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A PASSAGEM PARA O FUTURO

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O DUQUE DE FERRO

O DUQUE DE FERRO

por Miguel Arantes

Este artigo não é escrito para celebrar a efeméride da data de nascimento do artista, pois nasceu em 1887, nem a do seu falecimento, pois morreu em 1918.

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Também não é para render homenagem ao pintor, pois são muitos os que já o fizeram com mais direito e propriedade do que um pobre coleccionador de arte como eu o poderia fazer.

Então este artigo é para quê?...

Escrevo-o porque tive uma obra de Amadeo de Souza-Cardoso, pintada naquele estilo abstraccionista, cubista, modernista, futurista e tudo, e vendi-a há uns anos, desgraçado de mim!

Amadeo dizia que a sua técnica de pintura era como todas as outras. Que tinha várias maneiras, como o óleo, a gouache, o esmalte, a cera, etc., e que por vezes usava mais que uma na mesma obra. Além do mais, pintava vários quadros ao mesmo tempo.

O meu quadro era um óleo sobre cartão. Não era grande. Tinha cores vivas, não homogéneas, tipo um pontilhado.

E eu gostava dele.

Eu afeiçoo-me às peças das minhas colecções, que parece até que lhes dou vida e que me fazem viver, lembrando aquele verso do poeta francês do

Romantismo – Alphonse de Lamartine:

“Objectos inanimados, tendes vós uma alma que se agarra à nossa alma e nos faz amar?”

Pois se é possível apaixonarmo-nos por uma pintura de Amadeo de Souza-Cardozo, poucos eram os que, no seu tempo, apreciavam o autor, este homem que do seu género dizia ter mais fases que a lua, acabando por não pertencer a nenhum movimento artístico em particular.

Recordo que o Centro de Arte Moderna, quando inaugurou o seu edifício em 1983, expôs numa das suas salas algumas obras de Amadeo que mostravam as fases principais da obra do pintor, sem grande sucesso.

Durante muitos anos Amadeo de Souza-Cardoso foi incompreendido, talvez porque nem o público nem a crítica estavam preparados para o perceber.

Apenas Almada Negreiros o defendia na pintura portuguesa.

Almada esse que contava ter recebido em 1915 por correio um postal, com estas breves palavras enigmáticas:

“Almada: Viva, Viva. Substantivo. Ímpar. Um...”

E o poeta d’Orpheu futurista e tudo questionou-o um dia se aquele postal lhe fora enviado por causa do Manifesto anti-Dantas, ao que Souza-Cardoso respondeu:

“Claro!”

Eram ambos os artistas irreverentes e insubmissos. José de Almada Negreiros, num catálogo de exposição de pintura em 1916, escreveu assim sob o título “Amadeo de Souza-Cardoso” (mantém-se a grafia original):

“Em Portugal existe uma única opinião sobre Arte e abrange uma tão colossal maioria que receio que ella impere por esmagamento. Essa opinião é a do Exmo. Sr. Dr. José de Figueiredo (gago do governo). Não é porque este sr. tenha opinião nem que este sr. seja da igualha do resto de Portugal mas o resto de Portugal e este senhor em matéria de opinião são da mesma igualha. Um dia um senhor grisalho disse-me em meia-hora os seus conhecimentos sobre Arte. Quando acabou a meia-hora descobri que os conhecimentos do senhor grisalho sobre Arte eram os mesmos que o Exmo. Senhor Dr. José de Figueiredo usava para me pedir um tostão*. Pensa o leitor que faço a anedocta? Antes fosse. Mas a verdade é que eu estou muito triste com esta fúria de incompetência com que Portugal participa na Guerra Europeia. E que horrôr, caros compatriotas, deduzir experimentalmente que todas as nossas Conquistas e Descobertas apenas tenha sobrevivido a Imbecilidade. E daqui a indiferença espartilhada da família portugueza a convalescer à beira-mar. Algumas das raras energias mal comportadas que ainda assômam à tôna d’água pertencem halucinadamente a seculos que já não existem e quando Um Português, genialmente do seculo XX, desce da Europa, condoído da pátria entrevada, para lhe dar o Parto da sua inteligência, a indiferença espartilhada da família portugueza ainda não deslaça as mãos de cima da barriga. Pois, senhores, a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa é o documento conciso da Raça Portuguesa no Seculo XX.

A Raça Portugueza não precisa de rehabilitar-se, como pretendem pensar os tradicionalistas desprevenidos; precisa é de nascer pró século em que vive a Terra. A Descoberta do Caminho Marítimo prá Índia já não nos pertence porque não participamos d’este feito fisicamente e mais do que a Portugal este feito pertence ao seculo XV.

Nós, os futuristas, não sabêmos História só conhecêmos da Vida que passa por Nós. Elles teem a Cultura, Nós temos a Experiencia – e não trocâmos!

Mais do que isto ainda Amadeo de Souza-Cardozo pertence à Guarda Avançada na maior das lutas que é o Pensamento Universal.

Amadeo de Souza-Cardoso é a primeira Descoberta de Portugal na Europa no seculo XX. O limite da Descoberta é o infinito porque o sentido da Descoberta muda de substancia e cresce em interesse – por isso que a Descoberta do Caminho Marítimo prá Índia é menos importante que a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa.

Felizmente para ti, leitor, que eu não sou crítico, razão porque te não chateio com elucidações da Arte de que estás tão longinquamente desprevenido; mas amanhã, quando já soubéres que o valor de Amadeo de Souza-Cardoso é o que eu te digo aqui, terás remorsos de o não têres sabido hontem. Portanto, começa já hoje, vae à Exposição na Liga Naval de Lisboa, tápa os ouvidos, deixa correr os olhos e diz lá que a Vida não é assim?

Não esperes, porém, que os quadros venham ter contigo, não! Elles teem um prego atrás a prendê-los, Tu é que irás ter com eles. Isto leva 30 dias, 2 meses, 1 anno mas, se tem prazo, vale a pêna sêres persistente porque depois saberás tambem onde está a Felicidade.

*Rectifico: - O Exmo. Senhor Dr. José de Figueiredo veio substituir no original um Exmo. Sr. que tem por hábito pedir-me tostões.”

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Leia os artigo na íntegra na 7ª Edição de ORIGEM | SOBERANA MAGAZINE.

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