As aves em revista
REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA PARA O ESTUDO DAS AVES
DIRETORA:
Joana Domingues
NÚMERO 57 | NOV 2018 - SEMESTRAL | 2€ | GRÁTIS PARA SÓCIOS
E D I Ç Ã O
C O M E M O R AT I VA
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Aniversário SPEA 25 anos a dar voz à natureza
ÍNDICE
05 Breves 08 Aves e pessoas A receita para uma viagem ornitológica inesquecível
© David Kjaer | rspb-images.com
04 Editorial
Calhandra-do-raso
10 Monitorização Marcar presença(s) pela natureza
A grande evasão
13 Abutres
23
Aprender com o passado
15 Aniversário SPEA 25 anos a dar voz à natureza
19 Life Berlengas
A grande evasão
26 World Owl Conference
© Awatef Abiadh | CEPF Med
23 Calhandra-do-raso
© Ian Sane
O que mudou na ilha cor-de-rosa
Agricultura Pode a agricultura ser amiga das aves?
28
Especialistas em rapinas noturnas reuniram em Portugal
28 Agricultura Pode a agricultura ser amiga das aves?
32 História 34 Paul de Tornada O refúgio secreto do Oeste
37 Juvenis
© Benjamin Metzger
Um estorninho que diga Mortimer
Life Berlengas O que mudou na ilha cor-de-rosa?
19 n.º 57 pardela | 3
EDITORIAL FICHA TÉCNICA
PARDELA N.º 57 | NOV 2018
Celebrar o passado, pensar no futuro Clara Casanova Ferreira Presidente da Direção Nacional da SPEA
No dia 25 de novembro, a SPEA comemora 25 anos. Para assinalar este marco, nesta edição da Pardela destacamos 25 pontos que fazem da SPEA uma organização única. Datas como o 25.º aniversário convidam à contemplação. Assim, convidamo-lo a ponderar a importância de aprender com o passado (p. 13), a embarcar numa visita a ver o que mudámos nas Berlengas (p.19), e a pensar no futuro da agricultura na Europa (p. 28). Quanto à SPEA, ao longo destes 25 anos fomos somando sucessos na conservação das aves e habitats do nosso país, crescendo enquanto associação, e criando laços a nível nacional e internacional que nos permitirão certamente voar ainda mais alto nos próximos anos. Ao longo deste quarto de século foram também milhares os voluntários que se juntaram à SPEA e que contribuíram para o sucesso das nossas atividades. A ajuda de quem partilha esta paixão foi, é, e será sempre essencial para a SPEA. Pessoalmente, conheço a SPEA há pouco mais de 15 anos, e tem sido uma experiência enorme poder fazer parte desta causa. Uma honra que não sei igualar. Nos últimos nove anos tive o privilégio de integrar a Direção Nacional e de estar à frente de uma equipa de pessoas sempre disponível e cheia de vontade de contribuir para que a missão da SPEA seja posta em prática. Agora, esta edição da Pardela que marca o 25.º aniversário da SPEA assinala também um marco para esta equipa: os atuais órgãos associativos da SPEA fecham o seu capítulo em março de 2019. Assim sendo, creio que é chegada a hora de agradecer a todos os que colaboraram com esta Direção Nacional, com o Conselho Fiscal e com a Mesa da Assembleia Geral. Com todos aprendi bastante e retiro de cada momento ensinamentos muito importantes, alguns dos quais tive já a oportunidade de aplicar no meu dia a dia, quer pessoal quer profissional. Agradeço a todos os colaboradores da SPEA pela paciência e pela simpatia que demonstraram nestes nove anos de feliz colaboração e em todos os outros anos antes destes, desde há 25 anos. Agradeço-vos o trabalho e a dedicação. Por fim, como não podia deixar de ser, agradeço aos sócios, que desde o primeiro dia dão vida, voz e força à SPEA. Foi uma honra representar-vos durante estes nove anos, e podem contar com cada um dos 15 elementos dos atuais órgãos associativos para o que for necessário no futuro!
Esta edição contou com o apoio publicitário de: Esteller | Swarovski e Opticron 4 | pardela n.º 57
DIRETORA: Joana Domingues | joana.domingues@spea.pt COMISSÃO EDITORIAL: Clara Casanova Ferreira, Joana Domingues, Manuel Trindade, Mónica Costa, Sónia Neves, Vanessa Oliveira FOTOGRAFIA DE CAPA: Bufo-real (Bubo bubo) FOTOGRAFIAS: Ana Marcos Morais, Awatef Abiadh (CEPF Med), Ben Andrew (rspb-images.com), Bernard Dupont, Benjamin Metzger, Bruno Berthemy (VCF), Bruno Ribeiro, Cristina Girão, David Kjaer (rspb-images.com), Derek Keats, Doug Swinson, Elisabete Silva, Fotojonic, Frans Vandewalle, Guilherme Romano, Hedera Baltica, Helder Costa, Ian Sane, Joana Andrade, José Luís Barros, Mauro Hilário, Paul Donald (BirdLife), Pedro Geraldes, Rajeev Rajagopalan, Sara Moreira (Associação PATO), Simon Ager (Sea Shepherd), Smudge 9000, SPEA, Universidade Évora TEXTOS: Clara Casanova Ferreira, Helder Costa, Inês Roque, Joana Andrade, Mónica Costa, Pedro Alvito, Shaun Hurrell (BirdLife International), Sílvia Nunes, Sonia Neves, Vanessa Oliveira ILUSTRAÇÕES: Frederico Arruda, © Murder Bird (www.spoonflower.com/profiles/murderbird) PAGINAÇÃO E GRAFISMO: Frederico Arruda IMPRESSÃO: Printipo – Global Printing Alto da Bela Vista, Est. Paço de Arcos, n.º 77, Pav. 20 2735-308 Cacém TIRAGEM: 1200 exemplares e digital PERIODICIDADE: Semestral ISSN: 0873-1124 DEPÓSITO LEGAL: 189 332/02 REGISTO DE PUBLICAÇÃO PERIÓDICA: n.º 127 000 ESTATUTO EDITORIAL: Disponível em www.spea.pt/pt/publicacoes/pardela Os artigos assinados exprimem a opinião dos seus autores e não necessariamente a da SPEA. A fotografia de aves, nomeadamente em locais de reprodução, comporta algum risco de perturbação das mesmas, tendo os autores das fotos utilizadas nesta publicação tomado as precauções necessárias para a minimizar. A SPEA agradece a todos os que gentilmente colaboraram com textos, fotografias e ilustrações. PROPRIEDADE / EDITOR / REDAÇÃO: Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). Pessoa coletiva n.º 503091707. Instituição de Utilidade Pública. CONTACTOS: Av. Columbano Bordalo Pinheiro, 87, 3.º Andar, 1070-062 Lisboa Tel. +351 213 220 430 | Fax. +351 213 220 439 spea@spea.pt | www.spea.pt
DIREÇÃO NACIONAL Presidente: Clara Casanova Ferreira Vice-presidente: José Manuel Monteiro Tesoureiro: Michael Armelin Secretário: Vitor Paiva Vogais: Vanda Coutinho, José Paulo Monteiro, Manuel Trindade A SPEA é uma organização não governamental de ambiente, sem fins lucrativos, que tem como missão o estudo e a conservação das aves e dos seus habitats em Portugal, promovendo um desenvolvimento que garanta a viabilidade do património natural para usufruto das gerações vindouras. Faz parte da BirdLife International, organização internacional que atua em mais de 100 países. É instituição de utilidade pública e depende do apoio dos sócios e de diversas entidades para concretizar a sua missão.
