Salazar e os monárquicos: A tentativa restauracionista de 1951

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Desde os seus tempos de aluno de Direito em Coimbra que, segundo testemunhos idóneos, Salazar era considerado monárquico. Para isso muito contribuiu também o facto de ter sido processado, em 1919, juntamente com outros professores, acusado de fazer propaganda monárquica nas suas aulas. Salazar, todavia, nunca afirmou publicamente que era monárquico, e em vários momentos da sua vida pública considerou mesmo secundária a questão do modo de designação do chefe do Estado. Por motivos vários, grande parte dos monárquicos aderiu ao «Estado Novo» e alimentou a esperança de que o regime possibilitaria, em data futura e num condicionalismo favorável, a restauração da monarquia. A movimentação monárquica de 1951 teve a sua origem nessas circunstâncias, que aqui se procura explicar.

Carlos Guimarães da Cunha

SALAZAR E OS MONÁRQUICOS: A TENTATIVA RESTAURACIONISTA DE 1951

O autor é licenciado em História e mestre em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Exerceu a docência em vários estabelecimentos de ensino, designadamente no Instituto Militar dos Pupilos do Exército e na Faculdade de Direito da Universidade Católica (Ano Propedêutico). Presentemente está aposentado. Entre vários trabalhos de investigação histórica que publicou, sobressai a obra A «Janeirinha» e o Partido reformista (2003), estudo desse movimento revolucionário oitocentista e das suas consequências.

Carlos Guimarães da Cunha

SALAZAR E OS MONÁRQUICOS: A TENTATIVA RESTAURACIONISTA DE 1951



SALAZAR E OS MONÁRQUICOS: A TENTATIVA RESTAURACIONISTA DE 1951



SALAZAR E OS MONÁRQUICOS: A TENTATIVA RESTAURACIONISTA DE 1951

Carlos Guimarães da Cunha

Lisboa 2010


FICHA TÉCNICA EDIÇÃO:

Vírgula (Chancela Sítio do Livro) Salazar e os monárquicos: A tentativa restauracionista de 1951 AUTOR: Carlos Guimarães da Cunha TÍTULO:

CAPA:

Sítio do Livro, Lda. 1ª página do jornal monárquico O Debate PAGINAÇÃO: Paulo Silva Resende ILUSTRAÇÃO DA CAPA:

1.ª EDIÇÃO LISBOA, 2010 IMPRESSÃO E ACABAMENTO:

Publidisa 972-989-8403-03-1 DEPÓSITO LEGAL: 313597/10 ISBN:

© CARLOS GUIMARÃES DA CUNHA PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Sítio do Livro, Lda. Lg. Machado de Assis, lote 2 — 1700-116 Lisboa www.sitiodolivro.pt


INDICE INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

9

I PARTE: OS MONÁRQUICOS E O ESTADO NOVO. . . . . .

13

a)

Os monárquicos na origem da Ditadura Militar e na edificação do «Estado Novo».. . . . . . . . . . . . . .

13

b)

A questão do trono. A morte de D. Manuel II em 1932. . . .

25

c)

De 1932 a 1951: a integração de grande parte dos monárquicos no «Estado Novo». . . . . . . . . . . . . . . .

37

II PARTE: A REVISÃO CONSTITUCIONAL DE 1951 E A EMERGÊNCIA DA «QUESTÃO DO REGIME». A MORTE DO MARECHAL CARMONA E O DESENVOLVIMENTO DESSA QUESTÃO. A POSIÇÃO DE SALAZAR E DUMA CERTA ALA DO REGIME PERANTE A ATITUDE DOS MONÁRQUICOS.. . . . . . a)

A revisão constitucional e as intervenções dos monárquicos no sentido da mudança do regime. . . . . . . . . . . . . . .

b)

59 59

A morte do marechal Carmona e as manobras dos monárquicos. As eleições presidenciais e a posição dos monárquicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

72

III PARTE: O III CONGRESSO DA UNIÃO NACIONAL E A INTERVENÇÃO DOS MONÁRQUICOS. A RESPOSTA ÀS SUAS TESES. . . . . . . . . . . . . . . a)

83

O III Congresso da União Nacional e a intervenção dos monárquicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

83


b)

O fracasso da intervenção monárquica. Os discursos de Salazar e Marcelo Caetano e as suas repercussões. . . . .

88

CONCLUSÃO: AS AMBIGUIDADES DA POSIÇÃO DE SALAZAR PERANTE A QUESTÃO MONÁRQUICA. O COMPLEXO RELACIONAMENTO COM OS MONÁRQUICOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

93

APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

97

INTERVENÇÕES DE DEPUTADOS MONÁRQUICOS NA ASSEMBLEIA NACIONAL, ACERCA DA REVISÃO CONSTITUCIONAL (ABRIL DE 1951). . . . . . . . . . .

99

Entrevista de O Debate ao Professor Fezas Vital, representante do Senhor Dom Duarte, Chefe da Casa de Bragança, a propósito da proposta de «revisão constitucional» apresentada pelo governo em 1951. . . . . . . . . . . . . .

149

FONTES E BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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INTRODUÇÃO O ano de 1951, em Portugal e no plano político, foi em larga medida marcado pelas iniciativas desenvolvidas pelos sectores monárquicos integrados no «Estado Novo» no sentido de restaurarem a monarquia. Essas iniciativas ocorreram num contexto dominado por dois acontecimentos fundamentais para a situação política vigente: o primeiro foi a revisão da Constituição de 1933; o segundo foi a morte do chefe do Estado, o marechal António Óscar de Fragoso Carmona, em Abril desse ano de 1951. Um e outro abriram uma crise no regime, trazendo à superfície velhas clivagens entre os apoiantes da situação política saída do golpe de Estado de 28 de Maio de 1926. O que se passou em 1951 teve os seus antecedentes. A contribuição dos monárquicos para a construção do regime autoritário do «Estado Novo» e a sua presença, em grande número, em muitos cargos políticos e governamentais são factos indesmentíveis e sobejamente conhecidos. Marcello Caetano pôde escrever, com a autoridade que lhe era conferida pelo seu íntimo conhecimento da situação salazarista: «Os monárquicos, de maneira geral, tinham aderido ao Estado Novo e constituíram o núcleo mais fiel dos partidários do Dr. Salazar. Pelo número e pelas posições que ocupavam exerciam grande


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influência na formação da opinião do regime: Salazar evitava cuidadosamente hostilizá-los.»1 Vários estudos publicados após o 25 de Abril analisaram o que foi a importante contribuição dos monárquicos, nomeadamente dos integralistas, para a edificação, consolidação e permanência de um regime que, em diversos aspectos, constituiu uma reacção contra a ordem política e social inaugurada em Portugal pelo liberalismo monárquico. Daqui resultou uma identificação entre um monarquismo cada vez mais conservador e mesmo «contra-revolucionário» e uma «situação» política que se afirmou resolutamente contrária aos princípios implantados no nosso país desde 1820. Entre os referidos estudos devemos salientar os de Manuel Braga da Cruz — O Integralismo Lusitano nas origens do Salazarismo e Os Monárquicos e o Estado Novo de Salazar 2 —, João Medina — O integralismo republicano3 — e Ernesto Castro Leal — Forças políticas dentro do «Estado Novo»4. No que diz respeito aos acontecimentos de 1951, em particular, quer Manuel Braga da Cruz 5 quer Ernesto Castro Leal6 já os estudaram, com algum pormenor o primeiro, mais genericamente o segundo. Pensamos, todavia, que certos aspectos poderão ser melhor esclarecidos, designadamente porque foi entretanto publicada documentação com interesse para o assunto. Demais importa salientar que a História é, como qualquer outro 1

Minhas Memórias de Salazar, Lisboa, Verbo, 1977, pp. 365, 366.

2

In Monárquicos e Republicanos no Estado Novo, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1986, pp. 13 a 74 e pp. 183 e ss.

3

In Medina (João), dirigida por, História de Portugal, vol. XII — O «Estado Novo» I — O ditador e a ditadura, Lisboa, Ediclube, s.d., pp. 143 a 148.

4

Ibidem, pp. 183 a 204.

5

In op. cit., pp. 195 a 202.

6

In op. cit., pp. 199 a 202.


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domínio do saber humano, um conhecimento sujeito a permanente revisão e não comportando teses definitivas sobre qualquer tema. Foi nosso propósito, portanto, aproveitar o que já foi escrito, completando-o e melhorando-o com novas pesquisas e mesmo, passe a ousadia, com novas interpretações. Um trabalho deste género tinha, evidentemente, de ser devidamente enquadrado. Falamos dos antecedentes. Não faria sentido escrever sobre o que se passou em 1951 sem analisar minimamente a posição dos monárquicos e a «questão do regime», desde o início da «Ditadura Militar» e do «Estado Novo». Inicialmente, tínhamos pensado numa introdução focando esses temas. Posteriormente, foi essa introdução dividida em três partes: a) Os monárquicos na origem da Ditadura e do «Estado Novo»; b) A questão do trono. A morte de D. Manuel II; c) De 1932 a 1951: a integração de grande parte dos monárquicos no «Estado Novo». É que, ao consultar a bibliografia sobre estes assuntos, constatámos a sua complexidade e vastidão, e verificámos que, num ou noutro ponto, poderíamos acrescentar algo mais ao que até agora foi publicado. Daí que tenhamos transformado o que deveria ser uma introdução numa primeira parte do estudo, o que nos parece justificado pelo desenvolvimento que lhe conferimos.


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I PARTE: OS MONÁRQUICOS E O ESTADO NOVO a)

Os monárquicos na origem da Ditadura Militar e na edificação do «Estado Novo».

Os monárquicos estiveram presentes desde o início no movimento que conduziu ao 28 de Maio de 1926. Este, nas palavras de Manuel Braga da Cruz, «fora fundamentalmente uma insurreição militar, para a qual contribuíram e à qual aderiram, por certo, várias forças políticas nacionalistas e conservadoras, anti-republicanas umas, antidemocráticas outras, entre as quais se contavam os integralistas, que o interpretaram desde logo como resultante de uma “profunda aspiração autoritáriarepresentativa” (...)»7. Insurreição (ou revolução) «compósita, complexa», segundo João Medina, que cita o jornal A Batalha para inventariar o vasto leque de grupos político-ideológicos que a apoiaram, onde entravam os monárquicos constitucionais e os integralistas lusitanos, ao lado dos católicos e republicanos conservadores «de vários matizes», numa frente que o órgão da CGT classificava de «reacção militarista, política, económica e clerical»8. «Movimento essencialmente negativo», «pelo 7

Op. cit., p. 59.

8

Salazar, Ideólogo do «Estado Novo» – Introdução à ideologia salazarista: O


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seu objectivo — derrubar o Partido Democrático — e pela sua intenção — insurreição moral e apolítica», no dizer de um historiador espanhol panegirista do salazarismo9. Explica-se assim a presença em força dos monárquicos, e logo nos preparativos do movimento. Sem uma orientação ideológica definida, fundamentalmente dirigido contra o partido que dominara, a maior parte do tempo, a vida política da 1ª. República, nele cabiam perfeitamente os principais inimigos desta, com particular destaque para o grupo mais combativo e doutrinariamente definido, os homens do «Integralismo Lusitano». Entre a lista de personalidades civis que conspiraram ou se integraram no movimento desde a primeira hora, contaram-se monárquicos como Silva Dias, Fernando de Sousa, Pedro Teotónio Pereira, João do Amaral, João de Azevedo Coutinho, Alfredo Pimenta, João Ameal, Pequito Rebelo, Rodrigues Cavalheiro e Abel Múrias10. Foi em casa deste último, na avenida Duque de Ávila, em Lisboa, que Gomes da Costa esteve escondido alguns dias antes de desencadear o golpe militar. Foi da casa de outro monárquico, irmão de Abel, integralista e futuro colaborador do «Estado Novo», Manuel Múrias, que, na tarde do dia 26 de Maio, o velho general partiu de automóvel em direcção a Braga11. A Manuel Múrias se deveu ainda a redacção da histórica proclamação que foi lançada de Braga, no início da revolta, e que afirmava a necessidade de um «Governo Nacional militar, rodeado das «Estado Novo», um «fascismo de cátedra», in História Contemporânea de Portugal, Ditadura: O «Estado Novo» (Tomo I), Lisboa, Multilar, s.d., p. 11. 9

Pabón (Jesus), A Revolução Portuguesa, Lisboa, Aster, 1961, p. 575.

