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Novembro de 1938. Com a ameaça do fascismo a ensombrar a Europa, um jovem anglo-português alista-se como voluntário no exército inglês, decidido a lutar pela liberdade e por um futuro melhor junto da mulher que ama.

Poderá o contributo de um só homem, perdido entre duas pátrias tão distintas, fazer a diferença?

J. P. Machado

Enquanto tenta sobreviver às primeiras batalhas da 2.ª Guerra Mundial e ao opressivo regime de Salazar, Victor Crawford de Almeida terá que conciliar as suas raízes lusitanas com o implacável dever de combatente britânico.

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Licenciado em Gestão pelo ISEG e pós-graduado em Finanças e Controlo de Gestão pelo ISCTE, desenvolveu a sua carreira desde 1997 em bancos, organismos públicos e empresas. O seu percurso de vida levou-o a destinos tão diversos como o Canadá, Angola, Inglaterra, Espanha e Cabo Verde.

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Iniciou a sua carreira literária em 2016 quando publicou o seu primeiro livro de ficção, intitulado “Crónicas de uma Guerra Secreta – A Agência”.

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Entre dois ImpĂŠrios

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J. P. Machado


w ie ev EDIÇÃO: edições Vírgula® (Chancela Sítio do Livro) TÍTULO: CRAWFORD Entre Dois Impérios AUTOR: J. P. Machado

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CAPA: Ângela Espinha PAGINAÇÃO: Susana Soares 1.ª EDIÇÃO Lisboa, outubro 2018

ISBN: 978-989-8821-77-5 DEPÓSITO LEGAL: 444705/18 © J. P. Machado

PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

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ÍNDICE

Prólogo...................................................................................................... 7 I - A Perda da Inocência – Novembro de 1938 a Maio de 1940

O Rapaz sem Pátria........................................................................... 13 A Tempestade Crescente ................................................................. 33 A Falsa Guerra .................................................................................. 53 Blitzkrieg .......................................................................................... 75 Entre Lille e Dunquerque ................................................................. 97 Operação Dínamo .......................................................................... 121

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II - Em Serviços Especiais – Junho de 1940 a Agosto de 1941

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7 O Fim de uma República ............................................................... 8 Da Escócia ao Egipto ...................................................................... 9 Um Passeio no Deserto ................................................................. 10 A Batalha de Creta ......................................................................... 11 No Labirinto do Minotauro ............................................................ 12 Revelações .....................................................................................

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III - O Nosso Homem em Lisboa – Setembro de 1941 a Maio de 1942 13 Lancaster e Bouchard .................................................................... 14 Orgulhosamente Sós ..................................................................... 15 Perdidos e Achados ....................................................................... 16 O Resistente Francês . .................................................................... 17 Fantasmas ...................................................................................... 18 O Mestre Espião .............................................................................

281 303 325 347 369 391

Conclusão – O Cavalheiro Inglês O Cavalheiro Inglês ............................................................................. 417


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PRÓLOGO

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Quando a Europa mergulhou mais uma vez na guerra generalizada em Setembro de 1939, a nossa pequena nação era a mais antiga aliada europeia da Grã-Bretanha, contudo o regime paternalista e fervorosamente anticomunista de Salazar estava ideologicamente mais próximo da Espanha de Franco, da Itália de Mussolini e da Alemanha de Hitler. O relacionamento com os Aliados e com o Eixo ao longo de todo o conflito refletiu continuadamente essa ambiguidade. Apesar da proximidade política, os agressivos comandantes de submarinos da marinha alemã atacaram e afundaram em 1941, no Atlântico, os navios mercantes portugueses “Ganda”, “Corte Real” e “Cassequel”. Em Agosto do mesmo ano, quando a “Divisão Azul” de voluntários espanhóis se juntou ao exército alemão no combate contra a União Soviética, nas suas fileiras estavam incluídos cerca de 150 “Viriatos” portugueses. Poucos voltariam da carnificina da frente leste. No Oriente, o território ultramarino de Timor-Leste foi ocupado unilateralmente por forças aliadas ainda em 1941 e devastado a partir de Fevereiro de 1942 por uma invasão japonesa, com a população portuguesa de origem europeia posteriormente internada em campos de concentração. Alguns portugueses juntaram-se aos Aliados na resistência aos japoneses, mas o seu sacrifício não foi reconhecido por Salazar. A Alemanha, a Inglaterra e os Estados Unidos fizeram sucessivos planos para a ocupação total ou parcial do território português, principalmente para os Açores, potencialmente decisivos na Batalha do Atlântico entre os submarinos alemães e os comboios


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de navios aliados que transportavam abastecimentos, armas e soldados. Lisboa tornou-se uma das capitais da espionagem mundial, com agentes de ambos os lados competindo por qualquer informação que pudesse conferir vantagem às suas nações. Na primeira metade da guerra as autoridades portuguesas limitaramse a observar as maquinações dos operacionais de ambos os lados, não interferindo com as atividades suspeitas de vários cidadãos estrangeiros. A capital portuguesa foi também um dos poucos locais de abrigo disponíveis para as centenas de milhares de refugiados fugindo da devastação do conflito. Foi uma ironia histórica que um dos mais fechados e conservadores países da Europa ocidental acabasse por se tornar a última réstia de esperança para aqueles que tentavam escapar do Velho Mundo. Para a maioria dos habitantes de Portugal continental, os anos da guerra foram anos de racionamento alimentar, inflação, crime e corrupção, com escassez de géneros e de combustível. O preço de alimentos tradicionais como as sardinhas ou o bacalhau duplicou entre 1939 e 1943, com o mercado negro cada vez mais presente. A fome, a falta de apoio médico, a falta de escolas e a alta taxa de mortalidade infantil eram provas do atraso sistemático de Portugal. Apesar das dificuldades agravadas da população portuguesa, a balança comercial e as reservas de ouro registaram melhorias extraordinárias naqueles poucos anos, devido à exportação do minério de volfrâmio e à venda de abastecimentos e outros materiais estratégicos aos beligerantes. Evidenciando a ambiguidade de Salazar, apesar das suas simpatias doutrinárias pelos regimes de Hitler e Mussolini, o nosso país continuou a fornecer o seu “mais antigo aliado” inglês a crédito durante toda a guerra, enquanto as outras nações neutrais europeias exigiam pagamento em ouro para as compras inglesas. A questão muito debatida pelos historiadores se Portugal deveria ou não ter entrado como beligerante na 2ª Guerra Mundial continua a não ter uma resposta fácil. Entre a maior vantagem


