AMEI-TE NA ILHA DA ÁGUA ESQUECI-ME DE ESQUECER-TE
edição: Edições
Parténon® (chancela Sítio do Livro)
título: Amei-te
na Ilha da Água - Esqueci-me de esquecer-te
autor: Nuno
Cabral
Revisão: Patrícia Espinha Capa: Patricia Andrade paginação:
Paulo S. Resende
1.ª edição Lisboa, outubro 2017
isbn:
978‑989-8845-18-4
depósito legal:
430531/17
© Nuno Cabral
publicação
www.sitiodolivro.pt
Nuno Cabral
AMEI-TE NA ILHA DA ÁGUA ESQUECI-ME DE ESQUECER-TE
Este livro nunca seria possível sem que tivesse tido o apoio de entidades e de pessoas que fizeram com que o meu dom fosse mais conhecido pelo mundo. Quero agradecer à minha família, que nunca duvidou das minhas capacidades, e que me dá força para continuar nesta demanda chamada Literatura. Agradecer aos meus amigos, pois sem eles não seria possível ter a força necessária para que os meus sonhos pudessem ser realizados, porque a vida sem amizade é como uma estrada sem saída. Agradecer a uma senhora, de nome Florentina e que pertence a esta área linda que é a Literatura. Quem sempre me ajudou em tudo, não só a nível da escrita, mas também em tantas outras coisas. O meu grande e infinito obrigado à senhora Gabriela Silva, que também teve a “paciência” de fazer o prólogo do livro. Agradecer a muitas pessoas que, de uma forma ou de outra, influenciaram o romance. E finalmente, mas não menos importante, sem o apoio destas entidades nada seria possível, as quais friso em baixo: Lions Clube das Flores - Pérola do Ocidente Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores Câmara Municipal das Lajes das Flores Junta De Freguesia dos Cedros Freitas, Braga e Braga. A todos eles o meu sincero agradecimento. Obrigado por fazerem parte deste meu sonho.
Prólogo
Já tiveram aquela sensação atroz que cresce dentro de nós e nos faz pensar que vamos morrer? Quando conhecemos a pessoa ideal, que nos alegra o dia como as borboletas alegram o mundo? E depois, no final, ficamos confusos, questionando se a culpa é nossa ou do Universo? Esta é a história de um amor assim. Entre dois corações perdidos numa ilha esbelta e mágica, cujo destino juntos parecia ser impossível.
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Prefácio
Há, na vida de todos nós, um romance que fica por escrever. Todas as vidas, por mais monótonas que pareçam, dariam um romance. E isto porque todos nós vivemos, em algum momento da nossa vida, episódios de amor, ódio, esperança ou desespero. Todos tivemos bons e maus momentos, todos quisemos um dia ser o que não lográvamos alcançar e não ficámos suficientemente felizes com os acontecimentos que marcaram a nossa existência e fizeram dela o que ela é. O amor, a intriga, o sonho e a realidade são ingredientes do romance. Basta colocar imaginação e construir cenários perfeitos, dar vida às personagens e iluminar de sonhos todos os que entram na aventura que desejamos escrever. Nuno Cabral não teve dúvidas, desta vez. Quis fazer da magnífica Ilha das Flores, onde nasceu e viveu de forma apaixonada e intensa, o cenário de uma história que se desenvolve à volta de uma paisagem tão perfeita, que rima com qualquer trama, e imprime carácter a qualquer cena. Mas, é claro que Nuno decide reinventar o espaço, que todo o escritor sabe ser único e idílico.