10

Ibidem, p. 576.

11

Paxeco (Óscar), Os que arrancaram em 28 de Maio, Lisboa, Editorial Império, 1937, p. 163. Depoimento do próprio Manuel Múrias ao autor.


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melhores competências»12. A marcha dos acontecimentos nos dias que se seguiram contribuiu para clarificar, embora parcialmente, os objectivos da insurreição e para reforçar o peso das suas componentes conservadoras e tradicionalistas. Primeiro o afastamento do comandante Mendes Cabeçadas, um homem do Cinco de Outubro e republicano convicto, que ademais representava uma certa continuidade com o regime anterior — fora a ele que, embora compelido pelas circunstâncias, o presidente Bernardino Machado entregara os poderes no acto de renúncia, o que logo suscitara o desacordo dos principais cabecilhas do golpe13. Cabeçadas não contava, por esse facto, «com a simpatia das zonas monárquicas do 28 de Maio», até pela sua oposição ao principal vulto militar dessa área, o general Sinel de Cordes14. Em seguida a deposição do próprio chefe do movimento, o general Gomes da Costa, também ajudou a acentuar o carácter de ruptura com a situação anterior, o que, obviamente, veio a facilitar a colaboração dos monárquicos. Pese embora o facto de o velho cabo de guerra haver tido contactos com personalidades monárquicas — e nomeadamente integralistas, como se referiu —, a sua inconstância política levara-o também a entendimentos com gente do Partido Radical, situado na franja da esquerda do republicanismo e cuja participação no 28 de Maio só se explica pela sua tenaz oposição aos democráticos no poder15. O golpe de estado que levou à demissão de Gomes 12

Ibidem, pp. 166 e 167. Peres (Damião), dir. de, História de Portugal, Suplemento, Porto, Portucalense Editora, 1954, p. 420.

13

Peres (Damião), Ibidem, pp. 425 a 430.

14

Pabón (Jesus), op. cit., p. 584.

15

Ibidem, p. 567. A ligação de Gomes da Costa ao esquerdismo radical derivava, fundamentalmente, do seu relacionamento com o dirigente político Lopes de


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da Costa, dirigido pelos generais Carmona e Sinel de Cordes, permitiu ainda que este último ascendesse a uma posição dominante na nova relação de forças estabelecida pela Ditadura, ocupando desde 9 de Julho de 1926 a pasta das Finanças16. Não admira, portanto, que, para além do aproveitamento que a facção integralista tentou fazer do movimento militar, vendo na conjuntura criada pelo 28 de Maio uma oportunidade para, a prazo, concretizar os seus ideais políticos, o próprio D. Manuel II tenha dado, «desde a primeira hora, aos seus lugarestenentes instruções do exílio londrino para que apoiassem os governos da Ditadura»17. Chegou mesmo, no entusiasmo criado por uma situação que se julgava favorável a uma restauração monárquica, a aventar-se a ideia de um plebiscito sobre a questão do regime, que, todavia, acabou por ser repudiado pelos próprios monárquicos18. Duas razões principais foram aduzidas contra a plebiscitação: uma, de ordem teórica, sustentada pelo próprio D. Manuel II, considerava-a «uma consagração do direito revolucionário» e contrária à doutrina monárquica, que exigia um rei acima do sufrágio e da luta eleitoral19; outra, de ordem prática, levantada designadamente por Alfredo Pimenta, tinha a ver com o modo de efectivação do plebiscito, que punha vários problemas, desde o tipo de voto até ao controlo da

Oliveira. Sobre a participação dos radicais na conspiração que conduziu ao 28 de Maio cf. também Paxeco (Óscar), op. cit., p. 174. 16

Peres (Damião), op. cit., pp. 430 a 432. Sobre Sinel de Cordes, a sua acção e a sua postura ideológica cf. Afonso (Aniceto), Sinel de Cordes, o general conspirador, in Medina (João), dirigida por, História de Portugal, vol. XI - A República - II - O nó górdio e as espadas, pp. 322 a 324.

17

Cruz (Manuel Braga da), op. cit., pp. 60, 61.

18

Ibidem, pp. 61, 62.

19

Ibidem, p. 61.


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votação20. De qualquer modo, falta saber se alguma vez a ideia foi encarada seriamente pelos militares da Ditadura. Entretanto, a irrequietude de alguns elementos monárquicos ligados ao «Integralismo Lusitano» contribuiu também para a instabilidade dos primeiros tempos da nova situação política. Desde 30 de Março de 1927 essa corrente ideológica dispunha de um jornal particularmente acutilante, o vespertino A Ideia Nacional, dirigido por João do Amaral, onde se desenvolvia uma campanha no sentido da organização de uma «Liga de Acção Integralista»21. E houve quem visse no confuso e burlesco episódio de 12 de Agosto desse ano, a tentativa de golpe de estado dirigida pelo comandante Filomeno da Câmara — o «Golpe dos Fifis» —, o dedo de elementos integralistas22. Enquanto os monárquicos se agitavam e alimentavam fagueiras esperanças, ocorria um facto que, decisivamente, determinaria o curso futuro dos acontecimentos. Em Abril de 1928, António de Oliveira Salazar, que já antes tivera uma efémera passagem pelo poder, foi novamente chamado para 20

Ibidem.

21

Cf. Anais da Revolução Nacional, vol. II, Barcelos, s.d., pp. 105.

22

Ibidem e p. 106. Segundo os Anais, essa tentativa de golpe de estado foi atribuída, pelos adversários da Ditadura e pelos amigos do ministro da guerra (Passos e Sousa), a «um movimento de carácter integralista». Os Anais socorrem-se, de seguida, de uma entrevista de João do Amaral ao diário monárquico A Voz (17 de Agosto de 1927), para negarem qualquer implicação dos integralistas no golpe. Todavia, admitem que em torno de Filomeno da Câmara «volitam os elementos mais intelectuais e doutrinados — de vários matizes políticos, aliás — e também certas personalidades que não escondem as suas convicções monárquicas». Assis Gonçalves, secretário de Salazar nos seus primeiros anos de governação, não alude à participação dos integralistas no golpe, apontando como seu orientador intelectual Fidelino de Figueiredo (daqui derivou a expressão chocarreira dos «fifis»). Cf. Intimidades de Salazar — O Homem e a sua Época, Lisboa, 1971, pp. 69 a 79. Manuel Braga da Cruz vê na origem da tentativa «uma parte do exército de simpatia monárquica»; op. cit., p. 88.


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ministro das Finanças, num contexto marcado por tremendas dificuldades na fazenda pública, o que lhe permitiu impor aos militares uma série de exigências que faziam dele o novo homem forte da situação. Foi o início da «ditadura financeira», antecâmara da verdadeira ditadura pessoal que viria a exercer durante longos anos. Com Salazar, aparecia finalmente no regime ditatorial um dirigente com ideias políticas claras, portador de um projecto político que muitos, incluindo grande parte dos monárquicos, não terão percebido bem qual era. Salazar, apesar dos seus antecedentes políticos, foi visto no início da sua carreira governamental mais como um técnico do que como um verdadeiro político23. Ora o remate do breve discurso pronunciado por ocasião da sua posse, em 28 de Abril de 1928, não deixava dúvidas sobre os seus propósitos, que não eram apenas de saneamento financeiro: «Sei muito bem o que quero e para onde vou, mas não se me exija que chegue ao fim em poucos meses. No mais, que o País estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar»24. Palavras que se aplicavam também aos monárquicos, designadamente aos que, futuramente, se mostrariam mais recalcitrantes em obedecer. A verdade é que a figura de Oliveira Salazar e as orientações que trouxe à Ditadura foram benevolamente encaradas pela generalidade dos monárquicos. Para isso muito terá 23

Esta ideia de Salazar como técnico de finanças provinha, nomeadamente, da pouca atenção que suscitara a sua intervenção no congresso do Centro Católico, em 1922. Sobre essa intervenção escreveu Marcelo Caetano: «Não era Salazar um político? Se as pessoas conhecessem a sua tese do Congresso Católico, realizado naquele ano, não falariam desse modo. Essa tese revela uma extraordinária vocação política.» Cf. Vida Mundial, Nº. 1625, 31-7-70, p. 4.

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Peres (Damião), op. cit., p. 449.


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contribuído a ambiguidade da sua posição relativamente ao problema da instituição monárquica, ambiguidade que vinha desde o processo que lhe fora movido em 1919, juntamente com outros professores da Universidade de Coimbra acusados de fazerem propaganda da monarquia nas suas aulas: Carneiro Pacheco, Fezas Vital e Magalhães Colaço, de Direito, e Manuel Gonçalves Cerejeira, de Letras. No folheto que então publicou, em resposta às acusações que lhe eram dirigidas, podia ler-se: «O sr. Rui Gomes [o estudante Rui Gomes de Carvalho, que depôs dizendo não saber se o prof. Salazar era ou não monárquico] não sabe se eu sou monárquico, ou não, e tem razão para o dizer. Eu sei muito bem o que sou, mas também lho não digo»25. Posteriormente, no Congresso do Centro Católico realizado em 29 e 30 de Abril de 1922, defendeu uma posição política que, claramente, subestimava a questão do regime e ia mesmo contra o que os monárquicos e o grosso dos católicos praticantes até então vinham sustentando. A tese de Salazar procurava, fundamentalmente, ir ao encontro das recomendações formuladas pelo Papa Bento XV numa mensagem dirigida aos católicos portugueses, em Dezembro de 1919, em que o pontífice os aconselhava a porem termo à luta resultante da lei da Separação, prestando a sua colaboração às autoridades republicanas. A parte mais importante da tese era justamente a que se referia aos argumentos que até então haviam servido para justificar a hostilidade dos católicos à República. Escrevia Salazar: «Para um católico, verdadeiramente integrado no espírito da Igreja, o problema religioso prima outro qualquer e conquistar dentro do Regime as liberdades fundamentais da 25

Vida Mundial, Nº. citº., p. 9. Medina (João), Deus, Pátria, Família: ideologia e mentalidade do Salazarismo, in História de Portugal, vol. XII - O «Estado Novo» - I — O ditador e a ditadura, p. 69.


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Igreja é mais urgente que substituir o regime por outro, embora haja fundada esperança de que sob o ponto de vista religioso esse outro regime seria muito mais favorável. Esta razão pressupõe aceites os dois princípios seguintes: 1) que a República não é, em si mesma, inconciliável com o reconhecimento dos direitos fundamentais da Igreja; 2) que a República não é, em si mesma, inconciliável com os mais altos e vitais interesses da Nação»26. Lembrava Salazar que a Igreja Católica aceitava a variabilidade histórica das formas de governo e avaliava a relativa bondade destas em razão das circunstâncias que as condicionaram; reconhecia ainda o pleno direito dos povos escolherem o modelo da sua organização política. O que determinava, fundamentalmente, a aceitação pela Igreja de qualquer regime eram as melhores ou piores condições que lhe eram dadas para o exercício da sua missão na sociedade27. Nada nessa conferência permitia inferir qualquer preferência pela monarquia. Os monárquicos ou ignoraram28, ou não souberam interpretar devidamente, ou pensaram que essas palavras de Salazar haviam sido escritas sob a pressão das circunstâncias do momento, que exigiriam uma acomodação transitória ao regime vigente. Muitos pensaram que Salazar era, no seu íntimo, monárquico e que as posições assumidas antes e depois 26

Vida Mundial, Nº. citº., p. 16. Nogueira (Franco), Salazar, vol. I - A Mocidade e os princípios (1889-1928), Coimbra, Atlântida Editora, 1977, p. 246.

27

D’Assac (Jacques Ploncard), Salazar, La Table Ronde, Paris, 1967, pp. 30 a 33.

