oceânicas através do Pacífico e do Índico, antes do século XIV, nunca conseguiram abranger o Mundo com a relevância que a Europa e os europeus atingiram, honrando e perdoando a Zeus e a Júpiter o rapto da bela filha de Agenor, Europa.
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O Sonho Europeu A União na Diversidade Em 9 de Maio de 1950, depois de longos debates e com o apoio de Jean Monnet, Robert Schuman, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, faz uma declaração que fecha o ciclo das negociações e abre as portas para o nascimento da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, precursora da Comunidade Económica Europeia e da União Europeia, mais tarde. É esse documento histórico para a Europa que aqui se reproduz e convém comparar com a realidade com que a União Europeia hoje se debate9.
DECLARAÇÃO SCHUMAN A paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criadores à medida dos perigos que a ameaçam. A contribuição que uma Europa organizada e viva pode dar à civilização é indispensável para a manutenção de relações
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pacificas. A França, ao assumir -se desde há mais de 20 anos como defensora de uma Europa unida, teve sempre por objectivo essencial servir a paz. A Europa não foi construída, tivemos a guerra. A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto. A união das nações europeias exige que seja eliminada a secular oposição entre a França e a Alemanha. Com esse objectivo, o Governo francês propõe actuar imediatamente num plano limitado, mas decisivo. O Governo francês propõe subordinar o conjunto da produção franco-alemã de carvão e de aço a uma Alta Autoridade, numa organização aberta à participação dos outros países da Europa. A comunitarização das produções de carvão e de aço assegura imediatamente o estabelecimento de bases comuns de desenvolvimento económico, primeira etapa da federação europeia, e mudará o destino das regiões durante muito tempo condenadas ao fabrico de armas de guerra, das quais constituíram as mais constantes vítimas. A solidariedade de produção assim alcançada revelará que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se tornará não apenas impensável como também materialmente impossível. O estabelecimento desta poderosa unidade de produção aberta a todos os países que nela queiram participar, que permitirá o fornecimento a todos os países que a compõem dos elementos fundamentais da produção industrial em idênticas condições, lançará os fundamentos reais da sua unificação económica. Esta produção será oferecida a todos os países do mundo sem distinção nem exclusão, a fim de participar na melhoria do
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nível de vida e no desenvolvimento das obras de paz. Com meios acrescidos, a Europa poderá prosseguir a realização de uma das suas funções essenciais: o desenvolvimento do continente africano. Assim se realizará, simples e rapidamente, a fusão de interesses indispensável à criação de uma comunidade económica e introduzirá o fermento de uma comunidade mais vasta e mais profunda entre países durante muito tempo opostos por divisões sangrentas. Esta proposta, por intermédio da comunitarização de produções de base e da instituição de uma nova Alta Autoridade cujas decisões vincularão a França, a Alemanha e os países aderentes, realizará as primeiras bases concretas de uma federação europeia indispensável à preservação da paz. O Governo francês, a fim de prosseguir a realização dos objectivos assim definidos, está disposto a iniciar negociações nas seguintes bases. A missão atribuída à Alta Autoridade comum consistirá em, nos mais breves prazos, assegurar: a modernização da produção e a melhoria da sua qualidade; o fornecimento nos mercados francês, alemão e nos países aderentes de carvão e de aço em condições idênticas; o desenvolvimento da exportação comum para outros países; a harmonização no progresso das condições de vida da mão-de-obra dessas indústrias. Para atingir estes objectivos a partir das condições muito diversas em que se encontram actualmente as produções dos países aderentes, deverão ser postas em prática, a titulo provisório, determinadas disposições, incluindo a aplicação de um plano de produção e de investimentos, a instituição de mecanismos de perequação dos preços e a criação de um fundo de
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reconversão destinado a facilitar a racionalização da produção. A circulação do carvão e do aço entre países aderentes será imediatamente isenta de qualquer direito aduaneiro e não poderá ser afectada por tarifas de transportes distintas. Criar-se-ão progressivamente as condições para assegurar espontaneamente a repartição mais racional da produção ao nível de produtividade mais elevada. Ao contrário de um cartel internacional que tende a repartir e a explorar os mercados nacionais com base em práticas restritivas e na manutenção de elevados lucros, a organização projectada assegurará a fusão dos mercados e a expansão da produção. Os princípios e os compromissos essenciais acima definidos serão objecto de um tratado assinado entre os estados. As negociações indispensáveis a fim de precisar as medidas de aplicação serão realizadas com a assistência de um mediador designado por comum acordo; este terá a missão de velar para que os acordos sejam conformes com os princípios e, em caso de oposição irredutível, fixará a solução a adoptar. A Alta Autoridade comum, responsável pelo funcionamento de todo o regime, será composta por personalidades independentes e designada numa base paritária pelos governos; será escolhido um presidente por comum acordo entre os governos; as suas decisões serão de execução obrigatória em França, na Alemanha e nos restantes países aderentes. As necessárias vias de recurso contra as decisões da Alta Autoridade serão asseguradas por disposições adequadas. Será elaborado semestralmente por um representante das Nações Unidas junto da referida Alta Autoridade um relatório público destinado à ONU e dando conta do funcionamento
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do novo organismo, nomeadamente no que diz respeito à salvaguarda dos seus fins pacíficos. A instituição de Alta Autoridade em nada prejudica o regime de propriedade das empresas. No exercício da sua função, a Alta Autoridade comum terá em conta os poderes conferidos à autoridade internacional da região do Rur e as obrigações de qualquer natureza impostas à Alemanha, enquanto estas subsistirem. Paris, 9 de Maio de 1950 Robert Schuman Ministro francês dos Negócios Estrangeiros
A EUROPA NO SÉCULO XX
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I – EVENTOS HISTÓRICOS MAIS RELEVANTES DO SÉCULO XX 1ª METADE
1900-1950
ATENTADO D.CARLOS I PORTUGAL
ATENTADO IMPERIOR ÁUSTRIA
INÍCIO 1ª GUERRA MUNDIAL
