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Carlos Arinto

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL COM O ESCRITOR

CARLOS ARINTO----------------

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A fenda rosa

Um grupo de pesquisadores aventura-se pela Antártica, para descobrir o que está causando a fratura no gelo. Ao terceiro dia de análise das fissuras regressam ao acampamento, com a certeza de que uma tragédia está para acontecer. Pode ser já, para o ano, daqui a uma década, mas vai acontecer: o gelo vai separar-se e vogar no mar, derreter e fazer subir as águas, tornando frias zonas que até aqui eram quentes ou temperadas. Cuidado Brasil! - Temos de descobrir um meio de evitar isto, mas como? - E as causas? Se ao menos soubéssemos quais as causas que fazem quebrar abruptamente o gelo, para além das condições propícias conhecidas, que, por si só, não justificam esta racha tão profunda. Noutro ponto do planeta, geólogos, sentados em frente aos seus computadores, detetam um avanço no grupo de placas tectónicas na região de África. É apenas um leve estremeção, mas uma sobreposição que pode originar muitas modificações, na vida do continente africano, tal como o conhecemos hoje. Por uma análise matemática de projectão, estes homens e mulheres preveem que todo o continente pode ser dividido em partes, abrindo espaço para o aparecimento de um novo mar, enquanto os lugares a salvo das águas se separam. Os desertos deixarão de existir, mas…o futuro é incerto. Um continente passará a ser arquipélago. Mais uma vez a questão tempo se coloca. Não será na nossa geração, nem nas próximas, mas mesmo assim…o mundo está em modificação acelerada Algures alguém observa o planeta e acena com a cabeça que sim. Que os investigadores estão corretos, que tudo se modifica num estalar, numa brecha, numa fenda que se abre, numa racha, numa fissura que se alarga, num espaço que se torna cheio pela ocupação de novos donos ou habitantes. Toda a vida na vida é gerada pela fecundação de fendas que se fecham ou abrem, como bivalves das mais variadas espécies, onde até se podem incluir homens e mulheres, que disso não tem consciência. - Vem amor, abraça-me. Vem fazer amor comigo. Da separação de duas margens, por onde corre um rio, nascem novos seres, que hão-de modificar o mundo. Outros rios e afluentes extinguem-se deixando à míngua os lagos e as lamas em redor. Uma estranha fenda rosa, foi observada do espaço, de onde se detetaram microrganismos em caldo e fervura, coisa impossível de imaginar ao cimo do planeta. Os vulcões não possuem vida como a concebemos, mas ela pode existir, a comprovar-se a agilidade e evolução destes nano-organismos agora detetados, enterrados na incineração do conhecido. Lembram-se da Greta? - Quem? A Thumberg! Aquela que veio anunciar a desgraça: “How dare you!?” Foi um prenúncio, um anjo de fogo. - Sim, aquele planeta está a de-

compor-se como uma enorme rosa a ser desfolhada. O que podemos fazer? Croquetes, que toda a gente gosta, ou dizer poesia, “os canalhas odeiam poesia.” Mas isso são radicalismos que situações extremas justificam. Muito bem. Vamos começar por pulveriza-los com cultura. Pode ser que resulte. Não resultou, incubou vírus.

Segunda parte A aldeia é pequena. Trinta casas no máximo, todas de laje, algumas arranjadas com estuque, outras a colapsar. Vivem, na aldeia, dez pessoas em permanência. No último ano morreram cinco. Todos homens. Ficaram as viúvas. Uma única família reúne-se num lagar, que recuperaram, numa curva apertada do rio. - Somos os donos disto tudo. O filho parte para Lisboa par estudar e regressa anos depois à frente de um rancho folclórico. O pai, é presidente da junta e de uma casa de convívios em Lisboa, andando cá e lá. A mãe-rainha, vai polinizando como uma abelha-mestra, formando a sua colmeia. Tudo está bem, os atritos sociais são comuns e muitas vezes fatais nas aldeias, mas aqui nascem e morrem viperinos. Quem discorda é eliminado. Começam por separar a aldeia em três: o catrão (núcleo de casas recuperadas onde vive apenas uma inglesa que não fala português) o adro (capela, museu, alojamento local e antiga escola) e o Limo (composto por diversos sítios como Lombinho, ponte, casola, coladinho, etc…que sendo o núcleo agregador inicial se vai desmembrando e soterrando à medida que os muros desabam, as falésias abatem e as margens do rio colapsam) São donos daquilo tudo, mas são donos de tudo-nada. São avistados javalis e raposas a vaguear pelas serras. Os compartes, dividem, entre si, as caçadas. Uma vez, ou outra, ouvem-se barulhos de motores na serra em competição de velocidade e destreza, sejam automóveis ou motos. O eucaliptal floresce. Os baldios, estão vazios. Os estrangeiros são bem-vindos e os descendentes dos que construíram as casas sã expulsos. Reina um silêncio de morte absurda: Um carro pela ribanceira, outro contra um muro de pedra, um doente de misteriosa figadeira, dois suicídios. Três dos presentes têm mais de noventa anos. Novos rurais a plantarem canábis. Foi então que a mãe de todas as guerras teve uma ideia: e se colonizássemos os baldios? (que estão vazios) Fazíamos uma sopa de cozido à portuguesa, chamávamos os brasileiros, os indianos, os do Bangladeche, um ou outro africano, que fica sempre bem, se possível com rastas a fazer lembrar a Jamaica… Ah! Que me dizem? – “Mãe, os Muçulmanos não comem carne de porco! Bem, para esses temos uma dieta especial.” Enquanto se banhava na sua piscina privada, roubada a uma lançada de rio, mandada decorar com calhaus dourados, como tinha visto haver em casa do saudoso Kadhafi, (sim, esse da Líbia) a rainha pensou ser Cleópatra. Mandou construir uma pequena pirâmide no alto da sua azenha, para guardar os carros, (mais dois do que o Cristiano Ronaldo, era obra) e foi falar com o padre e o político. Tudo acertado. Fissura aqui, marcação de brecha a abrir ali, sementeiras que não tinham sementes, e florestas gastas pelo tempo onde antes havia castanheiros, nogueiras e pomares foram retalhadas e marcadas como feudos a distribuir pelos novos habitantes, alguns turistas e amigos de ocasião. Serdeira, Carril. Pisão, Advendaval, Horta, Val-da-Brute… eram lugares de tradição antiga. Tudo corria bem! Nesse ano, de grande louvor, um furacão destruiu tudo, a ribeira encheu-se de águas furiosas e levou muros, terrenos de cultivo e casas-palheiros. Quando o verão se aproximou um fogo riscou do cimo da terra as casas que ainda sobreviviam. Matos, pinheiros e animais selvagens foram eliminados com pavio curto e impiedosa crueldade.

O jornal da terra deu a notícia. Sobreviveram os “donos daquilo tudo”, desenterrados – por arqueólogo competente muitos anos depois - do lamaçal e das cinzas que ficaram do vulcão que também ele se espichou em furna. Os outros (lá onde Deus os chamou) mandaram rezar uma missa por alma.

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