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Caro leitor, Para uma experiĂŞncia completa, este livro tem uma trilha sonora disponĂvel no link: soundcloud.com/domingofotolivro Sinta-se Ă vontade para ler, ouvir e cantar. Tenha um bom Domingo.
d omi n g o
Sofia Coeli Rojan Oliveira
Nasci em 91 e cresci escutando que meu pai havia escrito uma música naquele ano, pra mim. O nome é Alegria. Para falar a verdade, escutei poucas vezes. Lembro de um trechinho extra: “Mas por sorte / Tens como nome: Sofia / És ciência da sabedoria / De um céu feito por nós”. Meus pais se conheceram naquela que chamam de década perdida. Meu pai teve uma banda de rock com os irmãos e amigos. Minha mãe saiu de casa para morar na capital, conheceu a vida universitária da UFMG mesmo sem ter tido aulas por lá. Sempre achei que nos tiveram novos demais, foram 4 filhos. Um atrás do outro. Demoraram a parar de fumar, nunca pararam de beber e foram encontrando refúgios pelo caminho da vida. Entre eles, haviam os acampamentos e a música. Esses eram os de que eu mais gostava. Cantar enquanto meu pai tocava violão era recorrente desde que eu era criança. Minha mãe cantava junto e meus irmãos iam ensaiando as posições do violão pra quando a vez deles chegasse. Eu não consegui fazer disso um sonho. Dizia às vezes que escreveria com eles, mas nunca passou de uma fase. Mas meu irmão não. Tudo que ele colocava no papel, voava de lá para o violão. E do violão, pela janela.
Então eu sabia quando o menino tava apaixonado. E quando a gente queria dividir a dor de quase perder o vô. E depois a dor de perdê-lo de verdade. E quando ele voltou para casa um dia, finalmente certo de que detestava a engenharia. Quando a gente se reencontra no fim de semana e leva aquele susto ao perceber o quanto o pai está cansado. Mas no final todo mundo acaba no fundo do mesmo quintal, cantando e tocando as mesmas músicas, esperando o Rojan mostrar alguma coisa nova usando dos velhos refúgios. Entre garrafas e violões, as chaves e a beirada da mesa para a percussão, todos os olhares se cruzam, se cumprimentam e se confortam ouvindo as canções. É o dia que tem gosto, cheiro, cor e abraça a família. É Domingo.
PA I
Pai Eu nem te conto Errei a conta E me perdi contando estrelas Eu sei Que eu prometi Me dedicar, muito estudar E só voltar quando formar Mas sabe pai Aquele meu caderno Que era pra fazer conta Tentei mas não dei conta Ouvi meu coração E hoje ele é o meu caderno De escrever canção Funções que variam com o tempo Nem mesmo por um momento Fez de mim alguém feliz Prefiro acreditar que o limite Da vida tende ao infinito Quando o amor é a raiz
Pai Não fica preocupado Eu juntei um trocado Tô indo embora pro Hawaii Falando assim Parece até que é longe Mas olhando no mapa Fica logo ali Desculpa, Pai Eu gastei seu dinheiro Jurei ser Engenheiro Bem visto na sociedade Mas a mais pura verdade É que eu menti pra ti Prometo ser bom músico E lhe fazer sorrir
MARÉ MUNDO
Pra que falar do mar? Por que lembrar da areia? Se o que me cerca é montanha e cachoeira E se o cerrado um dia já foi mar O resto dele tá no meu coração Menino bobo escreverino do viver Que logo se empolga ao som de gaita e violão Desde pequeno sonhava com o Hawaii E o violão foi um presente do pai Que dizia:” Filho, cuidado com o ‘sonhar’ O estudo é o que permite a vida do homem mudar” Enquanto o mar é o mundo Enquanto o mar é tudo Eu imagino vendo o rio escorrer Enquanto o mar eu estudo E eu nessa maré-mundo Sonho esperando o pão de queijo crescer Pra tomar com café Contando causo Falando uai Sempre sonhando com você mulher
PÉ-DE-FLOR
Esqueça a dor, Tempo é melhor que Merthiolate Só incomoda mas não arde Mas cuidado que o passado é casca de machucado Nunca se sabe a hora certa de cutucar Não sou igual A aquele tal do 101 Vim dum futuro atrasado, Desnoerteado pelo fuso horário e Eros me mandou Pra fazer rir quem já chorou demais Vamos fazer assim Eu descasco o abacaxi se você vier comigo E se não sabes cozinhar, fritar ovos eu lhe ensino Se no sino que soar, sua jura for veraz
