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1.1. O Programa de Português L2 para alunos surdos (PPL2AS
Educação Literária no Ensino de Português L2 a Alunos Surdos…
foram homologados os programas de Português L2 para alunos surdos em que nos deteremos. 1.1. O Programa de Português L2 para alunos surdos (PPL2AS) Este documento orientador surgiu em 2011 pois, como será evidente, as metodologias e documentos em vigor para o ensino de Português Língua Não Materna, por exemplo, a filhos de imigrantes a frequentar o ensino obrigatório em Portugal, não se afiguravam suficientes perante a especificidade de um público-alvo que não acede à vertente oral do idioma. Assim, o PPL2AS reconhece “o modelo de educação bilingue com base na equidade entre a Língua Gestual Portuguesa (LGP) e a Língua Portuguesa (LP) escrita, e na afirmação de um grupo minoritário, pressupondo também um modelo bicultural.” (PPL2AS, 2011, p. 4). Assente nesta base, o PPL2AS segue como referenciais (PPL2AS, pp. 12-13): • Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2001); • Currículo Nacional para o Ensino Básico. Competências Essenciais (2001); • A Língua Materna na Educação Básica – Competências Nucleares e Níveis de Desempenho (1997); • Programas de Português do Ensino Básico (2009); Preview
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(2007) e Programa Curricular de Língua Gestual Portuguesa para o Ensino Secundário (2007)
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• Programa de Português do Ensino Secundário (2001); • Programa Curricular de Língua Gestual Portuguesa, Educação Pré-Escolar e Ensino Básico (2007); • Programa Nacional de Ensino do Português (iniciado em 2006); • Programa Curricular de Língua Gestual Portuguesa, Ensino Secundário (s/d) • Orientações Programáticas de Português Língua Não Materna; • Dicionário Terminológico (2008) – http://dt.dgidc.min–edu.pt/ Pelos documentos norteadores em que assenta, depreende-se que é filosofia deste Programa combinar diversas abordagens, desde o ensino do Português como língua materna, ao nivelamento de competências típicas do ensino de uma língua segunda ou estrangeira plasmados no recurso ao QERCL. Na realidade, a introdução que precede esta escolha carece de clareza e revela algumas imprecisões, pelo que, ao percorrer o documento não é límpida a forma como se usam estes diversos documentos que têm finalidades distintas e percursos não idênticos. Afirma-se o evidente preterir do domínio da oralidade, sugerindo-se que “a língua gestual substitui a oralidade” (PPL2AS, p. 13). Esta afirmação, a nosso ver, carece de rigor pois estamos a falar de duas modalidades distintas, a oralidade e a visuomotricidade que concretizam dois idiomas distintos. Assim, se é certo que seria pouco avisado insistir na oralidade no ensino a alunos surdos, talvez fosse interessante que estes percebessem que a escrita é uma representação da fala e não, como também se diz neste Programa, Preview uma representação da LGP (PPL2AS, p. 17). Não defendemos o ensino explícito da oralidade, mas sim a explanação da sua função e o seu equivalente à gestualidade como
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representação de significados. Para além disso, e também contrariamente ao que se diz no Programa (p.17), as línguas de sinais têm um sistema de escrita4, o signwriting, que as representa graficamente, tal como é explanado no Programa Curricular de LGP para o ensino Básico e no Programa Curricular de LGP para o Ensino Secundário, dois documentos citados como base referencial do Programa de PL2. Para além disso, e como é sabido, um surdo não é mudo, pode recorrer à oralidade, se para isso foi ensinado e se assim o desejar e, evidentemente, vê o mundo em seu redor a fazer uso da fala. Negar à partida a explicação deste fenómeno pode, parece-nos, induzir a confusões e interrogações desnecessárias por parte do aprendiz surdo. Ao definir as Competências Específicas, pode ler-se que se recuperam “noções explicitadas no CNEB [Currículo Nacional para o Ensino Básico] e no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas” (PPL2AS, p. 13) para definir leitura, escrita e competência linguística. No que concerne a leitura, dá-se relevância à imagem visual afirmando-se “a imagem visual (…) faz parte da identidade e da cultura surda. A imagem visual desencadeia a curiosidade e o interesse, mantém a atenção, pelo que à função de motivação se associam as de compreensão, de meta-memória, de memorização e de desenvolvimento cognitivo e linguístico.” (PPL2AS, p. 14) Preview
4 Na realidade, há diversas propostas de representação gráfica para as línguas visuais, porém, a que tem maior expressividade cremos ser o Signwriting .