28

Nem todos. A tese de Salazar deu origem a uma polémica nas colunas do jornal monárquico e católico A Época, onde Fernando de Sousa (Nemo) e outros jornalistas a criticaram. Surgiram também críticas de outros monárquicos, como Domingos Pinto Coelho e Alfredo Pimenta. Cf. Medina (João), Salazar e os fascistas/ Salazarismo e Nacional Sindicalismo/A história de um conflito/ 1932-1935, Amadora, Bertrand, 1978, p. 148, nota de rodapé nº. 39.


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do 28 de Maio eram apenas o fruto de um notável pragmatismo político . Mas, na verdade, essa orientação manteve-se. Como escreve João Medina, a propósito da ambígua observação, atrás citada, de A Minha Resposta: «ali se exprimia a essência do pensamento salazarista sobre a causa monárquica e a sua função num país que, menos de dez anos volvidos sobre essa sindicância (...), Salazar comandaria com mão firme: ao recusar-se a explicitar o seu pensamento íntimo sobre a dualidade em causa — República ou Monarquia —, o futuro Ditador mostrava o caminho a seguir na construção do «Estado Novo» vindouro, ou seja, o de ignorar a divisória da querela do regime, passar por cima desta irritante questão, superar assim, por um silêncio ambíguo, astuto e dilatório quanto a opções radicais, a escolha de um dos termos do problema, de modo a jungir ao carro da sua própria política os dois campos desavindos» (...) . Foi exactamente com este objectivo de juntar monárquicos e republicanos simpatizantes da Ditadura num organismo político que apoiasse a futura ordem constitucional e lhe fornecesse os quadros dirigentes que a «União Nacional» foi criada. E quando, em fins de Julho de 1930, o governo publicou o Manifesto Político de Lançamento da União Nacional, indicando as bases da nova ordem constitucional, onde Portugal era definido, pela primeira vez, como «Estado Nacional», «social e corporativo» , houve uma resposta favorável dos vários sectores monárquicos. Quer os integralistas quer os monárquicos «manuelistas» exprimiram o seu apoio à nova organização, nomeadamente porque no manifesto encontravam 29

30

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29

Entrevistado por João Medina, em 1975, Rolão Preto afirmou que Salazar, «na Faculdade, tinha fama de ser monárquico». Ibidem, p. 160.

30

História de Portugal, vol. XII, pp. 69 e 70.

31

Publicado na imprensa de Lisboa, em 31 de Julho de 1930.


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a consagração de princípios que defendiam, muito particularmente os primeiros: entre os principais, o executivo forte, o poder do Estado limitado pela moral e pelo direito, a importância da família como elemento político primário, a descentralização política «graduada» . Escrevendo em A Voz a 2 de Agosto de 1930, o seu director e proprietário, Fernando de Sousa, uma das mais destacadas personalidades do campo monárquico fiel a D. Manuel II, proclamava o seu apoio ao manifesto, bem como aos esclarecimentos prestados pelo Presidente do Ministério (Domingos de Oliveira) e pelos Ministros das Finanças (Salazar) e do Interior (Lopes Mateus). Parecia-lhe que o Governo Militar se propunha realizar uma obra nacional em que podiam colaborar «todos os bons portugueses». E acrescentava que, remodelada a vida pública e radicados «os princípios de ordem e de autoridade», chegaria «a hora de resolver de vez, pacificamente, problemas que ao presente não são, nem devem ser postos» . Era, claramente, o mote sobre o que devia ser a actuação dos monárquicos nos tempos mais próximos: era essencial apoiar a Ditadura e a restauração do trono devia ser diferida para época mais propícia. Uns dias depois, a «Comissão Executiva 32

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Cruz (Manuel Braga da), op. cit., pp. 62, 63.

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A Voz era, desde 1 de Agosto, propriedade exclusiva de Fernando de Sousa, dissolvida que fora a sociedade constituída por este e pelo rev. José Alves Terças. Cf. Nº. 1248, dessa data, p. 1. Nesse nº. proclamava-se independente em política, «profundamente dedicado à causa da Igreja e da Pátria» e obedecendo ao «são critério nacionalista». Propunha-se acatar a Autoridade Eclesiástica e obedecer às suas determinações doutrinais e disciplinares. Embora «nacionalista» e católico, o jornal era também, dadas as conhecidas ideias do seu director e proprietário, indiscutivelmente monárquico. Os editoriais, o noticiário e o destaque dado aos comunicados da Causa Monárquica não permitem dúvidas sobre esse aspecto.

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Nº. 1429, p. 1.


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da Causa Monárquica», em nota oficiosa, após elogiar encomiasticamente a obra da Ditadura Militar , proclamava não haver no Manifesto «afirmações que impeçam a cooperação leal dos homens de são patriotismo, embora em divergência na questão do regime». Aplaudia, portanto, «a patriótica iniciativa do Governo» e aceitava «lealmente, e de um modo geral, sem quebra das suas opiniões políticas, a doutrina do manifesto». Prometia ainda, oportunamente, dar «instruções aos seus correligionários políticos para a entrada na União Nacional, quando esta se constituir e definir os lineamentos da organização e as regras do seu funcionamento» . Ou seja, do campo monárquico «constitucionalista» — aliás, cada vez mais alinhado pelas posições contra-revolucionárias e anti-liberais — vinha um sinal de total colaboração com a nova ordem que se pretendia construir, mesmo que essa ordem fosse, pela sua cúpula institucional, republicana. Em 7 de Agosto, o incansável Fernando de Sousa apoiava essa nota e explicitava melhor as razões da adesão dos monárquicos à União Nacional: «Os indivíduos que entrem nesta agremiação política não se obrigam a renunciar às suas opiniões, sobre a forma de governo, por exemplo. Realizam a união patriótica, a união sagrada, a união nacional, no propósito comum de fortalecerem o organismo nacional, de assegurarem a sua plena vitalidade, de radicarem hábitos de ordem, de 35

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37

35

«Depois de assegurar a indispensável ordem nas ruas, procedeu à brilhante reorganização financeira, tem saneado a administração pública, estimulado a actividade regional. Gizou um plano de fomento, cuja execução, já rasgadamente iniciada, revigorará a economia nacional.» A Voz, Nº. 1252, 5 de Agosto de 1930, p. 1.

36

Ibidem.

37

Conforme o comprovam esta e outras posições do mesmo teor, bem como a própria orientação de A Voz, ligado a essa tendência monárquica.


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disciplina e respeito da autoridade». Seria «a contemporização prudente» a que se referia o Manifesto do Governo, uma prova de «confiança na excelência dos princípios que proclamam, na força da tradição nacional». Por outro lado, a entrada dos monárquicos na União Nacional contrariava os cálculos dos inimigos do Governo Militar, «que planeavam porventura infiltrar-se na União e fazer dela instrumento da política». Esses círculos políticos oposicionistas, segundo o editorialista, tinham explorado o «perigo monárquico», a «invasão monárquica», como agora exploravam o «perigo clerical», e suporiam que os monárquicos «se absteriam de entrar nela [União Nacional] em vista de anteriores declarações»38. Percebe-se que o velho conselheiro da Monarquia via na entrada dos seus correligionários um reforço da componente mais direitista, «contra-revolucionária» (ou tradicionalista) do ordenamento constitucional que se preparava. E, em consequência, certamente pensaria que o peso e a capacidade doutrinária dos monárquicos poderiam, a prazo, restabelecer a realeza como abóbada do «Estado social e corporativo» que se pretendia construir39. Do outro lado do campo monárquico, a Junta Central do Integralismo Lusitano, igualmente em comunicado oficial, emitido em 14 de Agosto de 1930, congratulava-se com o reconhecimento, por parte do Manifesto, de «alguns princípios em que deve assentar a verdadeira reconstrução nacional» e mostrava-se disposta a «cooperar oportunamente com a Ditadura Militar em tudo o que sirva o bem comum e procure 38

A Voz, Nº. 1254, p. 1.

39

A Voz (Nº. 1248, 1 de Agosto de 1930, p. 1) escrevia, a propósito do discurso de Salazar na apresentação do «Manifesto» de lançamento da União Nacional, que todas as suas afirmações se podiam resumir nesta: «... pretende-se construir o Estado social e corporativo em estreita correspondência com a constituição natural da sociedade.»


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realizar a igualdade dos Portugueses perante a lei, condição essencial para efectivar o propósito da União Nacional». Acrescentava ainda que continuaria «a manter afastada, por superiores razões de interesse colectivo, e por obediência às ordens do Rei, a máxima reivindicação política dos seus princípios», esperando, contudo, que «os meios de execução por parte do governo e seus agentes, correspondam inteiramente ao pensamento salvador de substituir às ruínas do Estado democrático-parlamentar, os fundamentos legítimos do Estado Novo»40. Era igualmente uma resposta positiva, mas percebiam-se nela algumas reticências que, nas relações futuras entre o «núcleo duro» do Integralismo e o Estado Novo, se transmudariam em francas divergências.

b)

A questão do trono. A morte de D. Manuel II em 1932.

Os monárquicos não constituíam, aquando do 28 de Maio, em 1926, como na altura do lançamento do Manifesto, em 1930, um bloco homogéneo. Pelo contrário, estavam profundamente divididos, quer a respeito da questão do trono, quer a propósito de questões de tipo doutrinário. Desse facto tirariam proveito a Ditadura Militar e o Estado Novo, que puderam assegurar-se da sua colaboração sem porem em causa o carácter republicano do Estado, evitando assim o dissídio em torno de um problema, que muitos, incluindo Oliveira Salazar, consideravam menor nas circunstâncias da época. Divididos, os monárquicos — já no seu todo, segundo tudo indica, uma corrente minoritária— não tinham força para imporem o que, teoricamente pelo menos, 40

Cruz (Manuel Braga da), op. cit., pp. 62, 63.


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constituía a principal razão de ser do seu credo: a restauração da realeza, fosse qual fosse a forma que ela revestisse. Durante a monarquia constitucional persistiu sempre uma corrente política tradicionalista e anti-liberal, defensora da «legitimidade dinástica» de D. Miguel e dos seus descendentes, por isso denominada «Partido Legitimista». Essa corrente, embora francamente minoritária no novo contexto liberal e capitalista do Portugal de oitocentos, dispôs de um órgão de imprensa, A Nação41, cuja duração no tempo é testemunho da continuidade do velho «miguelismo» até aos começos do século de novecentos. Nos últimos tempos da monarquia, e face às dificuldades que esta atravessava, esboçara-se mesmo uma tentativa de acordo entre os dois ramos da Casa de Bragança, o constitucional e o miguelista42. Mas foi após a queda da realeza que, a 30 de Janeiro de 1912, esse acordo se materializou, através do chamado «Pacto de Dover», por meio do qual se visava a união de esforços entre os dois ramos desavindos com o fim de combater a República e facilitar a restauração monárquica43. Esse acordo, porém, não terminou com a clivagem entre os monárquicos: poucos dias depois, em 13 de Fevereiro, A 41

A Nação tomou parte em importantes polémicas ao longo do século XIX, como a relativa às «Irmãs de Caridade» [cf. Peres (Damião), dir. de, op. cit., vol. VI, p. 351] e as respeitantes à questão do «iberismo». Cf. Macedo (Jorge Borges de), A «História de Portugal nos Séculos XVII e XVIII» e o seu Autor (Introdução), in Silva (Luís Augusto Rebello da), op. cit., Lisboa, Imprensa Nacional, 1971, nomeadamente p. 38. Continuava a publicar-se após a implantação da República: Peres (Damião), op. cit., Suplemento, p. 17.

42

Brissos (José), D. Duarte Nuno, in Medina (João), dir. por, História de Portugal, vol. XI - A República, p. 123.

43

Ibidem. Peres (Damião), op. cit., Suplemento, p. 17. O «Pacto de Dover» foi assinado por pressão das circunstâncias: tinha falhado a incursão monárquica de Outubro de 1911 e pensavam os partidários do regime deposto que a sua reunião com os legitimistas facilitaria um futuro triunfo.


