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A Cerimónia da Lembrança | Ricardo Jorge Dias

Para nós, obreiros da RL:. General Gomes Freire de Andrade, tão cedo era que o novo dia quase começou no anterior. Pese embora a previsão apontasse para um céu descoberto, a manhã, ainda apegada aos rigores da noite, estava surpreendentemente pálida.

A jornada de trabalho seria intensa e longa mas os espíritos, esses, estavam elevados e ao rubro.

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Próximo das 8 horas e com o dissipar da neblina, começaram também a chegar os primeiros Irmãos que se prestaram a percorrer os quase 200km que nos separavam da Metrópole, para auxiliar na tarefa de preparar a cerimónia que se avizinhava. O cansaço que assolava os corpos de todos os envolvidos não afetou a vontade de fazer acontecer.

Decorria o 4º dia do mês de Setembro do ano 6021 e, pela primeira vez, na Grande Loja Soberana de Portugal, conforme ditam os pergaminhos da nossa Augusta Ordem, estávamos prestes a celebrar-se uma Cerimónia da Lembrança - Imortalizar a Memória e evocar o Espírito dos Irmãos que, tendo desaparecido do plano terrestre, já se juntaram na Cadeia de União que perpassa as Eras. E por fim, aliviando de preocupações as mentes mais sépticas, escolheu o G:.A:.D:.U:. abrir os Céus e banhar de Sol, Luz e Calor, o vale de Miranda do Corvo. “Mãos a Obra!” Após quase 5 horas de preparativos, suor, poeira, entre incontáveis peripécias e contratempos, lá se ergueu a estrutura daquele que será um dia a gravar na memória. Já pelas 15 horas, em estilo de introdução e também já com a larga maioria dos Irmãos e convidados presentes, fomos recebidos por Jaime Ramos, antigo Presidente de Câmara Municipal de Miranda do Corvo, responsável principal do Templo Ecuménico Universalista e nosso anfitrião que, num tom enérgico e acolhedor, guiou os presentes numa visita ao Espaço da Mente, lugar dedicado à teorização do Divino e do Conhecimento Maçónico.

Cá fora, ao longe e acima dos telhados das rústicas casas que nos circundam, erguem-se os ermos e picos montanhosos da Serra da Lousã. O Sol já há muito que os deixou e está agora a cair na direção do Horizonte. Chegou a hora da deslocação para a Colina do Templo Ecuménico e, numa questão de minutos, formou-se o cortejo que seguiu pelos sinuosos caminhos que levam ao topo da colina onde este se ergue, tal lança em riste.

Chegados ao destino, mais uma vez encontrámos Jaime Ramos que novamente nos presenteou com uma fantástica visita ao espaço envolvente. Apenas a sua voz se fazia ouvir. A voz e o silvar do vento ao passar, leve mas convictamente, entre as folhas das poucas árvores que aqui e ali se faziam erguer dentro do recinto. Ao deambular pelos estreitos caminhos, que mais fazem lembrar rotas iniciáticas, torna-se sempre difícil não dispersar a atenção pelas magníficas paisagens que abaixo se estendem.

Nem todos, no entanto, estão a usufruir deste privilégio. Também no exterior, mas no lado a Ocidente da Pirâmide, preparava-se o Templo. Como todo o plano traçado ao milímetro, pouco corre como o previsto, mas, no final, tudo resulta de forma Harmoniosa. Após os últimos preparativos e com todos os Irmãos à porta do Templo, teve início a Cerimónia.

Ao terminar do dia, no Ocaso da Marcha Solar, onde praticamente só as silhuetas dos intervenientes se faziam notar, a mística do momento só se deixou suplantar pela luz da egrégora que, como Halo, sempre se forma entre os Irmãos presentes.

A entrada no Templo é Ritual. Cumprem-se escrupulosamente os Ritos que têm por fim preparar a consagração do Espaço e abrir o Tempo entre Horas Canónicas, que é só nosso. A antecipação dos convidados que, neste momento, habitam o Interior da Pirâmide situada no topo da colina é palpável.

“Meus Irmãos, a vossa atenção, vamos dar entrada no Templo!“

Ao som destas palavras proferidas pelo Mestrede-cerimónias, todos os Irmãos se preparam em conformidade. Ajeitam-se as gravatas, compõem-se os Aventais e, claro, sacode-se a poeira do fato na medida do possível. Os ossos do ofício.

A Sessão inicia-se, desenrola-se, e as estrelas começam a fazer-se notar. Palavras não bastam para descrever o que acima de nós se presencia. Já com o Universo espelhado na Terra e as principais esferas celestes visíveis, é hora de chamar os convidados. A par da sua entrada no Templo, a Oeste, rompe pelo ar a Aria “Beata Viscera” pela voz da soprano Carla Bernardino.

Fratibus Defunctis, diz a placa que empunha ao alto o Mestre-de-cerimónias.

O resto é Música, Visão, Beleza e Transcendência. Numa Cadeia de União Singular, desta vez, a introspeção fez-se por via do vislumbre da abobada Celeste.

Ao sabor do vento certamente que ainda hoje lá estão as vozes dos que abriram o coração. Aqui, ignomínia seria não prestar homenagem ao nosso querido irmão Fernando Correia que, com a sua habitual verticalidade e rigidez de Espírito, proferiu as Orações que nos elevaram muito além do Reino Visível, fazendo-nos tocar naqueles que, mesmo já não partilhando a carne connosco, não nos deixaram. Arrisco, no entanto, dizer que sobretudo nos marcou a possibilidade de poder partilhar todos estes momentos com aqueles que mais nos dizem. E quão raramente surge esta oportunidade na vida Maçónica de todos nós…

Permitir um efémero vislumbre do Templo, coberto àqueles que ainda não passaram a porta que dá acesso aos nossos mistérios. A título pessoal resta-me afirmar o que certamente afirmaria qualquer Venerável Mestre que na minha posição estivesse – A terrível responsabilidade de perpetuar tão nobre tradição Iniciática só é suplantada pelo gáudio do sentimento de missão cumprida.

Em ambiente de peregrinação e munidos de espírito aventureiro, escolheram os Maçons da Grande Loja Soberana de Portugal deslocar-se em peso a este canto do mundo, cuja beleza austera e posição privilegiada se dedica a exaltar a Paz, o Amor e o ecumenismo. Imortalizaram assim a vontade férrea que os rege. Ao Ágape arrefeceram-se as almas e os espíritos. Num ambiente festivo, de confraternização e entre iguarias locais, terminou o dia que certamente marcará, não só a RL:. General Gomes Freire de Andrade, como toda a Soberana.

Da parte da RL:. organizadora fica um enorme sentimento de gratidão.

Lembrando as palavras do seu Patrono, martirizado em prole dos valores da Liberdade: «Morrei Livres!» Certamente que o General, estando entre os Irmãos lembrados na Cerimónia e sentado à beira do abismo do Arco Celeste, nos olhou com o espírito revigorado e preenchido por pensamentos de esperança, augurando um futuro auspicioso para a nossa Obediência.

Lá deixámos a nossa Rosa.

Daquele dia ficará certamente… A Saudade.

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