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MAÇONISMO LUSIADA, DECADENTISMO E FERNANDO PESSOA

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ÁRVORE SECA

ÁRVORE SECA

por Fernando Casqueira

O ponto de convergência conceptual (subjacente), que une a tripla referência supra, releva, como traço de união, da ideia de PÁTRIA, referida em António Quadros (A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos 100 Anos, Fundação Lusíada, Lisboa, 1989), como “entidade colectiva transcendental, dinâmica, poliédrica e duradoira, possuidora de um espírito, que não se confina a um espaço tempo social, nem se reduz (ou justifica) a factores alectórios, económicos, sociais ou políticos”.

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Aquele autor convida-nos, então, a conceber a PÀTRIA, como um SER, uma mónada (substância indivisível, indissolúvel e indestrutível), na sua unidade primordial e assim sendo, entender-se-á, porque os seres pátrios resistem e subsistem, contrariando factores de degenerescência de decadência, em função de uma permanente força vital, que os anima, e de um instinto de renovação, presente, desde os primórdios.

Esta asserção, configura uma constante, expressa no pensamento de Fernando Pessoa (como em muitos outros), implícita num maçonismo Lusíada, nos seus fundamentos filosófico – literários, mitológicos e práticas ritualísticas. Nesta conformidade, a variada referência explicitada na obra do poeta, indiciando uma perspectiva ontológica do pensamento maçónico e integrando uma ideia de Pátria Lusitana, bem como a concepção de uma maçonaria nacionalista cosmopolita, permitirá ou justificará, o termo “maçonismo lusíada”, o qual, foi vertido, igualmente, no designado, Rito Português.

Tudo isso, chamará á colação, a referencia a um imaginário, expresso metaforicamente, na nossa literatura, na poesia e na arte, tornando evidente, a insólita pujança mitogenética, característica identificadora primordial, de uma Paidéia Lusíada, cuja urgência de ressurgimento e dinamização, se fazia (ou faz ainda) pesadamente sentir, em ordem a contrariar nos finais do séc. XIX (com especial incidência a partir das Conferencias do Casino Lisbonense e do Ultimatum britânico), um sentimento de crise e decadência, que se prolongará, nas primeiras décadas do séc. XX.

Foi justamente no âmbito de um sentimento de decadência ou degenerescência, que atingirá o país, sobretudo no decorrer daquele período, (mas com raízes, no mínimo, desde o seculo XVI), que Portugal, se iria questionar a si próprio, como sociedade, nação e pátria. As diversas posições e correntes de pensamento em conflito, notadamente, desde o iluminismo e os estrangeirados, no liberalismo, no europeísmo da geração de 70, e mais tarde com a Renascença Portuguesa no campo cultural, filosófico e artístico, até tempos posteriores, prolongando-se mesmo, até ao nosso século, todos eles enfim, pensando a ruptura, a alternativa, a transformação de toda uma sociedade débil e atrasada (uma “Pátria doente”), cujo disgnóstico colhia alguma unanimidade, diferenciando-se contudo, no remédio a adoptar.

-Lembremos apenas em “voo de pássaro”, as designações de algumas das correntes filosóficas e ideológicas, por vezes contraditórias, então em debate, perspectivando e modo diverso, o país, a sua cultura, as estruturas sociais: positivismo e cientismo, evolucionismo e materialismo, existencialismo nietzscheano e agnosticismo kantiano, idealismo anteriano e pessimismo simbolista, humanitarismo e anarquismo, republicanismo e laicismo, anticlericalismo e anticatolicismo, socialismo proudhoniano e marxismo e outras mais.

Esses conflitos ou oposições entre correntes de pensamento estético-filosófico e sociais divergentes, articulavam-se como é sabido, no questionamento de uma vasta temática mais geral, sobre o progresso civilizacional europeu (e sua descrença) e a questão social du fin de siécle, mas também, numa problemática, aplicada á situação portuguesa, sobre os modelos em que se deveriam inscrever, o progresso civilizacional e cultural, a liberdade, a urgente superação do nosso crónico atraso, nas suas diversas dimensões histórico-sociais e culturais, a superação das causas de regressão ou decadência do social, as críticas ou apologias, do pragmatismo e o utilitarismo anglo-saxónico, perante uma tradição e uma matriz histórico-cultural lusa.