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negocial no pós-guerra de uma participação ao lado dos Aliados e as anteriores décadas de instabilidade e revoluções decorrentes da participação na Guerra Peninsular (1807-1814) e na 1ª Guerra Mundial (1914-1918), ainda hoje continua a ser difícil determinar qual teria sido a melhor opção. Tal como o nosso país, sem solução entre a neutralidade do regime e as pressões das fações beligerantes, a história deste livro é sobre um anglo-português que nasceu e passou os primeiros anos no Portugal de Salazar, crescendo dividido entre a educação moderna de uma mãe inglesa e o conservadorismo saudosista do regime português. Os anos seguintes em Inglaterra não seriam mais fáceis para o jovem Victor, com dificuldade em integrar-se na exigente sociedade inglesa, tentando ultrapassar uma discriminação constante face às suas origens. Como os voluntários portugueses que resistiram aos japoneses em Timor, como os “Viriatos” que combateram contra a União Soviética ou como outros emigrantes e luso-descendentes que se juntaram aos vários exércitos, a personagem de Victor Crawford de Almeida recusou o “status quo” e juntou-se à luta, acreditando que a única forma de mudar Portugal era mudar o mundo à sua volta. E que o contributo de uma única pessoa no meio de milhões ainda podia fazer a diferença. Esta é uma obra de ficção, inspirada em eventos decorridos entre 1938 e 1942. Algumas personagens históricas de líderes políticos e militares envolvidos na 2ª Guerra Mundial foram utilizadas de forma ficcionada. Qualquer semelhança das restantes personagens com pessoas reais, vivas ou mortas, é pura coincidência. E de acordo com todos os registos históricos, nunca existiu um oficial anglo-português chamado Victor Crawford de Almeida…


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I A Perda da InocĂŞncia

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Novembro de 1938 a Maio de 1940


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1 O Rapaz sem Pátria

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Novembro de 1938

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Estava um dia solarengo, apesar do frio e da neve que caíra na noite anterior em Paris. O jovem Victor aproveitava sofregamente as poucas horas que lhe restavam antes de deixar a cidade luz, passeando pelo “Bois de Boulogne”1 , acompanhado pela sua namorada francesa, Julie Bergstein. Caminhavam pensativamente, atraídos pela paz e o encanto dos jardins, tentando abstrair-se das nuvens de guerra que pairavam sobre o continente europeu. Não valia a pena irem passear para os bairros mais centrais da cidade, continuavam as manifestações dos diversos partidos que derrubavam e erguiam os sucessivos governos no “Palais de l’Élysée”. O pouco tempo de que Victor e Julie dispunham antes de ele apanhar o comboio na “Gare du Nord”, para a ligação a Inglaterra, tinha que ser aproveitado da melhor forma possível. Tinham-se conhecido enquanto estudantes na “Sorbonne”2 , há cerca de dois anos. Ele frequentava sem grande entusiasmo um curso de direito, enquanto ela estudava literatura clássica. Travaram conhecimento através de colegas e o amor nascera naturalmente do convívio.

1 Um dos maiores parques públicos de Paris, criado em 1858, cobrindo uma área de 850 hectares. 2 Edifício sede da Universidade de Paris, existente até 1970 e que englobava diversas faculdades especializadas. Após os turbulentos acontecimentos estudantis de Maio de 1968, foi desagregada em várias outras universidades.


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Victor era filho de pais divorciados, o pai um oficial superior do exército português de origem aristocrática, a mãe inglesa, oriunda de uma família de comerciantes de vinho com longa atividade em Portugal. Os dois conheceram-se e apaixonaramse em 1915, no que se tornou rapidamente uma relação intensa, mas conturbada. A inglesa ficou grávida inesperadamente, mas o jovem oficial assumiu as suas obrigações e casou-se, poucos dias antes de embarcar para a Frente Ocidental, ao serviço da Corpo Expedicionário Português. Quando regressou a Portugal em 1919, o militar estava traumatizado pela guerra nas trincheiras e pelos longos meses como prisioneiro de guerra dos alemães. Entretanto, Victor tinha nascido em Lisboa, na primavera de 1916. Viveu em Portugal até aos doze anos de idade, quando a difícil relação entre os pais finalmente soçobrou e a mãe fugiu para Inglaterra com ele, aproveitando uma das muitas ausências do pai devido à carreira militar. Inicialmente mãe e filho foram viver para o centro de Inglaterra, em Gloucester, junto dos avós maternos. Seguiram-se anos de acusações e guerrilha entre os dois progenitores pela tutela do jovem, mas nada se alterou. Victor ingressou na escola e na vida em Inglaterra, sofrendo na pele a discriminação do “establishment” britânico. Os colegas troçaram e abusaram dele repetidamente, devido ao seu sotaque, até ele aprender a falar inglês como eles e a representar o melhor possível o papel de um jovem inglês de boas famílias. Quando chegou a altura de prosseguir os estudos a nível superior, uma trégua foi finalmente conseguida entre as duas fações em conflito. Victor iria estudar para Paris, onde residia uma tia paterna, casada com um diplomata português e também um tio materno, empresário inglês. Uma solução neutral, dado que nenhum dos lados queria abdicar das suas posições. Victor embarcou com agrado para Paris, aliviado por simplesmente sair de Inglaterra e da discriminação que sofria. Começou a apreciar mais a vida, nomeadamente por causa da cultura e alegria própria da cidade-luz. Julie Bergstein fora uma surpresa inesperada, pela sua espontaneidade, pelo seu espírito


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aberto e pela forma como aceitara Victor, não o avaliando pelos seus dilemas interiores, mas sim pela sua energia, entusiasmo e determinação. Enquanto o namoro com Julie recarregava a alma e o coração de Victor, o mundo à volta deles mergulhava gradualmente na loucura. Em Espanha uma sangrenta guerra civil grassava desde 1936, com forças alemãs, italianas e soviéticas utilizando o conflito fratricida para testarem novas armas e táticas. No início daquele mês de Novembro de 1938, Hitler e Mussolini tinham implementado o “Diktat” de Viena, atribuindo unilateralmente à Hungria mais de um milhão de habitantes e uma larga porção de território da Checoslováquia. Na Alemanha, durante a terrível “Kristallnacht”3 , milhares de judeus tinham visto os respetivos negócios, sinagogas e casas vandalizados ou destruídos. Julie ficara horrorizada com este acontecimento, porque ela própria era judia. Mesmo em França já havia movimentos nacionalistas ou fascistas que ameaçavam implementar as mesmas políticas raciais se conseguissem chegar ao governo. Na universidade, já havia quem a olhasse de lado nos corredores e salas de aula devido à sua religião. A guerra na Europa iria recomeçar mais tarde ou mais cedo e Victor decidira fazer o possível para ter um papel ativo nela. Por Julie, pela sua mãe em Inglaterra, pelo anterior sacrifício do seu pai nas trincheiras da Grande Guerra, mas também por ele próprio. Inicialmente pensara alistar-se como soldado na Legião Estrangeira francesa, pela sua histórica reputação de combate na Grande Guerra e no Norte de África. Porém o seu tio materno, James Crawford, também ele veterano de 1914-18 pelo exército inglês, apresentara-lhe uma alternativa melhor. As forças britânicas estavam a preparar-se também para o conflito, embora lentamente. A mobilização geral ainda não tinha sido anunciada, contudo os ingleses já estavam a recrutar e treinar oficiais e sargentos no exército territorial, para as novas unidades a mobilizar quando a guerra fosse declarada. 3

Noite de Cristal, em português.