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Nação, embora reconhecendo as vantagens da reunião de esforços, esclarecia que «nele [Pacto de Dover] se estabeleceu a união comum das duas Casas, esquecendo rivalidades, sem que nenhum dos régios personagens abdique dos seus direitos e das suas tradições»44. O surgimento do «Integralismo Lusitano» vai contribuir para acentuar as divisões no campo monárquico, tanto no plano doutrinário como no da questão dinástica. No plano doutrinário os integralistas afirmam-se como resolutamente contrários ao liberalismo e defensores do que apelidam «monarquia orgânica tradicionalista anti-parlamentar»45. São, claramente, um movimento contra-revolucionário, influenciado pelo maurrasianismo da «Action Française» e reivindicando também a herança doutrinária do tradicionalismo miguelista português46. Como tal, situam-se muito próximo dos legitimistas, a cujas posições emprestaram novas ideias e laivos de pretensa modernidade. Seria, deste modo, lógico que aceitassem como pretendente ao trono de Portugal o então candidato legitimista, filho de D. Miguel, pelos seus partidários apelidado D. Miguel II. Não foi, todavia, o que sucedeu nos primeiros anos do movimento integralista, por motivos que, em boa medida, seriam de ordem táctica47. Só no ano de 1919, após o colapso 44

Ibidem.

45

Definição apresentada logo no primeiro nº. de Nação Portuguesa, Revista de filosofia política, Coimbra, Janeiro de 1914. Cf. Cruz (Manuel Braga da), op. cit. , p. 16.

46

Ibidem, pp. 27 a 31.

47

Toda esta questão, bem como os problemas inerentes à ideologia do «Integralismo Lusitano» foram objecto de estudo aprofundado por Manuel Braga da Cruz, na obra que venho citando, pelo que me parece desnecessário apresentar aqui pormenores. Basta referir que em manifesto de Abril de 1916, destinado a explicar a sua atitude perante a Grande Guerra, a Junta Central do Integralismo Lusitano considerava o monarca exilado, D. Manuel


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da ditadura sidonista (experiência política em que tiveram um papel determinante)48 e as falhadas tentativas de restauração monárquica do princípio desse ano, é que os integralistas se desvincularam da obediência a D. Manuel II. Fizeram-no em 20 de Outubro de 1919, através do seu órgão de imprensa A Monarquia, depois de em Londres, no mês anterior, terem recebido uma recusa do soberano exilado a uma série de pretensões que lhe apresentaram49. Consideravam-se, a partir de então, desligados da obediência «ao Senhor Dom Manuel II que foi Rei de Portugal» e afastavam-se «inteiramente das suas direcções políticas»50. As divergências com D. Manuel resultaram do choque entre os ímpetos dos inquietos e buliçosos integralistas — quase todos ainda jovens — e o temperamento prudente e equilibrado do ex-rei. Entre outras coisas, os dirigentes do «Integralismo» pediam-lhe que lançasse uma proclamação ao País, manifestando o seu desejo de intervir na política portuguesa, bem como a preparação de uma nova sublevação monárquica. D. Manuel II considerou inoportunos estes pedidos, atendendo tanto à necessidade de pacificação da vida portuguesa como à complexa situação internacional que se vivia, no rescaldo da guerra51. II, «incarnação viva da Pátria, supremo árbitro dos interesses nacionais (...)». Op. cit., p. 18. 48

Ibidem, pp. 19 a 21.

49

Dois dirigentes integralistas, Luís de Almeida Braga e Pequito Rebelo, deslocaram-se ao Reino Unido para lhe entregarem uma mensagem em que o movimento «expunha a sua doutrina, os seus propósitos e as suas aspirações», documento que esclareceram em duas entrevistas com o ex-monarca, em 16 e 28 de Setembro. Cf. Peres (Damião), op. cit., Suplemento, p. 230.

50

Ibidem, p. 231.

51

Ibidem e p. 232. O ex-monarca verberou o procedimento dos integralistas e


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29

Desligados da sua anterior obediência, os integralistas iniciaram então negociações com os representantes da linha dinástica miguelista. Era ainda pretendente aquele a quem os legitimistas chamavam «D. Miguel II». Dessas negociações resultou a abdicação deste príncipe em seu filho terceiro, D. Duarte Nuno, ainda menor, que ficaria sob tutela de uma tia, D. Maria Aldegundes de Bragança, a quem se conferia o título de duquesa de Guimarães52. Em 2 de Setembro de 1920, a Junta Central do Integralismo Lusitano anunciava «reconhecer e declarar herdeiro do trono de Portugal Sua Alteza Real o Príncipe Dom Duarte Nuno de Bragança, e, na sua falta, aquela das Senhoras Infantas, suas irmãs, a quem de direito pertencer a sucessão»53. O pequeno Partido Legitimista viu assim reforçada a sua pretensão de representar a verdadeira linha sucessória, embora o «Integralismo Lusitano» mantivesse a sua autonomia como organização política54. Nem todos os integralistas, porém, seguiram as decisões da Junta Central. Um pequeno grupo manteve-se fiel a D. Manuel II e juntou-se a outros elementos da linha tradicionalista para formar, em 1921, a «Acção Tradicionalista revelou o conteúdo das suas respostas em carta de 1 de Dezembro de 1919, endereçada ao seu lugar-tenente Aires de Ornelas e publicada no Diário de Notícias em 3 desse mesmo mês. 52

Ibidem. A abdicação de D. Miguel «II» foi precedida da renúncia aos seus «direitos» do seu filho primogénito, também chamado Miguel, que casara morganaticamente com uma cidadã americana. Tanto o pai como o filho, nas palavras de José Brissos, «haviam sofrido algum desgaste, devido aos serviços prestados ao exército austríaco durante a I Guerra Mundial» (in op. cit., p. 123).

53

Peres (Damião), op. cit., Suplemento, p. 232. Cf. também Cruz (Manuel Braga da), op. cit., pp. 21, 22; Brissos (José), in op. cit., p. 123.

54

Passavam a integrar um Conselho Superior comum, defensor do que chamavam a «Causa Nacional». Ibidem, Ibidem, Ibidem.


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Portuguesa». Liderada por Caetano Beirão e Alfredo Pimenta, esta organização passou a ser conhecida, a partir de 1923, por «Acção Realista Portuguesa»55. Embora subordinada à «lugartenência» nomeada por D. Manuel II e dispondo, para a exposição dos seus pontos de vista, das páginas do diário Correio da Manhã, órgão oficioso da Causa Monárquica56, a organização, que se proclamava defensora do sistema monárquico tradicionalista, dispôs de imprensa própria: a revista mensal Acção Realista e o semanário A Voz Nacional57. Obviamente que estes acontecimentos provocaram o enfraquecimento do campo monárquico, já debilitado pelas derrotas impostas pela República em 1919. Paralelamente conduziram ao que Manuel Braga da Cruz chama «involução política do integralismo lusitano»58, que até então fora o mais aguerrido, doutrinado e coeso movimento monárquico. A dissidência dinástica ameaçava inviabilizar definitivamente qualquer projecto de restauração monárquica: daqui resultou uma nova tentativa de acordo entre os dois ramos desavindos da Casa de Bragança, empreendida em Paris, no ano de 1922. Na capital francesa, em Abril, reuniram com a infanta D. Maria Aldegundes, tutora de D. Duarte Nuno, os representantes dos sectores legitimista e constitucionalista, respectivamente D. Lourenço Vaz de Almada e Aires de Ornelas. Dessas novas negociações resultou o denominado «Pacto de Paris», 55

Cruz (Manuel Braga da), op. cit., p. 22.

56

Foi nesse jornal que, em 28 de Julho de 1921, apareceu o primeiro manifesto da nova organização, assinado por Alfredo Pimenta, Caetano Beirão, Alberto Ramires dos Reis, Luís Rufino Chaves Lopes e Mateus de Oliveira Monteiro (chamado «Grupo dos Cinco»). Ibidem.

57

Ibidem. Peres (Damião), op. cit., Suplemento, pp. 411, 412.

58

Op. cit., p. 22.


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onde, mediante concessões mútuas, se procurava um entendimento entre os dois «pretendentes», por forma a unificar todos os monárquicos. D. Manuel II comprometia-se a aceitar, «na falta de herdeiro directo», dum «sucessor indicado pelas Cortes Gerais da Nação Portuguesa», e a acatar as resoluções dessas mesmas Cortes «quanto à Constituição da Monarquia Portuguesa»; D. Duarte Nuno, pela voz da tutora e perante estes compromissos, «pedia e recomendava a todos os seus partidários» que se unissem sob uma bandeira comum e aceitassem «como Rei de Portugal o Senhor D. Manuel II»59. Ao pacto aderiram os representantes dos integralistas, Luís de Almeida Braga e Conde de Monsaraz, mas com a declaração expressa de o fazerem unicamente por obediência às decisões da infanta tutora — como constava na mensagem desses representantes, assinada em Paris, a 24 de Abril de 1922, e inserta no diário integralista A Monarquia em 5 de Maio60. Esta ressalva dos delegados do «Integralismo Lusitano» não constituía um bom prenúncio. De facto, o «Pacto de Paris» não produziu quaisquer efeitos práticos. As divergências entre os monárquicos eram mais de ordem ideológica do que relativas aos pretendentes à Coroa. Se os constitucionalistas lhe deram o seu aval, já os integralistas e os velhos legitimistas imediatamente se rebelaram contra as suas cláusulas. Estes últimos, numa reunião conjunta dos seus dirigentes efectuada a 4 de Maio, discordaram unanimemente das mesmas: num manifesto datado desse dia, a Junta Central do Integralismo Lusitano declarava «que no acordo não foram salvaguardados os princípios da Monarquia Portuguesa», resolvendo ainda 59

Peres (Damião), op. cit., Suplemento, pp. 345, 346.

60

Ibidem.


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suspender «imediatamente a sua actividade de organização política», embora mantendo a esperança de que, num momento futuro, as «Cortes Gerais» aclamassem « o Rei Legítimo, reconhecendo-o na pessoa de Sua Alteza Real o Senhor D. Duarte Nuno de Bragança»61. Como escreveria posteriormente um dos principais próceres integralistas, Hipólito Raposo, sintetizando os motivos de discordância do seu grupo, «o Pacto de Paris pôs o Parlamento acima dos direitos de Deus na questão religiosa, dos direitos do Rei na questão dinástica, dos direitos da Nação na questão constitucional»62. As divergências entre as várias facções monárquicas continuaram, pois, insanáveis. Mesmo entre os que se tinham acolhido sob a bandeira de D. Manuel II houve permanentes polémicas. Nas vésperas do 28 de Maio, a Acção Realista Portuguesa resolveu retirar os seus representantes do Conselho Superior da Causa Monárquica, em consequência de uma moção aprovada nesse órgão, em 27 de Março de 192663. Decisão que, contudo, resultou de um facto que provocou viva satisfação nos tradicionalistas dessa organização, e que mostrava bem o que anteriormente já escrevi: as concepções ideológicas dos diversos sectores defensores da realeza convergiam num sentido dada vez mais contra-revolucionário e anti-liberal. Em Fevereiro de 1926, D. Manuel II enviou a «todos os monárquicos» uma mensagem cujo principal objectivo era conseguir a almejada união. Mas, para atingir este desiderato, fazia importantes cedências de ordem ideológica aos defensores da monarquia tradicional, alterando em larga medida as 61

Ibidem, p. 347.

62

Cruz (Manuel Braga da), op. cit., p. 23.

63

Peres (Damião), op. cit., Suplemento, p. 413.