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Nesta amálgama de ideias, Fernando Pessoa inscreve-se como um dos protagonistas de um pensamento e de uma geração, que problematiza a regeneração (reflorescimento) de um espírito português e que ficou conhecido por “Movimento da Renascença Portuguesa” (1912-1918), concretizando-se numa plêiade de pensadores, em torno da revista “Àguia” (de espírito renovador e ecléctico) e do núcleo doutrinário, constituído por Teixeira de Pascoaes (saudosismo), Leonardo Coimbra (criacionismo) e Jaime Cortesão (cristianismo paraclético) e seus posteriores seguidores, sobretudo agrupados no “Movimento da Filosofia Portuguesa”(Álvaro Ribeiro em 1943) com António Braz Teixeira, Orlando Vitorino, Pinharanda Gomes, António Telmo, António Quadros, Dalila Parreira da Costa e no Movimento 57 (fundado por António Quadros em 1957). Em todos eles, ressalta a ideia de que o espírito português, ou o “ser português”, exprime uma originalidade inconfundível, na sua dimensão ontológica, ligada á procura metafísica da universalidade do homem. Esse pensamento, é constatável no Sebastianismo Gnóstico de Pessoa (antes da ruptura de 1914, atraído pelo Modernismo e do aparecimento da revista Orfeu, juntamente com Mário de Sá Carneiro, Santa Rita Pintor, Almada Negreiros, António Ferro, entre outros.

Embora não sendo certa, a sua inserção em qualquer organização maçónica, Fernando Pessoa demonstrava possuir um amplo conhecimento sobre esta temática, sendo possível o facto de ter sido iniciado.

Em termos gerais, o que nos deixou escrito, deixa surpreender, uma complementaridade ou conexão, entre Rosa Crucianismo, Templarismo e Maçonaria, bem como, algum tipo de relação pessoal, por vezes algo nebulosa, com personalidades marcantes, na época, como Aleister Crowley (também denominado “Besta 666), adepto telemático e ligado a correntes esotéricas. Este, para além de poeta, astrólogo, mago e ocultista, teve presença notável, em várias organizações, como fundador da Hermetic Order of de Golden Dawn, na Ordem Templária do Oriente, ou na Ordem Argenteum Astrum.

Fernando Pessoa, tal como diversas notáveis personagens do tempo, foi certamente influenciado, por aquela complexa e algo nebulosa personagem, nomeadamente quando do episódio da Boca do Inferno em Cascais. A criação na sua perspectiva, assemelhava-se a um acto Alquímico-Mágico (magia intelectual), ao modo de um Henry Corbin.

Em complemento, o poeta, intermediário entre o mundo sensível e o mundo inteligível e eterno, onticamente peregrino de si mesmo, também discorreu sobre complexas temáticas especificas, ligadas à maçonaria, nomeadamente as importantes reflexões sobre INICIAÇÃO, bem como sobre as correntes “martinistas” e Estrita Observância, a Ars Quatuor Coronatum, o Arco Real (e outras mais).

Em toda a sua obra, não se detectam, contudo, esclarecimentos insofismáveis (intencionalmente?), sobre a sua pertença a qualquer Augusta Ordem (ele classificava-se como “um Irregular do Transepto?”), embora, segundo alguns estudiosos, com alguma probabilidade, pertenceria a algum Capítulo Templário, ou a algum círculo iniciático, ou loja maçónica dita “selvagem” (isto, é fora de qualquer Obediência), ou ainda, Rosa Cruz. Num texto inédito de 1935, Fernando Pessoa, informa que” é á luz dos conheci- mentos que recebi pêlos três Graus Menores da Ordem Templária (provavelmente, e ainda segundo o poeta, no contexto de uma hipotética Ordem Templária de Portugal), que pude ler com entendimento, livros e rituais maçónicos ”, mostrando ter sido beneficiado de uma qualquer iniciação prévia, muito embora igualmente, afirme, talvez defensivamente, de seguida, que, “Não sou Maçon, nem pertenço a qualquer Ordem semelhante ou diferente”…uma Ordem iniciática, só o é verdadeiramente, quando está em actividade…no estado de dormência, não é propriamente uma Ordem mas apenas, um “sistema de iniciação”. A referida iniciação ter-se-ia efectivado, não por intermédio da leitura de livros, mas por meio de uma preparação especial centrada na comunicação directa de Mestre a Discípulo.