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Embora a formação universitária no estrangeiro não fosse normalmente considerada um critério aceitável, o tio conseguiralhe uma entrevista no exigente “Reserve Comissions Board”, para a entrada no exército de Sua Majestade. Sem hesitar, Victor aceitara a oportunidade, mesmo sem discutir o assunto com a mãe ou com o pai. A entrevista e provas de admissão tinham sido feitas há algumas semanas atrás, numa visita relâmpago secreta que o jovem fizera a Inglaterra. Os resultados foram positivos, com Victor admitido no curso de oficiais de infantaria das forças territoriais, no prestigiado “Royal Military College”, em Sandhurst. James Crawford também conseguira para o sobrinho uma posição no seu antigo regimento de voluntários, se concluísse com sucesso o curso de oficiais. Os “Royal Green Foresters” eram uma unidade territorial de voluntários que servira nos principais conflitos do império britânico, desde a Guerra Peninsular (1808-1814) contra Napoleão, passando pelas campanhas da Crimeia (1853-1856) e dos Bóeres (1899-1902), até às mais contemporâneas batalhas na Frente Ocidental, como o Somme em 1916 e Passchendaele em 1917. Victor estava prestes a partir para o começo das dez semanas de instrução e as últimas horas com Julie estavam a passar num misto de paixão e desespero. A caminhada do casal levara-os até à “Grande Cascade”, uma catarata artificial originalmente construída em 1856. Abraçados, enveredaram sozinhos por uma das grutas no interior da cascata, admirando a beleza da cortina natural de gelo que se formara sobre a queda de água. Tentando reter a imagem de Julie, Victor contemplou demoradamente a face esculpida da namorada, o seu rosto magro, quase desenhado, os profundos olhos verdes e o sorriso que lhe iluminava a alma. Ela vestia um sobretudo de inverno azul-escuro e um gorro branco, com os longos cabelos compridos soltos sobre o pescoço e o casaco, mas nem aquele vestuário prático e sombrio de inverno conseguia disfarçar a beleza natural da jovem. - Como é que vamos ultrapassar os próximos meses? – Perguntou Julie, visivelmente preocupada.


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- Vou-te escrever todas as semanas, nem que seja um postal. E assim que acabar o curso de oficiais e for colocado no regimento, venho a Paris na primeira licença que tiver. - E depois? - Entretanto acabas o teu curso e preparas-te para vires comigo para Inglaterra. - Porquê? Não tenho lá nada…e os meus pais vão sentir a minha falta aqui. - Vamo ter-nos um ao outro. Pelo menos até as coisas começarem a aquecer. E vais gostar de conhecer a minha mãe. - A tua mãe inglesa não vai gostar da noiva francesa do filho. - Não te preocupes. A minha mãe tem experiência internacional… - Respondeu Victor, com um sorriso mordaz. – E espera até conheceres o meu pai português, isso é que vai ser interessante. Ele detesta todos os estrangeiros. - Isso é ainda menos tranquilizador. - É a nossa vida, não a dos meus pais ou dos teus pais. Mas o que aí vem, nos próximos meses, daqui a um ou dois anos no máximo… - A guerra? - Sim. Mais trincheiras, mais metralhadoras, mais canhões. Mas temos que acabar com isto de uma vez por todas. Não podemos ter outra guerra daqui a vinte anos e vinte anos depois disso. - Adoro a tua convicção. Mas…e o nosso futuro? - Há vida antes da guerra começar, haverá vida durante a guerra e teremos vida depois da guerra. - Concluiu, abraçando-a e beijando-a com paixão. Estiveram ali alguns minutos, beijando-se e acariciando-se no meio daquele idílico cenário de inverno. Depois continuaram a caminhada, afastando-se da “Grande Cascade”. Julie perguntou a Victor: - Sentes saudades de Portugal? Como é a vida lá? - Não vou a Portugal há quase oito anos, mas adorei crescer


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lá! É um país pobre mas com alma. Com orgulho na sua história, e com razão. - Porquê? – Questionou a francesa, intrigada. - Porque antes de haver uma grande república francesa ou um poderoso império britânico, já havia um reino e um império português, que explorou, descobriu e colonizou a maior parte do mundo, com pouquíssimos homens, navios e fortalezas. - Parece inspirador. – Comentou ela, apreciando a intensidade e orgulho com que Victor falava do seu país de origem. - Ainda mais se conhecesses a alma dos portugueses. Há lá um estilo musical tradicional, chama-se fado. Parece um lamento, melancólico, profundo. Mas demonstra toda a força e capacidade de resistência à adversidade dos portugueses. - E o império português, o que resta dele? - Guiné, Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé, Goa, Macau, Timor. E se considerarmos o Brasil, independente desde o século passado, isso faz do português uma das línguas mais faladas em todo o mundo. É o melhor exemplo da força do meu povo. - Mas a vida em Portugal deve ser difícil… - Há períodos longos de fome e privação. Não há liberdade de imprensa, nem de manifestação, nem de opinião. Apenas a corrente tradicionalista e paternalista de Salazar. Portugal precisa de se modernizar. Mas o clima é fantástico, com os invernos mais amenos e os verões quentes. A gastronomia, para quem a pode apreciar, é fenomenal. E apesar da ditadura, as pessoas são hospitaleiras e calorosas. Aquela resistência inata à adversidade, vê-se, sente-se todos os dias, no povo. - Quando o conflito recomeçar, o que irão os teus compatriotas fazer? - Na Grande Guerra juntaram-se aos aliados, na Flandres, em África e no Atlântico. Mas se Franco ganhar a guerra em Espanha, dois regimes ditatoriais na Península Ibérica não são um bom prenúncio. - Não sentes falta de lá estar?


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- Eu cresci em Portugal. É o meu verdadeiro país, mas não digas nada aos ingleses. – Concluiu Victor, sorrindo. - Gostava de conhecer o teu país… - Concluiu Julie, sorrindo. - A guerra que se aproxima vai mudar muita coisa, e nem tudo será para melhor. Também gostava de lá voltar, mas usar o uniforme de oficial do exército inglês vai tornar isso difícil nos próximos tempos… Enquanto falavam, aproximaram-se do jardim do “Château de Bagatelle”. Embora estivesse coberto de neve naquela altura do ano, era conhecido na primavera e verão pelas suas exibições de belas rosas premiadas. O pequeno palacete, construído pelo Conde de Artois em 1775, destacava-se no cenário, ao fundo do jardim, como se tratasse de um cenário de um conto de fantasia para crianças. - Será que vamos estar cá na primavera para vermos as rosas? – Perguntou Julie, entristecida. - Também há jardins de rosas bonitos em Inglaterra, no verão. Vais gostar muito. E os teus pais, o que vão dizer? - Já não estão particularmente deliciados com o facto de eu estar a namorar um gentio sem pátria. Imagina quando anunciarmos o noivado e chegar a altura de ir para Inglaterra. - Não te preocupes, acho que o meu charme natural já os convenceu. – Victor confortou-a, com um sorriso confiante. - Pelo menos venceu-me a mim… - Retorquiu a jovem francesa, aproximando-se e beijando-o de novo, sedutoramente. Ficaram ali alguns minutos, abraçados, com o pequeno “Chateau de Bagatelle” como cenário, aproveitando os últimos momentos. Saíram do Bois de Boulogne e seguiram para a Gare du Nord, para Victor embarcar no comboio noturno para Dunquerque e Londres. Não havia muita gente à espera no cais da estação para embarcar no expresso noturno da “SNCF”4 . Os bilhetes eram caros e só diplomatas e homens de negócios conseguiam pagar. 4 SNCF - Société Nationale des Chemins de Fer français, formada em 1938, a companhia nacional de transportes ferroviários franceses resultou da nacionalização de uma série de linhas privadas.


