Revista galileu - Configuração

Page 1

Co

COLUNISTAS

Q ILUSTRAÇÃO

| Luis Dourado

PRISCILLA SANTOS

BILHETE ÚNICO PARA BIKE

Quando vi as chamadas nos portais de notícias sobre o bilhete único agora poder ser usado nas estações de bicicletas compartilhadas em São Paulo veio aquele súbito sentimento de conquista: “agora sim a bike está sendo tratada como meio de transporte”. A bicicleta é considerada não como um brinquedo ou objeto de lazer, como muitos podem supor, mas um meio de transporte como qualquer outro, de acordo com o Código Brasileiro de Trânsito. Por isso, todo ciclista deve respeitar as leis de tráfego — como não andar na calçada, parar nos faróis, etc. Da mesma forma, tem seus direitos como tripulante de um veículo. O principal deles é o de andar na rua, na faixa da direita, e não na calçada. Sim, parece ironia, mas quantas vezes se sai de bike pela cidade e se escuta de motoristas aos berros “vai pra calçada!!!”. Especialmente quando eles precisam se desviar um pouco de você para ultrapassar rapidamente com seus carros velozes, ignorando a regra do próprio Código Brasileiro de Trânsito de que é preciso manter 1,5 metro de distância quando se trafega na lateral de um ciclista. Pois bem, tudo isso é questão de conscientização e leva um tempo. As campanhas são necessárias e, às vezes, acontecem. Há uns dois anos, a SP Trans ofereceu cursos de reciclagem aos motoristas de ônibus para que aprendessem (ou re-aprendessem) como se portar com as bicicletas nas ruas. Ciclistas já tinham morrido atropelados por ônibus dentro da cidade, em locais como as avenidas Paulista e Sumaré. Lembro de, à época, pegar o ônibus com minha bicicleta dobrável e o motorista me contar sobre as instruções que deveriam seguir com as bikes nas ruas. Aliás, mais de um motorista comentou sobre o tema comigo. Alguns deles eram, inclusive, ciclistas. Mas pedalavam mais por lazer — e sentiam muito prazer nisso, sempre comentavam. Ou sentiam saudades dos tempos que usavam bikes como meio de transporte lá no interior da Bahia ou da Paraíba. Foi por acompanhar de perto, na vida e nas leituras, essa evolução do reconhecimento das bicicletas como meio de transporte que dei aquele suspiro de vitória ao ver as manchetes sobre o uso do bilhete único nas estações do projeto Bike Sampa , que espalha bicicletas de empréstimo por alguns pontos estratégicos da cidade (especialmente na zona sul, creio que por ter ruas mais planas e até algumas ciclovias, como a de Moema).

Escreve sobre comportamento sustentável e urbanidade, e é editora da Galileu.

7 DIAS POR SEMANA GALILEU.GLOBO.COM

SEGUNDA Luciana Galastri, repórter do site GALILEU, analisa a cultura feita na internet TERÇA A editora do site, Débora Nogueira, fala da tecnologia em nossa rotina QUARTA O diretor de redação Alexandre Matias vê as boas-novas da ciência QUINTA A editora Priscilla Santos escreve sobre qualidade de vida na cidade grande SEXTA Substâncias que mexem com o cérebro são o tema do editor Tarso Araújo SÁBADO O redator chefe Tiago Mali escreve sobre transparência e dados públicos DOMINGO Maron fala sobre cultura e sua relação com a ciência e a tecnologia

2013 • MAIO

11



Psc

PARA SEU CONHECIMENTO

TECNOLOGIA

CONHEÇA A GAMIFICAÇÃO, QUE TRANSFORMA SUAS TAREFAS COTIDIANAS EM GAMES CUIDAR DA SAÚDE, RENDER NO TRABALHO E MELHORAR O MUNDO JOGANDO: SÃO OS JOGOS DA VIDA

