Emanuel Góis C
Emanuel Góis é natural do Barreiro, cidade onde tem vivido, exceptuando três anos em Sernache do Bonjardim e Santarém, altura em que cursava o antigo ensino liceal.
Com a publicação da presente obra, voltou o autor à sua vertente poética como forma de exprimir, na escrita, aquilo que considera serem “Pedaços” das suas vivências, emprestando a cada poema os sentimentos reveladores da sua faceta romântica. Em “ Pedaços de Escrita”, como o próprio autor refere “ser poeta não é escrever; ser poeta é sentir “ .
Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, passando a exercer a advocacia, o que hoje ainda acontece. Prestou serviço na Força Aérea durante 6 anos na especialidade do controlo de Tráfego Aéreo.
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Foi jornalista desportivo durante doze anos (1970 / 1982) colaborando nos jornais “ Record” e nos extintos “Diário Popular” e “ Século”, tendo ainda publicado alguns textos na “Gazeta da Sertã”, ”Jornal do Barreiro” e “Revista da Força Aérea”. Foi autor da ultima peça de teatro carnavalesco representada na SIRB “Os Penincheiros”, do Barreiro, no Carnaval de 1974.
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Emanuel Góis
OBRAS PUBLICADAS: "Algures no tempo", ed. Vírgula, 2015 "Momentos", ed. Vírgula, 2016 "Contos que vos conto", ed. Vírgula, 2017
Leccionou História no ensino particular nocturno. Na área desportiva onde tem dedicado grande parte da sua vida, foi atleta, treinador, dirigente de clube, de Associações Distritais e Federações, nas modalidades de futebol e basquetebol.
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Na área cívica foi co-fundador da Associação Cívica do Barreiro e Persona- Associação de Apoio aos Doentes Mentais Crónicos, onde durante vários anos desempenhou diversos cargos directivos. Foi vereador da Câmara Municipal do Barreiro no período de 1997/2001. Distinguido pelo jornal “ Rostos online” como Rosto do Ano de 2016, na área escritor.
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FICHA TÉCNICA EDIÇÃO:
Edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro) Pedaços de Escrita AUTOR: Emanuel Góis TÍTULO:
DESENHO DE CAPA:
Amélia Militão Ângela Espinha PAGINAÇÃO: Alda Teixeira ARRANJO DE CAPA:
1.ª Edição Lisboa, Maio 2018 ISBN:
978-989-8821-71-3 DEPÓSITO LEGAL: 439248/18 © EMANUEL GÓIS
PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:
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NA CLANDESTINIDADE Na clandestinidade roubo-te um beijo. Soltam-se em nós tremores. Nascem emoções. E na cumplicidade dos corpos, vibramos, em lentas sensações. Depois, bailamos. E assim, nos espraiamos na eternidade, deitados na relva seca do parque. Lado a lado aquecemos a tarde. Ao teu ouvido, sussuro que me deixes deslizar com a ponta dos dedos. Quero, apenas, descobrir os teus segredos nas curvas do teu corpo. E no voar das aves, sentirmos 5
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que não há mais dia, nem mais noite, para ali estar. Já fomos sequestrados pelo contador do tempo, que avança, avança, sem parar.
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HOJE, AMANHÃ OU DEPOIS Hoje, amanhã ou, depois, sentirás na hora, minuto ou, segundo, o vazio de um horizonte que te não sorriu. O futuro de uma vida que morreu, o perfume da flor que se esvaiu ainda no desabrochar do teu renascimento. Hoje, amanhã ou, depois, esconderás o rosto na calçada da rua, na humidade do frio que te assola e, sentirás, o desviar de olhares que te não querem. Hoje, amanhã ou, depois, dirás, venham, calem o som desta minha amargura, 7
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mandem, embora, as sombras desta minha solidão. E, sentirás, na gélida tigela do teu jantar, o sabor azedo da tua fraqueza, a ilusão de um qualquer amor que te não quer, a distância de alguém que não existe. Hoje, amanhã ou, depois, no alvorecer de cada dia, andarás despida, entre risos e bebedeiras, bebendo o fumo podre de charutos, aquecendo o colo de toscos “snobs” , ou o cheiro nauseabundo de cheirosos proxenetas que, contigo, dançam a musica fúnebre do teu quarto fedorento. Hoje, amanhã, ou, depois, no mundo que te rodeia, caminharás sem destino e rumo certo, 8
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na procura de quem te recolha num qualquer leito de um casebre enferrujado no bairro de lata da cidade. Hoje, amanhรฃ ou, depois, no escuro das madrugadas vazias, por entre aqueles que te procuram noite, apรณs, noite, continuarรกs a cavar, cada vez mais, a tua sepultura.