BREVES
Salvar aves das redes de pesca
AGENDA EM DESTAQUE VISITAS DE ESTUDO ORNITOLÓGICAS SPEA 2019 Castro Verde e Mértola 24 a 26 maio
S. Miguel, Açores 09 a 14 junho
Barroso e Peneda-Gerês 06 a 10 julho
Estreito de Gibraltar e La Janda © Elisabete Silva
Estima-se que todos os anos morram cerca de 200 000 aves marinhas capturadas acidentalmente em artes de pesca na Europa. Em Portugal, para testar e implementar medidas para a redução das capturas acidentais de aves marinhas, arrancou em julho o projeto MedAves Pesca. Coordenado pela SPEA, este projeto decorre até 2020. Com o apoio da BirdLife International e da FishTek Marine, vamos tra-
balhar com pescadores de quatro pequenas embarcações comerciais que operam na Zona de Proteção Especial das Ilhas Berlengas, para melhorar e aplicar luzes sinalizadoras em redes de emalhar, e testar anzóis alternativos nos aparelhos de pesca. Vamos ainda desenvolver ações de sensibilização para a comunidade piscatória, com o apoio da ADEPE, entidade gestora do Grupo de Ação Local Pesca Oeste.
Final feliz para abutres-pretos que perderam cria
12 a 15 setembro
Reino do Butão 29 novembro a 8 dezembro SAIBA MAIS EM
www.birdwatching.spea.pt/pt/visitas-spea
EVENTOS 2018/2019 Aniversário: 25 Anos SPEA Lisboa | 25 de novembro
X Congresso de Ornitologia da SPEA Peniche | 02 a 05 de março congresso.spea.pt ASSEMBLEIA GERAL
Eleição de novos Órgãos Sociais Lisboa | março
Depois de perderem uma cria no incêndio no Parque Natural do Douro Internacional no verão de 2017, o único casal de abutre-preto no norte de Portugal viu este ano um rebento voar do ninho. Um momento de celebração para os conservacionistas, que chegaram a temer o pior. “Tivemos umas noites mal dormidas, mas ver a cria voar compensa toda a ansiedade, e é um prémio bem merecido para todos os envolvidos, que foram incansáveis” diz Joaquim Teodósio, Coordenador do Departamento de Conservação Terrestre da SPEA e do projeto Life Rupis, que visa proteger águias e abutres ameaçados no Douro Internacional.
WORKSHOP INTERNACIONAL
Interações entre aves marinhas e pescas Peniche | março
EBCC - Bird Numbers 2019 ‘Counting birds counts’ Évora | 08 a 13 de abril
ObservArribas - 3ª edição Miranda do Douro | maio
CENSOS DE AVES 2018/19 Ver lista completa na página 11
© Bruno Berthemy | VCF
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BREVES
Calhandras em St.ª Luzia já com cria
Paul Donald | BirdLife
Em agosto, presenciámos um marco importante para uma das aves mais ameaçadas do mundo: o voo de um juvenil de calhandra-do-raso na ilha de Santa Luzia, em Cabo Verde. Esta pequena ave é a prova viva de que as calhandras-do-raso que translocámos em abril (p. 23) já estão a reproduzir-se na sua nova casa. Consolida-se assim a esperança de que, a longo-prazo, a espécie deixe de estar confinada apenas ao ilhéu Raso.
Vitória para o ambiente e para o Algarve
A Galp e a Eni desistiram do furo de Aljezur, segundo anunciaram no fim de outubro. A confirmar-se esta decisão, será uma vitória para o Algarve e para o ambiente, mas as implicações legais ainda são incertas. E entretanto, os custos do processo judicial que permitiu esta vitória continuam a ter de ser saldados. A decisão vem no seguimento de uma vitória em tribunal da Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP), da qual a SPEA faz parte. As petrolíferas tencionavam fazer prospeção de petróleo e gás natural ao largo de Aljezur, mesmo à beira de uma zona protegida. A PALP tem lutado contra este plano, que punha em risco não só um importante recurso natural como o modo de
vida das populações numa região fortemente dependente do turismo. Após um longo e conturbado processo, o tribunal suspendeu a licença da Galp/Eni em Agosto, impedindo-as de começar os trabalhos em Setembro como planeado. Embora tanto o governo como a Galp/Eni tenham apresentado recursos, o comunicado das petrolíferas indica que terão desistido do furo. No entanto, tanto as implicações legais como a posição do governo são ainda incertas. A PALP ainda está a angariar fundos para cobrir os custos dos procedimentos judiciais que levaram a esta vitória. CONTRIBUA EM
palp.pt/crowdfunding
Atlas das Aves Invernantes e Migradoras de Portugal Foi publicado online o primeiro Atlas das Aves Invernantes e Migradoras de Portugal. Com informação sobre a abundância e distribuição de mais de 300 espécies de aves em Portugal, o atlas é uma ferramenta fundamental para a gestão e conservação das aves selvagens portuguesas. Para muitas espécies de aves europeias, a Península Ibérica é um importante refúgio de inverno. Para outras, é um posto de abastecimento vital nas suas 6 | pardela n.º 57
longas viagens Norte-Sul. No entanto, não havia dados que permitissem avaliar como essas espécies utilizam o território nacional. Com base em mais de 4000 horas de trabalho de campo num projeto que envolveu mais de 400 ornitólogos - amadores e profissionais - esta publicação vem colmatar essa lacuna. SAIBA MAIS EM
bit.ly/atlas_aves
BREVES
Uma viagem ao Butão
Guia Aves de Portugal - 2ª edição
© Rajeev Rajagopalan
Aves deslumbrantes. Paisagens de tirar a respiração. Templos budistas que desafiam a gravidade. Precisa de mais razões para visitar o Butão? Então podemos acrescentar que este pequeno reino mede a sua riqueza em termos de Felicidade Interna Bruta, e que as suas montanhas imponentes e vales verdejantes contêm das florestas mais bem preservadas dos Himalaias. Este pequeno país é um verdadeiro paraíso para os observadores de aves. Desde os inacreditáveis bicos dos calaus às delicadas penas caudais dos “dron-
gos” (Dicrurus spp.), a exuberância das aves do Butão é inegável. Até as trepadeiras e pica-paus são uma explosão de cor, conseguindo fazer jus a nomes como Beautiful Nuthatch (“trepadeira-formosa”, Sitta formosa) ou Himalayan Flameback (“dorso-de-chamas-dos-himalaias”, Dinopium shorii). De 29 de novembro a 8 de dezembro de 2019, desafiamo-lo a descobrir o esplendor do Butão e das suas aves, numa visita ornitológica para sócios. SAIBA MAIS EM
www.birdwatching.spea.pt/ pt/visitas-spea
Airo | Declínios preocupantes e recuperação encorajadora No novo volume da Airo, a revista científica da SPEA, de 2018, um artigo baseado em 10 anos de monitorização revela declínios preocupantes de algumas espécies de aves no Tejo. Outro, que resultou de um workshop do projeto Life Berlengas, relata o impacto positivo do controlo de gatos assilvestrados na ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul. SAIBA MAIS EM
www.airo-spea.com
Já pode encontrar na loja SPEA a mais recente edição do Guia Aves de Portugal. Além dos textos revistos, o guia de campo mais atualizado para a identificação de aves em Portugal Continental e Ilhas conta agora com 253 mapas (dos quais 100 reformulados) e 525 espécies (mais 49 do que na edição anterior). Adicionou-se ainda um código QR a cada espécie que permite consultar mais informação online, nomeadamente vídeos, fotografias e sons, o que proporciona uma experiência ainda mais fantástica ao utilizador. É a ferramenta ideal para quem quer ter sempre à mão todas as espécies de aves selvagens que ocorrem regularmente no país, incluindo muitas das acidentais e das exóticas. SAIBA MAIS EM
www.spea.pt/pt/loja n.º 57 pardela | 7
Aves e pessoas
A receita para uma viagem ornitológica inesquecível
Ribeiro Frio, Madeira
Uma viagem é sempre uma oportunidade para conhecer um local, nas suas mais variadas formas. Absorver a cultura, conhecer as suas gentes, experimentar as tradições… E se, a isto, acrescentar observar aves? Três sócios da SPEA contam como uma visita ornitológica pode ajudar a descobrir locais, aves e pessoas.