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anteriores orientações que assumira. «A Monarquia do futuro — escrevia nessa mensagem — tem de ser baseada sobre Deus e a Religião, sobre a tradição, sobre a autoridade, sobre princípios e convicções, sobre a Ordem» (...)64. Embora acrescentasse que estas afirmações não alteravam a sua declaração oficial de 1919, renovada no «Pacto de Paris», segundo a qual competiria às «Cortes Gerais» a decisão sobre a Constituição Política da Monarquia Restaurada65, era evidente que a mensagem significava uma importante viragem doutrinária e foi assim que a interpretaram os homens da Acção Realista. Exactamente por isto, discordaram da moção do Conselho Superior da Causa Monárquica, de 27 de Março, que recomendava ao seu órgão oficioso, o diário Correio da Manhã, «a mais estrita neutralidade» relativamente às doutrinas das várias correntes integradas na Causa. Entendiam, como escreveram na mensagem enviada a D. Manuel II, em 3 de Abril de 1926, que essa decisão constituía «insofismavelmente o repúdio do pensamento de El-Rei e da doutrina da sua mensagem»66. Essa mensagem de D. Manuel II permite perceber melhor o seu apoio, antes referido, à Ditadura Militar, bem como a já mencionada atitude da Causa Monárquica relativamente ao projecto de criação da União Nacional. Se, em 1930, a divisão em volta do problema dinástico se mantinha, começava a esboçar-se uma convergência de quase todos os monárquicos para a defesa de uma solução política assente no conceito de 64

Ibidem, p. 412. A mensagem foi lida em 27 de Fevereiro de 1926, pelo lugartenente Aires de Ornelas, numa sessão magna do Conselho Superior da Causa Monárquica, e publicada posteriormente pelo Correio da Manhã, em 2 de Março de 1926.

65

Ibidem.

66

Ibidem, pp. 413, 414.


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«Ordem», ou seja, para traduzir esta palavra na plena carga ideológica que continha, um regime claramente autoritário. Foi nesta situação que ocorreu a inesperada morte de D. Manuel II, em 2 de Julho de 193267. Ao falecer sem herdeiros directos, obrigou os seus partidários a procurarem um sucessor fora da sua família. Logo em 5 de Julho, A Voz publicava um comunicado do «Conselho da Lugar-Tenência da Causa Monárquica» que, entre outras disposições, decidia «promover que, na ocasião e pela forma devidas, se defina a sucessão do Sr. D. Manuel II, e recomendar a mais estreita e leal união patriótica de todos os monárquicos, aos quais compete manter, como nunca, a força da organização monárquica (...)»68. Nesse mês, o então lugar-tenente, conselheiro Azevedo Coutinho, em declarações a alguns órgãos da imprensa considerava que os monárquicos se deviam unir e resolver rapidamente o problema da sucessão. Neste ponto, informava que a opinião da maioria dos monárquicos era nitidamente favorável a D. Duarte Nuno, o que seria consequência da inclinação de muitos monárquicos «manuelistas» pelos princípios integralistas, ou melhor, «nacionalistas». Significativamente afirmava: «O próprio D. Manuel era, nos últimos tempos da sua vida, um nacionalista entusiasta». Era a confirmação da viragem à direita da generalidade dos monárquicos, a começar pelo próprio monarca falecido69. 67

D. Manuel II, nascido em 1889, tinha pouco mais de quarenta anos. Padecendo de uma saúde frágil, tinha frequentes achaques na garganta, mas nada fazia prever a sua morte súbita, vitimado por um edema da glote. Cf. Serrão (Joaquim Veríssimo), D. Manuel II no exílio (1910-1932), in Medina (João), dir. por, História de Portugal, vol. XI – A República, p. 99.

68

N.º 1937, 5 de Julho de 1932, p. 1.

69

As referidas declarações foram prestadas aos jornais Diário de Lisboa, Revolução e A Voz. Este último transcreve as dos dois primeiros, acrescentando-lhe outras directamente recolhidas de Azevedo Coutinho. Cf. A Voz, Nº. 1951, 19 de Julho de 1932, pp. 1 e 6.


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35

Finalmente, em Outubro de 1932, a Causa Monárquica adoptava para o problema sucessório a solução mais lógica, atendendo a essa evolução ideológica e à situação familiar na Casa de Bragança: D. Duarte Nuno era reconhecido como sucessor de D. Manuel II70. Cessavam assim as divergências dinásticas que separavam os monárquicos portugueses. Atenuavam-se também as divergências ideológicas, pelos motivos já antes expostos71. Mas o objectivo, acalentado por muitos monárquicos, da restauração da monarquia continuou adiado, de nada servindo a existência, daí em diante, de um só pretendente. O próprio lugar-tenente não acalentava ilusões a esse propósito: nas declarações atrás citadas, afirmava cruamente que se devia abandonar «qualquer ideia de restauração monárquica, neste momento», devendo ainda os monárquicos continuar a apoiar a Ditadura, «precisamente nos termos em que o estavam fazendo», se bem que esse apoio não fosse incondicional e só se mantivesse enquanto ela se identificasse «com os superiores interesses do país» . Era uma posição realista, partilhada por muitos 72

70

Em comunicado publicado em A Voz de 19 de Outubro desse ano (Nº. 2042, p. 1), a Causa Monárquica dava conta de uma reunião conjunta do Conselho da Lugar Tenência e do Conselho Político, no dia anterior, para tomarem conhecimento de uma carta que D. Duarte Nuno escrevera ao conselheiro João de Azevedo Coutinho em resposta aos votos apresentados pelos corpos dirigentes da Causa. Aí se assentou nos termos de tornar público o reconhecimento de D. Duarte Nuno como sucessor de D. Manuel II. Cf. ainda Brissos (José), in op. cit., p. 124, e Cruz (Manuel Braga da), op. cit., p. 184.

71

Damião Peres escreveu que o falecimento de D. Manuel II «também contribuiu acentuadamente para fazer cessar a divergência ideológica entre os monárquicos liberais e os tradicionalistas, existente desde sempre» (Op. cit., Suplemento, p. 486). A afirmação é verdadeira, mas importa notar que continuaram a verificar-se divergências entre os monárquicos, nomeadamente quanto ao apoio ao Estado Novo.

72

A Voz, Nº. 1951, 19 de Julho de 1932, pp. 1 e 6.


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monárquicos. Os que sonhavam com uma restauração próxima depressa foram desiludidos pela forma hábil e matreira como Oliveira Salazar, já Presidente do Conselho da Ditadura, desde Fevereiro de 1932, interpretou o falecimento do último monarca português. Discursando em 23 de Novembro de 1932, no acto de posse dos corpos directivos da União Nacional, dirigindo-se expressamente aos monárquicos e referindo-se ao ex-monarca, afirmou textualmente: «E eis que, quando se acabara de formar este modelo de homem, de príncipe e de português, ao atingir o pleno vigor da idade, da inteligência, da cultura e das energias morais, quando finalmente se podia considerar preparado para ser rei, leva-o a morte, sem descendentes nem sucessor». Para acrescentar algumas linhas à frente: «Incontestavelmente está posto um problema grave para a consciência dos monárquicos portugueses» . Salazar foi suficientemente claro: «(...) nem sucessor». Para ele o problema da sucessão, a possibilidade, mesmo que a prazo, de qualquer restauração monárquica não se punha, pelo menos naquele ano de 1932, em que «a ordem de precedência das ideias e das coisas» era outra: tratava-se de construir, a partir da Ditadura Militar, uma nova ordem «constitucional» de que ele fosse o líder incontestado, e onde a forma republicana coexistisse com um regime de ordem e de autoridade. 73

74

73

Oliveira Salazar, Discursos, 1928-1934, Coimbra, Coimbra Editora, 1935, pp. 166, 167.

74

Ibidem, p. 169.


Salazar e o Monárquicos: A Tentativa Restauracionista de 1951

c)

37

De 1932 a 1951: a integração de grande parte dos monárquicos no «Estado Novo».

Nesse mesmo discurso, Salazar repetia ideias que já exprimira em 1922. República ou monarquia, chefia electiva ou chefia hereditária do Estado, eram para ele questão secundária, tanto mais que não eram a forma republicana ou a forma monárquica que definiam os regimes: eram meras «formas externas» que podiam coabitar com os mais diversos substratos. Não eram as monarquias do Norte da Europa, as que possuíam maior «solidez e estabilidade», «quase só repúblicas hereditárias» ? «A experiência feita pela Ditadura portuguesa deve esclarecer a muitos olhos a importância decisiva que no assunto têm não as formas externas mas os conceitos profundos do Poder e da governação pública e a organização dos Poderes do Estado» . E tendo, «para sul, ao centro e para leste» da Europa, «a ideia monárquica (...) perdido, não se sabe por quanto tempo, a sua força actuante», a verdadeira questão que se punha era saber se as repúblicas queriam ser «regimes de ordem e de autoridade», tendo os povos «a certeza de que estão, sob o seu domínio, defendidos e seguros» . Posto o que, perante problemas da maior gravidade e num mundo em mudança e «a caminho do futuro desconhecido», «fechado e piedosamente abrigado na terra da Pátria, o túmulo do último Rei», os monárquicos eram convidados a tomar as atitudes que mais valor tivessem para a acção patriótica e mais se adequassem à solução pacífica «das graves questões nacionais» . Ou seja, enterrado o «último Rei» estava enterrada 75

76

77

78

75

Ibidem, p. 167.

76

Ibidem, p. 168.

77

Ibidem.

78

Ibidem e p. 169.


38

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a Monarquia. O que Salazar oferecia aos monárquicos, agora quase todos eles, como referi antes, defensores de uma ideologia anti-liberal, autoritária e «nacionalista», era uma república onde muitos dos seus ideais, e particularmente dos integralistas, se materializavam, mas onde o Rei seria esquecido. Uma república «conservadora, tradicionalista, corporativa, caceteira, anti-democrática», um «integralismo republicano» , nas palavras de João Medina, parafraseando a expressão que, profeticamente, escrevera em 1925 o integralista Luís Chaves . Discurso decerto decepcionante para muitos monárquicos. Não menos decepcionante terá sido a decisão do Governo, no ano seguinte, de passar os bens da Casa de Bragança, apanágio desde 1643 do príncipe real, para a posse de uma Fundação criada pelo Estado, pondo assim definitivamente termo a um vínculo que perdurava há séculos. Essa decisão, tomada pelo Decreto nº. 23.240, de 21 de Novembro de 1933, só foi tomada após demoradas conversações com as legítimas herdeiras de D. Manuel II, a sua mãe, D. Amélia de Orleães e Bragança, e a viúva, D. Augusta Vitória, que conduziram à renúncia dos seus direitos80. O falecido rei deixara disposições testamentárias sobre as suas colecções de jóias, livros e obras de arte, bem como sobre bens imóveis pessoais, mas nenhuma palavra se referia aos bens da Casa de Bragança81. O modo como este assunto foi resolvido foi, nas palavras de um artigo publicado há anos na imprensa, «um golpe decisivo nas aspirações dos 79

79

Medina (João), O integralismo republicano, in op. cit., p. 143.

80

As negociações foram conduzidas pelo dr. Martins de Carvalho, «famoso jurisconsulto que fora ministro da monarquia durante a ditadura franquista». Cf. Vida Mundial, Nº. 1625, 31-7-70, p. 24.

81

Ibidem. Entre os imóveis, contavam-se o palácio das Carrancas, no Porto, e o castelo de Alvito, no Alentejo.


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monárquicos restauracionistas, que esperavam do prof. Salazar a realização do seu sonho»82. Daí que houvesse protestos e que o decreto contribuísse para afastar alguns monárquicos mais recalcitrantes. O próprio D. Duarte Nuno, então já reconhecido por todos os monárquicos como o legítimo sucessor da Coroa, e portanto, em teoria, legítimo herdeiro dos bens da Casa de Bragança, protestou veementemente: «Contra esse acto do Governo formulo o meu protesto, porque o meu silêncio poderia ser levado à conta de assentimento tácito à flagrante, injusta e por todos os títulos bem inesperada violação de direitos, que são meus e dos meus sucessores; direitos aos quais não renuncio nem me é dado renunciar, porque pertencerão no futuro, como hoje, ao Chefe da Casa de Bragança, à qual cumpre continuar a História da Pátria e as gloriosas tradições do seu passado»83. Protesto que era acompanhado da publicação de um parecer jurídico assinado pelos advogados monárquicos José Augusto Vaz Pinto, Luís de Almeida Braga e Simeão Pinto de Mesquita, com a concordância de outros dois jurisconsultos da mesma filiação política, Domingos Pinto Coelho e António Pinto de Mesquita84. Protestaram também os integralistas, ou melhor, o seu «núcleo duro», agrupado em torno da revista Integralismo Lusitano, que já há tempos vinha manifestado a sua discor82

Ibidem.