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Julie observou o revisor do comboio, enquanto este conversava animadamente com o funcionário da estação. - Falta pouco. – Comentou, contemplando os olhos castanhos de Victor. - Voltarei logo que possa para te levar comigo para Inglaterra. Quando a guerra começar de novo não te quero em França. – Explicou Victor, preocupado. - Quando é que achas que vai começar a confusão? - Logo que os ingleses, franceses e russos se cansem de fazer as vontades aquele maníaco do Hitler. Daqui a um mês, três meses, um ano...quando ele quiser o resto da Checoslováquia, o corredor de Danzig ou a Polónia. Mas vai acontecer. - Tem cuidado no treino de oficiais. Faz o melhor que conseguires para te integrares, apesar dos teus pomposos ingleses. Vou ficar aqui à espera do regresso do garboso tenente Crawford. - Serei o perfeito cavalheiro e oficial inglês. O meu pai, o ilustre brigadeiro Almeida do exército português, vai de certeza odiar essa personagem… - Não penses nisso para já. Temos que nos preparar para enfrentar o que aí vem. E para seguirmos com a nossa vida depois disso. - Amo-te. Mal posso esperar para podermos deixar para trás toda esta confusão. – Retorquiu Victor, beijando-a com ardor. Ela correspondeu sem hesitar, sentindo a perda da partida. Após mais alguns minutos de despedidas apaixonadas, Victor subiu finalmente para a carruagem. Havia apenas dois beliches em cada compartimento do vagão cama, mas quando entrou na sua cabina constatou que o seu companheiro de viagem tinha já deixado a mala num dos beliches. Victor aproximou-se da janela, observando uma última vez a esbelta figura e o rosto encantador da sua namorada. Ela viu-o e acenou-lhe, mas o tempo deles tinha-se esgotado. O apito de partida soou e o funcionário da estação agitou a bandeira. Lentamente, o comboio arrancou do cais, ganhando velocidade.


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Tentou vislumbrar a silhueta dela mais um pouco, mas não adiantou nada…desapareceu no meio da fumaça, à medida que o comboio se afastava da “Gare du Nord”. O anglo-português parou por momentos e suspirou. Não havia mais nada a fazer senão ir comer ao vagão-restaurante. O seu companheiro de viagem já o aguardava sentado numa das mesas, lendo a última edição disponível do “The Times”, o principal jornal inglês. - Boa noite, tio James. - Boa noite, Victor. Não quis interromper a vossa despedida. Parabéns, a tua namorada é uma jovem muito bonita. - Obrigado. O que é que recomenda para jantar? - Não sou grande apreciador da cozinha francesa, mas a carta de vinhos inclui um “Chablis” magnífico. Colheita de 1929, uma das melhores. - Faço-lhe companhia com prazer, mas também vou comer qualquer coisa. Uma fatia de quiche, para aquecer um pouco o estômago e talvez uma salada. - Fazes bem. Pronto para regressar a Inglaterra? – Perguntou James Crawford, após fazerem o pedido ao empregado. - E voltar a enfrentar todos os comentários depreciativos sobre o meu último nome? Almeida? Essa perspetiva não me excita particularmente… - Bem, a verdade é que para o exército inglês, pelo menos para já, não existirá o cadete Almeida, apenas o cadete Crawford. - Como assim, vamos mentir-lhes? - Não. O meu antigo comandante, o coronel responsável pelos “Green Foresters”, achou melhor não registarmos o teu último nome no processo de admissão ao exército. Um simples erro administrativo e que pode ser sempre corrigido, em data futura. – Explicou James. - E se alguém perguntar sobre a minha família? - Tens uma mãe que vive em Gloucester e um tio veterano


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dos “Green Foresters”, e condecorado na Grande Guerra. Isso será suficiente para os primeiros tempos e depois, quando a guerra começar, o resto importará cada vez menos. Só vai contar o que conseguires mostrar em campanha, contra os nazis. - Nisso concordamos. O que importa é vencer os malditos alemães de uma vez por todas. E o tio, também vai voltar ao regimento? - Talvez, quando a guerra for declarada. Se suas excelências no Estado-Maior não tiverem outras instruções. Entretanto há muito para fazer, tenho que aproveitar o pouco tempo que ainda temos para retirar alguns dos nossos investimentos da Europa e investigar alternativas na América ou na Austrália. Aí é que está o futuro… - As coisas vão ficar bastante más por aqui… - Uma linha contínua de trincheiras, do Mar do Norte à Suíça. Várias expedições laterais sangrentas, um desperdício diário de milhares de vidas jovens por dia. E isto se for apenas o que se passou da última vez. - Pode ser ainda pior? - Os aviões voam cada vez mais longe e carregam mais bombas, a artilharia aumentou de calibre e de cadência de fogo e ainda há a questão dos tanques. O volume de destruição e o número de baixas militares e civis será muito maior. - Tanques? Ouvi falar neles, mas não são demasiado lentos e pesados? - No exército inglês e francês servem apenas para apoio à infantaria. Apesar de alguns teóricos defenderem outras táticas mais radicais. Dizem que os tanques são o futuro da cavalaria, para rutura decisiva da frente da batalha e para reconhecimento. Mas isso ainda são teorias pouco aceites… - E na instrução, em Sandhurst? - Ainda seguem o sílabo e as táticas da Grande Guerra. Mas também, com o desinvestimento nas forças militares nas duas últimas décadas, não houve grande espaço para evolução. Vamos ter que aprender mais uma vez da pior forma.