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A Fajã de Lopo Vaz fica a 35 minutos a pé – uma descida íngreme na falésia – de um local discreto, uma praia de areia negra, inacessível a banhistas. Um microclima, que proporciona mais calor do que à superfície, faz deste local um verdadeiro pomar de frutas exóticas. As pedras de laje contam histórias de marés infinitas que beijaram a terra em impulsos de paixão e o silêncio que os pássaros e o mar cruzam em surda melodia, elevam a alma muito acima de si… Foi aqui que Nuno encontrou a personagem principal da sua história: Catherine, que é quem aparece de forma intencional no local onde se inicia a narrativa que nos vai dar a conhecer a ilha, a sua história e a sua gente, que vai tocar nos pontos que cruzam com a história da emigração e da vida quotidiana dos florentinos desde meados do século XX até à actualidade. Nuno narra os acontecimentos sobre o encontro com Catherine e, simultaneamente, vai descrevendo a ilha na primeira pessoa durante todos os momentos de vivência desse amor intenso. Passa pela cozinha tradicional, pela vivência na ilha, no Verão, pela chegada do Outono… Não vou contar a história neste prólogo, mas vou aconselhar a leitura deste romance, que tem a magia de todas as marés vivas da ilha, que aborda o bom e o mau, que sempre coabitaram em todo o lugar. Os dramas e as desventuras de um amor que não acaba bem, mas que termina com emoção, como convém neste tipo de história. E termina com Nuno a dar o melhor que tem a um amor interrompido… à espera que a próxima maré lhe traga a notícia que falta ao epílogo desta história ou ao mote para a próxima. Gabriela Silva 12 | Nuno Cabral
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Abri os olhos eram nove horas da manhã. Ouvi os pássaros cantarolando na rua. Deitei-me de lado, com a almofada tapando os ouvidos, tentando sufocar o barulho provindo da Mãe Natureza, mas o meu pensamento era outro. O meu corpo amolecido tendia em levantar-se, a minha mãe esperava-me para o almoço, como todos os dias, e eu para não a desapontar tentava chegar na altura certa. – Acorda rapaz, isso não é hora de estar ainda na cama! – suplicava ela, ao fundo do corredor. Então, abri um dos olhos, para logo o fechar novamente, porque as pálpebras estavam pesadas de mais, e olhei para o relógio ao meu lado. Eram nove e meia. As minhas pernas deram um salto, sentei-me de lado na cama, espreguiçando-me e, olhando pela janela, que brilhava, podia ver o sorriso do sol que alegrava o dia. Vesti o pijama e calcei umas pantufas. Fui direito à casa-de-banho para tirar as ramelas que me encobriam os olhos como cortinas, lavei o rosto, olhei para a minha cara ainda ensonada pelo espelho e exclamei: – Sempre bonito, hein! Quando arranjas uma namorada? Cada dia mais velho e nada!
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Sim, eu já tinha trinta anos de idade, pouco namorara, porque elas não me queriam, talvez porque fosse inteligente de mais, ou talvez por não ser musculoso, por não ter um corpo como elas desejariam. Essa era a minha maneira de pensar, coisas tolas, ideias estúpidas, sei lá! Mas o facto é que nunca cheguei a perceber a razão pela qual nunca ter namorado alguém como queria e ser feliz. Saí da casa-de-banho, e dirigi-me à cozinha, onde a mulher da minha vida estava à minha espera para tomarmos o pequeno-almoço. Estava sentada com os seus lindos cabelos loiros e rugas fantásticas, sendo que cada uma daria para contar uma história. Olhei-a nos olhos e cumprimentei-a: – Bom dia, Mãe! – dei-lhe dois beijinhos na face e perguntei – e então, dormiu bem? O sorriso dela disse tudo, mas ainda assim respondeu com carinho: – Sim meu amor! Dormi com os anjos. – Ainda bem, minha querida mãezinha! O dia está óptimo. Vai passear hoje? – Sim! Vou aproveitar para ir ao centro da vila e depois, quem sabe, pego no carro e dou uma volta pela ilha. E tu, o que pensas fazer, meu filho? Pensei um bocadinho e, como sou solteiro, não tinha planos e nem exigia muito de mim para ser feliz, mas se tivesse uma namorada, se calhar passaria o dia com mais alegria. Respondi: -Talvez fale com um amigo meu e vamos fazer uma das nossas caminhadas malucas. Ela olhou para mim, com aquele olhar protector, e advertiu-me:
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– Nilton, meu filho, acho que fazes bem, mas toma cuidado! – isto irritava-me profundamente, mas eu sabia que ela só dizia aquilo para o meu bem, porque me amava, pois sendo filho único, não me queria perder. – Não se preocupe, eu ficarei bem – disse, tranquilizando-a. Após ouvir a minha resposta de conforto, apenas sorriu. Nessa altura senti que ela era tudo para mim, e que eu era tudo para ela. Foi nesse momento que apreciei o amor dela. O que seria de mim sem ela? Talvez nada, por não dar valor a ela desde sempre, mas porque aquele momento fez-me pensar no que iria ser o meu futuro, solteiro e sem ela. Fiquei suspenso no pensamento, reflectindo mesmo a sério.