M
uitas pessoas planeiam as viagens em função dos pontos de interesse, da cultura, da gastronomia. Para um número cada vez maior de pessoas, há um outro fator a considerar: as aves. Com o aumento do interesse na observação de aves, cada vez mais portugueses escolhem os locais e a época em que viajam consoante o que querem observar. Mais do que ver aves, o turismo ornitológico destaca-se por aliar o “passeio na natureza” com a imersão no mundo rural, procurando as culturas e tradições locais, conhe-
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cendo as gentes e usufruindo do que se produz localmente. Este turismo baseia-se assim numa atitude mais sustentável, pelo que é também uma ótima forma de promover e valorizar regiões por vezes desconhecidas.
A SPEA tem vindo a promover viagens tanto em Portugal como no estrangeiro, com o intuito de visitar locais com uma avifauna única.
A SPEA tem vindo a promover viagens tanto em Portugal como no estrangeiro, com o intuito de visitar locais com uma avifauna única. Estas viagens contam com guias experientes da equipa técnica da SPEA, que colocam os seus dotes de observadores à disposição dos participantes, partilham dicas e tentam ao máximo tornar a viagem numa sucessão de momentos gratificantes de comunhão com a Natureza. Três sócios partilham aqui alguns desses momentos.
José Leal “Os conhecimentos dos vários elementos do grupo, associado a um guia com bom ouvido e informação privilegiada sobre os melhores locais de observação, enriqueceu muito a semana passada entre Montesinho, Douro Internacional e Vilafáfila (Espanha), pois tirámos muito mais partido do tempo disponível – mais aves observadas, melhores condições para fazer fotografias... A viagem com a SPEA garante um guia com bom ouvido e conhecedor da área a visitar... condições fundamentais para uma semana bem passada... pois paciência temos que ter todos na esperança de ver o que se consegue ouvir!”
Uma das belas paisagens de Marrocos Cristina Girão
observar aves mas também orquídeas, libélulas e mamíferos (lontras, gato-bravo, raposa-do-ártico, renas, camelos e outros), bem como ter contacto com outras realidades e fazer novos amigos. Com efeito, é ótimo ver aves, mas o melhor de todas estas viagens têm sido os momentos divertidos e ver como pessoas que, até aí, não tinham tido contacto com as aves, passaram a fazer parte da comunidade de observadores de aves!”
A viagem com a SPEA garante um guia com bom ouvido e conhecedor da área a visitar.
Cristina Girão “Do elegante tui-tui-ferrão [Vanellus spinosus] ao despenteado pelicano-crespo [Pelecanus crispus], da águia-real [Aquila chrysaetos] à frenética corredeira [Cursorius cursor], do falaropo-de-bico-fino [Phalaropus lobatos] ao engraçado papagaio-do-mar [Fratercula arctica], do gaio-siberiano [Perisoreus infaustus] à hubara [Chlamydotis undulata], da trepa-fragas [Tichodroma muraria] aos êiders [Somateria spp.]... As viagens SPEA permitiram-me não só
Papagaio-do-mar Guilherme Romano
Elisa Brás “É difícil escolher a viagem com a SPEA que mais me marcou. Talvez Marrocos! Pela diversidade dos habitats, pela observação de muitas espécies de aves novas para mim, como a cotovia-de-bico-curvo [Alaemon alaudipes], e logo em parada nupcial! E pelos guias, sempre incansáveis na sua procura. Mas a viagem à Madeira, que decorreu em maio, está bem viva na minha memória. Embora a diversidade de aves não seja grande, foi uma aventura que não esquecerei. Destaco a caminhada noturna pelo Pico do Areeiro para ouvir as freiras-da-madeira [Pterodroma madeira]! Porém, talvez mais importante do que tudo o que já disse, nas viagens da SPEA vive-se o convívio com pessoas com quem partilhamos o amor pela natureza. Pessoas com quem tanto aprendemos!”
Se quiser ler os nossos relatórios de viagem visite: birdwatching.spea.pt/pt/relatorios-de-viagem/
birdwatching.spea.pt/pt/visitas-spea/ Autora | Mónica Costa SPEA
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Monitorização
Marcar presença(s) pela natureza
Censos de fura-bardos, Madeira SPEA
À primeira vista, dar um passeio de bicicleta parece não ter nada que ver com calcular o tamanho da população das espécies de aves que nidificam em Portugal. Mas a verdade é que um simples passeio pode ter resultados preciosos. Apontar as espécies que avista num passeio ou num dia no campo pode ser uma forma de ajudar a natureza.
O
s seus registos de observação (mesmo de espécies comuns e fáceis de observar) ao juntarem-se aos de milhares de pessoas por todo o mundo, em plataformas digitais globais, formam uma base sólida para decisões relativas à conservação da natureza, e podem até levar a novas descobertas científicas. Para percebermos as tendências das espécies, e avaliarmos ameaças e soluções de conservação ao nível nacional e internacional, são precisos números concretos.
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Assim, fazer contagens sistemáticas de espécies de aves que ocorrem em Portugal é essencial e é por isso que a SPEA coordena e participa numa série de censos e outras ações de monitorização. Nestes censos, a tarefa hercúlea de contar aves por todo o território nacional, ao longo de meses ou anos, é transformada num trabalho de equipa: dezenas de voluntários enviam os seus registos através da plataforma PortugalAves/ eBird, alimentando uma base de dados em que o todo é maior do que a soma das partes.
Fazer a diferença “Graças a estes contributos, podemos acompanhar o estado das populações, e tirar ilações a longo prazo”, diz Rui Machado, que coordena alguns dos censos da SPEA. A título de exemplo: se tivermos uma estimativa de quantas aves de determinada espécie havia em cada um dos últimos 10 anos, podemos avaliar se um aumento no número de observações num determinado ano faz parte de uma tendência mais alargada, ou se se enquadra num ciclo natural da espécie. “Há espécies que estão com uma tendência cla-
ramente negativa, como é o caso do picanço-barreteiro [Lanius senator]. E tem havido espécies que têm crescido: não só a sua população tem aumentado, mas também a sua área de distribuição tem alargado. É o caso da cegonha-branca [Ciconia ciconia], por exemplo”, diz Rui Machado. Cruzando estes dados com indicadores climáticos ou outro tipo de informação, pode-se tentar perceber as causas dessas flutuações. Alguns destes censos permitem ainda detetar padrões mais complexos, que vão além de espécies individuais. “Podemos ver que as espécies associadas a habitats agrícolas como as planícies alentejanas têm diminuído como um todo, provavelmente devido à alteração das práticas agrícolas: a transformação de sequeiros em regadios e a intensificação da agricultura”, explica Rui Machado (mais nas p. 28 a 30).
