Desigualdade em sala de aula Levantamento do Editorial J mostra que, em quatro universidades gaúchas, as mulheres são maioria entre estudantes, mas minoria entre professores Sofia Lungui (1º sem.) Maioria na graduação, minoria do corpo docente e nos cargos mais altos, como direção de faculdades e de Diretórios Centrais Acadêmicos (DCEs). Essa é a atual situação das mulheres dentro de algumas das grandes universidades do Rio Grande do Sul: Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de Caxias do Sul (UCS) e PUCRS. Em contrapartida, muitos cursos apresentam presença majoritariamente masculina também no corpo discente. A desigualdade ainda está presente na esfera acadêmica, embora a entrada de mulheres nos cursos tenha aumentado significativamente. Em um levantamento exclusivo, o Editorial J apurou dados das universidades pesquisadas que demonstram essas discrepâncias: em todas elas, há percentual maior de alunas do que de professoras. Além disso, na UFPel e na UCS o número de alunas também excede o de alunos. Na PUCRS, 34,97% do corpo docente é composto por mulheres, enquanto no discente há 48,26%. Na UFRGS, as mulheres compõem 45,56% do corpo docente, e 47,59% do discente. Na UFPel, as mulheres são 48,73% dos professores, e 54,31% dos estudantes. Na UCS, embora não haja dados referentes ao número de alunos por faculdade, mas sim por campus, a tendência se repete: em todos os campi, o número de alunas excede o de professoras, exceto no de Vacaria. Quanto ao corpo docente, há percentual feminino de 46,63%. A pesquisa foi aplicada na área da graduação, por unidade acadêmica de ensino, e as informações referem-se ao primeiro semestre do ano de 2016. Foram escolhidas duas universidades públicas e duas privadas, para haver equilíbrio. Os dados e as informações foram encontrados nos sites das universidades e fornecidos por assessores. O Editorial J conversou com estudantes, professores, cientistas, diretores de faculdades e membros de DCEs para responder as seguintes questões que surgiram: os dados constatados representam um problema? Em que implica este cenário? Por que esse desequilíbrio se agrava em algumas faculdades? As respostas divergem entre si, contudo não há dúvidas de que essa conjuntura pode ter reflexos negativos para muitas mulheres.
As faculdades de Direito ganharam destaque entre os resultados. Na UFRGS, 78,08% dos professores da faculdade são homens, enquanto quase metade dos alunos são mulheres: 47,57%. Na PUCRS, 72,66% do corpo docente é masculino, e 56,63% do corpo discente é feminino. A professora e vice-diretora da Faculdade de Direito da PUCRS, Clarice Söhngen, acredita que os números se devem à uma questão cultural. “Os números evidenciam que ainda não há as mesmas oportunidades (que os homens) para as mulheres, confirmando a necessidade de intensificarmos o processo de mudança cultural em espaços acadêmicos tradicionais, o que está em curso”, aponta. Na UFPel, não é diferente. Representantes do Centro Acadêmico do Direito UFPel problematizam a situação: no corpo docente, o percentual feminino é de 28,13%, e no discente, 42,86%. “Esses números fazem com que nós, mulheres, não nos sintamos bem-vindas na faculdade. Dá impressão de que ali não é o nosso lugar”, afirma Marina Mozzillo de Moura, 20 anos, estudante do terceiro ano de Direito na UFPel e integrante da gestão do Centro Acadêmico do Direito, composto por maioria feminina. A Faculdade de Direito da UFPel é antiga; possui mais de 100 anos de história, segundo Marina. A estudante conta que a discriminação é algo com que as alunas convivem diariamente. “A gente sabe que é um fardo chegar na faculdade e deparar com um ambiente hostil. Ouvir piadinhas, não ser levada tão a sério, observar que o professor escuta mais os homens do que as mulheres”, declara. Ela revela que, no início do mês de junho, em uma tentativa de combater o preconceito, as integrantes do grupo feminista Nosotras, da Faculdade de Direito da UFPel, fizeram uma intervenção. Elas distribuíram cartazes pela faculdade com frases e comentários machistas ou sexistas, proferidos por professores e colegas. “Existem mulheres normais, e mulheres solteiras... #EleÉProfessor”, constava em um dos cartazes. Em todos eles, as meninas revelaram a posição do homem na faculdade, por meio de hashtags, mas não identificaram ninguém pelo nome, de forma a não os expor diretamente. Uma das demandas delas é o fi m da exclusão das mulheres nas mesas dos eventos organizados pela instituição. Outra estudante do Direito, Andressa Bühler, 23 anos, observa que a UFPel sofreu muitas mudanças nesse sentido desde que entrou no curso. “Em 2012, o contexto era de uma universidade de classe média e classe alta, preocupada apenas com os seus interesses e que não questionava o status quo. Hoje em dia, ainda bem, o cenário não é mais de acomodação”, explica.