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Falando um pouco sobre mim, sou o Nilton, nome dado com carinho pelos meus pais. Nunca soube o porquê desse nome, mas até gosto dele, e por isso nunca tive interesse em ser mais curioso. Tenho trinta anos, não sou casado e muito menos tenho filhos. Os meus sonhos eram apenas os que fariam de mim, um homem realizado: plantar uma árvore (que plantei nos tempos maravilhosos de escola); escrever um livro (até hoje já escrevi uns quantos) e finalmente conceber um filho (sonho que sempre tive). A questão é que para ter um filho preciso arranjar uma mulher que me queira, que queira ser a mãe dele, e isso é uma tarefa relativamente difícil. Podia pensar em adoptar, sim! Mas o que seria um filho sem o amor de uma mãe? Seria injusto da minha parte. Todo o ser humano tem direito a ser educado com os valores de uma mãe e de um pai. Eu, infelizmente, por ironia do destino e da vida, não conheci o meu pai. A minha mãe disse que ele tinha partido em busca de uma vida melhor. Até hoje não percebi a razão. Se ele estivesse por cá, teria esta vida na mesma. Desconfio que ela não me disse a verdade, mas nunca a quis importunar com isso.
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Nunca fui de querer muito na vida, só o suficiente para poder ser feliz. E eu achava que tinha isso. Porque era um romântico nato, exclusivamente dedicado ao amor, mesmo que não fosse correspondido. Era mais um daqueles poetas que escrevia arduamente no silêncio, em blogs ou no mural da página do facebook, numa tentativa abstracta de que uma musa pudesse apreciar os seus sentimentos escondidos nas linhas de cada poema, e assim se apaixonasse por eles e, iniludivelmente, procurasse o seu autor. Mas fui perdendo a esperança e já pelo fim apenas escrevia para meu bel-prazer. As minhas conquistas nunca passaram de aventuras de apenas uns dias. Depois esquecia-as, talvez porque não fizessem nascer em mim um sentimento mais forte, talvez porque tinha medo de as amar, talvez porque tivesse medo de não ser amado, enfim. Podia listar inúmeras opções, mas apenas uma era a certa, a qual acreditava sempre, a de que nunca ia ser feliz, que precisava de algo mais, de uma pessoa que olhasse para mim e só visse coração no meu corpo. Que tocasse nele e sentisse o que sou e depois me dissesse, sei lá, tipo, não me interessa quem foste no passado ou quem és no presente, amo-te pelo que serás comigo no futuro. Este era um pensamento tolo, eu sei. Pessoas assim são raras e ainda por cima numa ilha como a minha, onde todos se conhecem, porque somos poucos, uma média de três mil e quinhentos habitantes.
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Descrevendo um pouco sobre o lar onde nasci e sempre vivi com a esperança de cá morrer. Esse lar verde, com o manto azul e um abraço eterno do mar. Uma ilha que fora descoberta há uns milhares de anos e redescoberta anos depois. Cada vez que era desvendada, os seus navegadores e descobridores com a certeza ficaram abismados com tanta beleza concentrada num só sítio. Eu sou um daqueles, que embora com tanto conhecimento e vontade de ir explorar este mundo fora, que tem locais fantásticos, não deixará nunca este paraíso verdejante. As minhas raízes são como as altas e fortes árvores da ilha, são eternas. Por onde começar para vos descrever a minha ilha? Ela é tão rica em beleza que daria uns quantos livros ou guias para que os turistas pudessem, em pleno, desfrutar dela. Vou tentar fazer um resumo do que ela é, aos meus olhos, porque também, como bom explorador que sou, já a perscrutei na maior parte da sua essência. ****
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Terra de marinheiros, piratas, povoadores, náufragos e princesas. Terra do Nunca, do tempo parado, do silêncio enaltecido pelas ondas vindas do mar, que morrem nas pedras negras, junto a uma costa enraizada pelo manto verde. Terra das ribeiras, das quedas d’água, das lagoas penetrantes e sobrenaturais, cada uma delas com a sua beleza rara (são sete: Lagoa Negra, Lagoa Funda, Lagoa Comprida, Lagoa Rasa, Lagoa Branca, Lagoa Seca e Lagoa da lomba). Consta que na Lagoa Funda há um mistério, pois muitas pessoas contam que ali existia, antigamente, uma pequena cidade com um castelo imponente e soberbo, construída pelos primeiros habitantes da ilha. Segundo a lenda, seriam náufragos provindos do Egipto, em mais uma das suas aventuras marítimas, outros dizem que fugiam da sua terra, porque de lá tinham sido exilados. Entre eles encontrava-se uma princesa. Com as suas posses e riquezas, conseguiram construir uma pequena cidade, da qual nunca soubemos o nome, mas que muitos acreditam ter existido, e que ela ainda jaz intacta no fundo desta lagoa. Tal como a Lagoa Seca, quase todas as lagoas eram ainda o perfume vulcânico das crateras sem água, mas reza a lenda que, um dia, a princesa daquela cidade épica, apaixonou-se por um camponês, que era tudo menos uma pessoa da alta sociedade. O pai dela era contra isso e, apesar de o seu amor ser recíproco, a vontade e teimosia do velho era muita e não os deixava ser felizes. Então essa princesa encontrava-se às escondidas com o seu amado atrás de uma queda d’água que ficava longe da cidade, a altas horas da noite, e aí eles consumavam o seu amor, longe de todos.