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- Em combate… - E os franceses ainda estão pior que nós. Com os milhões de homens que perderam e com toda a destruição de 14-18 ainda não se conseguiram reorganizar. Investiram quase tudo na construção da Linha Maginot, uma formidável cadeia de fortificações que se estende desde a fronteira da Suíça até às Ardenas franco-belgas. - Globalmente o cenário não parece muito animador. - Não. Mas ninguém o vai admitir em Inglaterra, por causa da típica fleuma britânica. – Explicou James Crawford. - Parece uma crítica, tio. - Não, é a simples constatação de um facto. Cada cultura tem a sua personalidade, com os seus pontos fortes e fracos. Os teus adorados portugueses, por exemplo. Há quem os menospreze muito em Inglaterra e na França pelos resultados na Grande Guerra, mas não foi o que vi na Flandres em 1917. Combateram até ao último folego contra uma esmagadora ofensiva alemã. - O meu pai iria gostar muito desse elogio. - Provavelmente não da boca de um inglês. As coisas não correram muito bem em La Lys5. Os generais ingleses disseram que os portugueses falharam, mas isso não foi verdade. Os portugueses simplesmente foram deixados na linha da frente, sem reforços, sem apoio, sem descanso, tempo demais. E mesmo assim, lutaram até ao fim contra um número desproporcionado de forças alemãs. - Mas essa falsa reputação… - Assentou, sem qualquer fundo de verdade. Daí a desconfiança do teu pai, o brigadeiro Almeida, para com os aliados. Mas também por causa da estadia que teve de mais de um ano num campo de prisioneiros na Alemanha. Não me parece que as condições fossem as mesmas do “Hotel Ritz”… 5 Em 7 de Abril de 1918 a 2ª Divisão do Corpo Expedicionário Português, defendendo um sector de 11 quilómetros da frente aliada na Flandres, foi esmagada por um ataque concentrado de 8 Divisões alemãs. As tropas portuguesas perderam mais de 7.000 homens, entre mortos e capturados.


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- Ele falava um pouco das suas experiências de guerra, mas nada do período enquanto prisioneiro dos alemães. Sei que aconteceu, pelo que a minha mãe me contou, mas ele próprio nunca comentou. - Não é fácil falar sobre essas experiências, mais ainda com a própria família. - E o tio? Como lidou com a sua experiência na Grande Guerra? - Como sabes, não tenho mulher nem filhos. Dediquei-me aos negócios, viajei e descobri muitos dos prazeres do mundo, e há tantos, acredita…- Concluiu James, sorrindo. – As coisas vão assentando, com o tempo. Mas nunca desaparecem. A conversa seguiu durante mais uma hora, com James Crawford contando ao sobrinho algumas das suas aventuras e desventuras dos últimos anos. Depois recolheram à cabine do vagão cama. O comboio já se aproximava de Dunquerque, onde os vagões da composição seriam carregados a bordo do ferry para Dover. Mas Victor e James pegaram no sono rapidamente, graças ao excelente vinho francês que tinham degustado durante o serão. Nem deram pela passagem do Canal da Mancha e chegada a Inglaterra. Eram oito horas da manhã quando voltaram ao vagãorestaurante, para o pequeno-almoço. Reparando no semblante carregado de Victor, James perguntou: - Preocupado com o começo da instrução amanhã? - Talvez um pouco ansioso. Mas estou mais inquieto com o nosso compromisso para almoço em Londres. - O encontro com a minha querida irmã e tua mãe? - O tio ainda não lhe disse nada sobre os nossos planos? - Disse-lhe que querias regressar a Inglaterra por uns tempos. Ela ficou surpreendida, até porque não tinhas dito nada antes. Quis saber mais, mas ficou satisfeita quando lhe disse que chegaríamos hoje e conversaríamos. - Ela vai detestar esta história do exército.


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- Mas entre o exército inglês e o exército português, qual a opção que ela detestará mais? - Pode ser uma boa estratégia… - Admitiu Victor. - Vencedora, eu conheço a minha irmã. Ela não admite, mas morre de medo que voltes a Portugal. O comboio chegou a “Victoria Station”, em Londres, às 09:30 da manhã. Os dois já eram esperados mal saíram do comboio. Apesar de já ter passado os cinquenta anos de idade, Alice Crawford, a atual matriarca da família, ainda mantinha uma saudável figura esguia e alta, além de um rosto magro e bem definido. Apenas os cabelos ruivos começavam a ficar progressivamente grisalhos. Depois da morte dos pais, Alice passara a controlar a tempo inteiro o tradicional negócio de comércio internacional de vinhos da família, não se tendo voltado a casar desde que se separara do pai de Victor. O jovem abraçou e beijou a mãe assim que desceu do comboio, não deixando de reparar no semblante reservado de Alice. James aproximou-se e também a beijou provocando: - Como vês, o prometido é devido. Trago-te o herdeiro da família, vindo diretamente de Paris e regressado finalmente ao reino. - Maravilhoso, os meus dois homens da família, que têm andado tão ocupados a conspirar nas sombras. Suponho que temos muito para conversar. – Suspirou Alice, contemplando depois Victor por momentos. – Estás demasiado magro, filho. Não te andas a alimentar como deve ser em França. - Um bom almoço inglês deve ajudar a corrigir isso. – Respondeu o jovem com um sorriso caloroso. - Tenho um carro à espera. Vamos para Chelsea e depois de vocês se instalarem falamos dessas novidades. - Comandou Alice, com uma voz vigorosa. - Afirmativo. – Respondeu James, pondo-se imediatamente em sentido. A chefe da família ignorou o sarcasmo do irmão e encaminhou-se para a saída da estação, imediatamente seguida pelos dois homens.


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Os três seguiram para a casa da família Crawford na capital. A residência principal era perto de Gloucester, no oeste da Inglaterra, mas havia uma casa de cidade no bairro londrino de Chelsea, perto do escritório do negócio da família. Passaram quase duas horas até que se reunissem na sala de estar. - Então, o que é que se passa? O que é que andaste a combinar com o estouvado do teu tio? – Perguntou Alice, abrindo as hostilidades. - Bem, a boa notícia é que vou ficar em Inglaterra nos próximos tempos… - Comentou Victor, embaraçado, perante o olhar divertido de James. - E a má notícia? Uma nora francesa? A tua querida estudante de literatura na Sorbonne? – Alice picou o filho, observando a postura tensa e defensiva do rapaz. - Se ela me quiser, é uma distinta possibilidade, no início do próximo ano. Mas antes vou começar a trabalhar. Para ter uma família, há que ganhar a vida. - Gosto da atitude, já é altura de conheceres o negócio da família. Trabalho não falta e alguém tem que assegurar o futuro, nos tempos conturbados que se avizinham. - Não é exatamente desse tipo de carreira que estou a falar. Mãe, vou alistar-me como oficial no exército territorial britânico. Alice parou, surpresa e por alguns momentos sem reação. Depois, olhando de soslaio com fúria mal contida para James, perguntou a Victor: - E não achas que devíamos discutir isso antes? Sei que já fizeste vinte e um anos, mas ainda somos uma família, apesar de tudo. - Começo amanhã em Sandhurst o curso de oficiais para reservistas. Dez semanas a tempo inteiro, vou fazer a formação inicial toda de seguida. Mãe, não estou a fazer isto para te desafiar ou ao meu pai, é algo que realmente tenho que fazer. - O teu querido pai vai ficar absolutamente furioso, mas isso pouco me serve de consolação. Vejo que preparaste bem o