Sei do que sou capaz O mundo não posso dar a quem é dona do meu Dou-lhe um pouco do que sou pra fazer parte do seu Pra quem sabe a aventura nos fazer de pé-de-flor Não sou doutor Tudo que sei é violão E aposto que vai adorar Quando nas noites de inverno eu tocar sapato velho Aqueço o frio dos seus pés Não vai zangar Eu falo a noite enquanto durmo E às vezes ronco, eu assumo Mas é só me sacudir com força até que me desperte Não se isso te diverte
ZÉ
Levanta Zé Tem que pôr o pão na mesa Os meninos já acordaram Traz pão de doce, pão de creme e pão de sal Um “lidileite” e um saquim de colorau Passa ne Ana pra anotar a encomenda E se não tranca a bicicleta Já sabe, vai pagar prenda Lá vai seu Zé Com cabelo penteado No bolso leva um trocado
Se Deus quiser Inda compro uma fazenda Criar bicho, vender gado Que essa cidade tá ficando perigosa Já é mais de sete bicicletas que ês me rouba E aposentado não consegue muita renda Porque desse jeito fio, nem mesmo um burro aguenta
Talvez na volta dê tempo de prosear Jogar no bicho, na quina e biritar Mas não se esquece De nem uma formiga Pois o véio é sabido e sabe que a véia briga
Eu vim da roça, eu vim da onça A trabalhar E a pobreza nunca pôs medo em mim Me apaixonei, me casei Virei pai e hoje sei Que ser vô É melhor que ser rei
ROSA D OS MEUS VENTOS
Quando tu falar que não Eu direi talvez, não sei Não que seja uma opção Mas talvez seja também Se você aponta o sul Eu lhe sigo sem saber Que desnorteado eu sou E nem ligo se eu me perder Mesmo que num temporal Numa embarcação sem nau Não importa a direção Me oriento por você E mesmo que num vendaval Eu sempre o seu cata-vento Calmo, paciente e lento Giro sem saber Por que te ver tão longe Se é perto que eu te quero? Não nego que meu ego Pode às vezes impedir É falta de costume o colo me falta mas nem peço Pois disperso todo tempo que me resta Procurando em cada canto, cada fresta Sua chegada pra poder cuidar de mim
CORDEL MINEIRO
Do meu jeito desconfiado Da minha prosa, dos recados Deixados nos olhos de quem me vê Nos ouvidos de quem me escuta Da minha profícua conduta Dos doces provindo das frutas Que o cerrado mineiro nos traz As sombras dos coqueirais Não fazem pra nós tanta falta Nem mesmo árvore mais alta Que tanta sombra espalha Supera o meu chapéu de palha Isso porque nem todo brasileiro Já se deitou às sombras de um pequizeiro Onde o que é bom tá no chão Sem a precisância de um varão Pra panhar a refeicão Que num quintal roe um sinhô Que o doutor paga caro num bistrô Pra comer do jeito que é um só
Não sei se o senhor é daqui Mas pra se degustar um bom pequi Não se usa nem garfo nem faca Se usa os dedos da mão De preferência sentado no chão O pequi é um fruto sabido Que nos ensina pela resistência Que não nos pode faltar sapiência De não querer mais do que deve Mas sempre tem sujeito que se atreve E se deixa levar pelar emoção Enchendo a boca de ferrão ... Meu amigo Minas é terra de ouro De ferro, manganês e bauxita E ainda tem quem acredita Que o melhor desse lugar Tem espalhado no mundo todo e não se acha pra comprar
É que nem tudo pode o dinheiro Não comunga desse ideia todo brasileiro Mas quem sabe o que falo e bate no peito Sou admirado, mereço e dou o respeito Meu nome é José Guerreiro Mas por aqui todo mundo me chama de mineiro
Rojan Gabriel Silva Oliveira tem 24 anos e é estudante de engenharia elétrica pelo CEFET em Belo Horizonte. Apaixonado por música, começou a escrever suas canções aos 12 anos. Hoje concilia a faculdade com todas as oportunidades que encontra para aprender, tocar, escrever e gravar suas músicas.
Sofia Coeli tem 25 anos, é estudante de design gráfico pela UEMG e tem como foco a fotografia e narrativas visuais. Fez parte do NUDEF (Núcleo de Design e Fotografia) com Rogério Souza na Escola de Design e do curso de Fotografia da SUNY New Paltz, com Ann Lovett.