REVOLUÇÃO SOCIEDADE ELEIÇÃO HITLER BOLCHEVIQUE DAS PARTIDO (NAZI) NAÇÕES NACIONAL SOCIALISTA ATENTADO SIDÓNIO PAIS
GUERRA PENINSULAR REGIME FRANQUISTA
INÍCIO 2ª GUERRA MUNDIAL
1908
1914
1914/1918
1917
1919
1933
1936/1939
1939/1945
LISBOA
SERAJEVO
SÉRVIA
RÚSSIA
VERSALHES
BERLIM
ESPANHA
POLÓNIA
LISBOA
2ª METADE
1951-1999 (2004)
DECLARAÇÃO COMUNIDADE SCHUMAN EUROPEIA DO CARVÃO E DO AÇO
CRIAÇÃO PACTO VARSÓVIA
INÍCIO 1ª GUERRA INDOCHINA
INÍCIO GUERRA VIETNAME
TRATADO CRIAÇÃO COMUNIDADE ECONÓMICA EUROPEIA
REVOLUÇÃO 25-Apr
TRATADO SCHENGEN
1950
1951
1955
1950/54
1955/1975
1957
1974
1985
PARIS
PARIS
VARSÓVIA
VIETNAME
VIETNAME
ROMA
LISBOA
SCHENGEN
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I INÍCIO GUERRA DO PACÍFICO (JAPÃO)
CRIAÇÃO BENELUX
CRIAÇÃO BANCO MUNDIAL/ /FMI/PLANO MARSHALL
LANÇAMENTO BOMBAS ATÓMICAS
CRIAÇÃO ONU
GATT ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO
CRIAÇÃO NATO
1942/47
1944
1944/45
1946
1946
1947
1949
PEARL HARBOUR
LONDRES
BRETTON WOODS
NAGASAKY HIROSHIMA
GENEBRA
WASHINGTON
FIM DA 1ª GUERRA TRATADO CRITÉRIOS ORGANIZAÇÃO INÍCIO URSS E DO GOLFO CONSTITUIÇÃO COPENHAGUE MUNDIAL DO CIRCULAÇÃO REUNIFICAÇÃO UNIÃO UNIÃO COMÉRCIO EURO ALEMÃ EUROPEIA EUROPEIA (ACORDO DE MARRAQUEXE) 1989
1991/2
1992
BERLIM
KUWEIT
MAASTRICHT
1993
1994
COPENHAGUE MARRAQUEXE
2002
2ª GUERRA DO GOLFO
2003/2004 IRAQUE
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Introdução A metodologia seguida neste ensaio baseou-se em considerar que a Europa reúne os 50 países que identificamos de Lisboa aos Urais e que o Euro (€), a moeda única da União Europeia actual, sendo um elemento básico de identificação monetária de alguns desses países, não é de modo algum um elemento exclusivo a considerar. Não estaria no pensamento de Robert Schuman uma Europa a 19 países, mas uma Europa de Paz que teria forçosamente que reunir todos os países europeus, única forma de se prosseguirem todos os demais objectivos. Existem portanto dois grandes objectivos neste trabalho: o de considerar que a Europa vai do Cabo da Roca (Portugal), até aos Urais (Rússia), englobando ao todo 50 países, e que o euro é o elemento fundamental da construção de um sistema monetário europeu, ex-libris de uma unidade de que necessitamos, que devemos manter, mas não sob a forma e tratamento que meia dúzia de países lhe têm dado.* Esta metodologia, se tomada como um princípio a seguir por todos os países, independentemente das suas diferenças de vário tipo, em
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minha opinião, teria acelerado a criação da desejada União Europeia, tê-la-ia tornado mais realista e facilitado a todos os povos europeus laços mais fortes de um futuro comum, tornando mais difícil a outros dividi-la. O que é sempre tempo de o fazer. Não basta ser optimista neste último ponto, por isso se decidiu mostrar como coisas (países) diferentes necessitam de atenções (soluções) diferentes, porque não estamos a lidar com um saco cheio de gatos, mas com milhões de pessoas, pessoas que falam línguas diferentes, que têm culturas diferentes, que professam fés, usos e costumes diferentes, cujas economias se baseiam em pressupostos tão distintos, quanto a Dinamarca e Portugal, a Irlanda e a Turquia ou a França e o Montenegro podem ser distintos. O ponto essencial residirá na forma como deveremos respeitar as pessoas e congregá-las numa unidade identitária europeia, respeitando um acervo milenário de sangue e memórias que geraram uma cultura europeia rica, plena de culturas nacionais milenares muito distintas. A segunda metade do século XX não podia ter começado melhor. A geração do baby boom nascida nos anos imediatamente seguintes à II Grande Guerra Mundial, está ainda por aí para o testemunhar. As bandeiras da esperança, da paz e da liberdade desfraldaram-se finalmente. Tudo mudou então, embalado em rock, twist e os grandes grupos musicais que o continuam a ser na nossa memória. Entretanto, no dia 18 de Abril de 1951, em Paris, dando corpo à Declaração Schuman de Maio de 1950, nasceu a CECA, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço11 e das cinzas da guerra renasceu a esperança. Pretendendo colocar sob uma mesma Autoridade a produção de carvão e de aço franco-alemã e abrindo as portas a todos os outros países que a ela quisessem aderir, Alemanha, Bélgica, França, Itália,
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Luxemburgo e Países Baixos criaram as condições para que em 1957 nascesse a Comunidade Económica Europeia (CEE), antecessora da actual União Europeia. Dos seis elementos iniciais, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo haviam já firmado em Londres, nos momentos finais da II Grande Guerra, em 1944, um primeiro acordo de livre comércio entre estes três países e de uniformização das taxas aduaneiras com a utilização do porto de Roterdão para a saída das produções de carvão e aço (BENELUX), acordo este posteriormente ratificado em 1947, em Haia. Para trás ficara meio século XX de guerras mundiais, de franquismo, nazismo, estalinismo e genocídios diversos, países arrasados e impérios calcinados, uma Europa cansada de cultivar cemitérios, linhas de fronteiras alteradas, populações errando por todo o lado tentando, pela emigração12, fugir às loucuras e aos loucos da guerra, fome, desalento, tudo isso que se pretendia erradicar com o novo Sonho de uma Europa Unida, de uma esperança renovada numa paz consolidada. Do outro lado do Atlântico, nos EUA, em Bretton Woods, New Hampshire, discutia-se desde 1944, em plena guerra, a liderança da mudança e criavam-se as normas de coexistência financeira que regulariam a vida dos povos ocidentais atingidos pela guerra. O Banco Mundial tomava forma operacional para a ajuda aos povos atingidos pela Grande Guerra e o FMI estabelecia as regras de financiamento aos países dele necessitados. Em paralelo, o Plano Marshall acorria em auxílio da Europa em cinzas e ajudava a pacificar, pelo trabalho e pela reconstrução, a velha Europa e a construir as bases de uma nova Europa. Sem impérios e sem colónias, com as rectaguardas destruídas, o Plano Marshall foi o último grande exemplo de solidariedade que o Velho Continente conheceu. As doações financeiras do Plano Marshall, a fundo perdido, ajudando à reconstrução dos países europeus devastados pela