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No nosso entender, a afirmação acima é demasiado assertiva tentando, cremos, particularizar algo que é de maior abrangência. É sabida a importância da imagem em termos de literacia emergente, coesão e coerência do discurso, havendo, sobretudo vocacionado para idades precoces, o recurso a livros que apenas assentam nos suporte visual, fomentando a liberdade criativa e construção narrativa, ou que dela fazem uso para que a criança compreenda a história e, através da imagem, a reconstrua. Desta forma, a imagem é importante per se, independentemente de a criança ser surda ou ouvinte. A nosso ver, o facto de a LSP ser uma língua visual, não se confunde com imagens, outro suporte. O que caracteriza a identidade e cultura surdas é a interpretação linguística-cultural de imagens que se materializa em significantes linguísticos, daí os designados gestos/sinais icónicos, ou seja, significantes que se baseiam na forma, tamanho e especificidade do objeto extralinguístico (Amaral & Coutinho, 1994; Correia 2009). A leitura visual do mundo caracteriza a comunidade surda, porém, tal não se plasma em ilustrações de obras literárias. Para além disso, se a leitura de imagens é um forte motivador para a construção narrativa e o fruir leitor no Pré-escolar e no 1.ºCEB, cremos que tal deixa de ser válido a partir do 2.ºCEB, altura em que o aluno pode construir a sua imagem mental e visual a partir da representação gráfica. Parece-nos que este é o grande desafio e a ele voltaremos noutra secção. A definição de escrita centra-se no processo de fixação gráfica – da oralidade preterida, como acima vimos – e em noções de Preview composição de texto. Tal abordagem não se afasta da tradicional e parece-nos adequada. Da mesma forma, ao definir-se competência linguística, que na realidade é conhecimento explícito da língua,
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menciona-se a competência ortográfica e de regras gramaticais e estruturais, enfatizando-se, como é lógico, a nosso ver, a compreensão e expressão fluídas como último propósito. Após esta definição, segue-se um parágrafo que contraria no nosso entender, o que foi acima exposto. Indica-se que a consciência fonológica não faz parte dos domínios do Programa, por razões evidentes, porém, pretende-se plasmar relações de contraste através da escrita: “Num programa de LP escrita as oposições fonológicas parecem não ter sentido. Contudo, oposições distintivas do mesmo tipo ocorrem quer na linguagem gestual (sic) quer numa língua escrita, como réplicas das oposições do plano fónico com reflexo no plano morfológico e no plano semântico. A variação do primeiro grafema em sequências como dente, gente, sente, lente, mente, quente; ou ainda cama, chama, dama, fama, gama, lama traduzem oposições com valor distintivo tanto no plano fónico (fonemas), quanto no plano grafemático (grafemas). Esta variação das unidades mínimas com impacto no plano semântico verifica-se do mesmo modo na linguagem gestual (sic). Basta considerar a versatilidade das oposições dos polegares aos restantes dedos das mãos para constatar o potencial de formas com variações mínimas e com reflexos nas formas e significações das unidades e sequências de maior dimensão.” (PPL2AS, pp.14-15) Esta extensa citação merece-nos alguns cometários. Em primeiro lugar, apenas em tom de nota, não se compreende o uso Preview repetido da expressão “linguagem gestual” quando é sabido que tal designação é incorreta e afeta particularmente o brio da comunidade surda numa língua plena e não num sistema de comunicação.
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Em segundo lugar, parece-nos perigosíssimo transpor oposições do plano fonológico para o plano grafemático. Se nos exemplos dados acima o fonema tem uma correspondência, como aplicar relações específicas da oralidade, em exemplos como cinto/sinto; sede/sede; cela/sela, entre outros. Retomemos a definição de consciência fonológica. Ao falarmos de consciência fonológica, referimo-nos à capacidade de explicitamente identificar e manipular as unidades do oral. Se pensarmos na unidade palavra, a capacidade que a criança tem de a isolar num contínuo de fala e a capacidade que tem de identificar unidades fonológicas no seu interior é entendida como expressão da sua consciência fonológica (Freitas, Alves e Costa, 2007, p. 9, sublinhado nosso) Assim, concordamos que se apresentem padrões ortográficos e relações ortográficas através da exposição de palavras, preferencialmente inseridas em frases, acompanhadas ou não de imagens, e sempre com a clarificação do seu significado, preferencialmente através da tradução para LSP. Por último, não é sólida a explanação e os exemplos dados sobre a consciência fonológica/querológica aplicada às línguas visuais (Prata, Santos, Correia, 2020). O polegar, ou melhor, a seleção do polegar é um dos elementos que compõem o querema configuração de mãos e, tal como outra seleção de dedos, contribui para a boa formação do parâmetro que com outros estabelece relações de oposição (Sandler & Lillo Martin, 2006). Todavia, todas as unidaPreview des mínimas das línguas visuais são discretas e estabelecem relações de oposição e contraste, o polegar faz parte de uma delas, pelo que nos parece confusa esta comparação.