Rodrigo Rosa, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB-RS), vê o futuro das mulheres no Direito de maneira positiva. “O Direito ainda tem um caráter conservador, e estes concursos para a docência acabam ainda escolhendo os professores homens. Mas essa entrada da mulher, buscando o seu espaço, só tende a aumentar. A gente percebe uma grande maioria do público feminino nos concursos públicos para juiz, defensor público e promotor, principalmente”, pondera. As faculdades de Medicina e de Veterinária se enquadram no mesmo padrão, com presença majoritária de homens no corpo docente. Na UFRGS, a Faculdade de Medicina é composta por somente 38,73% de professoras mulheres, porém mais de 60% dos estudantes são do sexo feminino. Uma delas, Estella Laner, acredita que esse quadro tem consequências negativas para as estudantes. “No curso de Medicina, apesar de as mulheres serem maioria, os professores ainda são majoritariamente homens e sentem-se à vontade para fazer piadas machistas. Assim, em uma turma majoritariamente feminina, os alunos homens ainda são os que se sentem mais seguros e têm mais voz”, classifica. Na Faculdade de Medicina Veterinária da UFRGS ocorre o mesmo. Larissa Clausen, aluna do 8º semestre, reclama do sexismo por parte de alguns professores. Segundo ela, eles provocam as estudantes, dizendo que são frágeis e que só estão no curso de Veterinária para trabalhar em pet shops. “Já presenciei aula na qual o professor disse que a falta de interesse das alunas era pelo fato de que elas iriam ser sustentadas por um marido rico”, lamenta. Por outro lado, constatou-se que as mulheres vêm ocupando espaços antes considerados predominantemente masculinos, como um curso de Ciências Aeronáuticas. Na PUCRS, a Faculdade de Ciências Aeronáuticas (FACA) é composta por um número pequeno de estudantes e de professores, menor ainda de mulheres. De 239 estudantes, 13 são mulheres. Quanto aos docentes, 15 são homens e somente uma é mulher. No entanto, a professora Aline Pacheco, 40 anos, assegura que as mulheres se sentem acolhidas na faculdade. “É uma questão de preconceito social. Na hora da atuação nessa área é que existe essa discriminação, até mesmo em um grau indesejável. Mas aqui no ambiente acadêmico, não o vejo ocorrer. Acho que a partir do momento em que a mulher escolhe essa profi ssão, os homens reconhecem que ela já está muito bem resolvida, então não vejo isso da parte dos colegas”, avalia Aline. Ela exemplifica uma situação do cotidiano das pilotas no ambiente de trabalho, que ocorreu com uma colega. “Uma vez, ela contou que era a pilota responsável por um voo e estava
desembarcando, quando um senhor parou na porta da cabine e perguntou a ela: ‘você é a comandante do voo? ’, e ela respondeu que sim. Então, ele respondeu que se soubesse que a comandante era uma mulher, não teria embarcado no avião”, relata. Aline é professora de Inglês Aplicado à Aviação e integrante da associação Women in Aviation International. Duas estudantes do curso de Ciências Aeronáuticas confirmam que os colegas são respeitosos. Entretanto, alegam sentir desconforto quanto a alguns professores homens. Olívia Peltier, 19 anos, e Vitória Haas, 20 anos, querem ser pilotas. “Muitos dos nossos colegas entraram no curso por conta do pai, ou de algum parente próximo que é piloto. Não é o nosso caso”, informa Vitória. “Alguns professores fazem piadinhas. Às vezes, eles estão explicando uma matéria e dizem ‘vou explicar mais devagar porque vocês são mulheres’, por exemplo”, afirma. “Com os colegas nunca tivemos nenhum problema, apesar de que alguns professores provocam. Mas a gente sabe que conhecimento técnico não tem nada a ver com gênero e sexualidade, então isso não incomoda nem um pouco”, argumenta Olívia. Na Faculdade de Matemática da PUCRS (FAMAT), o número de mulheres também é crescente. O curso de Matemática da FAMAT existe desde 1942 e antes havia somente licenciatura. Em 2010, foi criado o Bacharelado em Matemática, e o número de homens aumentou, segundo a diretora da