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guerra, contrastam fortemente com o comportamento egoísta actual dos grandes Estados europeus, após a crise de 2008, muitos dos quais foram grandes beneficiados dessa ajuda solidária que hoje pretendem ignorar e não tencionam praticar. Porém, só em 1989 se conseguiu verdadeiramente afastar os espectros desses conflitos mundiais com a falência pública do regime e dos ideais socialistas soviéticos, expressos na queda do muro de Berlim e na união das duas Alemanhas, de Leste e Oeste, separadas pela força desde o final da II Grande Guerra Mundial, conforme acordado entre as forças aliadas vencedoras desse conflito. O Sonho Europeu começava a ser possível, e todos os passos registados pelos homens de bem aparentavam seguir no bom sentido e na realização de um projecto que muitos quiseram pelas armas ao longo de séculos e que agora se fazia pelas pessoas e para as pessoas. Desde 2012, quando terminei a versão de “A Europa a 27” (Edição electrónica da Leya), que agora achei por bem rever e actualizar, sofreu a Europa várias e importantes alterações que são do domínio público, por pressões internas e externas (como a crise internacional de 2008), algumas muito fruto dos seus erros, outras fruto das alterações que, dentro da política do dividir para reinar, incentivaram muito negativamente o curso da União com que todos os verdadeiros europeus têm sonhado, incentivados pelos seus famosos mentores, com especial relevo para Robert Schuman e Jean Monnet, lutadores incansáveis na construção da CECA, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, no Tratado de Paris de 1951, embrião da CEE, Comunidade Económica Europeia, constituída pelo Tratado de Roma de 1957. Procurou-se avançar rapidamente nesses trabalhos de União crescente dos interesses dos países europeus mais envolvidos em pelejas de longa memória, não perder tempo para evitar novos e maiores males,
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principalmente durante o período ainda mais complicado pela Guerra Fria, que marcou parte importante da segunda metade do século passado. A Guerra Fria teve o condão de dividir a Europa em duas partes, convencionando-se chamar-lhes Europa Ocidental e Europa de Leste, como zonas de influência dos países ocidentais e da União Soviética, respectivamente. Em 25 de Março de 1960 constituiu-se a EFTA, com um conjunto de sete países, entre os quais Portugal. Em conjunto com a Irlanda, dois deles, o Reino Unido e a Dinamarca, juntaram-se em 1973 à CEE. Portugal veio a aderir, com a Espanha, em 1986, deixando de pertencer à EFTA, após a Grécia o ter feito em 1981. A União Europeia de Maastricht foi constituída com este grupo de 12 países (ver Quadro II). Em 1995, com a adesão da Áustria, da Suécia e da Finlândia, a CEE atingiu um número de 15 Estados-Membros, integrados ao longo de 37 anos, sempre incluindo naturalmente os 6 países criadores da CECA Foi um longo processo de maturação e várias foram as razões para que a União de países europeus se viesse a alargar, ano após ano, de forma constante ou por saltos eventuais, muito no esteio do que o entusiasmo do fim da Guerra Fria, em 1989, trouxe ao Velho Continente, renovado e rejuvenescido, com o exemplo maior da reunificação das duas Alemanhas saídas da Guerra. Teve-se sempre a consciência de que, se não é fácil gerir bem um país, qualquer país, nem certas cidades de grande gigantismo espalhadas pelo mundo, muito mais difícil é colocar de acordo 50 países, com dezenas de línguas, dialectos, culturas e níveis de desenvolvimento, conformados em caldos de milhares de anos de encontros
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e desencontros entre países economicamente concorrentes entre si. Pior ainda foi ter de concluir que os princípios de liberdade de movimentos e de expressão que nos são transmitidos não têm igual expressão em todos os países, gerando tipos de gestão e atitudes diferentes nos campos sociais e económicos, implicando diversas formas de abordagem neste processo de construção da União. Ideais e utopias à parte, as denominadas democracias, ou os denominados processos democráticos, são como as impressões digitais: não existem dois iguais. Os critérios de Copenhague (1993) estabelecidos na União Europeia vieram definir naturalmente os termos base de adesão que os países deviam cumprir para passar a fazer parte do clube europeu. Apesar de razoavelmente gerais, muitos países não os conseguem cumprir. Mas a vontade de adesão e pertença de certas uniões tem levado a alguma forma de civilização que se tem demonstrado em diversas paragens deste nosso mundo, com a África sub-saariana em primeiro plano. Se a CECA teve um objectivo predominante e, cremos, bem sucedido, o da regulação do acesso aos minérios que a belicosidade dos países do centro da Europa transformava em guerras, mortes e destruição, a velocidade a que foi implementada a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço não é comparável com a lentidão dos processos actuais de adesão ou com a angústia da vontade de uma adesão mais rápida que os países candidatos hoje claramente demonstram ou ainda com a indiferença ou desconfiança com que certos países, como S. Marino, Vaticano, Mónaco, etc. ou mesmo a Suiça e a Noruega, encaram essa adesão, certos e seguros de um desenvolvimento próprio numa cultura muito deles e num cepticismo marcante face à UE, que não estão dispostos a partilhar com os problemas de Bruxelas, garantindo um grau de soberania que os países aderentes têm vindo a sacrificar. Uma soberania relativa, é certo, dado o entorno
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geográfico condicionante. Todos os países precisam e dependem de todos os outros países, pequenos ou grandes, restando saber o quê e até que ponto estão dispostos a ceder hoje para beneficiar amanhã, como esperam. Diria que a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), antes de começar o alargamento que conduziu à (Comunidade Económica Europeia), deveria ter tido provavelmente um compasso de espera mais cuidadoso com a EFTA, a European Free Trade Association, ou Associação Europeia de Comércio Livre, criada em 1960, a que Portugal aderiu então, como referido antes. Mais realista e eficaz, com um carácter mais independentista em relação ao continente europeu, reunindo os impérios ainda activos, a EFTA quis ser claramente um entreposto comercial, sem mais altos voos, e conseguiu-o, à boa maneira anglo-saxónica. Tinha um objectivo concreto, comercial e industrial e não “comprou” uma atitude de intervenção política ou cívica entre os seus membros, que a UE, pelo seu lado, não dispensou. A continentalidade da Guerra Fria terá tido uma influência marcante nas diferenças entre a EFTA e a CEE. Um dos requisitos para a admissão de um país à CEE (UE) é a de que o país candidato tenha um regime político democrático, o que, em 1960, por exemplo, Portugal ou a Espanha não tinham. As exigências da Comunidade Económica Europeia vieram um pouco nessa linha de orientação, embora a sua ambição a tenha obrigatoriamente feito pender para a área política, que na União Europeia hoje é marcante e se reflecte no imenso Parlamento Europeu, marcando intenções e projectos para uma outra forma de união politicamente mais vinculativa. Sob este ponto de vista, os princípios democráticos expressos pela UE foram extremamente úteis nas mudanças que se seguiram, dentro e fora da Europa.