Não se estranhará a negação da sua pertença

(ou não), á Maçonaria. Efectivamente, estando a Maçonaria Portuguesa interditada de operar (Dec. Lei 1901, de 21 Maio de de1935), a eventual ameaça de punição, levaria à negação, de pertença a uma Ordem iniciática, do tipo da Maçonaria, embora tal, nunca constituiria motivo para não vir a público defender corajosamente, a nossa Augusta Ordem.

Na verdade foi com frontalidade, que o poeta publicou, no Diário de Lisboa no ano de 1935, um corajoso artigo, no qual defende a Maçonaria, num período particularmente difícil de perseguição e proibição de “associações secretas”, mas sobre as quais Pessoa diria que não eram tanto secretas, mas INICIÁTICAS. “A Ordem Maçónica é secreta por uma razão indirecta e derivada – a mesma razão porque eram secretos os Mistérios Antigos, incluindo os dos cristãos, que se reuniam em segredo para louvar a Deus, em o que hoje chamaríamos Lojas e Capítulos, e que para se distinguir dos profanos tinham fórmulas de reconhecimento- toques ou palavras de passe (…)”, sendo, sobretudo, do seu elemento fraternal e humano, que a Maçonaria retira o seu cunho universalista.

Seja como for, realmente, os seus textos, revelam um profundo conhecimento, da história, da complexidade, natureza e fins da maçonaria, ritos, rituais e simbolismo iniciático, bem como, da grandeza da sua espiritualidade. Essa vertente espiritual, inscreve-se numa matriz cristã gnóstica e por isso, compreende-se, a referência de que, o Evangelho seria afinal, um tratado de iniciação maçónica e a Bíblia, como que um tratado de Alquimia, escrita em cifra transcendental. Esse gnosticismo crístico, cuja ritualística alguém sugeriu, ter sido eventualmente praticado na Quinta da Regaleira, concorda em certa medida com a asserção atribuída ao poeta de que “…então a maçonaria é, ou tem de ser católica, pois que os pedreiros livres, tinham por compromisso respeito e temor a Deus, a fé em Jesus Cristo e na Trindade Divina, o Culto da Virgem Maria e a obediência «a Santa Madre Igreja”.

Mas, para além disso ou apesar disso, Fernando Pessoa defende, toda a Maçonaria, ou seja, a Ordem Maçónica em geral, compreendendo todos os ritos, de todas as Obediências, em todos os países: “a Maçonaria embora materialmente dividida, pode considerar-se como unida espiritualmente”, independentemente de fragilidades doutrinais, aqui e além: “O espírito dos rituais sobretudo o dos graus simbólicos, é o mesmo em toda a parte…quem tiver chaves herméticas, em qualquer forma de um ritual,

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numa visão actual, com as justificações espúrias que tem presidido ao fenómeno divisionista e fragmentário, que se assistiu desde a modernidade, até á Maçonaria contemporanea, nomeadamente em Portugal, mais parece ser imperativo, proceder a uma reflexão e ao questionamento actualizado, da problemática levantada pelo poeta.

Com efeito, ele apresenta uma concepção, que subscrevemos, daquilo que também aqui se poderia designar, por um Nacionalismo Cosmopolita, ou seja, uma perspectiva englobante, não exclusiva, de toda a Maçonaria, não excludente (também) das trajectórias e especificidades de cada Obediência e de cada maçon (por respeito á cultura especifica de onde emerge).

È possível admitir a hipótese de que, a exclusão explicita, ou recusa, de um monolitismo normativo, poderia constituir, eventualmente, um incentivo, quer á crítica judiciosa das fontes e sua descrição factual, quer á emergência da criatividade necessária, em ordem a um processo adaptativo, urgente, das diversas correntes maçónicas, em contexto mutacional rápido, difuso e imprevisível, como o que actualmente atravessamos.

Todavia, aquele posicionamento inclusivo, que o poeta advoga, não exclui a formulação de juízos de valor, ou justo criticismo, na comparação com as diversas correntes ritualísticas e institucionais. Sabe-se da desvalorização relativa, por ele atribuída, ao REAA (“baseado numa complexa sobreposição de fraudes”) perante os méritos do Arco Real, da Maçonaria da Estrita Observância Templária ou RER, das diversas doutrinas do Martinismo, etc.

encontrará sob mais ou menos véus, as mesmas fechaduras”. Todas elas, evidenciam uma unanimidade iniciática inscrita nos três primeiros graus, inscrevem igualmente, os grandes temas da ética maçónica, bem como, os grandes valores proclamados para a Sociedade e ainda, uma pedagogia, incitando a uma constante aprendizagem de Si, da relação com os outros e com o Cosmos.