Q

Quer correr melhor que nunca? Salve o mundo de zumbis. Essa é a premissa do futuro jogo Zombies, Run!, da inglesa Six to Start. Balela ou não, o projeto entusiasma: já arrecadou 6 vezes o que pediu em doações online. Anunciado em outubro, o app será lançado para iPhone e Android no começo do ano que vem. Para usá-lo, o jogador coloca seus fones de ouvido e escolhe um destino. Ao começar a correr ou caminhar, ele ouve um narrador contando a história de um mundo pós-apocalíptico infestado de mortos-vivos. Quanto mais correr, mais rápido coleta munição, remédios e baterias para depois distribuir entre sobreviventes. Sua ajuda faz com que o jogo continue, levando a novas fases. Os criadores do game receberam US$ 75 mil via Kickstarter, site de financiamento de projetos que recolhe doações de usuários que apoiam as ideias expostas lá — e o pedido inicial eram meros US$ 12,5 mil. Um aplicativo que converte corrida em luta contra zumbis é um exemplo do que ficou conhecido como gamificação: transformar momentos como exercício ou compras de supermercado em algo parecido com um videogame, em que você alcança pontos, colhe recompensas, salva o mundo. “Técnicas de jogos podem incentivar uma vida saudável, melhorar o ensino educacional, conscientizar e até promover produtos”, diz Gabe Zichermann, consultor de empresas que planejam gamificar seus produtos e autor dos livros Game-Based Marketing e Gamification By Design (ambos sem edição no Brasil).

2013 • MAIO

13


Psc

TECNOLOGIA

Créditos e bônus Criar jogos para atrair consumidores para lojas ou motivar as pessoas não é nada novo. O que mudou foi a introdução de tecnologia na história. É mais fácil atrair e engajar com jogos eletrônicos do que com programas de milhagem ou selos-que-viram-prêmios. Do termo gamificação, que surgiu há cerca de dois anos, veio uma indústria lucrativa. A consultoria Gartner declarou que 70% das duas mil companhias mais poderosas do mundo, segundo a revista Forbes, terão ao menos um aplicativo gamificado até 2015. Já a consultoria M2 Research diz que, no mesmo ano, as companhias investirão US$ 1,6 bilhão nesse mercado somente nos EUA. A Gartner citou em seu comunicado um sistema usado pelo governo britânico. Criada em novembro de 2009, a plataforma digital Idea Street fomenta sugestões de seus 120 mil funcionários para melhorar a condução do trabalho do Departamento de Trabalho e Pensões do Reino Unido. Para isso, o sistema premia com pontos equipes que sugerem projetos. Os pontos podem ser investidos na própria ideia ou em sugestões promissoras de outros colegas. Se um projeto é aprovado, sua equipe ganha mais pontos. Se é rejeitado, ela perde. Sem dúvida, deu jogo. Em 18 meses, a plataforma atingiu 6 mil usuários e gerou 1,4 mil sugestões, sendo 63 implementadas. Estima-se que elas ajudarão a poupar cerca de R$ 55 milhões até 2015. Agora, o sistema será usado em outros órgãos governamentais, incluindo o ministério da justiça. A maioria das criações é usada para campanhas de marketing e arrebanhar consumidores. O app de localização social Foursquare é exemplo disso, pois induz o usuário a ir várias vezes a um mesmo estabelecimento para virar “prefeito” do local e ganhar descontos em seus produtos. Ainda assim, a gamificação tem a vantagem de transformar tarefas que ninguém quer fazer em diversão.