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II – ESTADOS-MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA POR DATA DE ADESÃO
1944
1951
1957
1960
1985
1992
1999
CANDIDATO
PAÍSES*
BENELUX
CECA
CEE
EFTA
SCHENGEN
UE
EURO
A ADESÃO
EX-URSS
S
S
Albânia Alemanha
1951
1957
1985
1993
1999
Andorra
N
Arménia
N
Áustria
1995
1995
1999
1985
1993
1999
Azerbaijão Bélgica
N 1944
1957
S
Bielorússia
S
Bósnia Herz.
S
Bulgária
2007
Chipre
2004
Croácia
2013
Dinamarca
1973
1960*
S 1999 S
1985
1995
2004
2004
1999
S
2004
2004
1999
S
1985
1993
1999
Estónia
2004
2004
1999
Finlândia
1995
1995
1999
1985
1993
1999
Eslováquia Eslovénia Espanha
França
1986
1951
1957
Geórgia
N
Grécia
1981
Hungria Irlanda
1985
1993
2004
2004
1873
Islândia Itália
1993
S 1999
1960 1951
1857
N 1985
1993
1999 N
Letónia Lituânia
2004 1960
SW
1999
Kosovo Liechtenstein
S
2004
1999
1985 2004
S S
N 2004
1999
S
O S ONH O E U ROPE U | 39
Luxemburgo
1944
1951
1957
1960
1985
1992
1999
CANDIDATO
PAÍSES*
BENELUX
CECA
CEE
EFTA
SCHENGEN
UE
EURO
A ADESÃO
EX-URSS
1944
1951
1957
1985
1993
1999
S
Macedónia
S
Malta
2004
2004
1999
Moldávia
N
Mónaco
1985
N
Montenegro
S
Noruega Países Baixos
1960 1944
1957
Polónia Portugal
1986
1960*
Reino Unido
1973
1960*
Rep. Checa
1993
2004
2004
1985
1993
S 1999
2004
S
2007
Rússia
S N
1985
S 1995 1960
N S
Ucrânia
N
* PAÍSES QUE SAIRAM DA EFTA PARA ENTRAR NA CEE ** PAÍSES SOB A INFLUÊNCIA DA EX-URSS ANTES DE 1989
S
1995
Turquia Vaticano
S
N
Sérvia Suiça
1999
1993
Roménia
Suécia
S
N 1985
2004
S. Marino
S
1985
N
S
4 0 | R O G ÉR IO B A R R O S C O S TA
A Europa de Leste, sob o domínio soviético, era um exemplo de ausência de princípios e práticas de liberdade política. Só depois da queda da URSS é que esses países promoveram aberturas mais ou menos democráticas que lhes permitiram fazer hoje parte da UE. Esta teve, nesse capítulo, uma intervenção pedagógica extremamente positiva, sem a qual não se justificariam as aberturas de fronteiras para livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais que conhecemos sob as regras do Tratado de Schengen. Nas páginas de “A Europa a 27”, citado acima, considerei sempre os problemas de curto prazo, mas nunca deixei de ter em linha de conta as suas consequências para a geração que vai ver chegar o séc. XXII, geração já nascida e a nascer, mais conhecida como geração Erasmus, bandeira da integração social europeia e do conhecimento comum, de uma nova democracia nascente, mais social e solidária, que estará inegavelmente na base de muitas das alterações sociais e económicas dos próximos 100 anos. Politicamente, porém, continuamos, para benefício dos maravilhosos políticos que salpicam impunemente todos os países do mundo, a defendermos os nossos cantinhos e a vivermos numa falsa democracia liberal que embrulha eleições e votos em pacotes de esquecimento dos verdadeiros problemas que defrontamos no dia a dia. Quis, então, realçar que há soluções possíveis e que, quando as levarmos a cabo, já não se trata de resolver os nossos problemas, ou apenas disso, mas temos que as construir de forma flexível, pensando nos nossos filhos e netos em todas as áreas do conhecimento, da sociologia e das solidariedades universais, bem como devemos tomar em linha de conta que as mudanças mais duradouras são sempre as que vêm de baixo para cima, que são protagonizadas pelos cidadãos e que ficam inscritas nas bases da cidadania.
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Precisamos de países ricos, precisamos de dirigentes de empresas activas e ricas em conhecimentos, em riqueza produtiva e capacidade de desenvolvimento humano, que entendam que a nossa riqueza está em construir gerações europeias que consigam fazer-nos crescer e sair da mendicidade endógena que nos aflige tradicionalmente, tal como precisamos de expurgar os miseráveis que exigem tudo de quem trabalha para se locupletarem com os respectivos benefícios. Precisamos de estados honestos duramente empenhados na redução das cargas fiscais sobre quem cria riqueza, pessoas singulares ou colectivas e duros na penalização criminal dos incumpridores do interesse comum. Os pobres, fora uma ou outra esporádica revolução, nunca foram solução para os outros pobres. Victor Hugo bem o demonstrou, e a pobreza não está nos bolsos ou nas contas bancárias, mas nas atitudes inculcadas no que chamamos errada e cobardemente cultura, onde se escondem as novas elites da impunidade e da corrupção. Os níveis de produtividade de Portugal, França ou Alemanha não são idênticos. Não existem dois países com níveis de produtividade idênticos. Localização geográfica, posicionamento em relação aos mercados, mercado interno e mercado externo adjacente, língua, cultura, reservas de ou acesso privilegiado a matérias-primas, com relevo para a energia, todos esses factores são distintos entre todos os países que aderiram ao euro. Isto implica que cada país tenha que escolher uma estratégia de desenvolvimento própria que lhe permita vantagens competitivas sobre os demais países concorrentes, nomeadamente em produtos e produções similares. Até à nossa entrada no euro, o regime cambial era parte integrante do posicionamento comercial de cada país no estrangeiro, um poderoso instrumento financeiro, com reflexo no comportamento e nas
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decisões das empresas e das pessoas nos capítulos das exportações e importações de bens e serviços, afectando taxas de juros e custos finais dos produtos, resultados das empresas e acréscimos de produtividade, ajudando a definir investimentos para inovações ou alterações de métodos produtivos. Outros factores, como a localização do país em relação aos mercados seus compradores, que tem implicações directas nos custos de transportes, por exemplo, ou a existência de capacidade técnica de transformação de matérias primas, são dados dos problemas e estratégias a enfrentar, mas muito difíceis ou impossíveis de alterar a curto e, por vezes, médio prazos, exigindo estratégias diferentes de cada economia nacional. Cada país tem, portanto, as suas vantagens e os seus custos comparativos com os demais países, que implicam opções e decisões diferentes para que devemos estar preparados, nomeadamente na criação de clusters adaptados às especificidades nacionais e que possam gerar vantagens competitivas, que reduzam desvantagens produtivas ou que requeiram um quadro de soberania fundamental nas questões e decisões essenciais. A definição da moeda e da relatividade do seu valor em relação a outras moedas, é uma das decisões mais importantes a conduzir política e financeiramente por um governo e/ou por um banco central local. Mas não é um objectivo final, fora dos casinos. É um meio de garantir a capacidade de fazer outras coisas essenciais para o país e para a sua soberania. Não será de admirar a decisão de tantos países que integram a União Europeia de não aderirem ao euro. O maior exemplo continua a ser o do Reino Unido, cujo Brexit abrirá inevitavelmente rachas profundas nos novos processos de adesão à moeda única, aprofundará cepticismos, e conduzirá decisões