“Resulta desta comunidade de espírito profundo, deste íntimo e secreto laço fraternal, que ninguém quebrou nem pode, ou fundo comum de iniciação quebrar, que uma Obediência, ainda que tenha poucas ou nenhumas relações com outra, não vê, todavia, com indiferença, o ser esta atacada por profanos” (Matos, Jorge, O Pensamento Maçónico de Fernando Pessoa, Lisboa, 2006. Ed Sete Caminhos).

Se compararmos estas observações, inseridas

Dos diversos aspectos e dimensões esotéricas em que um Rito Português (Lusíada) se poderia inspirar, considerando as obras de Fernando Pessoa, talvez o “Caminho da Serpente” (Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética- Fragmentos do Espólio - Introdução e Organização de Yvette Centeno, Lisboa, Presença, 1985), incidirá com mais profundidade, sobre a identificação de alguns eixos de reflexão, relativamente ao pensamento esotérico do poeta:

Em primeiro lugar o decisivo papel da iniciação, perante uma vida que não é mais que sonho, ilusão, mundo de sombras projectadas na parede da caverna, onde estamos prisioneiros. Assim a INICIAÇÃO ao dissipar, parcial e gradualmente a ilusão, constitui a via de acesso em ordem a permitir ao caminhante libertar-se desse reino das sombras e das ilusões, e ganhar consciência da sua transmutação interior, do seu SER/SENDO, da sua parcela de identidade partilhada com o Divino.

Em segundo lugar, um percurso serpentino: para o poeta, esse processo de transmutação, implicaria percorrer um caminho, integrando diversas etapas, ou fases, da vida (partindo da mais inferior à superior, ou seja, da serpente instintiva, ctónica, diabólica, até chegar a Deus), de acordo com o esquema serpentino, e que têm necessariamente de serem vividas, sem o que, correr-se-ia o risco de não alcançar a identidade final com Deus.

Pressupõe-se que qualquer, das fases desta procura espiritual, desta demanda, reiteradamente aludida nas diversas expressões artísticas, vem conexa com o estado de conhecimento do SER. Assim a partir da Serpente, representando o MAL, ou o Diabo que existe em nós, será preciso obrigatoriamente, passar por SATAN, até chegar a Deus. Ou seja, será necessário ao sujeito, passar pela experiência do mal, que de resto, a concepção cristã parece expeditamente resolver, ao admitir a imanência do pecado original (o MAL) e imperativo da sua superação, como condição prévia, na atribuição de sentido, significado e vivencia do BEM, numa virtuosa existência.

De resto esta dimensão espiritual em Pessoa adquire contornos dificilmente explicáveis, para a sensibilidade perceptiva da pessoa comum, equivalendo à tentativa infrutífera de tentar explicar o inexplicável, porque presos do positivismo que enforma a nossa experiência empírica e vivencial.

O individuo não será nunca um ser imaculado a priori, pois que, é necessário admitir a presença do “Diabo” em nós, cuja força terá de ser dominada, sem o qual será impossível, passar para os graus superiores do caminho. Neste passo, Fernando Pessoa introduz um pensamento curioso, ao afirmar a hipótese de, se por acaso, um individuo que nunca tivesse cometido qualquer acto condenável, ou censurável, não possuiria qualidade exigida, para subir os degraus sucessivos da escada da vida (alcançando finalmente as alturas do espírito), porque faltaram “degraus” no caminho percorrido, ou faltou mesmo, a própria “escada”.

As concepções precedentes, parecem-nos consentâneas com diversas interpretações alegóricas, presentes em diversas narrativas mitológicas (Escada de Jacob? Tábua de Cebes?), convergindo na expressão comum, do arquétipo da descida, regeneração e ascensão, naturalmente presente, de resto, nos mitologemas propostos por Durand, ou no complexo mítico, inspiradores do Rito Português.

A nossa insistência em Fernando Pessoa como autor paradigmático de uma POESIS (ou seja, o seu espírito criacionista e de descoberta, de uma poesia virada ao futuro, impulsionada com base na imaginação dinâmica e no sentimento saudoso), é compatível com um constante questionamento de si, do seu SER, dos seus fantasmas.