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TOCA O SILÊNCIO Toca o silêncio. Em bandos ou em filas comandados, ei-los deitados, por esses becos e gavetos. Nessa sobrevivência, constroem-se guetos. Em nome dos deuses ou, de falsa religião, mata-se a existência. Fazem-se camas. Nas paredes caídas, come-se pão. Por entre as ruínas, vêem-se crianças paridas. Ali vai gente sofrida, perdida, bombardeada no rasto da solidão. No dedilhar da guitarra, oiço choros e, vejo pedaços de gente. Sementes bravias despidas de sonhos, espalhados pelo chão. São, apenas restos, 10
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que por ali estão. E, a custo, muito custo, subo o degrau, cada vez mais alto, que separa esta desumana indiferença entre a inércia e a obrigação. Talvez, penso, possa ser essa a razão para a diferença, entre a partilha da existência e o banir da exclusão.
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CHAMARAM-ME Chamaram-me e subi ao palco. No teatro da vida, representei, cenas de amores, risos e choros tragédias e comédias rábulas e fábulas. Fizeram-me actor. Numas, fui apenas figurante. Noutras, protagonista. Longos anos, alegrias e tristezas e, também, enganos. Mas, em todas, fui actor. Nessas peças enlaçadas recebi apupos e sapateados, palmas e aplausos, apoios e indiferenças amores enganados, ódios disfarçados. Mas, em todas, fui actor.
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Disseram-me, então, já podes descer. Chegou de fingir. Já ninguém acredita nos tramas e dramas que a vida te deu. Chegou a tua hora. O palco, já não é teu. Não lamento. Verdade ou, mentira, na descida do pano, na despedida, descanso. Não renego, que no teatro da vida, em todas as peças, fui actor.
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DESCANSO O OLHAR Descanso o olhar naquela folha amarelecida, ali no chão, caída, serpenteando, entre tantas outras que, por ali dançam, na música do vento deste Outono, castanho. São pedaços, fragmentos. São árvores desnudadas, são sinais, são lamentos, são esperanças acabadas. Fica a árvore, fica o sonho, fica a espera de outra folha renascida. E, de novo, descanso este olhar noutra qualquer folha, caída, até a Primavera, chegar.
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NÃO ME PEÇAM Não me peçam que vos venda a consciência. Nem queiram que vos empreste o pensamento. Apenas, vos posso dar a palavra. Não, aquela por muitos, badalada. Mas, aquela outra, por poucos, muito poucos, que é dada. Bem sei que a decência é já passada. Que o sentimento é coisa já rifada. E que isso, da honra da palavra , foi exigência, em que antes se caprichava, mas, que hoje, jaz no chão, já castrada.
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PARTE-SE O MASTRO Parte-se o mastro, rasga-se a vela, eis-me pronto a naufragar. Perco a voz. Ninguém me escuta. Vou perder-me, sem alcançar, aquela folha que guarda, o meu segredo a afundar. Lá vai ela, lá bem longe para além do alto mar. Por favor, quem me acode? Já falta pouco, vou-me afogar.