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mais prudentes quando das negociações com os novos candidatos à entrada na União Europeia, quer da parte desta quer da parte dos novos candidatos. Considero que, ou se tomam medidas abordando os problemas específicos causados pelo euro, ou este tenderá para a sua aniquilação ou desaparecimento, arrastando a União Europeia. Porque a Europa a 19 (o Grupo número 2 dos aderentes à moeda única, descrito a seguir), não pode continuar a ser um grupo de amigos ricos a fazerem dinheiro à custa dos vizinhos mais fracos ou menos ricos. E a desejada Europa não devem ser 19 mas 50 países! Mesmo assim, propostas mais ou menos veladas têm sido feitas para separar o grupo dos 19 em vários grupos de 2ª ou 3ª classe…convém lembrar e difundir, e poucos europeus o sabem ou, sabendo-o, não dão a essas propostas a relevância que nos devia merecer. Convém ter um mapa da Europa sempre à mão, para dar mais realidade aos nossos projectos colectivos. Chamei bem a atenção em “Dívida, Mercados e Soberania”, que desde 1870, quando a população mundial atingiu os mil milhões de habitantes, apesar de todos os conflitos declarados ou não declarados, mundiais ou locais, a humanidade tem duplicado o número de habitantes em cada 50 anos. Esperamos assim atingir os 8 mil milhões em 2020, caso não os tenhamos ainda atingido, com os pobres e os desprovidos dos tais conhecimentos necessários ao desenvolvimento técnico e cultural que hoje se requerem, em percentagens muito crescentes. No exterior da realidade europeia, gente, crianças, na sua maioria, a morrerem de fome, devia ser, além de todas as outras considerações, com os meios de que dispomos no século XXI, um insulto para cada um de nós e uma declaração de falência dos princípios norteadores da raça humana, sejam quais forem as explicações que se pretenderem dar. Todos os países são responsáveis por essa falência.
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Nos cinco anos que mediaram entre as versões destes dois ensaios, os problemas da Europa revelaram-se de tal maneira que decidi alterar a abordagem aos países europeus, estendendo-a, não aos 28 que aderiram mais ou -menos sofregamente a esta União Europeia, até hoje, mas a todos aqueles que, ricos ou pobres, grandes ou pequenos, respiram os mesmos ares de um continente que nunca se globalizou verdadeiramente, antes sempre se tentou globalizar colonizando países e territórios terceiros dos outros continentes, nunca partilhando os benefícios coloniais realizados, espalhando miséria onde havia pobreza e agora, esquecida a procura de mais espaço terceiro para globalizar, que se coloniza dentro de si mesma, num autofagismo e ganância miseráveis. A questão não reside mais em corrigir erros, mas em abandonar as fórmulas actuais e reiniciar um processo meramente de interesses financeiros e económicos e tomar as decisões de abrangência política e democrática que estão ausentes de Bruxelas.
Os critérios de adesão à Europa e as normas de União que devem respeitar os Estados Membros A União da Europa ou a Europa Unida são meras ilusões. Sabemo-lo e enfiamos a cabeça na areia para não o reconhecermos. E porque, tão preocupado que está cada país com o seu umbigo e buscando as suas vantagens, ninguém se tem preocupado com os pilares da União, mas tão somente com as burocracias da dominação do poder pela criação de mais critérios burocráticos. Os critérios de Copenhaga (1993)15, que definem os termos em que um país pode ser aceite na União Europeia, têm sido
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escamoteados e aligeirados por interesses políticos internos aos mais fortes, violando os princípios que levaram a desenhar-se este Sonho Europeu. O caso grego ainda está por escrever. Agravamos in tempo essas ilusões com a pressa política que presidiu à aceitação das adesões dos diversos países. Ao contrário do que seria de esperar, temos tentado construir uma União pelo telhado, enquanto rejeitamos a criação dos pilares deste magnífico edifício milenar, de 400 milhões de pessoas, caindo no erro de não preceder a edificação de uma Constituição Europeia (apesar das tentativas feitas) onde toda a legislação futura tivesse o seu espaço adequado ou respeitasse os princípios éticos e morais que definiram este Velho Continente nos dois últimos 2000 anos, marcando a sua diferença no mundo. Sem essa base comum, sem as definições, obrigações e direitos que uma Constituição preconiza, restam apenas as velhas lutas com outras vestes e a civilização moderna morrerá na praia. Foi isso que os últimos anos pós-crise acentuaram. Tentou-se, entre o Tratado de Maastricht (1992) e o Tratado de Lisboa (2009), criar condições para a definição de uma Constituição que foi recusada em famosos referendos, na França e na Holanda, onde se confundiram os problemas internos com os da Comunidade, tipificando o que provavelmente acontecerá mais vezes no futuro próximo. Infelizmente, a solução foi desistir em vez de se utilizarem parte das centenas de eurodeputados que se passeiam financeiramente confortáveis nos corredores de Bruxelas e Strasbourg para se encontrar uma fórmula aceitável por todos. É evidente que no fundo dessa Constituição se desenhavam os fundamentos de uma federação à americana que ninguém na verdade queria, uns por serem monarquias constitucionais, outros por opções ideológicas, outros ainda por terem medo do fim