83

Ibidem. O discurso foi publicado na íntegra na revista Integralismo Lusitano, vol. II, fascículo XI, Fevereiro de 1934, pp. 577 a 579. Seguimos esta versão, que difere em pequenos pormenores da transcrita em a Vida Mundial. Cf. ainda Manuel Braga da Cruz, op. cit., p. 190, que transcreve outra passagem do protesto.

84

Vida Mundial, Ibidem. Também publicado na íntegra no referido número de Integralismo Lusitano, pp. 580 a 586.


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dância relativamente à marcha dos negócios políticos. O verdadeiro significado do discurso de Salazar, antes citado, não lhes escapara: «O seu discurso, que até nas partes voluntariamente obscuras, é claro para todos, merecia comentário adequado»85. Peados pela Censura, só lhe puderam responder com meias palavras, embora de tom irónico. Faziam-lhe a justiça de o reconhecerem como político sagaz, «o mais hábil e perfeito político que em nossa terra foi visto, há mais de um século»86. E, depois dum remoque sobre a Censura, e a propósito do «problema grave para a consciência dos monárquicos portugueses»87, os homens do «Integralismo Lusitano» redarguiam que já o haviam resolvido «há vinte anos», e da sinceridade com que procediam davam «testemunho as perseguições, os cárceres, os desterros e o sangue derramado em tão longo martirológio»88. E acrescentavam, em palavras duras (e que, surpreendentemente, a censura deixaria passar): «O Dr. Salazar não pode ter a compreensão do que seja a dor de uma inteligência, posta à prova da adversidade política». Insinuavam que Salazar só começaria a ser anti-democrata e corporativista com o 28 de Maio, «encontrando já o campo aberto à sua acção e tornando-se assim o beneficiário de alheio esforço». Eles já tinham consagrado a mocidade, «já distante», ao seu caso de consciência política, enquanto Salazar só então resolvia o seu e «com tal desembaraço e clareza» o fazia, que não permitia dúvidas a ninguém «sobre a coerência do seu pensamento com a sua acção futura»89. 85

Integralismo Lusitano, vol. I, fascículo VIII, Novembro de 1932, p. 446.

86

Ibidem.

87

Discurso de 23 de Novembro de 1932, in op. cit.

88

Integralismo Lusitano, vol. I, fascículo VIII, Novembro de 1932, p. 447.

89

Ibidem. O comentário ao discurso de Salazar, intitulado Horizontes Largos,


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Quando se deu o episódio da «Fundação da Casa de Bragança», já a ruptura se havia consumado. Não surpreendem, pois, as palavras que os integralistas lhe consagraram. No mesmo número da revista Integralismo Lusitano em que publicaram o protesto de D. Duarte Nuno, bem como o referido parecer jurídico, inseriam também o seu protesto contra a «extorsão oficial», censurando acremente o comportamento da mãe e da viúva de D. Manuel II, a quem imputavam a responsabilidade principal, porque «recebendo por direito republicano os bens da Casa de Bragança que são da Dinastia», os entregavam à República «para que eles não possam continuar a servir de base material à contituidade das Instituições Monárquicas»90. Esses integralistas, porém, eram o que restava da primitiva falange, muito mais numerosa, que, em grande número, se passara com armas e bagagens — boa parte da sua doutrina, nomeadamente — para o campo do novo regime. Esses, os irredutíveis, eram forçados a suspender a publicação da sua revista, cujo último número sairia em Março de 1934, aí escrevendo melancólicas palavras sobre os novos tempos, em que os monárquicos de deixavam aliciar «por meio dos benefícios materiais concedidos ou esperados do Tesouro», disfarçando-se nas «desculpas do mal menor, do que vier é pior, trocando-se a fidelidade do direito pelo facto, a razão política pelo interematava com uma apreciação duríssima sobre o modo como se pretenderia construir o Estado Novo, apreciação que se aplicava como uma luva aos muitos ex-integralistas que se apressaram a ingressar nas hostes do novo regime: «Sempre admirámos a sinceridade, tanto nos homens públicos, como nos particulares, mas ficamos ainda certos de que não se mata uma causa política por asfixia, nem se pode empreender a regeneração nacional com ambiciosos e com trânsfugas, gafaria moral de que são feitas normalmente as camarilhas dos aduladores.» Os itálicos são meus. 90

Ibidem, vol. II, fascículo XI, Fevereiro de 1934, p. 587.


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resse privado, o que deve ser pelo que é, o futuro definitivo pelo presente incerto, precário e caduco»91. Era a constatação do êxito da política salazarista de aliciamento dos monárquicos de todos os quadrantes — como, aliás, de outras gentes —, baseada no conhecimento das fraquezas da natureza humana. E o Estado Novo, tão esperançosamente aguardado nos primeiros tempos da Ditadura, mas diferente, em múltiplos aspectos, do que fora sonhado, era agora apreciado dum modo que traduzia as desilusões sofridas: «Hora sinistra, a deste ressurgimento fiscal, em que o espírito se rende à pecúnia contra a razão; em que o Estado tem lucros na administração do ensino público e se orgulha de ser usurário da Nação; em que a justiça dos tribunais e do governo continua a atemorizar os que a ela teriam de recorrer; e em que um magote de professores de direito, subvertendo as normas que ontem defendiam, subitamente negam os princípios por eles próprios formulados, enquanto oferecem aos portugueses com independência para os julgar, um dos mais tristes exemplos de abdicação mental que em nossa terra foram vistos»92. E contra a «hora sinistra» pouco poderiam fazer. Além de serem apenas um punhado de irredutíveis, já nem sequer dispunham de qualquer organização. Em Julho de 1933, «em cumprimento das ordens de El-Rei e de quem dignamente O representa em Portugal» e atendendo aos documentos que haviam convertido a Causa Monárquica num organismo que abrangia «a totalidade dos portugueses obedientes à suprema autoridade e direcção de El-Rei o Senhor Dom Duarte II», a Junta Central do Integralismo Lusitano, «por julgar cumprida 91

Ibidem, vol. II, fascículo XII, p. 687.

92

Ibidem, Ibidem, fascículo XI, Fevereiro de 1934, p. 688.


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a sua missão», deliberara «dissolver-se e declarar dissolvida a organização política do Integralismo Lusitano», recomendando a todos os organismos que a integravam que aceitassem os lugares e situações que lhes fossem atribuídos na Causa Monárquica93. Acabava assim a mais aguerrida das organizações monárquicas, dissolvida numa Causa acomodatícia, que, gozando de uma especial situação de deferência no panorama político do Estado Novo, procuraria nunca afrontar o chefe e a situação, cingindo-se a um papel de colaboração subalterna. Pelo meio ficava ainda o episódio do «Nacional-Sindicalismo», onde os integralistas desempenharam um papel relevante. Chefiado por Francisco Rolão Preto, que fizera parte da Junta Central do Integralismo Lusitano94, e reunindo elementos provindos desta organização e também da Acção Realista Portuguesa95, além de outra gente arrebanhada em vários sectores direitistas, o «Nacional-Sindicalismo» canalizou as energias de grande parte dos monárquicos para o que foi, tipicamente, a única tentativa portuguesa de criar um movimento de massas de tipo fascista. O êxito do movimento, que terá chegado a contar cerca de 50.000 filiados e a dispor de vários jornais, nomeadamente o diário 93

Ibidem, Ibidem, fascículo IV, Julho de 1933, pp. 239 e 240.

94

Medina (João), Salazar e os fascistas/Salazarismo e Nacional-Sindicalismo (...), p. 8. Rolão Preto afirmaria, na entrevista publicada neste mesmo estudo, que «a maioria do movimento era monárquica, integralista, mas não se punha então o problema do regime.» P. 162.

95

«Tudo começara, pois, em Fevereiro de 1932, com um jornal lançado por estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa — Dutra Faria, Pinto de Lemos, Pirrayt, António Pedro, Tinoco, suspendendo-se em Maio o Revolução para nele ingressar como guru e chefe, Rolão Preto, então com quase 40 anos e um passado de activismo batalhador anti-democrata e doutrinador monárquico (...)». Ibidem, p. 36. Cf. também Vida Mundial, Nº. 1625, 31-7-70, pp. 27 e 28.


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Revolução96, assustou Salazar e levou à sua rápida extinção. Em «nota oficial» publicada na imprensa, a 29 de Julho de 1934, assinada pelo próprio Presidente do Conselho, os nacionaissindicalistas eram convidados a entrar para a União Nacional — os estudantes para a AEV (Acção Escolar de Vanguarda), precursora da Mocidade Portuguesa —, sob pena de o seu movimento passar a ser considerado «elemento perturbador e de desagregação das forças nacionalistas do Estado Novo»97. Já antes deste «convite» houvera uma cisão no movimento, liderada por Manuel Múrias, o homem que, como referi, teve um destacado desempenho no lançamento do golpe de 28 de Maio. Múrias lançara um jornal, o diário Revolução Nacional, que seguia incondicionalmente as directrizes de Salazar98. O grosso dos nacionais-sindicalistas, cedendo à pressão oficial e também aos «benefícios materiais» de que falava o órgão do integralismo, apressou-se a ingressar, ordeiramente, nas fileiras do regime99. Quase todos os monárquicos, portanto, se conformaram com o papel a que os confinara Salazar. Este, de resto, não se esqueceu de repetidas vezes reafirmar o que deles pretendia. Em entrevista concedida a António Ferro, pouco depois do discurso proferido em Novembro de 1932, dizia: «O que eu 96

Medina (João), Salazar e os fascistas (...), p. 9. Idem, História de Portugal, vol. XII - O «Estado Novo» I — O Ditador e a Ditadura, pp. 72 a 74.

97

Idem, Salazar e os fascistas (...), p. 10.

98

Ibidem, pp. 16, 17, 18 e 37, 38.

99

Ibidem, pp. 10, 11 e 37 a 41. Na entrevista, Rolão Preto, à pergunta «Os homens do seu movimento passaram-se quase todos para o Salazar?» respondeu: «Sim, quase todos. (...) O principal culpado foi ainda Salazar, por isto: é que, na idade em que esses rapazes estavam todos, nos vinte e tantos anos, o que queriam era casar-se, ganhar a vida. E Salazar oferecia-lhes empregos. (...)» P. 176.


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peço aos monárquicos, ou o que lhes aconselho, é que se disponham a ingressar na vida do Estado sem a ideia falsa e perigosa de que colaborar com a actual situação é dar um passo para a realização do seu ideal respeitável». E aditava, vincando a subalternidade da questão da forma do regime — entendida em termos de República/Monarquia — relativamente a outras questões: «Há problemas essenciais, neste momento, à vida da Nação que subalternizam, amesquinham, quase tornam ridículo o problema do regime. Trabalhemos, portanto, dentro das instituições actuais, sem romantismos nem fantasias»100. Consequentemente, os monárquicos tinham de pôr de lado, enquanto prioridade política, a restauração da Realeza. Novamente em 1935, em carta dirigida a Fernando de Sousa (director de A Voz e respeitado vulto monárquico, como mencionei atrás), a respeito da actuação da Censura, Salazar reafirmava essas mesmas directrizes: «Quanto à Causa Monárquica, desde há muito, talvez Outubro de 1932, que está definida a orientação: a isso me referi desenvolvidamente em conversa com o Dr. Pequito Rebelo. São permitidos os artigos doutrinários acerca do regime monárquico; não é permitida a exploração da política monárquica feita sobretudo como um aviso aos partidos [sic] da actual situação política. Por outro lado o Governo não reconhece nenhuma organização política além da União Nacional e nesta orientação a censura deve ter cortado as referências a quaisquer organismos da Causa. Se reconhecesse esses, porque não havia de reconhecer partidos republicanos? A experiência demonstra-me que a paz pública e o bem da Nação aconselham a deixar o mais possível no olvido 100

Ferro (António), Salazar, o Homem e a Sua Obra, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1933, p. 22, apud Cruz (Manuel Braga da), op. cit., p. 64.