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Porém, como tudo não são rosas e, tratando-se de uma população pequena, onde todas as pessoas se conheciam, havia sempre quem, por inveja ou não, sabendo do amor deles, decidiu ir à corte falar com o rei e contar o sucedido. Ele, sabendo do sucedido, zangado, mandou logo chamar a filha para falar com ela acerca do assunto. **** – Querida filha Tahoma (de acordo com os antigos, este seria o nome dela) – disse o pai. – Sim, meu nobre pai – respondeu. (Theus, o pai de Tahoma, dizia-se ter sangue de um deus, a sua mãe, era humana). – Lembras-te das regras sobre como uma princesa se deve comportar dentro desta cidade? – Ela, desconfiada das suas palavras venenosas, fingiu-se de ignorante e respondeu: – Sim, mas não percebo a pergunta. – Hum! Soube que andas escondendo algo da minha pessoa. Sabes que me deves contar tudo e, se não o fizeres, podes ser duramente castigada por mim ou pelos deuses. Ela, sabendo que aquilo eram apenas mentiras para ele lhe meter medo, respondeu: – Meu pai, senhor desta cidade, importa-se de me dizer de que suspeita de mim? – Tahoma, não me faças passar por parvo, sei bem que andas enrolada com aquele camponês e isso é um total desrespeito pela tua realeza. Por isso, a partir de hoje, deixarás de ver o teu dito
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amado, pois será executado por ter infringindo a Lei. Será amanhã encontrado e decapitado, a não ser que ele peça clemência pela vida e tenha o senso de ir se embora desta cidade a que tanto honro com bastante vivencia. – Mas meu pai, isso não! Eu amo-o! Por que não me deixa ser feliz e livre como eu quero? Porquê? – implorou a princesa, a chorar muito, ajoelhada à sua frente. Ele colocou a mão por cima da cabeça dela, acariciando-lhe os caracóis enormes, que a faziam bonita, e disse, como que sendo a voz da razão: – Filha, eu quero a tua felicidade, mas estas são as regras dos deuses! E não vou cometer o mesmo erro, fui exilado do único sítio onde me sentia bem por ter amado uma humana. Só tu ficaste para garantir a minha felicidade, o resto foi-se. Akation era o lugar onde, supostamente, os deuses viviam. – E eu tenho que pagar para seres feliz? És um velho tolo! – Proferindo alto as palavras lavadas em raiva e lágrimas, deu meia volta depois de ter se levantado, já com dores nos joelhos, e foi-se embora virando-lhe as costas. Ele começou a chorar, de cabeça baixa, sentindo as lágrimas morrerem-lhe nas suas mãos enrugadas. Olhou para elas e viu-as brilhar com a luz provinda da janela. E, nesse momento, sentiu-se pequeno, pensou que isso podia a fazer perder, mas confiou no seu instinto. ****
Pelos prantos enormes, fora daquela gigantesca muralha de pedras, que guardava a sublime cidade, Ataneia. Como nunca saberemos o nome da cidade, e eu gosto deste nome, resolvi baptizá-la assim). Tahoma ia correndo em direcção ao nada, de olhos lacrimejantes e pensamentos confusos. Desatou a correr. O pólen das flores ia voando com o vento dos seus braços abertos, e o perfume ia atrás dela, assentando. Correu, correu e correu, até os seus pequenos pezinhos darem de si. Ao pé de uma enorme árvore sentou-se, à sombra, de joelhos encostados à cabeça, adormecendo embebida na tristeza. **** Um toque leve no seu ombro direito a fez acordar. Abriu os olhos pequeninos e redondos, como esferas, e sacudiu de cima a poeira que caiu sobre o seu corpo adormecido pela brisa, que caíra das folhas da árvore, seu berço. – Olá amor, desculpa ter-te acordado – era o seu amor proibido, Seth. – Ei! Como me encontraste? – Ouvi dizer lá na cidade que tinhas fugido, percebi que algo estava errado e, como te conheço, imaginei que estavas aqui a fugir daquilo tudo – ele enxugou com as suas mãos de trabalhador do campo as últimas lágrimas esborratadas na pele lisa do rosto dela e perguntou – Que aconteceu meu anjo? Ela soluçou e fitou-o nos olhos, sem saber como iria contar o sucedido:
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– Desculpa… – Desculpa de quê!? – Não sei como te contar isto, mas quero pedir-te uma coisa antes. Por favor, aconteça o que acontecer, não me deixes de amar. Nunca mesmo! Ficando surpreendido pelas palavras tristes e apelativas dela, nada lhe fazia sentido. – Sabes que eternamente vais ser amada por mim… – Promete! – Mas amor… – Seth, por favor, promete-me isso! – Está bem. Prometo! – Amor, o que nós sentimos, por vezes, quando não cabe no nosso coração, aperta-nos a alma e o corpo. E hoje gostava de te poder dizer que te amo, sem ter a alma a sofrer… – Mas o que se passou? Conta. – O meu pai não apoia a nossa relação. Descobriu tudo e agora quer decapitar-te, a não ser que peças piedade. Assim ele deixa-te ir embora e não podes mais voltar a esta cidade. Ouvindo aquela afronta, o seu coração ficou apertado, e ripostou: – Isso nunca! Pedir piedade para que fim? Ir embora e nunca mais te ver? Seria a minha morte igual. – Amor, não faças isso, peço-te. Pede pela tua vida e vai-te embora. Prefiro assim a ver a tua morte. Seria fatal para mim. – Nunca! Desculpa, mas amo-te muito. Esquece isso, daqui não saio – dizendo isso, correu ao encontro do rei, pai de Tahoma. Ela
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nada podia fazer, apenas o viu fugindo das suas mãos, imaginou o pior deitou-se a chorar sem tréguas. Sabia que era o fim da sua vida como a conhecia. **** Quando Seth chegou às escadarias do alto e esguio palácio, logo os guardas lhe impediram de prosseguir. Um deles, prontamente, foi chamar o rei, que não demorou muito para aparecer. Ordenou que os seus vigias prendessem Seth e que o levassem para o local onde iria ser decapitado. Seth deixou-se levar sem sequer dar luta. Quando lá chegaram, já com a cabeça de Seth posta no cepo para ser decapitada, o rei perguntou-lhe: – Renuncias ao amor pela minha filha e pedes clemência? Assim deixo-te ir em liberdade para sempre, exilado desta cidade? – Amo a sua filha, posso morrer aqui, mas o que sinto por ela ecoará para toda a eternidade! Nada surpreendido com a resposta do camponês, pois sabia que pessoas como ele eram pessoas convictas nos sentimentos e nunca colocavam em questão o que sentiam, perguntou pela última vez ao condenando Seth: – É essa a tua resposta? – Sim. Se pedir piedade pela minha vida, mostro o quanto fraco sou, e o amor que sinto jamais teria significado. E a sua filha, apesar do sofrimento, vai culpá-lo para sempre, sei disso, e assim o senhor não só a irá perder, como também perderá toda a crença.
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Atheus, olhando nos olhos cheios de raiva de Seth, percebeu que aquelas palavras eram verdadeiras e sinceras, e que o malogrado homem não voltaria atrás. Fitou o carrasco, que já tinha pronto o enorme machado enfeitado com outro sangue, um vermelho rasco, de outras decapitações, e acenou com a cabeça dando ordem ao capanga para prosseguir com aquele trabalho penoso. E, quando a lâmina brilhante do instrumento mortal ia baixar, eis que uma voz ressoa ao perto: – Nãooooo…. Era Tahoma, ofegante nas palavras, pedindo para que parassem aquela chacina. Seth volveu a cabeça sobre o cepo e viu a amada princesa parada a uns metros com uma faca encostada a si e almejou: – Tahoma, meu amor! O que estás a fazer? Larga essa faca, por favor. – Amo-te muito! Prefiro morrer aqui, ao pé de ti… Atheus, vendo a filha naquele estado cataléptico, por amores pelo condenando gritou: – Filha! O que pensas fazer, só podes estar louca. Ordeno que largues isso! Obedece-me! – Pai, perdoa-me… – Dizendo isto, espetou a faca na barriga. Depressa o ar se silenciou. O vermelho do seu sangue rapidamente foi formando um espesso tapete debaixo dos seus pés e, olhando para os olhos incrédulos e aterrorizados de Seth, o seu eterno amado, se transformaram em mantos de água. Tombando finalmente sobre aquela calçada pintada, estendeu a mão, como que a tentar alcançar o amado, e sussurrou as últimas palavras: – Desculpa amor, se me amas, vem ter comigo...