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da sua soberania, ou outros ainda por terem a convicção clara de que um federalismo tradicional, na Europa, nunca poderá ter lugar, como adiante se verá. Os Estados Unidos da Europa poderão levar 200 anos a conseguir. Talvez. Por esta via, e num processo pacífico, nunca. A esperança residirá na amnésia das novas gerações aos eventos dos últimos 200 anos e às mudanças que o mundo que está a chegar e ainda desconhecemos nos obrigar. Mas se atentarmos nas pessoas e nos anseios manifestados, de Leste a Oeste, concluiremos facilmente que a fórmula final será uma resultante natural do processo que for desenvolvido até uma determinada altura. Os consensos vêm sempre da base, como a Grécia antiga nos ensinou. Infelizmente, possamos nós ter actualmente a designação de União Europeia, pelo menos os países que a ela já aderiram, não existe de facto uma União Europeia. Existe, na realidade, uma briga intensa, um desejo imenso, por uma União Monetária, controlada por uma denominada Zona Euro, a que muitos querem aderir buscando vantagens de tratamento e “ajuda para o desenvolvimento”, onde grassa a loucura de criação de uma nova filosofia bancária. Existe uma briga tremenda pelos fundos estruturais e de coesão, com cada país a medir o tamanho dos seus interesses, quer os que recebem quer os que entregam. E é tudo. Em troca, os países contemplados aceitam cumprir certas regras que acabam por abrir as portas aos mais fortes que aí encontram mais espaços para as suas indústrias financiadas pelos próprios bancos. Mas essa história conhecemo-la bem. Insistir pela burocracia de Bruxelas na constituição de regras comuns às multinacionais para controlarem as suas filiais, através de decretos comunitários, embora seja compreensível da parte dos credores, que definem a nossa actividade dentro das estratégias europeias
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com evidente arraso nos processos soberanos próprios de cada Nação, não parece adequado aos devedores. Mas é o que podemos conseguir pela política da moeda única de 19 contra 50 países, enquanto o Banco Central Europeu conseguir aguentar a situação presente. O euro sustenta a União Europeia, está claro. Mas a queda da União Europeia destruirá definitivamente o euro. E vice-versa. O nome do jogo é dívida. O Banco Central Europeu tem que segurar os países com dívida excessiva e estes, para além de alimentarem os mercados financeiros, não podem largar a União Europeia sob pena de criar efeitos sistémicos no próprio euro. *Por tudo isso é que defendo a reformulação radical do sistema financeiro europeu, através de um Bimonetarismo bem estudado e melhor implantado, bem conseguido dentro dos interesses económicos gerais. É essencial devolver alguma soberania aos países nessa matéria, antes que o sufoco da burocracia devolva a Europa a nova devastação. Se não o souberem fazer, chamem os britânicos! e procurem reverter o Brexit. No capítulo seguinte, chamo a atenção para a desagregação desta (des)União Europeia.
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Mapa 1 – UE
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CAPÍTULO 1
As Europas da Europa “In varietate concordia” As europas da EUROPA são por um lado o desenho do caos natural e por outro de como um sonho magnífico se desfaz no seio dos interesses de alguns. Durante décadas, no século passado, a Europa dividia-se em dois blocos, o Leste e o Oeste, numa denominada Guerra Fria que os opunha. Por outros motivos, a Europa está hoje dividida em diversos blocos que insistem em continuar a não se entenderem. Após o fim do Império Soviético, oficialmente, em 1989, com a queda do muro de Berlim, as regras mudaram. As mudanças e as não mudanças provocadas pela construção da Comunidade Económica Europeia, nomeadamente pela sua passagem a União Europeia, em 1992 e a entrada em campo do euro, a nova moeda única, provocaram por um motivo ou outro as divisões em blocos de diversa natureza que a seguir se indicam. Consideramos que sem uma profunda reforma das regras do sistema monetário europeu, as divisões da Europa em blocos maiores ou menores só conduzirá ao aprofundamento das diferenças e à eventual falência do projecto europeu.
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Comparada com outros continentes, em termos de fronteiras terrestres, temos que convir que a Europa é uma manta de retalhos, difícil de defender e/ou controlar contra povos terceiros. Por isso, ao longo da história, foi facilmente invadida por gentes de outros continentes (mongóis da Ásia Central, Otomanos do Médio Oriente/ Ásia Menor, Cartagineses e Mouros de África, da Mauritânia) fora as migrações internas que trouxeram bárbaros do Norte ao Sul (celtas, vândalos, godos, visigodos, etc) ou que levaram, do Oeste ao Leste, cruzadas religiosas. Esse recorte facilitou que o continente europeu se visse pulverizado em pequenos e médios reinos, de geografia variável, que a orografia ajudou a defenderem-se dos invasores e a criarem as suas especificidades, culturas e canais próprios de comércio marítimo que ajudaram ao desenvolvimento do continente e a contactos correntes de diversa natureza entre os seus povos. Nesta edição decidi, portanto, trazer à tona, não apenas os 28 países que já aderiram à União Europeia e que não concordam no essencial com coisa nenhuma para além do próprio umbigo, mas os 50 que compõem geograficamente o continente europeu e que nele partilham desta fragmentada ponta de lança da placa eurasiática. Seria desejável encontrar métodos políticos, económicos e sociais para que, considerando como esses países se dividem ou agregam em diversos grupos mais ou menos homogéneos, conseguissem encontrar tendências e vontades expressas de marcar caminhos comuns adequados para os homogeneizar e integrar numa verdadeira União Europeia, fazendo de uma unidade física uma unidade política. No que respeita ao Reino Unido, claramente um país europeu, e ignorando os seus detractores, é impossível não continuar a considerá-lo no grupo dos 28 ou mesmo dos 50, a que pertence por direito próprio, cultural e geográfico, como grande construtor da nossa
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civilização. A Magna Carta de 1215 é um momento-chave da democracia europeia, 500 anos antes da Revolução Francesa, lamentando-se a forma como altos responsáveis de países como a França reagiram à moda dos velhos medos e mais velhas rivalidades para aplaudir pouco discretamente a sua recente saída da União Europeia. O Reino Unido, como ponte para o resto do mundo, é, por mérito próprio, parte integrante da Europa, com Brexit ou sem Brexit, e essencial à construção de outro futuro dentro da Europa a 50. É desejável a reversão do Brexit referendado, a curto, a médio ou a longo prazos. A sua saída descredibiliza o projecto EU e envergonha a própria Europa. Se é inquestionável que o próprio Vaticano é imprescindível à Europa, como elo ecuménico fundamental na união dos povos e dos princípios que os devem unir, não posso deixar de questionar que a grande Rússia, o maior país da Europa, que também é um país de uma base cultural cristã riquíssima, não se programe para a sua integração na União Europeia, mesmo que isso possa apenas vir a acontecer dentro de algumas décadas. Vejamos então como a Europa de 50 países está, neste momento, pulverizada20.