14

2013 • MAIO

A companhia Recyclebank, por exemplo, usa jogos para melhorar o mundo. E lucrar. Com dois milhões de membros nos Estados Unidos e no Reino Unido, ela incentiva comunidades a reciclarem seu lixo por meio de desafios. A população que bate a meta acumula pontos a serem trocados por produtos ecológicos de empresas parceiras, como bolsas, alimentos, cosméticos e roupas. O monitoramento é feito por chips em lixeiras pesadas pelo caminhão na hora da coleta. De junho de 2010 para cá, um projeto conduzido na Filadélfia, EUA, fez o índice de reciclagem da cidade aumentar 16%. “Em outras regiões que não tinham o costume de reciclar, a taxa subiu 80%”, diz Samantha Skey, chefe de receita da Recyclebank. Já a agência americana de marketing interativo Next Jump instalou academias em seus escritórios e desenvolveu um aplicativo de monitoramento do tempo que os funcionários passavam na academia. No final do mês, os mais dedicados ganhavam um abono no salário. Depois, os empregados foram convocados a montar equipes regionais para disputar entre si o melhor índice. Atualmente, 70% deles vão frequentemente à academia. A Next Jump melhorou a saúde de seus funcionários, aumentou o seu índice de satisfação e poupou gastos com médicos. A gamificação está dando resultados também em sala de aula. O indiano Ananth Pai, professor da 3ª série na escola White Bear Lake, em Minnesota, Estados Unidos, há dois anos comprou 7 laptops, 2 desktops e 11 videogames portáteis Nintendo DS. Tudo do seu próprio bolso para usar como material de apoio nas aulas de matemática, inglês e geografia. Ele diz que, em 4 meses, as notas dos seus alunos no começo do ano se iguala às dos alunos da 4ª série. Pai organizou uma petição para garantir o uso de jogos nas escolas do estado. “Os games podem mudar o futuro da educação.” No Brasil, a técnica já começa a ser adotada por empresas como a desenvolvedora de jogos Mother Gaia, que irá usá-la para gerenciar a carreira de seus funcionários. Conforme cumprem metas, eles ganharão experiência, subirão de nível e aumentarão sua participação nos lucros. “Nosso programa vai fazer mais sentido e gerar mais motivação”, diz Túlio Soria, diretor da empresa. O projeto pioneiro no país foi o Oásis Santa Ca-


BRINCANDO COM O MUNDO

Projetos interessantes de gamificação que foram ou estão sendo testados PÉ NO FREIO, DINHEIRO NA MÃO >

FARMVILLE DE VERDADE >

TRANSPORTE DIVERTIDO >

Em dezembro, a Volkswagen testou durante 3 dias um programa para reduzir a velocidade dos carros em Estocolmo, capital da Suécia. Nele, os radares detectavam também os carros que estavam dentro do limite e faziam seus donos concorrerem a uma loteria financiada pelas multas

Na Inglaterra, há quem pague R$ 82 para debater online quais animais devem ser criados e o que deve ser plantado numa fazenda. Criado em maio, o projeto MyFarm planeja ter 10 mil “fazendeiros” e quer conscientizálos sobre a comida que comem. No futuro, os usuários talvez ganhem o

O game Chromaroma usa o metrô londrino como cenário. Para jogar, basta usar o cartão de valetransporte, que rastreia seu trajeto. Depois, é só se cadastrar numa de 4 equipes e ajudá-la a acumular pontos fazendo missões, como chegar a uma estação em minutos. O histórico das

dos apressadinhos. A velocidade média dos veículos caiu 22%.

que for gerado na propriedade.

andanças pode ser visto num mapa online.

tarina, que reuniu voluntários para ajudar as vítimas das chuvas que atingiram o estado em 2008. Por meio de gincanas virtuais e presenciais, eles construíram pontes, creches e praças nos locais atingidos. Hoje, o Oásis Mundi tenta levar a ideia para outros centros.

O virtual no real Para o designer de games Jesse Schell, gamificação “é uma palavra estranha que significa, na verdade, design motivacional, algo que faz as coisas serem mais prazerosas”. Schell, que é dono do estúdio Schell Games, professor de tecnologia do entretenimento da Universidade Carnegie Mellon e autor do livro A Arte de Game Design (Editora Campus, 2010), também alerta para a empolgação que a gamificação traz. “Nem todo jogo é legal. O tiro pode sair pela culatra para muitos marque-

teiros que acham que basta adicionar pontos para tornar algo divertido e vendável”, afirma. Apesar das críticas, ele acredita que a ideia irá vingar e perdurar muito mais que o termo ou o hype que permeia o mercado. Melhor ainda: vai melhorar muito as nossas vidas. Schell imagina um futuro próximo em que estaremos cercados de sensores e etiquetas inteligentes que transformarão quase tudo o que fazemos em jogos, dando até dicas do que devemos ou não comer. No meio tempo, você poderá jogar algum game para solucionar problemas sociais, correr para salvar o mundo de zumbis, malhar para ganhar dinheiro e conseguir produtos enquanto recicla seu lixo. Bem mais legal que passar de nível. Felipe Pontes e Guilherme Rosa

2013 • MAIO

15


16

2013 • MAIO


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.