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NO ALVORECER No alvorecer subiu o sol, e vi no horizonte a chegada da sereia que num beijo, me fez acordar. Esfreguei os olhos, dei-lhe a mão, e depois, depois, fomos beber o café do mar. Por ali andámos a caminhar, no chão castanho, no azul do céu, até cansar, e depois, depois, fomos beber o café do mar. Chegou a tarde, nasceu a neblina, 17
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fugiu o cheiro, vi-a partir. Beijei o ar, disse-lhe adeus, e por ali fiquei, a beber o café do mar No escurecer, sentado na pedra, aguardei pelas ondas. Molhei os pés, sequei a alma, e na areia escrevi um verso. Saboreei o sal da espuma e a sonhar, ali fiquei, a beber o café do mar Veio a noite, adormeci. Esperei de novo pelo amanhecer. Toquei o branco da onda, e fui beber o café do mar. 18
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OS DESAFIOS Os desafios que nos abraçam, são como os rios. Paulatinamente, ziguezagueiam entre montanhas e vales. Aí vão, deslizando, porque, ambos sabem que não vão parar. Vou com eles na imaginação. Entre a vida e a morte é preciso ter sorte. Muitos são os trilhos a percorrer. Também, nas tempestades, entre os raios e os trovões, existem hiatos. Assim, como na espera, entre, as paixões e os actos faço um intervalo no pensar. Os desafios são como os rios. Aqui e ali, sem se esperar, surgem e persistem e no seu percurso, haja ou, não, dificuldade, 19
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há que avançar, mesmo que um dia se morra, também, no mar.
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PEDI AO RELÓGIO Pedi ao relógio que parasse os ponteiros, mas, não me ouviu. Insisti que andavam depressa. Roguei, até, mas, recusou. Fechei, então, a caixa e por aí fiquei, até que o tempo me levou.
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PELO TEMPO Pelo tempo fiz-te imagem, tantas noites venerada, religiosamente, guardada, neste livro que é a vida. Tantas páginas em branco não lidas. Outras tantas, já rasgadas. “Estórias” nunca achadas, mas, não perdidas. Sei lá. Talvez, simplesmente, por que te fiz imagem.
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SER POETA Ser poeta, não é escrever. Ser poeta é sentir. Quantos são os que sentem e não escrevem, e aqueles que escrevem, e não sentem? Estranha dicotomia. Se escrevo, não sinto. E se sentisse, não escrevia? Ou será que sou diferente, porque, escrevo o que sinto, e o que não sinto, não escrevo? Nada é falso, nem magia, na pena do poeta. Apenas, fragmentos de quem sente na escrita aquilo que vê por dentro. Porque, se não há sentimento, também não há poesia.
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SINTO Sinto a alma andar a monte, neste deserto de tanta gente que se cruza. Vejo nela a luz que se encapuza, e se apaga no fim do horizonte. Não sei se ela é bola, ou é novelo. Se é fogueira de chama mal apagada. Se amor perdido por donzela um dia desfolhada. Pode ser a revolta do diabo. Ou o grito que se ouve e é cravo. Talvez, apenas, o livro de quem lê. No fim, dura crítica de desgabo. Mas, pode também ser pecado. E porque não, virtude? Ou capa de conversa já gasta, 24
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gesto ou, atitude, de quem se aproxima ou se afasta? Sinto, que este sentir que sinto, mais não é que o percurso que traçamos na ilusão do olimpo que buscamos.
Também se sente o que é banal. Tudo não é mais que palco com princípio e fim, desta cena teatral, com enredo na folha de pasquim.
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NÃO, NÃO ME DIGAS Não, não me digas outra vez, não. Se, no momento do adeus não te acenei com a mão, lembra-te que na despedida, o que mais conta é o silêncio das lágrimas que caem no chão.
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PENSO NAS CRIANÇAS Penso. Penso nas crianças, naquelas crianças perdidas, nunca achadas, fugidas, raptadas, vendidas, compradas. Penso. Penso nas crianças, naquelas crianças despidas, violentadas, desnutridas, esfomeadas, prostituídas, exploradas. Penso. Penso nas crianças, naquelas crianças envelhecidas, entristecidas, banidas, acorrentadas, esquecidas, aprisionadas.
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Penso. ah! penso... penso. Nos homens e nos deuses, nas religiões e nas políticas, nos governos e nas crenças, e não vejo diferenças... penso...
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NESTE PEDAÇO DE GELO Neste pedaço de gelo esculpi as minhas inconfidências. Escondi imaginações sonhadas. Submergi em recordações de segredos inconfessados. Enfim, perturbações na recolha de desejos blindados.
Sou escultor desta peça inacabada. Talvez disfarce banal de incertezas disfarçadas. Epílogo de estátua fingida, refúgio clandestino em rio que se não agarra.
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