Grupo 1 - Países actualmente componentes da União Europeia (28): Alemanha Bulgária Dinamarca Espanha França Irlanda Lituânia
Áustria Chipre Eslováquia Estónia Grécia Itália Luxemburgo
Bélgica Croácia Eslovénia Finlândia Hungria Letónia Malta
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Países Baixos Reino Unido Suécia
Polónia República Checa
Portugal Roménia
Grupo 2 – Países integrantes da União Europeia que aderiram à moeda única, ao euro (19) - (ZONA EURO) e constituíram o primeiro grande clube. Existe uma discriminação nestas opções para benefício dos que ficaram dentro dos 19. Mas também existe desconfiança de alguns que não entraram: Alemanha Áustria Bélgica Chipre Eslováquia Eslovénia Espanha Estónia Finlândia França Grécia Irlanda Itália Letónia Lituânia Luxemburgo Malta Portugal Países Baixos Entretanto, não demorou muito que, entre estes, alguns gostariam de criar com uma certa altivez uma zona euro A e uma zona euro B, eventualmente uma C, quem sabe, em que os países cronicamente devedores se integrariam, relegando para trás o primeiro ponto relevante da Declaração Schuman: a solidariedade entre os estados-aderentes. No sistema que defendo mais adiante, vou mais longe, admitindo a soberania de cada país sobre a sua moeda em circulação interna, corrigindo o primeiro grande erro da União Europeia pós 1999.
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Grupo 3 - Países integrantes da União Europeia que ainda não acordaram aderir à moeda única (9): Bulgária Hungria Reino Unido
Croácia Polónia República Checa
Dinamarca Roménia Suécia
Neste grupo de 9 países identificamos 7 países pertencentes à antiga área de influência soviética, o que se repetirá noutros grupos. Na verdade, só uma importante questão de retirada de certos países da área de influência russa poderá justificar a sua existência na União Europeia embora fora da Zona Euro. Outros, como os nórdicos ou o Reino Unido, terão motivações de soberania resolúveis pela solução que preconizo. A Europa esteve praticamente dividida ao meio, até 1989, e mantém-se ainda hoje a fragilidade económica dos membros do chamado bloco de leste, mantendo-se de certo modo dividida por diversos outros motivos de ordem económica, social e cultural, em que a questão política já não é tão premente. A própria Alemanha experimentou e experimenta ainda, da forma mais dura, a resistência da parte Leste do seu território no processo de reunião das duas Alemanhas, a grande luta do chanceler Helmut Kohl. Gerações são precisas até que as mentalidades acompanhem os processos de consolidação económica e 1989 está ainda muito próximo de nós. É perfeitamente aceitável a decisão de cada país na aceitação de pertença a este ou aquele conjunto de países. O que é mais do que compreensível, é que essas decisões não correspondem a uma verdadeira União, ou seja, correspondem a desígnios distintos com consequências económicas e financeiras distintas. Tomemos um exemplo: uma reunião de trabalho dos chefes de estado dos 28 que em
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determinado momento é interrompida para a saída dos chefes de estado dos países que não aderiram ao euro. É ridículo e prenunciador de decisões diferentes que na verdade afectam todos. Conclusão: existe um projecto, incompleto e hesitante, de União Europeia, mas não existe uma União Europeia, embora se mantenham dúvidas e desconfianças. A UE poderia ser o projecto inicial, mas a realidade é de uma (des)UE e do seu aproveitamento por quem pode. Ainda dentro dos princípios gerais, instituiu-se em Schengen (1985/1995) uma definição de abertura de fronteiras com o objectivo clássico da livre circulação de pessoas, capitais, bens e serviços, com vista à construção de um mercado único com regras próprias que promovesse o desenvolvimento do espaço europeu. Este espaço Schengen, que ratifica um dos grandes pilares morais da construção europeia e abre as portas aos caminhos da solidariedade, tem consequências sociais da maior valia. Reconheceu-se que a União Europeia nunca poderia singrar se as fronteiras físicas e imaginárias continuassem a dividir os europeus, cada um em seu canto, com os seus sucessos e as suas mágoas que não interessam aos outros. Pensou-se e bem, desde Schuman, que o grande objectivo, a solidariedade entre os povos, resolveria grande parte das diferenças. Onde está ela? Existe uma consciência de que esta geração Erasmus não poderá evoluir com barreiras de qualquer ordem a travá-la e que a livre movimentação destes jovens, ganhando competências dentro do continente europeu, construindo pontes humanas, será a base da construção de um espaço sem os medos do passado recente que lhes punha armas na mão e que a História ainda não apagou. Poderia ousar afirmar-se que a Europa social nunca será verdadeiramente europeia enquanto existir uma única fronteira que represente um obstáculo de circulação, no nosso continente, para uma única pessoa ou instituição.
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Para esse chamado espaço Schengen, de livre circulação de pessoas, bens e capitais, aderiram 26 países, sendo 22 deles integrantes do grupo dos 28. Cinco países não aderentes, são, porém, considerados na prática como integrantes do espaço Schengen: Liechtenstein, Andorra, Vaticano, Mónaco e S. Marino, dada a sua localização geográfica no seio de outros países (Itália, Espanha e França ou vários, no caso do primeiro). Exceptuam-se:
Grupo 4 – Países integrantes da União Europeia fora do acordo Schengen (6): Bulgária Irlanda
Chipre Reino Unido
Croácia Roménia
a que devemos, porém, acrescentar
Grupo 5 – Países que constituem actualmente a EFTA e não são integrantes da União Europeia, mas que aderiram ao Tratado de Schengen (4): Islândia
Liechtenstein
Noruega
Suiça
Embora não pertencentes à União Europeia, reconheceram o mérito do Tratado de Schengen, embora queiram ser senhores do seu destino. O que os assusta? O euro, claro, e os limites que o fazem colidir com a soberania dos países aderentes da Zona Euro. Aceitam o caminho escolhido, mas preferem conduzir o seu próprio destino e tomar as suas próprias opções estratégicas. Nestes diversos grupos e composições, encontramos desde já uma outra diversidade que se confirma se pensarmos que existem ainda:
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Grupo 6 - Países candidatos à adesão à União Europeia: Albânia Sérvia
Macedónia Turquia
Montenegro
que fazem parte de uma zona geográfica muito particular com uma História comum muito belicista (que não deixou ainda de o ser) de onde nasceram conflitos de grande dimensão. Seus vizinhos, a Bósnia Herzegovina e o Kosovo, que partilham dessa mesma História, também aspiram à adesão à União Europeia, embora seja oficial não possuírem ainda condições para esse efeito. Faria sentido juntarem-se aos países do Grupo 7 e constituírem, para já, uma unidade nova que lhes permitisse, mesmo em regime de cooperação com a União Europeia existente, crescer dentro das especificidades que lhes são tão próximas. Mais tarde, coordenados e mais desenvolvidos, poderiam então aderir à UE. Porquê aderir já? Fundos de coesão, claro, e a luz do euro ao fim do túnel.