Participar Noctua | 01 dez - 15 jun (Monitorização de Aves Noturnas) PORTUGAL CONTINENTAL
Arenaria | 01 dez - 31 jan (Censo de Aves Costeiras) COSTA PORTUGUESA
CANAN | 15 dez - 31 jan (Contagens de Aves no Natal e Ano Novo) PORTUGAL CONTINENTAL
Atlas das Aves Nidificantes 15 mar - 30 jun (até 2020) TODO O PAÍS
Censo de Aves Comuns 01 abr - 31 mai TODO O PAÍS
Dias RAM | 1.º sábado do mês EM VÁRIOS CABOS DO PAÍS
Censos de Milhafres e Mantas Abril (fim de semana a designar), AÇORES E MADEIRA
www.spea.pt/pt/estudo-e-conservacao/censos
Os dados obtidos nestes censos ficam disponíveis a cientistas do mundo inteiro, podendo continuar a contribuir para estudos futuros. Alguns dos resultados são ainda importantes pois
que as observações dos voluntários que contribuem para estes censos podem influenciar as decisões políticas relacionadas com a conservação da natureza a nível europeu. Para além de ajudar à tomada de decisões fundamentadas e sustentáveis, o envolvimento de grandes números de voluntários demonstra aos poderes políticos que as pessoas se preocupam e mobilizam em prol da natureza, e que as preocupações ambientais devem estar no topo da agenda política.
(Contagens de Aves Marinhas)
SAIBA MAIS EM
Contribuir para decisões importantes
Na maioria dos censos, o principal requisito para participar é um atributo que todos os observadores de aves têm de ter: paciência.
a SPEA tem fornecido informação para os relatórios que o Estado Português tem que apresentar à Comissão Europeia, no âmbito da Diretiva Aves, pelo
Voluntariado em prol da natureza Apesar de todas as ações de monitorização da SPEA se regerem pelos mesmos princípios, há diferentes censos que permitem estudar diversas espécies e situações. Esta variedade significa também que, em termos de requisitos para os voluntários, há censos para todos os níveis de conhecimento e de disponibilidade. “O Censo de Aves do Natal e Ano Novo, que está prestes a começar, é muito simples
Registos de presença de picanço-barreteiro Lanius senator FONTE: Dados do Censo de Aves Comuns - SPEA, 2018)
2005
2017
Picanço-barreteiro Frans Vandewalle
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PortugalAves/ebird O PortugalAves/eBird faz parte da plataforma internacional eBird, cujos 100 milhões de registos anuais de aves observadas fazem dele o maior projeto de ciência cidadã relacionado com biodiversidade no mundo inteiro. Neste portal, os observadores de aves podem fazer os seus registos e gerir as suas listas, fotos e gravações audio, descobrir raridades avistadas na sua zona, e ver mapas de distribuição das espécies. Ao mesmo tempo, os registos enviados pelos milhares de utilizadores são dados preciosos que impulsionam projetos de ciência, conservação e educação. SAIBA MAIS EM
ebird.org/portugal Laverca Smudge 9000
de fazer. Pode ser feito de bicicleta ou de carro: percorre-se um percurso e aponta-se o número de espécies que se vê, de uma lista pré-definida,” diz Rui Machado. “Já o Atlas das Aves Nidificantes é um projeto mais restrito em termos de tipo de observador: é preciso saber identificar visualmente e auditivamente espécies menos conspícuas, ou com distribuição mais localizada.” Este projeto, que pretende estimar a abundância e distribuição de todas as aves que nidificam em Portugal, pode ser um bom desafio para grupos de observadores de aves que já se juntam com regularidade para irem para o campo, sugere Rui Machado. Para produzir este Atlas, pede-se aos voluntários que procurem aves fazendo percursos de meia hora em quadrículas definidas no mapa, durante a primavera. Em vez de uma pessoa passar horas a fazer todos os percursos necessários para completar a amostragem de uma quadrícula, um grupo pode usar a sua saída habitual, dividir-se e fazê-los em menos tempo. Mas até quem não tem disponibilidade para fazer estes registos exaustivos 12 | pardela n.º 57
pode contribuir: basta registar as suas listas com códigos de nidificação no PortugalAves/eBird. Na maioria dos censos, o principal requisito para participar é um atributo que todos os observadores de aves têm de ter: paciência. “Pode acontecer como me aconteceu a mim este ano: fui fazer uma contagem de milhafres num dormitório e fiquei lá quatro horas no mesmo sítio, e as aves passaram por cima de mim mas foram todas para um dormitório novo que eu não conseguia contar do local onde estava…”. Apesar do abanar de cabeça, no semblante de Rui Machado transparece mais fascínio do que frustração.
O desinvestimento no ambiente A frustração surge, sim, quando se fala de fundos: embora sejam fontes fulcrais de conhecimento, estes projetos de monitorização de aves não recebem qualquer tipo de financiamento do Estado nem da União Europeia já há vários anos, pelo que
Por vezes há projetos tão importantes que não podemos deixar de os fazer, mesmo sem recursos. estão dependentes da boa vontade e dedicação dos intervenientes – tanto pessoas como instituições. “Por vezes há projetos tão importantes que não podemos deixar de os fazer, mesmo sem recursos, e mesmo sabendo que vão levar mais tempo” diz Domingos Leitão, Diretor Executivo da SPEA. Rui Machado remata: “Num país em que o investimento no ambiente e na conservação da natureza é cada vez menor, termos um grupo de pessoas que nos ajude a obter um panorama geral do estado das aves em Portugal ajuda-nos a contrabalançar esse desinvestimento.” Da próxima vez que pegar nos binóculos ou partir para um passeio, porque não contribuir também? Autora | Sonia Neves SPEA
Abutres
Aprender com o passado
Grifo e abutre-preto Bruno Berthémy (VCF)
Helder Costa reflete sobre a possibilidade de vermos repetir-se na Europa a triste história dos abutres da Índia.
S
e em 1994, quando visitei a Índia, alguém me tivesse dito que os abutres estavam prestes a desaparecer desse país decerto teria pensado que era uma brincadeira, tal a sua abundância mesmo no interior de grandes cidades. No entanto, por muito incrível que isso me pudesse então parecer, foi precisamente o que sucedeu. Aliás, vendo bem agora, é possível que na altura o processo já se tivesse iniciado mas fosse ainda pouco perceptível. Com efeito, mais ou menos a partir de meados da década de 1990 o número de abutres começou a baixar de forma
substancial e, em poucos anos, estas aves quase desapareceram da Índia e doutros países da região. O decréscimo populacional ultrapassou nalguns casos os 90%.
Um medicamento que pode matar As causas dessa quebra brutal das populações de abutres permaneceram um mistério até 2003 quando diversos estudos efectuados demonstraram que a causa do desaparecimento destas aves estava relacionada com a utilização generalizada de um medicamento barato para o gado que
continha diclofenac. Este fármaco é um anti-inflamatório com um vasto espectro de utilização tanto em humanos como em animais. Em termos veterinários, é usado sobretudo para tratar o gado bovino. O problema é que permanece activo durante algum tempo no organismo dos animais tratados que eventualmente morram, provocando depois falhas renais graves nas aves necrófagas que os consumam (fatais ao fim de dois dias). A descoberta levou a que o uso do diclofenac para tratamentos veterinários começasse a ser banido na Ásia a partir de 2006. n.º 57 pardela | 13
O caso de Espanha Em Espanha, que tem as maiores populações de abutres da Europa e onde o diclofenac é utilizado desde 2013, as autoridades estatais apontaram para uma estimativa de mortalidade entre 15 a 39 abutres por ano devido ao seu uso. A estes dados conservadores contrapuseram-se outros obtidos por investigadores independentes que, através de modelação, estimaram uma mortalidade potencial que poderá rondar entre 715 a 6389 aves por ano, números bem mais significativos e que, a verificarem-se, poderão causar sério impacto nas populações nidificantes destas aves. Abutres em 1994 no Parque Nacional de Keoladeo Ghana (Bharatpur), Rajastão. Uma fotografia que se arrisca a ser histórica. Helder Costa
O ocaso das populações de abutres no subcontinente indiano, e não só, constitui um bom exemplo de como a acção humana pode conduzir espécies à beira da extinção num curto espaço de tempo gerando com isso uma série de problemas em cadeia de difícil resolução. Convém recordar que estas aves desempenham um papel central nalguns usos e costumes dos povos da região e, para além disso, assumem grande relevância em termos higiénicos e sanitários uma vez que «limpam» os restos de animais mortos podendo a sua ausência contribuir para a contaminação da água potável e a disseminação de doenças.
