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ORIGEM | Soberana Magazine #2

Antes de começar a escrever pensei que nada que vos pudesse dizer aqui seria suficientemente relevante para ser lido depois de um ano como este de 2020 terminar. Depois de nos despedirmos de um Natal e um Fim de Ano confinados, sem abraços, sem a família reunida, sem amigos, todos privados da alegria da Liberdade.

Se o passado dos nossos avós e dos nossos pais foi pautado por tantas histórias de dificuldades e de resiliência, para vencer a privação de Liberdade e o desenvolvimento cultural e social, o nosso presente é, por outras questões, tudo isto e muito mais.

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Vivemos tempos onde cada dia é uma luta, onde ainda nos debatemos com regras impostas pela sociedade, embora com uma liberdade de sabor, textura e robustez diferente que permite que alguns consigam romper com a apatia criando um universo artístico autêntico real e livre.

Quando um músico, um escritor, um pintor ou um filósofo nos abrem a cabeça com a sua arte vale a pena chamar-lhes Mestres.

O significado da música na antiguidade estava estreitamente ligado às noções míticas da Harmonia das Esferas. A música era tida como parte do plano universal, como parte íntima do mundo, sim, como a própria alma do mundo.

Como explica o musicólogo Gerhard Nestler na obra Geschite der Musik: “Esta música era inaudível, podia-se ouvir somente o seu símbolo. Mas o símbolo eram sons ou também ruídos que o homem escolhia a partir da totalidade daqueles que o cosmo punha à sua disposição. A música foi gerada pelas tensões polares entre o som e o silêncio”.

Já Mozart refere que a “música não está nas notas e sim no silêncio entre elas”.

Desde Pitágoras que o conceito de “Harmonia das Esferas” como símbolo de uma ordem cósmica mundial atravessa toda a história de uma conceção esotérica da música.

O pesquisador Fritz Stege refere no seu livro Musik, Magie, Mystik que a “Ideia” musical é o símbolo cósmico da harmonia das esferas, que se apresenta aos nosso ouvidos como a ordem numérica das proporções sonoras e acústicas. As regras destas proporções estão fixadas, não só na natureza, mas também na audição humana e na forma como ouvimos, como se pode comprovar cientificamente hoje em dia.

Os conhecimentos da energia mágica da música há milénios que é parte integrante de todas as culturas

do mundo e passaram para primeiro plano no interesse de muitos compositores e grupos de música contemporâneos.

Músicas com melodias longamente sustentadas com ritmos suspensos, que herdam fórmulas melódicas antigas e que nos trazem estados de consciência que ocasionam uma libertação de personalidade subjetiva e possibilitam experiências com o consciente coletivo da psique humana.

Acredito que aqui reside a fórmula universal da Liberdade que a Musica nos transmite, a “Ideia” como processo criativo que envolve o emocional do compositor na intimidade do Eu, captando e descodificando o conjunto melódico e harmónico de comunicação livre para quem escuta.

A música e o som são a parte emocional do que observamos e, nesse sentido, é um processo indissociável do ser humano e da natureza.

A liberdade na música nasce também na música popular criada pelo emocional de cada cultura: são exemplo: os “Blues” - que nascem como canto de Liberdade em campos de escravos - e mais tarde o Jazz, com “Buddy” Bolden, trompetista afro-americano que desenvolve um estilo musical misturando os estilos “Rag Time” e “Blues”, criando uma versão flexível e livre da improvisação musical. Em vez de imitar outros trompetistas criou um som autêntico e uma nova forma de tocar, libertando-se dos conceitos tradicionais.

Bolden oferece-nos a invenção do “Big Four”, um novo ritmo que deu ao Jazz embrionário mais espaço de liberdade de improvisação. O “Big Four” é o padrão rítmico conhecido como o ritmo “hambone”, desenvolvido a partir de tradições musicais da África Subsariana.

Bolden desenvolve a sua música revolucionária contrariando um contexto político e social vigente na história dos Estados Unidos da América. O nascimento do Jazz foi o nascimento da Cultura Popular Americana, influenciando tudo o que se seguiu - de Louis Amstrong a Jimi Hendrix, dos Stones aos Fugees e ao próprio Hip Hop representado por Dr. Dre.

Na música clássica temos nomes como Schonberg, Bartók, Orff e John Cage, entre outros, que desenvolvem uma Música Nova, ainda não definida, espiritual, que ultrapassa o conceito da música experimental e traduz o resultado e consequência

da grande revolução que se instaurou no início do século XX, ligada também a nomes como Einstein, Planck, Freud e Jung. Em conclusão, a música ou a “Ideia” musical permite-nos sensações de liberdade, criando-nos emoções intimas, só nossas, que nos tornam verdadeiramente livres.

Os atos de rutura criativa e social, como as revoluções e as lutas pela liberdade, também são quase sempre simbolizados pela música.

As músicas de Abril foram símbolos da revolução da liberdade, “Depois Do Adeus” ou “Grândola Vila Morena” sinais para a Revolução e temas como “Liberdade” de Sérgio Godinho, “Tourada” de Fernando Tordo ou “Tanto Mar” de Chico Buarque são exemplos de músicas e liberdade.

Escutar música é o princípio da Ideia de Liberdade do livre pensamento e das emoções.

Como escreveu Virgílio Ferreira no poema ”Por entre os sons da Musica”:

“Por entre os sons da música, ao ouvido como uma porta que ficou entreaberta o que se me revela em ter sentido é o que por essa música encoberta acena em vão do outro lado dela e eu sinto como a voz que respondesse ao que em mim não chamou nem está nela porque é só o desejar que aí batesse”

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