Grupo 7 – Países que tencionam aderir à União Europeia, mas que ainda não possuem condições para tal, dentro das regras comunitárias de adesão (2): Bósnia-Herzegovina
Kosovo
Como referimos antes, uma das grandes vantagens da união europeia em construção, é o seu processo democrático e civilizacional para que são empurrados certos países que ainda há muito pouco tempo eram controlados e dominados por regimes autocráticos fortíssimos, onde os direitos e a dignidade humanos eram inexistentes. Funcionando como um objectivo real, um leit motiv, a União Europeia a construir tem aqui um papel extremamente relevante.
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Finalmente, ainda um oitavo grupo de 15 países não candidatos à União Europeia se perfila neste mosaico de nacionalidades, línguas e opções políticas, económicas, sociais e religiosas. Mesmo retirando aqueles 5 países que pela sua dimensão e localização geográfica estão tacitamente englobados no conjunto dos países ocidentais tradicionais, existe uma maior coerência social entre os demais (exceptuando a Suíça e a Noruega) que, em conjunto com os países dos grupos 6 e 7 terão necessariamente que ultrapassar importantes etapas ao nível social, religioso ou educativo que os possam fazer ombrear com os Estados-Membros actuais.
Grupo 8 – Países não candidatos à União Europeia Andorra São Marino Azerbaijão Moldávia Islândia
Liechtenstein Vaticano Bielorrússia Ucrânia Noruega
Mónaco Arménia Geórgia Rússia Suiça
Optou-se aqui pela agregação destes países em três grupos distintos porque distintas são efectivamente as suas motivações para se manterem de fora do processo de integração. No primeiro caso, é a sua dimensão e inclusão noutros países já referida, que os distingue. No segundo caso, trata-se de países de uma determinada área geográfica unidos por uma satelitização recente da ex-URSS cujo abandono poderá significar problemas sérios, como é do conhecimento geral, com a Rússia, com quem partilham, inclusive, atitude, língua e população. Como é evidente, desde o Vaticano até à Rússia, reconhecemos razões objectivas e subjectivas, políticas ou religiosas que tornam
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muito difícil que os europeus venham a conseguir, mesmo neste século, o desiderato de uma Europa verdadeiramente unificada em bases que possam ser aceites igualmente por meia centena de países que a História ensinou a não se saberem entender. Nestas versões que os números de adesões ou de rejeições nos mostram, encontramos os países de primeira, segunda, terceira e outras divisões que continuam a dividir a Europa e a transformá-la num campo de batalha onde o comércio conjunto, a indústria e a finança substituíram os tanques e os mísseis, definindo-se como as novas e poderosas armas dos que mais podem. Não esqueçamos que países como a Itália e a Alemanha foram fundados nas suas formas políticas actuais há apenas 150 anos (1871), ao contrário dos 1200 anos de França (na sua fórmula territorial original), dos quase 900 anos de Portugal (1128)16 e dos pouco mais de 500 da Espanha (1492). O euro não parece ser a massa consistente para unir uma Europa com todas estas diferenças culturais, linguísticas ou religiosas que conhecemos. À centralidade imperial e continental francesa responde Portugal com uma atitude marítima imperial e universal. Andorra, Mónaco, S. Marino, Liechtenstein e Vaticano são, dada a sua integração territorial em outros países já pertencentes à UE, casos especiais que confirmam que a Europa política é uma manta de retalhos que acompanha o recorte orográfico e que dificulta as negociações para uma união de todos. O continente americano, por exemplo, cuja História é a História muito mais recente da colonização, com uma continentalidade muito mais homogénea que permitiu outros grandes países, como o Brasil, o México, a Argentina, o Canadá ou os EUA, é mais receptivo à criação de grandes grupos políticos e económicos, como a NAFTA ou o Mercosul. O seu sucesso depende, como é evidente, de outros factores, nomeadamente das características políticas
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desses povos. Mas essa é uma questão assaz distinta do que se passa na Europa. Porém, ninguém consegue imaginar uma moeda comum americana para as Américas do Norte, Centro e Sul, creio. A experiência argentina dos anos 90 é disso um belo exemplo em que os próprios europeus deviam atentar. Entretanto, estamos a cometer impunemente o mesmo erro da Argentina do final do século XX. Será inocente? Num breve resumo à abordagem acima, concluímos que a Europa dos 50 comporta actualmente 28 países efectivos na União Europeia, onde continuamos a incluir o Reino Unido, por tudo o que foi dito. Dos 50 aderiram ao acordo de Schengen 26 países e 19 aderiram também à moeda única, o euro. Existem, porém, muitas vontades de dividi-los em grupos mais pequenos dentro do euro, o que o enfraquecerá ainda mais, diminuindo a sua relevância. A questão não se colocará nos termos da proposta de Giscard D’Estaing, embora esta sirva para identificar o problema que todos conhecem, que se debate q.b. em França, e apenas ele teve a coragem de assumir. Finalmente, existem ainda 6 países candidatos à adesão e outros 15 que não se manifestaram, mas que, principalmente os mais pequenos, não parecem estar muito interessados em se juntarem aos demais 35. Deste grupo de 15 países, fazem parte sete da área de influência da ex-URSS. Politicamente, a Europa também está destroçada. A ausência de processos democráticos faz com que se perca uma visão a 360º da nossa posição no mundo e mantenhamos a Europa com limitações a Norte, a Leste e a Sul, em briga e tensões permanentes com os seus vizinhos. Desta forma, parece que seria demasiada ignorância histórica e geográfica não incluir um espaço para um conjunto de países
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mediterrânicos que pertencem ao grupo dos 28 e que têm tentado sentar-se e discutir diversas questões dos foros políticos, salientando a sua proximidade ao Mar Mediterrâneo que viu nascerem e morrerem impérios e onde a miscigenação de culturas aconteceu com o grande relevo que reconhecemos na construção da Europa. Em lugar de a Europa do Sul, através de vozes racistas e xenófobas de países periféricos do Norte, ser insultada nos fóruns europeus, melhor seria que, utilizando a proximidade regional e a experiência milenar desses países do Sul (lembremos os impérios romano, o árabe, o português, o espanhol…), se promovesse de forma activa a reunião de um grupo mediterrâneo em que se respeitassem as opções culturais e religiosas dos seus membros. Embora se deva reconhecer que se trata de uma tarefa hoje muito difícil, numa acção de escopo político e económico empenhado para o desenvolvimento dos vizinhos norte-africanos e para a estabilização, por exemplo, das trágicas migrações que têm matado milhares de pessoas nas águas do Mediterrâneo, na sua demanda pelo sonho europeu, criando fontes de investimento e desenvolvimento locais. As origens comuns dos países europeus do Sul e africanos do Norte perdem-se nos tempos, mas deixaram marcas históricas e culturais que são traços de união.
Mapa 2 - Mar Mediterrâneo
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