Repetição de um erro? Apesar de haver alternativas, o uso veterinário do diclofenac está autorizado na Europa desde 1993. Tendo em conta o que sucedeu e o que actualmente se sabe, seria expectável e razoável que tivessem sido tomadas medidas para impedir uma repetição da catástrofe asiática. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. Em 2014 14 | pardela n.º 57
a Agência Europeia do Medicamento (EMA) reconheceu que a utilização do diclofenac podia colocar em risco as populações europeias de abutres e doutras aves necrófagas, mas não baniu o fármaco. Em 2015 a União Europeia decidiu seguir as recomendações da EMA e deixar à responsabilidade dos estados membros que utilizarem diclofenac evitar que os despojos de animais mortos tratados com o fármaco entrem na cadeia alimentar.
A descoberta levou a que o uso do diclofenac para tratamentos veterinários começasse a ser banido na Ásia a partir de 2006. Em Portugal está a ser avaliada na Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) uma solicitação de autorização de introdução no mercado de um medicamento veterinário contendo a substância activa diclofenac. Esta é uma hipótese preocupante. Convém não esquecer que Portugal tem populações importantes de
abutres e doutras aves necrófagas no contexto europeu e responsabilidades internacionais pela sua conservação. Apesar de tudo, há alguma esperança. A SPEA e outras organizações de conservação da natureza nacionais e internacionais têm vindo a acompanhar este processo e a manifestar a sua oposição. Fruto da discussão que se gerou, em meados de Abril deste ano a Assembleia da República aprovou o Projeto de Resolução 1433/XIII/3ª (PAN) que recomenda ao governo português que não autorize a comercialização de medicamentos veterinários com diclofenac. Resta esperar que o volume de informação disponível seja suficiente para que a decisão final seja ponderada e tenha em conta o princípio da precaução como salvaguarda da biodiversidade. Autor | Helder Costa SPEA NOTA: Este autor não segue o acordo ortográfico
Para fontes e referências bibliográficas, consulte o artigo online: bit.ly/abutres-india
02 Capacidade de crescimento A SPEA é uma associação: dependemos dos sócios para trabalhar pela ciência e proteção das aves. Em 1993 éramos 200, agora somos mais de 1000. E queremos continuar a crescer.
03 Projetos pioneiros
Aniversário SPEA
25 anos a dar voz à natureza No momento em que celebramos 25 anos de existência, passamos em revista o passado, com os olhos postos num futuro mais amigo da natureza, partilhando 25 pontos que tornam a SPEA especial.
01 Sócios empenhados desde o primeiro momento “Quando se cria uma associação todos os pequenos avanços são importantes. A primeira sede (na baixa lisboeta), o primeiro telefone, o primeiro computador, a primeira ligação à internet …”. É neste tom que Helder Costa, sócio fundador e ex-Presidente da Direção da SPEA, nos relembra o início, destacando a grande disponibilidade de um pequeno grupo de sócios fundadores.
O estudo e seguimento das aves está no ADN da SPEA. Logo à nascença a SPEA abraçou um projeto pioneiro, o Atlas da Aves Invernantes do Baixo Alentejo. Em 1999 lançou-se no mega-projeto que foi o segundo Atlas das Aves Nidificantes de Portugal. Em 2004 veio outro pioneiro, o Censo de Aves Comuns. Muitos outros projetos se seguiram, graças aos parceiros institucionais e, acima de tudo, à colaboração regular de meio milhar de observadores de aves.
04 Dez congressos dedicados à ciência das aves De dois em dois anos, investigadores, ornitólogos e estudantes trocam experiências e conhecimentos no Congresso de Ornitologia da SPEA. Desde que em 1996 reunimos 220 participantes em Vila Nova de Cerveira, este é o evento da especialidade em Portugal. O décimo será em Peniche, em 2019.
05 Publicações únicas Com as nossas publicações, levamos o mundo das aves a toda a gente, desde os vagamente interessados aos especialistas inveterados. É o caso da Pardela, desde 1995 a única revista no país dedicada às aves selvagens; do Airo, a única revista científica de ornitologia em Portugal, e do Anuário Ornitológico, que enumera os registos mais interessantes de ocorrência de aves em Portugal. n.º 57 pardela | 15
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Os nossos grupos de trabalho são essenciais para aprofundar alguns temas mais a fundo. O mais antigo, criado em 1995, é o Comité Português de Raridades, que é responsável por homologar as observações de aves de ocorrência acidental no espaço geográfico português. Fazem ainda parte da estrutura da SPEA o grupo de trabalho sobre Aves Noturnas e o grupo de trabalho em Águia-de-Bonelli.
O trabalho da SPEA foi também reconhecido por prémios, de âmbito nacional e internacional: 1 Prémio BES Biodiversidade (2008); 1 Prémio Best of the Best Life (2009); 2 Prémios Best Life (2009 e 2013) e 1 Galardão da Carta Europeia do Turismo Sustentável (em 2017), entre outros.
Grupos de trabalho especializados
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Prémios e distinções
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Áreas Importantes para as Aves e Biodiversidade (IBA)
Parceria BirdLife International Luís Costa, Diretor Executivo da SPEA entre 2003 e 2016, destaca a parceria com a BirdLife International, iniciada em 1999, que “permitiu reforçar a capacidade profissional da organização, aumentar o seu alcance e o reconhecimento público. Soubemos ser um parceiro especial para a BirdLife, e foi muito importante para o crescimento da SPEA”.
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Publicámos dois dos mais importantes instrumentos de proteção da natureza: os inventários das IBA Terrestres e das IBA Marinhas de Portugal. Publicações ainda de referência na área da ornitologia.
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Campanhas em defesa do ambiente A SPEA desenvolve um intenso trabalho de advocacia, procurando combater projetos e programas com impacto negativo na biodiversidade e influenciar as políticas nacionais e europeias a pensar na sustentabilidade ambiental. Um exemplo disso é a luta pelos valores naturais da Lagoa dos Salgados.
Financiamento e reconhecimento europeu O financiamento que recebemos da Comissão Europeia, através do Programa LIFE, é simultaneamente um apoio e um reconhecimento do sucesso do nosso trabalho de conservação. Logo desde o primeiro, o Life Sisão (2002-2006), que culminou com a designação de oito novas Zonas de Proteção Especial no Alentejo, passando pelo Life Priolo (2003-2008) – em que conseguimos que o passeriforme mais ameaçado da Europa iniciasse a sua recuperação, de 40 casais para os cerca de 1000 priolos que hoje cantam na Laurissilva dos Açores – até aos projetos hoje em curso em vários pontos do país.
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Impacto real Em 2011, o calendário venatório incluía o melro no conjunto das espécies que poderiam ser caçadas. A SPEA conseguiu mobilizar centenas de cidadãos em protesto junto do Ministério da Agricultura. Como resultado, o melro foi retirado da lista.
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Sabemos a importância de falar a uma só voz e unir esforços em assuntos prioritários de conservação da natureza. Por isso, fazemos parte da Plataforma Conservação 6 (C6), em conjunto com outras cinco ONGA nacionais (LPN, Quercus, ANP/WWF Portugal, GEOTA e FAPAS), e de outras coligações, trabalhando em conjunto com organizações que partilham os valores, convicções e objetivos da SPEA.