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tais questões»101. A Causa Monárquica era, assim, meramente tolerada, num quadro de pluralismo político que era o das várias forças conservadoras que apoiavam o regime salazarista. Este não podia, contudo, deixar de contar com a colaboração dos monárquicos. É que grande parte das elites políticas do que podemos definir como as «direitas» portuguesas situavam-se nos sectores afectos à Realeza, ou aí tinham feito a sua formação. Pedro Teotónio Pereira, um dos monárquicos integralistas que aceitou, desde o primeiro momento, colaborar com Salazar, deixou escrito, nas suas Memórias, os motivos que o levaram a enveredar por essa orientação política: «Logicamente, a minha formação ideológica levou-me para o Integralismo. Era o terreno mais sólido à minha frente, por recolher toda a nossa herança no campo dos princípios. O movimento integralista surgira como uma cruzada de salvação pública contra os desmandos dos partidos políticos e, sem se limitar ao papel de os combater em todos os terrenos, apresentava pela primeira vez ao País um programa de acção que se apoiava nas fontes mais puras do nacionalismo português, ao mesmo tempo que proclamava, com igual ardor, inadiáveis reformas no domínio económico e social». Acrescentando, algo gongoricamente, que «a forte tendência nacionalista do novo movimento político, unida ao seu espírito de reforma, retemperara a alma da grande massa culta portuguesa»102. O que sucedeu com Teotónio Pereira ocorreu com muitos outros jovens universitários do seu tempo, pertencentes aos estratos superiores e médios da sociedade, que, impressionados 101

Apud Leal (Ernesto Castro), Forças políticas dentro do «Estado Novo», in Medina (João), dir. por, História de Portugal, vol. XII - O «Estado Novo» I (...), p. 196.

102

Vol. I, Lisboa, Verbo, 1972, p. 34.


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pelo fracasso da 1ª. República, pela permanente instabilidade política e desordem nas ruas, se deixaram seduzir por uma ideologia autoritária e tradicionalista como era a do «Integralismo Lusitano». Quase todos esses jovens dos «anos vinte», aquilo a que se poderá chamar a «segunda geração integralista»103, formada em torno da revista Ordem Nova104, lançada pelo próprio Teotónio Pereira e por Marcello Caetano105, aceitou a liderança de Salazar e integrou-se, sem problemas, no Estado Novo. Muitos, incluindo os dois nomes citados, foram alguns dos melhores quadros do regime106. O mesmo sucedeu com os homens da «Acção Realista Portuguesa»107, de entre os quais proveio um dos principais «ideólogos» do salazarismo, João Ameal108. Foi da primeira geração do «Integralismo Lusitano» que vieram os casos de 103

Ernesto Castro Leal aponta, além dos dois nomes mais sonantes, Manuel Múrias, Rodrigues Cavalheiro, Ângelo César, António Gonçalves Rodrigues e Leão Ramos Ascensão. In op. cit., p. 197.

104

Ordem Nova apresentava-se como «antimoderna, antiliberal, antidemocrática, antiburguesa e antibolchevista, contra revolucionária, católica, apostólica e romana; monárquica, intolerante e intransigente, insolidária com escritores, jornalistas e quaisquer profissionais das letras, das artes e da imprensa» . Cf. Medina (João), Salazar e os fascistas (...), p. 199, nota 19.

105

Pereira (Pedro Theotonio), op. cit., p. 35.

106

Theotónio Pereira foi nomeado, em 12 de Abril de 1933, Subsecretário de Estado das Corporações [Peres (Damião), op. cit., Suplemento, p. 494], vindo mais tarde a ocupar outros altos postos no regime, quer em funções ministeriais (Comércio e Indústria - 1936/37; Presidência - 1958/59), quer diplomáticas (enviado especial junto do general Franco; embaixador em Madrid, Rio de Janeiro, Londres e Washington). De Marcello Caetano creio ser desnecessário apontar os altos cargos que desempenhou.

107

Além do citado, Alfredo Pimenta, Caetano Beirão, Fernando de Campos e António Eça de Queirós. Cf. Leal (Ernesto Castro), in op. cit., p. 197.

108

João Ameal, além de ter produzido abundante obra de carácter histórico e ensaístico, foi o autor do livrinho Decálogo do Estado Novo, Lisboa, SPN, 1934. Cf. Medina (João), História de Portugal, vol. XII, pp. 57 a 61.


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maior rebeldia contra o Estado Novo: um dos seus principais vultos, Hipólito Raposo, publicou, em 1940, o que foi um dos mais violentos libelos contra o regime e o seu chefe, o livro Amar e Servir/ História e Doutrina, em cujo prefácio se falava duma tal «República da Ilusitânia», onde reinava o «Arbítrio Pessoal» e onde «os naturais vêem e sentem quadros de inferno onde aos forasteiros se revelam miragens do paraíso»109. Isso lhe valeu, para além da apreensão da obra, a prisão, o desterro nos Açores e a demissão do seu lugar no ensino110. Caso raro, entre os monárquicos, a que podemos juntar o do constitucionalista Paiva Couceiro, que, por ter manifestado as suas preocupações sobre a situação colonial e formulado críticas ao regime, foi preso e exilado em Espanha, apesar de septuagenário111. Salvo excepções pontuais, portanto, o grosso dos monárquicos acomodou-se à situação «estadonovista», entrando em massa na União Nacional e noutros organismos do regime, em obediência às directivas antes referidas da Causa Monárquica e numa estratégia a que Manuel Braga da Cruz chamou «de penetração nas suas estruturas políticas e administrativas»112. Seria intenção da Causa, nas palavras do mesmo autor, «ir convertendo interiormente as estruturas do Estado Novo à orientação monárquica, ganhando para isso posições estratégicas políticas e sociais»113. A estratégia colaboracionista teve a aprovação do pretendente, que, depois do protesto lavrado contra a decisão 109

Medina (João), dir. de, História Contemporânea de Portugal, Ditadura: O «Estado Novo» (Tomo I), pp. 109 a 113.

110

Ibidem, p. 109. Cf. também Ventura (António), Hipólito Raposo, in João Medina. dir. por, História de Portugal, vol. XI - A república II (...), pp. 106, 107.

111

Idem, Paiva Couceiro, Ibidem, pp. 109, 110.

112

Op. cit., p. 192.

113

Ibidem.


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governamental sobre os bens da Casa de Bragança, depressa esqueceu esse agravo e manteve a orientação já seguida pelo seu antecessor, reiterando aos seus apaniguados a recomendação para colaborarem com o Estado Novo «na obra de ressurgimento nacional»114. Tudo indica que este comportamento de D. Duarte Nuno algo tivesse que ver com o seu desejo de fixar residência em Portugal, desejo compartilhado pelos monárquicos, que viam na sua presença um incentivo para a restauração da Realeza. Nesse sentido, a vinda autorizada ao nosso país da infanta D. Filipa de Bragança, irmã do pretendente, por altura das comemorações centenárias, em 1940, teria constituído uma espécie de ensaio «à receptividade da ideia por parte da opinião pública e dos sectores oficiais republicanos» . As preocupações inerentes à 2ª. Grande Guerra ajudaram certamente a protelar a «questão do regime» dentro dos círculos dirigentes do Estado Novo. Mas, passado o conflito, cujo desfecho trouxe consigo o desabar de mais algumas monarquias europeias, a hipótese duma restauração monárquica teria sido seriamente considerada, segundo conta Franco Nogueira na sua biografia de Salazar. Este, depois do forte abanão sofrido pelo regime com a grande movimentação oposicionista do pós-guerra, teria discutido essa possibilidade com um círculo de conselheiros íntimos: Fezas Vital, José Nosolini, Mário de Figueiredo. «Todos estes, monárquicos convictos, defendem essa solução» . O objectivo do Presidente do Conselho seria assegurar a continuidade do regime, ameaçada pela agitação política e pela possibilidade, através do Presidente da República, 115

116

114

Ibidem.

115

Ibidem e p. 193.

116

Salazar, vol. IV – O Ataque (1945-1958), Coimbra, Atlântida Editora, 1980, p. 135.


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117

de um golpe de Estado constitucional . E foi na sequência deste pensamento que Salazar enviou à rainha D. Amélia uma missiva, através de José Nosolini, sugerindo-lhe que legasse em testamento os bens que possuía em Portugal a D. Duarte Nuno ou à família. O objectivo seria assegurar a independência económica do pretendente, que era pobre, dado que, segundo os estatutos da Fundação da Casa de Bragança, o Governo só poderia dispor dos seus bens caso houvesse restauração da Monarquia. E, efectivamente, D. Amélia legou esses bens ao filho mais velho de D. Duarte Nuno, de quem era madrinha . D. Duarte Nuno vivia exilado na Suíça, onde Marcello Caetano o conheceu em 1947, já casado com a princesa brasileira D. Maria Francisca de Orleães e Bragança . Mas, em 1950, a sua vinda para Portugal vai tornar-se possível graças a uma lei aprovada unanimemente pela Assembleia Nacional, na sessão de 21 de Abril desse ano, e da iniciativa do deputado Jorge Botelho Moniz (Projecto de Lei Nº. 50) . Essa lei continha um único artigo, do seguinte teor: «São revogados a Carta de Lei de 19 de Dezembro de 1834 e o Decreto de 15 de Outubro de 1910» . Eram as denominadas «leis de bani118

119

120

121

117

Ibidem. Pode perguntar-se se esta jogada de Salazar, a ter efectivamente ocorrido, não terá sido uma forma de pressionar o presidente Óscar Carmona, que no conturbado período a seguir à guerra manteve contactos com personalidades oposicionistas.

118

Ibidem e pp. 136, 137 e 138.

119

Caetano (Marcello), Minhas Memórias de Salazar, Lisboa, Verbo, 1977, p. 367. O político português refere-se-lhe elogiosamente: «Sem uma inteligência fora do vulgar e com uma presença banal, as suas declarações todavia respiravam honestidade, acreditava na sua condição de representante de uma família que durante oito séculos se identificara com Portugal e aceitava todas as limitações que tal representação impunha». Ibidem.

120

Diário das Sessões, Nº. 48, 22 de Abril de 1950, p. 882 a 889.

121

Ibidem, p. 889.


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mento», que impediam os Braganças de fixarem residência em Portugal (a primeira, apenas o ramo miguelista, a que pertencia D. Duarte Nuno). A história do projecto de lei então aprovado é curiosa, por ser reveladora de certas peculiaridades do regime e da atitude de Salazar relativamente ao problema da restauração monárquica. Tudo indica que o Presidente do Conselho nada teve que ver com o referido diploma e que nem sequer o desejou. Tudo começou com uma iniciativa do mencionado deputado, figura de proa do Salazarismo e, nesta qualidade, um dos poucos capaz de assumir iniciativas autónomas, nomeadamente no quadro de uma assembleia legislativa normalmente acomodatícia. Botelho Moniz apresentou um primeiro projecto de lei em 23 de Fevereiro de 1949, explicando os seus objectivos e também a sua posição quanto ao pretendente ao trono. Afirmando-se «republicano, educado em princípios de tolerância e igualdade», repugnavam-lhe todas as leis de excepção. Daí que inserisse no seu projecto, visando uma ampla amnistia que, nas suas palavras, representaria «um primeiro passo no sentido da reconciliação da família lusitana», um artigo que poria termo às «leis de banimento». Declarava ainda que «propositadamente» apresentava o projecto «sem haver consultado quem quer que seja»: «Trata-se de uma iniciativa individual cuja responsabilidade me pertence inteiramente» . 122

123

122

Jorge Botelho Moniz. Irmão de outra figura de relevo do Estado Novo, Júlio Botelho Moniz, foi, designadamente, fundador e director do Rádio Clube Português e participou na guerra civil espanhola, integrado nos «Viriatos». Cf. Medina (João), Salazar e os fascistas (...), p. 208, nota 34.