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discurso, Victor. E tu James, o que tens a dizer? Sim, porque foste tu que organizaste isto… - Observou Alice secamente. - As alternativas que o jovem Victor estava a considerar eram piores. Houve conversas sobre alistamento na legião estrangeira francesa, sobre regressar a Portugal…pelo menos assim vai ficando connosco mais um pouco. - Até a guerra começar. Depois vai para as trincheiras como todos os outros rapazes. – Criticou ela, visivelmente preocupada. - Se ele tiver que combater, prefiro que esteja no exército britânico do que perdido noutro buraco qualquer ao serviço dos franceses ou dos portugueses. Sempre terá mais hipóteses. Alice Crawford ficou silenciosa por alguns momentos, contemplando o irmão e o filho. A situação não oferecia grandes alternativas, para desagrado da matriarca da família. Virou-se para o filho e perguntou: - E depois de Sandhurst? Do curso de oficiais? - Consegui uma vaga no quadro de oficiais dos “Green Foresters”, quando concluir a instrução. – Esclareceu Victor, olhando para o tio. - O antigo regimento do teu tio. Mais uma vez fica tudo em casa. Mas enquanto não houver mobilização, vais servir a tempo parcial, correto? - Certo. Mas não deverá ser por muito tempo. - Porque a guerra não deve tardar… - Concluiu Alice. – Infelizmente, como vocês optaram pela estratégia do facto consumado não há muito que eu possa fazer. Mas tenho uma condição. - O que quiseres, mãe. – Retorquiu Victor, surpreso pela reação. - Enquanto não fores mobilizado e sempre que não estiveres a brincar aos soldadinhos vais trabalhar no nosso escritório aqui em Londres, a aprender o negócio. Acabou-se a mesada, vais ter que merecer o teu ganha-pão. Victor não estava com a mínima vontade de aprender a gerir o tradicional negócio de importação de vinhos da família, mas era


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um preço suportável para obter a aprovação da mãe para a sua entrada no exército britânico e para o seu namoro com Julie. - Claro. – Respondeu assertivamente. - E suspeito que daqui a alguns meses teremos outra conversa delicada, desta vez sobre a tua noiva francesa. Suponho que é esse o termo correto, noiva? - Comentou Alice, suspirando. - Sim. Logo que esteja integrado no regimento tenciono casarme com Julie. - Uma jovem que ainda não tiveste oportunidade de apresentar à tua mãe. - A desconfiança na voz da matriarca era bem patente. - Na primeira oportunidade trago-a cá de visita para a conheceres. Vais adorá-la, é carinhosa, educada, apaixonada… - E por aquilo que o teu tio me disse, judia. - Mãe…- Victor parou, chocado com a observação da mãe. - Não me entendas mal, filho. Não tenho nada contra os judeus, árabes, ou qualquer outro grupo étnico. Desde que paguem fazemos negócios com todos. - Então? - Simplesmente desejava para o meu filho um casamento menos difícil que o meu. Mundos diferentes, esse tipo de contexto complicado… - É dela que eu gosto, mãe. - Com tantas raparigas inglesas de boas famílias por aí, é incompreensível. - Deve ser por isso que o meu pai é português… – Criticou Victor. - Não sejas atrevido, meu menino. Mas suponho que um dos poucos pontos em toda esta história que me vai fazer sorrir é pensar na reação do brigadeiro Almeida, quando receber as cartas que lhe vais escrever com estas novidades… James Crawford olhou para o sobrinho e para a irmã e concluiu com um grande sorriso de contentamento:


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- Tudo está bem quando acaba bem6. - Tu e eu ainda não terminámos a nossa conversa, querido irmão. Mas mais tarde acertamos contas. – Observou Alice, com um olhar de evidente censura. - Mal posso esperar… - Retorquiu James, bastante menos entusiasmado. - E agora que vocês os dois me fizeram perder o apetite, vou mandar servir o almoço. Espero que as vossas consciências vos permitam comer à vontade… - Alice, não fiques triste. Acho até que a ocasião hoje merece um jantar especial mais logo. E depois que tal uma peça de teatro divertida? Acho que o “Criterion”7 está a exibir a comédia “French Without Tears”, com Terence Rattigan. – Sugeriu James, tentando aligeirar o ambiente. - Pão e circo, para entreter o povo, como no tempo dos imperadores romanos? - Vá lá, mãe… - Insistiu Victor, reforçando o convite do tio. Alice Crawford suspirou resignada e capitulou: - Suponho que é melhor aproveitarmos esta noite, antes que cheguem tempos mais sombrios e nos estraguem os poucos prazeres que ainda sobram. Mas agora vamos almoçar. Os três seguiram para a mesa. A refeição decorreu quase sempre em silêncio, com Alice a comer pouco, tentando processar o melhor possível as novidades. Saiu logo a seguir para ir até ao escritório da firma, tentando ocupar a mente com outras questões. James Crawford também não se demorou muito pela casa de Chelsea, ausentando-se para passar a tarde no seu clube, um raro prazer dadas as suas frequentes viagens e estadias no estrangeiro. Sozinho, Victor também saiu, apesar do frio da tarde de Novembro em Londres. Estava ansioso e preocupado com o começo do curso de oficiais e precisava de gastar energias. 6 7

Referência a uma peça de William Shakespeare com a mesma designação, em inglês. Teatro localizado em Londres, em Picadilly Circus, aberto pela primeira vez em 1874.


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Apanhou o metropolitano até à zona nobre da capital, em Westminster e caminhou por vários quilómetros, contemplando os diversos monumentos que simbolizavam todo o poder do império britânico. Parou por alguns minutos junto do Cenotáfio, o memorial construído em 1920 para homenagear os mortos britânicos na Grande Guerra. Ainda eram visíveis os restos das coroas de flores depositadas durante a celebração do dia do Armistício, no domingo anterior, junto ao monumento de pedra. Victor não pode deixar de pensar se seria um dos mortos em combate homenageados naquele ou noutro local, daqui a alguns anos, depois da próxima guerra. O mais certo era ninguém se lembrar dele, ainda mais pelo seu nome completo. Tentando afastar os pensamentos deprimentes, continuou a caminhar, enveredando pelo “Saint James Park”, na direção do palácio de Buckingham e do memorial da Rainha Victória. O estandarte real esvoaçava no topo do palácio, indicando que o rei George VI estava na residência. Os guardas reais, com os seus uniformes de inverno cinzentos e pretos, mantinham rigidamente as posições de guarda nos principais acessos, como se não sentissem o frio cortante. Talvez por causa do seu sangue português, Victor sofria bastante com o duro clima das ilhas britânicas. Para se manter quente continuou a caminhada, desta vez para o Parlamento e para as margens do rio Tamisa. Havia uma preocupação adicional na sua mente, depois da conversa com a mãe, a carta que tinha que escrever ao pai. Não havia nenhuma forma fácil de lhe comunicar a notícia e a reação expectável deveria ser extremamente negativa, mas não podia fugir mais a essa obrigação. Iria escrever essa maldita carta naquela mesma noite, antes de partir para o começo da instrução em Sandhurst. O rio Tamisa estava a começar a gelar, com pequenas placas de gelo a formarem-se à superfície. Reparou no velho navio de escolta “HMS President”, um veterano da guerra contra os submarinos


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alemães no último conflito, imobilizado num ancoradouro junto à margem, outra sombria lembrança de um passado pouco distante. Parecia que tudo ali o fazia lembrar da guerra que se avizinhava e a sua eminente incorporação. Mas não conseguia deixar de pensar no rosto, na voz e no sorriso de Julie Bergstein. E ainda faltavam muitas semanas até voltar a vê-la. Londres conseguia ser uma cidade muito fria, constatou Victor enquanto caminhava até à estação de metropolitano, para regressar a Chelsea.