FAMAT, Maria Beatriz Menezes Castilhos. Contudo, o número de professoras do sexo feminino permanece alto: 61,29% são mulheres. “Na matemática, talvez essa desigualdade seja um resquício daquela crença de que os homens têm maior facilidade nos cálculos, o que é uma falácia”, opina Maria Beatriz. A professora possui 33 anos de experiência na faculdade, e tornou-se diretora em 2012. De acordo com a cientista política Teresa Marques, professora de Sociologia no curso de Ciências Sociais da PUCRS, estas discrepâncias nas universidades reproduzem imposições sociais. “Acredito que os custos são mais sociais. Não acho que as instituições de ensino imponham esses custos, principalmente agora com concurso público, etc. Considero que seja mais um custo social de como a mulher se vê, se ela entende que é possível combinar a vida acadêmica com a maternidade ou a vida em família. É uma questão de como a mulher prioriza a carreira na sua vida”, destaca Teresa. A professora defende que o problema maior está na sociedade, que alimenta a ideia de que a mulher não pode conciliar a carreira profissional com a maternidade, sobretudo. “Não me parece que sejam duas coisas incompatíveis”, coloca.
Teresa teve uma trajetória atípica das demais mulheres. “Desde muito pequena, em vez de me chamar de ‘princesa’, minha mãe me chamava de ‘senadora’. Como nasci num ano em que meu tio-avô era candidato a governador do Mato Grosso e parecia que ele estava à frente nas pesquisas eleitorais, minha mãe me ninava me dizendo que eu era candidata ao Senado”, conta. Dessa maneira, Teresa cresceu com a concepção de que poderia ser o que quisesse, por mais que não fosse um destino, carreira ou profissão que as mulheres costumam escolher. Marcia Barbosa, diretora do Instituto de Física da UFRGS e estudiosa das questões de gênero dentro da ciência, foi pelo caminho oposto. A pesquisadora crê que o fato de a mulher ter de conciliar a carreira com a família é um obstáculo. “Em todas as carreiras o percentual de mulheres diminui à medida que se avança na carreira. Isto é verdade na academia, mas também ocorre no setor empresarial e no meio político. Em 2002 realizamos uma reunião internacional de mulheres na física e dois problemas ficaram claros: definição das qualidades desejáveis para os postos altos e conciliar carreira e família”, conclui. Marcia, que revela que já foi confundida com secretária em comitês, espera avanços para as mulheres na UFRGS nos próximos anos. “O debate sobre a questão de gênero foi levantado durante a elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UFRGS. Temos expectativas de, na próxima gestão, estabelecer uma Secretaria da Mulher e de ampliar o número de pró-reitoras na administração central”, informa. Já a estudante de Jornalismo da UFRGS Nathi Bittencurt, 25 anos, considera que a instituição tem grande parcela de culpa na perpetuação desses costumes e atitudes para com as mulheres. “Não vemos em debate na UFRGS a discussão de gênero, nem sobre mulheres negras. Não vemos discussões sobre as piadas machistas que ouvimos todos os dias de nossos professores. Acho que as reitorias estão perpetuando esse problema. Esse silêncio tem de ser quebrado, e o movimento estudantil contribui para isso”, argumenta Nathi, que desde o primeiro semestre da faculdade se envolveu com o movimento estudantil, tanto na gestão do Diretório Acadêmico quanto na do Diretório Central dos Estudantes (DCE), onde já foi coordenadora-geral. Hoje, Nathi ainda é integrante do DCE, responsável pela coordenação de finanças. A estudante está otimista quanto à situação das mulheres nas universidades. “As meninas querem se organizar nas universidades cada vez mais. Acho que está na hora de ocuparmos os cargos mais altos”, acrescenta.
O tamanho da diferença
Mulheres
Homens
UCS
PUCRS
UFRGS
UFPel
Docentes
46,63%
34,97%
45,56%
48,73%
Alunas
*
48,26%
47,59%
54,31%
Docentes
53,37%
65,03%
54,44%
51,27%
Alunos
*
51,74%
52,41%
45,69%
* Em todos os campi da UCS, o nĂşmero de alunas excede o de professoras, exceto em Vacaria.