Entendemos que a valorização económica da biodiversidade pode ajudar na sua proteção. Por isso, temos sido pioneiros na promoção do turismo ornitológico, em conjunto com organizações do setor turístico. Organizámos o primeiro workshop sobre Turismo Ornitológico em Portugal em novembro de 2008, com o Turismo de Portugal, em Tróia, e desde então não temos parado.
Unidos na mesma luta
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Turismo ornitológico
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Espaços educativos
Uma loja especializada Em que outro ponto do país se encontram binóculos e telescópios de alta qualidade, ao lado de um dos mais completos guias de identificação de aves e de CDs com sons de aves? A loja da SPEA é o local ideal para procurar ofertas originais para a família e amigos.
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A nossa paixão Sejam terrestres, marinhas, residentes ou migradoras, as aves fascinam-nos. Além de belas, são essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas. São, literalmente, a nossa razão de ser.
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De Olho nas Aves (DONA) Levamos a observação de aves ao encontro das pessoas, oferecendo oportunidades gratuitas para observar aves em locais acessíveis, como o Parque do Tejo, em Lisboa – ações pioneiras em Portugal.
Acreditamos na máxima “só se conserva o que se conhece”. Assim, para dar a conhecer o tesouro alado dos Açores, criámos o Centro Ambiental do Priolo, em 2007, em parceria com a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar e a Direção Regional dos Recursos Florestais. E em 2016, surgiu o Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena, em resultado de um protocolo com a Câmara Municipal de Sesimbra e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.
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Sabemos evoluir Para cumprirmos a nossa missão, é fundamental acompanharmos o progresso. Primeiro, o Noticiário Ornitológico tonou-se digital. Depois veio a plataforma PortugalAves, em colaboração com a BirdLife. Mais tarde o portal passou a PortugalAves/eBird, em colaboração com o Cornell Lab of Ornithology. Esta plataforma internacional congrega mais de 2600 observadores de aves em Portugal.
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Em 1994, organizámos uma campanha de monitorização das aves migradoras na península de Sagres. Em 2010, juntamente com o Município de Vila do Bispo e a Almargem, organizou-se o 1.º Festival de Observação de Aves & Atividades de Natureza, e desde então todos os anos recebemos centenas de pessoas nesta festa da migração.
Participamos nos programas da BirdLife mais importantes para a União Europeia, como a Política Agrícola Comum, a Política Comum das Pescas e a aplicação das diretivas comunitárias Aves e Habitats. Em África, apoiamos projetos de conservação e parceiros em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe.
Celebrar a migração
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Impacto além-fronteiras
24 Os parceiros
Envolver as populações Desde Miranda do Douro a Peniche, passando pelo Corvo e pelo Funchal, o trabalho com as comunidades locais é parte integrante dos nossos projetos.
Além de trabalharmos com outras ONGA dentro e fora do país, unimos esforços com inúmeras entidades, desde organismos governamentais a fundações e empresas privadas. Porque proteger a natureza é do interesse de todos.
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Desde a Barrinha de Esmoriz até à Laurissilva da Madeira, e desde o Douro Internacional até às Terras do Priolo, trabalhamos para promover e proteger a natureza em todo o país.
Domingos Leitão, atual Diretor Executivo da SPEA, salienta que “a capacidade de trabalho e a dedicação dos funcionários da SPEA, em conjunto com os sócios, muitos deles voluntários, e os parceiros tem sido a mistura perfeita que nos permite navegar sobre as águas nem sempre calmas do mundo da proteção da natureza em Portugal”.
Presença nacional
Uma equipa excecional
Agradecemos o apoio de todos e estamos assim preparados para mais 25 anos a dar voz à natureza.
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Ilha da Berlenga SPEA
Life Berlengas
O que mudou na ilha cor-de-rosa? O Life Berlengas juntou cinco parceiros numa missão comum: contribuir para a gestão sustentável da Zona de Proteção Especial das Ilhas Berlengas, assegurando a conservação dos seus habitats, plantas endémicas e populações de aves marinhas. Na reta final do projeto, estamos confiantes que os resultados alcançados vão trazer um futuro próspero ao arquipélago da ilha cor-de-rosa.
D
epois de quatro anos de trabalho conjunto, é com orgulho que afirmamos que a Berlenga tem agora melhores condições para as populações de aves marinhas e para a progressiva recuperação da vegetação endémica. O pequeno roque-de-castro Hydrobates castro, que até agora só nidificava nos ilhéus do arquipélago,
veio finalmente ocupar um dos vários ninhos artificiais instalados na ilha, aos quais estava associado um sistema de atração acústica. Este é um ótimo sinal de aumento de biodiversidade, fruto do trabalho de conservação conjunto. Desde o primeiro momento, os parceiros «arregaçaram as mangas» e dedi-
caram-se a pôr em prática as ações com que se comprometeram. A boa comunicação e funcionamento integrado desta parceria é sem dúvida uma das mais-valias deste projeto e um alicerce para o trabalho futuro que continuará no terreno. Também o apoio prestado pelas diversas entidades locais foi um fator chave para os bons resultados alcançados.
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Galheta com transmissor GPS Ana Marcos Morais
Roque-de-castro
Ninho artificial para cagarra
Trabalho de campo na Berlenga
Benjamin Metzger
Joana Andrade
Bruno Ribeiro
Os desafios foram claros: remover as espécies não nativas da ilha, testar medidas alternativas ao controlo da população de gaivota-de-patas-
-amarelas Larus michahellis, reduzir os conflitos entre artes de pesca e aves marinhas, conhecer melhor a distribuição e as tendências das po-
pulações de aves marinhas que nidificam no arquipélago e envolver os diversos agentes na definição das medidas de gestão desta área protegida.
A ZPE das Ilhas Berlengas As Berlengas são um pequeno arquipélago situado a cerca de 10 km ao largo de Peniche, que engloba a ilha da Berlenga e recifes associados, os Farilhões-Forcadas e as Estelas. As Berlengas são um património biológico com elevado interesse de conservação, tanto ao nível do seu ecossistema insular terrestre, que engloba plantas endémicas, habitats protegidos e acolhe a nidificação de espécies de aves marinhas ameaçadas, como ao nível do vulnerável ecossistema marinho envolvente, um dos mais ricos das águas portuguesas. Também a complexa geomorfologia das ilhas e ilhéus que formam o arquipélago é única. As Berlengas foram declaradas como Zona de Proteção Especial (ZPE) ao abrigo da Diretiva Aves (Rede Natura 2000) em 1999, tendo a sua área marinha sido alargada em 2012 para uma área de cerca de 10 vezes superior (> 100 000 ha).
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Ninhos artificiais para cagarra e roque-de-castro
295
Embarques com pescadores em 18 embarcações de pesca
Farilhões Estelas Berlenga PENICHE
ZPE BERLENGAS
594
Inquéritos a pescadores em 18 embarcações de pesca
Campainhas-amarelas
Nova sinalética
Joana Andrade
Joana Andrade
A semear espécies nativas Mauro Hilário
Mas o Life Berlengas também tinha como objetivo caracterizar o perfil dos visitantes e monitorizar os meses de maior afluência, recuperar e melhorar os trilhos e sinalética, contribuir para uma melhor informação e divulgação do património natural, e promover a consciencialização e sensibilização ambiental, nomeadamente ao nível da população local, comunidade escolar, pescadores, agentes marítimo-turísticos e visitantes.