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2 A TEMPESTADE CRESCENTE

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Março a Setembro de 1939

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O jovem Victor suspirou, insatisfeito com as rotinas. Mais outro dia fechado no escritório da firma, a conferir faturas e a trabalhar na contabilidade do negócio familiar. Daqui a mais alguns minutos iria acompanhar a mãe até ao banco para mais uma reunião, outra atividade nada motivante. Nem há duas semanas tinha estado na parada de Sandhurst, a receber as “joias de coroa”, as suas primeiras divisas como segundo tenente das forças territoriais. O treino e serviço militar estavam limitados aos fins de semana, com o resto do tempo ocupado pelo trabalho no escritório. As notícias do continente continuavam pouco animadoras, com a guerra civil em Espanha a correr decididamente a favor de Franco, que estabelecera um bloqueio aos poucos portos ainda leais à Republica. Era agora uma simples questão de tempo até à derrota final, com os revoltosos de Franco fortemente apoiados por Hitler e Mussolini e o legítimo governo republicano abandonado e praticamente sem apoio. Crawford olhou pela janela para o cenário da rua londrina. O mundo consumia-se lentamente e ali tudo continuava na mesma, como se nada afetasse aquela ilha. O único ponto que o animava era o facto de Julie ter acabado o seu curso e estar a preparar a sua vinda para Londres, apesar da oposição dos pais. Sorriu ao pensar nela, aproveitando os poucos momentos que tinha antes de sair para ver a pequena fotografia que tinha na


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carteira. Os dois escreviam-se quase diariamente, tentando não deixar nada por dizer. Logo a seguir à graduação de Sandhurst ele tinha ido numa viagem relâmpago a Paris, mas parecia que já tinha passado uma eternidade. Ouviu a mãe sair do seu gabinete e arrumou a fotografia de volta na carteira, levantando-se depois e indo buscar o seu casaco. Tentou disfarçar o seu desânimo, mas a mãe percebeu imediatamente: - Ora aí está o meu raio de sol…ou de trovão. Continuas amuado? - Está tudo bem, mãe. Vamos ao banco? - Sim. E vê se sorris um pouco. Não é exatamente uma tortura… A reunião no banco demorou cerca de uma hora, com Victor esforçando-se por manter uma aparência bem-disposta ao longo do encontro, porque afinal de contas o negócio da família também era dele. Mas a caminhada de regresso ao escritório foi interrompida pelos vendedores de jornais, que anunciavam a plenos pulmões: - Hitler ocupa a Checoslováquia! As tropas checoslovacas capitularam sem resistência! O governo reúne de urgência! Os transeuntes acorriam a comprar os jornais freneticamente, fazendo esgotar rapidamente as pilhas de exemplares dos vendedores. Victor fez sinal à mãe para aguardar e manobrou o melhor que pode, conseguindo ainda comprar um exemplar. Hitler tinha abandonado unilateralmente o Tratado de Munique, assinado em Setembro de 1938 com os primeiros-ministros inglês e francês. Apesar de lhe ter sido cedida a região fronteiriça dos Sudetas e das garantias que prestara a Neville Chamberlain de “paz no nosso tempo”, o ditador alemão ocupara agora o resto daquele país da Europa Central. - E agora? – Perguntou a mãe, visivelmente preocupada. - A Inglaterra não tem obrigações diplomáticas com a Checoslováquia. Com o governo pacifista de Chamberlain, não acontecerá nada para já. E entretanto, Hitler vai conseguindo o que quer e ficando mais forte.


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- Achas que haverá uma mobilização? - Ainda não. Provavelmente nem da próxima vez. - Que próxima vez? – Questionou Alice, intrigada. - Polónia, o corredor de Danzig. Enquanto lhe continuarmos a fazer as vontades, esse louco não vai parar. Apenas vai ficar mais perigoso com o passar do tempo. – Concluiu visivelmente revoltado. - Calma, Victor. – Disse a mãe, passando-lhe a mão com carinho pelo cabelo preto. – Vamos, ainda temos que ir buscar uma encomenda à estação de comboios. Amostras de vinhos que mandaram de França. - Está bem. - É melhor chamares um táxi, vamos precisar de um carro. O percurso até à estação decorreu sem conversa. Victor estava frustrado e com saudades de Julie. A paciência de que dispunha era um recurso cada vez mais escasso, pelo que a mãe lhe dizia um traço infeliz oriundo do pai. Se bem que a própria Alice tivesse de vez em quando os seus momentos explosivos, pensou o jovem para si mesmo. Quando chegaram, a mãe pediu-lhe: - Podes ir buscar as amostras, por favor? Pede a um dos bagageiros para te ajudar. Está aqui o talão da encomenda para a poderes levantar, enquanto fico no táxi. - Certo. Volto já. Victor entrou na estação e dirigiu-se ao pequeno escritório dos Correios onde as encomendas vindas de França eram depositadas. Duas pessoas estavam a ser atendidas ao balcão, de costas para ele. Um homem alto e uma rapariga jovem. Ambas as silhuetas lhe pareceram familiares, mas mesmo assim não estava preparado para quando os dois se viraram de repente, sentindo a sua chegada. Era o seu tio James e a sua namorada, Julie Bergstein. - Surpresa! – Exclamou Julie, correndo para Victor e desencadeando uma sequência enternecedora de beijos carinhosos. O jovem correspondeu de imediato com paixão, apesar de ainda estar confuso com a surpresa.