Provavelmente, também em Fernando Pessoa emergiriam fenómenos que o complexo conceito de “anima “e “despersonalização” (Jung) permitiriam identificar, mas que aqui não explanaremos.

Mas em verdade, em muitas obras do poeta, ressalta um espírito inquieto, desassossegado, sofrendo e tentando descrever episódios psíquicos que mal compreendia e que o assustavam:

“…é uma sensação horrível…estes sentimentos estão a tornar-se correntes; parecem preparar o

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“A poesia, a pintura, a literatura, a música, em suma, a arte em geral, em conexão com as suas origens míticas, mágicas e sagradas, permite a ultrapassagem, para além das barreiras da razão e da consciência, equacionando a ruptura total e irredutível com o universo do pensamento positivo, lógico, cartesiano, prevalente ainda no mundo redutor e utilitarista da actualidade.” meu caminho para uma nova vida mental, que será evidentemente a loucura. Na minha família não há compreensão acerca do meu estado mental… não tenho ninguém a quem confiar…sinto-me sozinho como um naufrago no mar…” (carta a Armando Teixeira Rebelo, 1907).

Manuel Gandra, sugere que, tal estado mental permitirá a analogia com idêntica situação (?) ocorrida comem Mário de Sá Carneiro, e que o teria levado ao suicídio.

Ainda numa conferencia sobre Fernando Pessoa, realizada em 1940, por Carlos Queiroz, este admitia “…todos os poetas, são acompanhados ou mesmo perseguidos, por entes invisíveis que se exprimem numa linguagem desconhecida de natureza mais musical que idiomática, ouvir essas falas numa total concentração anímica, num estado de pura inconsciência lúcida, e interpretá-las, eis o que chamo, acto de criação poética…”.

No seu soneto Abdicação, faz referência aquele fenómeno curioso, como algo que frequentemente o invadia, neste caso, com um grau de intensidade nunca anteriormente sentido; fenómeno determinante no estabelecimento dos seus heterónimos.

Do mesmo modo podem ser considerados textos carregados de hermetismo, expressando episódios metapsíquicos e espirituais (projecção do duplo etérico) ou como Pessoa dizia, Experiências de Ultra Sensação

A poesia, a pintura, a literatura, a música, em suma, a arte em geral, em conexão com as suas origens míticas, mágicas e sagradas, permite a ultrapassagem, para além das barreiras da razão e da consciência, equacionando a ruptura total e irredutível com o universo do pensamento positivo, lógico, cartesiano, prevalente ainda no mundo redutor e utilitarista da actualidade. È nesse contexto que o sonho, a lenda, o mito e a inteligência imaginal ganham toda a pertinência ma expectativa saudosa de outro tempo, tal como Vieira quis transmitir.

É na admissão das considerações pessoanas precedentes, que se torna possível equacionar emergência de um “maçonismo Lusíada” (até há pouco tempo inédito) apelando para as raízes de uma “paideia” que embora específica, possui aquele cunho universalista, inerente á missão ecuménica, que, quer Pessoa, quer Gilbert Durand (entre muitos outros), tão bem identificaram.

Com efeito, ao longo da nossa história cultural e do pensamento literário e filosófico, constata-se, uma perspectiva visionária, profética, messiânica heterodoxa, transcendental e mística, que teria enformado um conhecimento subjacente e codificado (lembremos os Jerónimos, ou os painéis de São Vicente, por exemplo) e que se encontra reflectido nas variadíssimas expressões do nosso património artístico e cultural. Tal reflexo pode ser identificado desde remotas eras (desse eras pré-cristãs, até ás actuais teses espiritualistas) configurando uma visão cósmica de uma unidade Deus/Natureza/Homem.

Pese embora, tais conhecimentos se revestirem então, de relevância decisiva, até para completamento de sentidos existenciais de que nos encontramos carentes, em verdade, sofrem, ainda hoje, de omissões, desvalorizações, que urge limitar e superar.

Um maçonismo Lusíada, inspirado em criadores (como Pessoa)de que acima se fez alusão, parece pois constituir, não apenas um valor intelectual e instrumental, em ordem á tal superação, mas igualmente um desafio á nossa assertividade e resiliência,na persecução dos nosso desígnios.

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Leia os artigo na íntegra na 7ª Edição de ORIGEM | SOBERANA MAGAZINE.

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