123

Diário das Sessões, Nº. 166, pp. 97 e 98. Marcello Caetano confirma o carácter individual da iniciativa: «Jorge Botelho Moniz, ostentando a sua tradição republicana reforçada pela qualidade de combatente, de armas na mão, contra a revolução monárquica de 1919, tomou a iniciativa de apresentar


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Este primeiro projecto, por motivos de ordem constitucional, não pôde ser admitido pelas comissões parlamentares com a sua redacção primitiva, mas Jorge Botelho Moniz voltou à carga com um novo projecto de lei, na sessão de 2 de Abril de 1949, que no seu artigo 5º. revogava as «leis de banimento» . Num primeiro parecer da Câmara Corporativa, datado de 25 de Abril desse ano, esta pronunciou-se favoravelmente pela revogação dessas leis, mas, facto significativo do posicionamento ideológico dos procuradores, pôs diversas objecções às outras disposições do projecto de lei . O segundo projecto de Botelho Moniz foi debatido em 29 de Abril, com um deputado monárquico, Ribeiro Cazaes, a contestar várias das suas disposições, argumentando, designadamente, que não concordava com a amnistia dos Braganças, pois, no seu entender, apenas se lhes devia fazer justiça . Foi uma argumentação deste tipo que levou a Câmara Corporativa a sugerir que, até «para afastar dos usos a inadequada expressão “leis de banimento”», o artigo 5º. do projecto de lei fosse substituído por um projecto autónomo, contendo o já referido artigo único . Franco Nogueira conta, a propósito da iniciativa da Assembleia Nacional, que, em Conselho de Ministros, Salazar considerou a amnistia política votada «injusta, por excesso de 124

125

126

127

na Assembleia Nacional de que fazia parte, em 1949, um projecto de revogação das leis de banimento». Op. cit., p. 366. 124

Diário das Sessões, Nº. 185, pp. 443 e 444.

125

Ibidem, 2º. Suplemento ao Nº. 193, 27 de Abril de 1949.

126

Ibidem, Nº. 197, 30 de Abril de 1949, pp. 663 a 668.

127

Parecer Nº. 6/V sobre o Projecto de Lei Nº. 50, Ibidem, Nº. 34, 22 de Março de 1950, p. 569. Assinaram o parecer os procuradores Marcello Caetano, Afonso de Melo Pinto Veloso, José Joaquim de Oliveira Guimarães, João Carlos de Sá Nogueira, Joaquim de Sousa Uva, Ezequiel de Campos, Fernando Emygdio da Silva, Rui Ennes Ulrich e Afonso Rodrigues Queiró, que foi o relator.


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clemência», e a revogação das «leis de banimento» tinha-a por «inútil, uma vez que os membros da Casa de Bragança há muito entram e saem livremente do país»128. Carmona teria pensado opor o seu veto a ambas, mas Salazar empenhou-se para que este promulgasse os dois diplomas129. Neste evento, toda a conduta do Presidente do Conselho foi ambígua e até contraditória. Num discurso proferido em 20 de Outubro de 1949, tinha abordado o projecto de Botelho Moniz, e, mais uma vez, apresentara as suas ideias sobre a «questão do regime». Considerando que «um novo regime deveria surgir por forma natural como correspondente ao estado social da Nação e à sua compreensão do máximo problema político», e «sendo questão tão transcendente, ela só deveria ser resolvida pela razão esclarecida dos homens» e não «pela força das paixões», afirmou taxativamente que «a questão do regime não está posta e não tem por isso que ser discutida»130. Quanto ao projecto em si, o Governo não podia «pôr objecções à revogação das leis do banimento» porque ele próprio as tinha esquecido e as considerava «sem valor pela sua não aplicação». Porém, depois de se expraiar em considerações sobre a conveniência de príncipes portugueses serem educados em Portugal, numa linguagem de cunho poético, certamente destinada a lisonjear os monárquicos situacionistas131, Salazar rematava com este desolador parecer: 128

Op. cit., vol. IV, p. 179.

129

Ibidem.

130

Questões de Política Interna, Discurso dirigido aos governadores civis, às comissões distritais da União Nacional e aos candidatos a deputados, in Discursos e Notas Políticas, vol. IV (1943-1950), Coimbra, Coimbra Editora, 1951, p. 443.

131

Típica da duplicidade com que Salazar tratava o problema: «...embalados pelo nosso mar, acariciados pelo nosso sol, falando de criancinhas a língua, sentindo a lusitanidade da terra e da gente, vivendo o seu drama, acompanhando o seu


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«... seja qual for a atitude da próxima Assembleia, libérrima neste como nos mais assuntos, e suposto que é a mais larga, eu reputaria inconveniente para a tranquilidade da família portuguesa a residência permanente no País do Senhor Dom Duarte Nuno. O seu alto critério lho indicaria também. Não vale a pena aduzir razões, porque procedem menos da inteligência que da sensibilidade, e devemos respeitá-las»132. O «alto critério» de D. Duarte Nuno ditou-lhe, pelo contrário, que viesse residir para Portugal, e, curiosamente, Salazar empenhou-se junto dos administradores da Fundação da Casa de Bragança para que esta lhe proporcionasse residência condigna e lhe assegurasse meios de vida133. Aliás, apesar de manifestar a sua oposição à permanência do pretendente, o Presidente do Conselho nunca deixou de acompanhar com interesse a sua vida e conduta, a ponto de ter sido consultado sobre o seu possível casamento com uma princesa da casa real brasileira e até sobre as suas viagens ao Brasil134. O posicionamento de Salazar neste como noutros aspectos relativos a uma eventual restauração monárquica não era isento de ambiguidades: mais uma vez, e confirmando o que Marcello Caetano veio a afirmar, com a sua cedência terá, fundamentalmente, procurado evitar hostilizar os monárquicos. trabalho, interpretando o seu sentir». Ibidem, p. 444. 132

Ibidem, p. 445.

133

Caetano (Marcello), op. cit., pp. 367 e 368. Segundo Marcello, foi a Fundação que «adquiriu, restaurou e guarneceu o Palácio de S. Marcos», passando a entregar a D. Duarte Nuno a maior parte dos seus rendimentos (p. 368).

134

Almeida (João Miguel), António Oliveira Salazar e Pedro Teotónio Pereira/ Correspondência Política 1945-1968, Instituto de História Contemporânea, Círculo dos Leitores, Temas e Debates, 2008, pp. 42 a 44. Em carta enviada a Pedro Teotónio Pereira, então embaixador em Madrid, com data de 5 de Maio de 1942, Salazar dá-lhe conta dos conselhos que prodigalizou, nomeadamente ao Conselheiro Azevedo Coutinho.


Salazar e o Monárquicos: A Tentativa Restauracionista de 1951

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D. Duarte, por sua vez, durante todo o processo que o conduziu à sua residência em Portugal soube agir com grande discrição e prudência. Adoptando um comportamento que poderemos classificar de «low profile» e que, tudo o indica, se coadunava com a sua maneira de ser discreta e a sua modesta figura135, evitou sempre entrar em conflito com o governo português: pelo contrário, e pondo de lado a sua teimosia em vir morar para um país que considerava como o seu, teimosia que, porém, certamente sabia ser apoiada por destacados dirigentes monárquicos do regime, soube suscitar a confiança e o apoio do próprio Salazar e doutras personalidades de relevo. Numa carta de Teotónio Pereira, então embaixador em Madrid, para o chefe do governo, datada de Março de 1945, podia ler-se a seguinte frase: «Também me encontro excelentemente impressionado com as conversas que tenho tido com o senhor Dom Duarte.» Salazar sublinhou a frase a partir de «impressionado»136. Teotónio Pereira era monárquico e o tom encomiástico das considerações que formula na carta pode ter sido influenciado pelas suas ideias políticas. Mas, de 1945 em diante, nada nos permite supor que o seu entusiasmo com o comportamento do pretendente não fosse partilhado por outras personalidades que com este contactaram. A vinda do pretendente provocou, como era de prever, uma onda de euforia nas hostes monárquicas. Hostes que, entretanto, tinham conhecido uma renovação assinalável nas suas elites pensantes, que até ao começo da década de quarenta 135

Fisicamente era baixo e franzino, embora tivesse outras características próprias dos Braganças, nórdicos na aparência física em resultado de sucessivos casamentos com princesas do Centro e Norte da Europa. O autor destas linhas participou num encontro político poucos anos antes do 25 de Abril, onde D. Duarte Nuno também compareceu.

136

Almeida (João Miguel), op. cit., pp.97 e 98.


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do século passado continuavam a ser fortemente influenciadas pelos já algo idosos integralistas. De facto, uma nova geração de intelectuais monárquicos tinha feito a sua aparição, agrupados em torno de uma revista, Cidade Nova, «revista de cultura» publicada em Coimbra: Carlos Amado, Fernando Amado, Fernão Pacheco de Castro, Eduardo de Soveral, Henrique Barrilaro Ruas, Afonso Botelho, Gastão da Cunha Ferreira, Luís Sampaio e Melo, Rivera Martins de Carvalho, João Camossa, Gonçalo Ribeiro Teles e Francisco de Sousa Tavares137. Esta nova geração já havia fundado uns anos antes, em 1945, o «Centro Nacional de Cultura»138 e alguns deles evoluirão para posições políticas de franca oposição ao Estado Novo139. De qualquer modo estavam criadas as condições para uma «ofensiva» monárquica, tanto mais que a evolução política da Espanha franquista a transformara, desde Julho de 1947, num «Reino», embora com um rei prometido a prazo140. 137

Leal (Ernesto Castro), in op. cit., p. 199.

138

A decisão da sua fundação partiu de Gastão da Cunha Ferreira, Afonso Botelho e António Seabra, os três monárquicos e participantes do «Congresso das Juventudes Lusitanas», realizado na sede das Edições GAMA, em Abril de 1945. O Centro Nacional de Cultura, segundo Henrique Barrilaro Ruas, seu sócio fundador, «nasceu praticamente de monárquicos e católicos, com uma ligação directa ou indirecta aos integralistas e à memória de António Sardinha». Posteriormente, a evolução política do CNC, através de dirigentes como Francisco Sousa Tavares, levou ao abandono de alguns dos seus fundadores. Cf. jornal Público, 13 de Maio de 1995, pp. 34 e 35, e também o depoimento de Nuno Teotónio Pereira no mesmo diário, Os 50 anos do Centro Nacional de Cultura, 6 de Junho de 1995, p. 13.

139

Ernesto Castro Leal, in op. cit., p. 199. Público, Ibidem, Ibidem.

140

Pela chamada «lei de sucessão», referendada em 6 de Julho de 1947 e proclamada em 20 do mesmo mês. Embora o pretendente D. Juan de Bourbon, residente no Estoril, tivesse protestado contra o modo como Franco regulava a sua sucessão, para os monárquicos espanhóis abria-se a esperança de uma futura restauração da Realeza, como efectivamente veio a suceder. Cf., nomeadamente, Gallo (Max), Historia de la España Franquista, trad., Paris,


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E até os sobreviventes do velho «Integralismo Lusitano» — Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo, José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga — publicaram, em Abril de 1950, um manifesto intitulado Portugal Restaurado pela Monarquia, onde reafirmavam os seus velhos princípios e propunham como «regime político natural e necessário ao maior-bem-comum do Povo Português» a “Monarquia Hereditária, Unitária e Representativa”»141.

Ruedo ibérico, 1971, pp. 191 a 194. Em Portugal, o velho integralista Hipólito Raposo publicou uma crítica contundente ao modo como Franco resolveu o problema do regime, considerando que a Monarquia só era restabelecida no «título» e não no seu conteúdo essencial. Cf. Caudilharquia, in Modos de Ver, Lisboa, 1947, pp. 343 a 348. 141

Cf. Cruz (Manuel Braga da) op. cit., pp. 217 a 224. Pequito Rebelo publicou também, em 1949, um panfleto bastante crítico de certos aspectos do regime, intitulado O Meu Testemunho (Lisboa, Edição do Autor). Aí se escrevia, nomeadamente, que o Estado Novo apresentava também «as características de partido único». pp. 6 a 8.


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