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- O que é que estão a fazer aqui? – Perguntou Victor, ainda não recomposto. James Crawford avançou e explicou, sorrindo: - Uma pequena conspiração, minha e da tua mãe. Jurámos aos pais de Julie que tomaríamos conta dela até ao vosso casamento. Que nem cães de guarda, portanto…. Os noivos coraram, embaraçados mas felizes. Alice Crawford chegou entretanto, assistindo ao resto da cena e comentando, também feliz: - Espero que a partir de agora esse teu mau humor comece a melhorar, Victor. Julie soltou-se de Victor e cumprimentou Alice no melhor inglês possível, fazendo uma pequena vénia e estendendo a mão. - É um prazer conhecê-la finalmente, senhora Crawford. - Eis a rapariga que conquistou o coração do meu filho. Deixate de formalismos, Julie, vamos ser família. – Respondeu Alice, rindo e afastando a mão da jovem, em vez disso abraçando-a e beijando-a na face. Victor sentia-se nas nuvens, praticamente eufórico. Mas Alice, sempre no comando das operações, instruiu: - Não fiques aí especado. Levanta e traz a encomenda com o teu tio. Entretanto nós as duas vamos andando para os táxis e pomos a conversa em dia… As duas afastaram-se, enquanto James e o sobrinho entregaram o talão ao funcionário dos correios e aguardaram que este fosse buscar o caixote de vinhos. - Mas como é que conseguiste isto, tio James? E os pais de Julie? - Excelentes pessoas. E práticas… - Como assim? - As coisas em Paris estão a ficar complicadas, muito pior que em Londres. A loja do pai de Julie foi apedrejada há algumas semanas durante a noite. Além disso, os franceses ainda podem


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ser loucos o suficiente para declarar guerra aos alemães sozinhos por causa desta história da Checoslováquia. Os pais dela apenas querem que fique o mais segura possível, pelo menos deste lado do Canal. - Quando lá estive há algumas semanas a visita foi tão curta que mal deu para falar com eles. Um dia e meio, no máximo. Não sabia que as coisas estavam tão mal. - O casamento é daqui a algumas semanas, até lá ela fica connosco. Mas nada de expedições noturnas lá em casa, jovem Victor. Dei aos pais de Julie a minha melhor palavra de honra como oficial e cavalheiro inglês. – Explicou James com uma pose forçada e pomposa, desmanchando-se com um sorriso alguns momentos depois. - Não te preocupes até ao casamento, tio. Tens a minha palavra e a do segundo tenente Crawford, dos “Green Foresters”, essa personagem mítica que criámos. De qualquer forma, vai ser excelente tê-la comigo lá em casa, até lá. O funcionário dos correios chegou entretanto com o caixote dos vinhos. Depois de arranjarem uma pequena carreta e carregarem o volume, dirigiram-se para a saída da estação e para a praça de táxis. Durante as três semanas seguintes a rotina na casa da família Crawford em Chelsea ajustou-se à presença da jovem e bela francesa. Julie dormia no último quarto do primeiro andar, depois do quarto de Alice Crawford, para evitar tentações. Às refeições, Julie sentava-se ao lado de Alice e Victor e James do outro lado da mesa, pelo mesmo motivo. Com a rotina de Victor dividida entre o escritório durante a semana e o treino militar ao fim de semana, os dois namorados apenas conseguiram alguns momentos roubados a sós antes do casamento, geralmente um passeio ao final do dia ou um pouco do serão, quando Alice ou James Crawford aliviavam a guarda. Victor estava cada vez mais ansioso à medida que o casamento se aproximava, não por dúvidas ou hesitações, mas pela tensão sexual crescente dentro da casa. Um aspeto positivo era que a


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relação entre Alice e Julie era boa, cada vez melhor com o passar dos dias. A espontaneidade e encanto da jovem francesa despertou comportamentos adormecidos na mãe de Victor, até ali congelados debaixo de décadas de fleuma britânica. Alice Crawford nunca sorrira tanto como nos últimos dias, pelo menos que o filho se lembrasse. De Portugal, a reação do brigadeiro Almeida ao iminente casamento do filho chegou através de mais uma carta enfurecida, justificada por ter sido colocado perante o facto quase consumado. As expectativas do oficial português de que o filho desistisse da carreira militar em Inglaterra e voltasse rapidamente ao pequeno país ibérico, constituindo família com uma noiva oriunda das melhores famílias portuguesas, foram desfeitas pela notícia do enlace.

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O casamento decorreu no Gabinete de Registos de Chelsea. Uma simples cerimónia civil, com poucos convidados, incluindo os pais de Julie, que tinham vindo de Paris apenas para o evento. Dadas as diferenças religiosas entre as famílias e a pressa dos noivos em se casarem a união civil foi a única opção viável. Victor casou-se usando um uniforme militar nº 1 de cerimónia, que mandara fazer especialmente para a ocasião. Julie usou um vestido branco justo e longo que acentuava com elegância a sua esbelta figura. Escolhera manter o cabelo preto liso e comprido, caindo com simplicidade sobre os ombros, não seguindo a tendência vigente na época de penteados mais elaborados e esculpidos. A cerimónia em si foi curta, pouco mais de quarenta minutos, com os noivos beijando-se com carinho após a oficialização da união. O copo de água decorreu num dos salões do histórico “Cadogan Hotel”, aberto desde o século XIX. Era um ambiente acolhedor e intimista, perfeito para os pouco mais de quarenta convidados que participaram na festividade.


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Já passava da meia-noite quando o casal finalmente se conseguiu escapulir para o quarto alugado no segundo piso do hotel, deixando Alice, James e os pais dela com a tarefa de encerrar a festa e despedirem-se dos convivas. Seguindo o procedimento definido para a ocasião, Victor carregou a noiva ao colo através da soleira da porta para o interior do quarto, pousando-a com segurança na cama. Julie agarrou-o antes que ele se pudesse levantar e começaram a despir-se apressadamente. Entre o uniforme completo do noivo e toda a parafernália da noiva, a batalha foi renhida até conseguirem ficar apenas em roupa interior. Tentando conter o entusiasmo, Victor começou a remover a lingerie e a combinação de Julie, enquanto a ia beijando com paixão nos seios firmes e esculpidos, na barriga e nas coxas, até lhe tirar as meias de seda. Ela tremia de entusiasmo, com a respiração cada vez mais ofegante, à medida que ele prosseguia a sua delicada tarefa, fazendo o melhor possível para disfarçar a sua inexperiência. Julie não conseguiu aguentar mais e puxou-o para cima dela. De repente os anos que tinham passado juntos em Paris convergiam na paixão daquela noite, daquele momento, num pequeno quarto de hotel perdido algures na metrópole de Londres. Fizeram amor com sofreguidão, como se não houvesse mais vida depois daquela noite, nem mais nada nem ninguém fora daquele quarto. Apenas os dois apaixonados, finalmente realizando o seu amor nos braços um do outro, longe de tudo e de todos. Depois da cerimónia e do copo de água em Chelsea, os noivos partiram para alguns dias de lua-de-mel em Brighton, na costa sul de Inglaterra. O casal tentou alhear-se por mais alguns dias das deprimentes notícias do continente europeu e dedicou-se um ao outro. A primavera inglesa não conseguia ultrapassar os quinze graus de temperatura máxima, entrecortada por aguaceiros recorrentes, mas para os dois apaixonados nem as limitações do clima conseguiram diminuir a alegria e o amor que sentiam. Victor tinha então vinte e dois anos e Julie apenas vinte e um.


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