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O mundo do rei e de Seth ficou desmoronado. Sem nada poderem fazer, apenas assistiam àquele momento surreal. Seth, com lágrimas nos olhos gritou: – Meu rei! Se já eu tinha pouca vontade de viver, agora não tenho nenhuma. Acabe com isso! Espero que esteja satisfeito – e suplicou que o decapitassem. Atheus, vendo a filha morta no chão, ficou com muita raiva, culpando o camponês, e imperou: – Matem este maldito já! E um vento tenaz silvou do nada, e um simples ruído despertou o silêncio. A cabeça de Seth rolou até aos pés do mordaz rei que a olhou, vendo os olhos brilhantes de Seth, já morto, que o fitava. Conta a lenda que, naquele momento, duas luzes foram vistas a sair dos corpos, em direcção ao céu. Diziam que eram as almas dos amados partindo para Akation, tendo sido depois convertidas em deuses, e que ali têm permanecido felizes. Outros contam que naquele momento começou a chover muito, sem parar, e que foi assim durante dias. A cidade foi inundada e desapareceu, tendo os seus habitantes fugido dali para fora. Outros ainda vão mais longe e juram que o rei morreu afogado, mais os seus aliados, porque uma força maior os impediu de fugir daquela chuva toda. Segundo consta, foram os deuses, por acharem que este rei, antes deus, os havia traído pela forma como tratou a sua filha. O que é certo é que a cidade desapareceu, e dizem que ainda jaz no fundo da Lagoa Negra mas, dado a sua profundidade e escuridão da água, jamais poderá ser vista. A partir desse dia, e após a chuva
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ter cessado, as crateras ficaram cheias e as nascentes jamais pararam. A ilha ficou como que uma esponja, a absorver a imensa humidade. Assim, uma página da história da ilha virou, com lagoas novas e água sem fim. **** Mas para os que não gostam muito de lendas ou contos de fadas, e vão mais para além da ilha, e querem saber o que realmente aconteceu, deixo um pouco do seu passado histórico, de como foi descoberta. As Ilhas de Bruma. As mais ocidentais do arquipélago dos Açores, sendo que a Ilha das Flores, onde a Europa acaba e assim começa, é a mais ocidental. Depois, o Corvo. Aquela, cujas ilhas foram encontradas no ano de 1452, aquando do regresso da viagem de exploração de Diogo de Teive e seu filho à terra são, mais tarde, denominadas por Ilha de São Tomás e Ilha de Santa Iria. Só muito mais tarde passam a ter o nome que até hoje ficou, Ilha das Flores, devido ao imenso leque amarelo das flores abundantes em redor da ilha, os cubres. O Corvo, que até à época era considerado um seu ilhéu, passa a ser chamado por Corvo ( Corvus Marinis) devido ao pássaro predominante na ilha. A minha vontade, desde que nasci cá nesta ilha, é de, se pudesse ter sido o seu explorador, dar-lhe o nome de Paraíso. Isto, tendo em conta que são muito poucos os que cá nascem, já desde há uns anos, porque vão nascer fora da ilha, pelo facto, embora triste, de
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a terra não ter condições, maternidades para que os bebés possam realmente nascer e ser naturais daqui. Por vezes, as mães grávidas dão à luz nos aviões, colocando em dúvida a naturalidade dos bebés. Podem ser considerados naturais do céu? Sei lá, mas podia ser do paraíso, porque é isso o que a minha ilha é. Podia resumir tudo, descrever cada canto onde já fui. Cada som, visão, ondas a bater nas pedras, o mar azul em tons diferentes, por onde quer que se olhe. Mas como diz um escritor, assim como eu, o que aqui escrevo não é literatura, mas sim maravilhas somente sentidas pelo olhar. É por isso que tantos e tantos turistas já cá vieram e se apaixonaram por esta ilha ternurenta, onde nem o coração aguenta de tanta beleza. Os que partiram sentindo isso, irão contar aos filhos e aos netos sobre o que daqui mais admiram e esses irão de vir cá. Meus amigos, o que aqui descrevo com poesia é real, esta ilha existe! E tenho orgulho nela.
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