Panóplia de cores Com cerca de 90% da área de chorão removida na ilha da Berlenga (uma área equivalente a cerca de 3,5 campos de futebol), as plantas nativas e endémicas têm agora melhores condições para prosperar. Onde outrora crescia um manto denso que acabou por in-
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Aves marinhas seguidas com loggers
vadir uma grande extensão da ilha, abafando o crescimento das plantas nativas, crescem agora rebentos de várias espécies. A recuperação da vegetação nativa, sobretudo nas áreas agora livres de chorão, tem sido notável de ano para ano. Por toda a ilha, a diminuição da população de gaivota-de-patas-amarelas que se tem registado na última década, e a remoção de mamíferos invasores, têm permitido o florescer das plantas insulares em todo o seu esplendor. Entre março e junho, a ilha da Berlenga fica repleta de flores e de cores, desconhecidas pela maioria dos visitantes, já que o período de maior afluência de turistas à ilha decorre entre julho e agosto. Campainhas-amarelas, assobios, silenes-rosa e a endémica arméria-das-berlengas são algumas das plantas que enchem a ilha de cor na primavera.
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Viagens de aves marinhas registadas com loggers
Por não ter sido possível remover em segurança a totalidade da área de chorão, a mancha existente terá de ser monitorizada e controlada no futuro para evitar a sua expansão para as áreas adjacentes, pois o chorão é uma planta de crescimento rápido e carácter invasor. Paralelamente serão também monitorizadas, uma vez por ano, as áreas intervencionadas para deteção e remoção de novos rebentos de chorão.
Uma ilha livre de predadores Uma das principais ameaças à biodiversidade em ilhas é a presença de mamíferos introduzidos. Na ilha da Berlenga, uma das ameaças era o rato-preto Rattus rattus. A sua remoção teve início em setembro de 2016, e os
35 000 m
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de chorão removido
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Os coelhos são uma ameaça às aves das Berlengas
Monitorização de ninhos de cagarra Fotojonic
SPEA
No início da remoção de chorão, escreveram-se as palavras Life Berlengas Pedro Geraldes
últimos vestígios da espécie foram registados em novembro desse ano. Volvidos dois anos sem termos detetado vestígios ou avistado a espécie, podemos confirmar o sucesso desta ação e declarar a ilha da Berlenga como uma ilha livre de predadores. Para manter esta condição é fulcral assegurar a continuação das chamadas medidas de biossegurança no terreno, para prevenir a chegada de novos roedores à ilha. Estas medidas contemplam, por exemplo, a manutenção de armadilhas letais nos locais de desembarque da ilha, estações de controlo de roedores no cais de embarque, no porto de pesca em Peniche e na embarcação de transporte regular de passageiros, sensibilização da comunidade local e operadores marítimo-turísticos, bem
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Loggers colocados em aves marinhas
como alertas aos visitantes para os cuidados a ter.
O que se segue? Alcançada a meta, há que garantir que o trabalho desenvolvido e os resultados obtidos permanecem para além do projeto, previsto para junho de 2019. Para isso, os parceiros definiram um Plano de Conservação Pós-Life, onde foram estabelecidas as ações a desenvolver num período de cinco anos a seguir ao término do projeto. Assim, vamos manter a monitorização de aves marinhas e das plantas endémicas para avaliar as suas tendências populacionais. Vamos continuar a fazer a manutenção dos ninhos artificiais para cagarras Calonectris borealis e ro-
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Alunos de Peniche envolvidos em atividades (DO PRÉ-ESCOLAR AO SECUNDÁRIO)
ques-de-castro que já estão instalados, e construir novos. Vamos controlar a natalidade das gaivotas, e impedir nova entrada de roedores na ilha. Vamos aplicar um protocolo de monitorização anual da visitação, e transmitir online filmagens dos ninhos de cagarra e de galheta para que mais pessoas possam conhecer estas aves fascinantes. Vamos ainda continuar a trabalhar com os pescadores e a testar soluções para reduzir a captura acidental em redes de emalhar e em palangre. E vamos continuar a sensibilizar a comunidade escolar, por forma a garantir um futuro sustentável deste pequeno paraíso insular.
www.berlengas.eu Autora | Joana Andrade SPEA
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Voluntários que colaboraram nas Berlengas
Calhandra-do-raso
A grande evasão
Calhandra-do-raso Paul Donald | BirdLife
Em abril deste ano foi reintroduzida a calhandra-do-raso, em Santa Luzia, onde esteve extinta devido à presença de predadores introduzidos. Agora, trinta aves raras encontram-se livres para começar uma nova vida depois desta reintrodução pioneira em Cabo Verde.
P
ara quem se aproxima do ilhéu do Raso, de barco, pode parecer que está a chegar a uma prisão: uma parede de rocha vulcânica avermelhada de 10 metros de altura, aparentemente impenetrável, que ascende de um “fosso” de águas turbulentas, patrulhadas por tubarões, no Atlântico. Mas, em vez de torres altas e muralhas defensivas, a única infraestrutura humana nessa pequena ilha é uma antiga tenda militar e, em vez de guardas armados, é possível observar, através dos rasgões abertos pelo vento, biólogos a programar transmissores de
rádio. Quem são, então, os «prisioneiros»? São as calhandras-do-raso Alauda razae, uma das aves mais raras do mundo. Durante muitas décadas, esta pequena ave de crista castanha esteve confinada ao ilhéu Raso, situado ao largo da costa ocidental de África, mas chegou a povoar também o ilhéu de Santa Luzia. O crime? É um caso complicado de injustiça: a calhandra-do-raso é uma vítima inocente da introdução humana de predadores invasores. Mas agora, depois de anos a fazer planos em tendas à luz da lanterna, com
um projeto recente de recuperação da ilha de Santa Luzia (uma ilha próxima, com mais de cinco vezes o tamanho do Raso) e apoio financeiro internacional, reuniram-se finalmente as condições certas para procurar a libertação desta ave. Uma equipa de biólogos da SPEA, da Biosfera (ONG cabo-verdiana), da BirdLife International, do governo cabo-verdiano (DNA – Direção Nacional do Ambiente) e da Universidade de Cambridge capturaram cerca de 30 calhandras-do-raso, alimentaram-nas durante a noite, transportaram-nas de barco em sacos de pano tranquilizann.º 57 pardela | 23
As calhandras-do-raso a caminho da sua nova casa Paul Donald | BirdLife
tes, e libertaram-nas em Santa Luzia. “Era uma carga frágil a que carregámos naquela manhã”, diz Paul Donald, Coordenador Científico, da BirdLife International. “Estávamos todos ansiosos pelo sucesso. Observar os pássaros a voar livremente na sua nova casa em Santa Luzia foi um marco para a conservação das aves.”
População de reserva Mas não é apenas uma translocação da espécie; é uma «reintrodução». Depósitos ósseos sub-fósseis mostram que a calhandra-do-raso habitou Santa Luzia e outras ilhas cabo-verdianas antes da colonização humana no século XV, depois da qual desapareceu muito rapidamente. Desde então, a espécie tem estado confinada à pequena ilhota que lhe deu o nome, e não é por acaso: esta é a maior ilha de Cabo Verde que nunca teve uma população humana permanente. A calhandra-do-raso também é vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, diz Pedro Geraldes, da SPEA: “Depende dos anos chuvosos para conseguir comida suficiente para se reproduzir. Em 2004, após vários anos consecutivos de seca, esteve 24 | pardela n.º 57
perto da extinção, com uma população de apenas 60 aves.” Depois do furacão Fred ter atingido Cabo Verde em 2015, Tommy Melo, Presidente da Biosfera, declarou com um enorme sentimento de urgência: “Todos os anos temos tempestades mais e mais fortes. Com números tão baixos, um furacão ou seca poderia destruir toda a espécie. Criar uma segunda população numa nova ilha dar-lhes-á uma melhor hipótese de sobrevivência.”
Criar uma segunda população numa nova ilha dar-lhes-á uma melhor hipótese de sobrevivência.
Preparando o terreno Tal como em algumas prisões, ratos e gatos são um problema, e essas espécies invasoras são uma grande ameaça para as aves que nidificam no solo, como a calhandra-do-raso. E como pequenos barcos de pesca visitam regularmente o Raso, seria apenas uma questão de tempo até que estes predadores chegassem, por isso o trabalho começou em 2013
Apoios que contribuíram para salvar a calhandra-do-raso O projeto Desertas - Gestão Sustentável da Reserva Marinha de Santa Luzia foi iniciado em 2017, com apoio da MAVA Foundation à SPEA, à Biosfera e à DNA, visando a recuperação total e proteção dos habitats e da biodiversidade ameaçada das Áreas Marinhas Protegidas do Ilhéu Raso, Branco e Santa Luzia, um importante ponto de acesso de biodiversidade no Atlântico Norte. Agradece-se ao Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF), que entre 2013 e 2015 apoiou a Biosfera e a SPEA na implementação de um projeto para avaliar a viabilidade desta re-introdução pioneira. Obrigado também à Sea Shepherd pelo apoio logístico.
Acampamento no ilhéu do Raso Simon Ager | Sea Shepherd
para preparar Santa Luzia para a reintrodução desta ave. Abandonada por humanos na década de 1970 (com exceção de alguns abrigos temporários usados pelos pescadores que passavam) e com vegetação semelhante ao Raso, Santa Luzia foi uma escolha clara para ’uma segunda casa’ para a espécie, após a remoção das espécies invasoras. Depois de alguns anos de chuvas que permitiram que a população de calhandra no Raso recuperasse para um nível recorde de mais de
1000 aves desde 2004, chegou a hora da “grande evasão” em abril deste ano.
Sonho tornado realidade Para Tommy Melo isto significa a concretização de um sonho: “Esperamos que estas calhandras-do-raso estabeleçam uma população totalmente nova que um dia possa ultrapassar a população do Raso”. Este projeto também faz parte de um grande sonho da Biosfera, que trabalha para ver as ilhas
Desertas do Raso, Branco e Santa Luzia geridas como uma área marinha protegida, que conserve toda a vida selvagem lá existente, incluindo as tartarugas em extinção, aves marinhas e lagartos endémicos. Em Santa Luzia, no entanto, as aves não são completamente livres: como alguns prisioneiros libertados, os «fugitivos» exibem anilhas de identificação, e alguns estão equipados com transmissores de rádio para permitir acompanhar seus movimentos, e entender as suas interações sociais e preferências de habitat, para ajudar a informar futuras ações de conservação. “O verdadeiro teste virá em outubro e novembro deste ano - a época de acasalamento habitual”, diz Michael Brooke, da Universidade de Cambridge, que acompanha o destino da calhandra-do-raso desde 2002. “Se tudo correr bem e as chuvas vierem a tempo, o canto da calhandra-do-raso voltará a soar em Santa Luzia, e a primeira nova geração nesta ilha, deixará os ninhos em segurança”.
LIbertação de calhandras Paul Donald | BirdLife
Do mar, o ilhéu Raso pode parecer uma prisão, mas conhecendo a situação da sua calhandra especial, vê-se o Raso com novos olhos. Enquanto o sol se põe e as cagarras e painhos da ilha se ouvem a voar para alimentar filhotes, fica claro que o ilhéu Raso é, de facto, uma linda fortaleza natural.
Calhandra-do-raso
Calhandra-do-raso
Paul Donald | BirdLife
Paul Donald | BirdLife
Autor | Shaun Hurrel BIRDLIFE INTERNATIONAL
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Word Owl Conference
Especialistas em rapinas noturnas reuniram em Portugal Coruja-das-torres Doug Swinson
Em setembro de 2017, especialistas de todo o mundo reuniram-se na Universidade de Évora para discutir as mais recentes descobertas científicas sobre aves de rapina noturnas. Muitos foram os temas em discussão na quinta edição da World Owl Conference, a começar pelo número de espécies: em 10 anos, desde a anterior, passouse de 206 para 247 espécies de rapinas noturnas descritas cientificamente.
A
World Owl Conference (WOC) é um encontro científico de âmbito mundial que, desde 1987, reúne especialistas de várias áreas do conhecimento em torno da investigação e conservação de rapinas noturnas, tendo já passado pelo Canadá, Austrália, Holanda, e agora Portugal. A WOC 2017, subordinada ao tema Owls in Science and
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ORADORES internacionais convidados
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Society, incluiu diversas sessões, algumas abertas ao público, e juntou mais de 150 participantes de 30 países e cinco continentes diferentes.
Temas prioritários Os trabalhos começaram com as sessões de entrada livre nas quais foram debatidos alguns dos temas con-
COMUNICAÇÕES 63 orais 24 em poster
21
siderados prioritários na atualidade da investigação e conservação das rapinas noturnas, como a inovação tecnológica, o impacto das infraestruturas, a conservação através da educação e a diplomacia científica: Workshop Telemetry, Nestcams and Data Analysis (por David H. Johnson & Dries van Nieuwenhuyse). Foram
ESPÉCIES de rapinas noturnas de 27 países
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PARTICIPANTES de 30 países e 5 continentes
Especialistas de todo o mundo reuniram em Évora Universidade de Évora
siasmo pela conservação das rapinas noturnas através da educação, considerando as diferenças entre os vários países e culturas e culminou com a criação de um grupo de trabalho sobre o tema.
Sessão de pósters Universidade de Évora
apresentadas algumas das mais recentes inovações tecnológicas disponíveis para a investigação e monitorização de rapinas noturnas, como os data-loggers. Simpósio Impacts of Human Infrastructures on Owls (por Rui Lourenço & Ricardo Tomé). Foram revistos e discutidos os efeitos das infraestruturas nas populações de aves de rapina noturnas em todo o mundo. No que toca a Portugal, os dados permitiram concluir que as estradas são as infraestruturas com maior impacto, que as linhas elétricas também causam algumas mortes por eletrocussão e que a mortalidade destas aves em parques eólicos é mais ocasional. Workshop Effective Owl Education Methods (por Karla Bloem & James Duncan). Esta sessão permitiu discutir formas de reativar o entu-
Mesa redonda Barn Owls Know No Boundaries: The Role of Nature Conservation in Peace, (por Alexandre Roulin & João E. Rabaça). Nesta sessão focada na aliança entre a conservação da natureza e o estabelecimento da paz, foi apresentado um projeto que promove a coruja-das-torres como agente biológico de controlo de pragas de roedores, na fronteira entre Israel e a Jordânia.
No final da WOC 2017 foram identificados os principais desafios globais relativos às aves de rapina noturnas. Encontro de especialistas Durante os restantes dias da conferência foram apresentados mais de 80 trabalhos com os resultados de múltiplos projetos de investigação, educação e monitorização que permitiram aos participantes inteirar-se dos mais recentes avanços em biologia de reprodução e comportamento; conservação; cultura; métodos; evolução,
taxonomia e filogenia; monitorização; migração e dispersão; movimentos e habitat; e ecologia.
Desafios para o futuro No final da WOC 2017 foram identificados os principais desafios globais relativos às aves de rapina noturnas, e definidas prioridades para o futuro próximo: colmatar as lacunas de conhecimento da biologia e ecologia das rapinas noturnas, incutir nos decisores a relevância da conservação destas aves, alcançar a sociedade de uma forma mais eficaz e obter financiamento para apoiar estratégias de conservação locais, regionais e globais.
WOC 2017 A organização do evento coube ao LabOr – Laboratório de Ornitologia (ICAAM, Universidade de Évora), em parceria com o Grupo de Trabalho sobre Aves Noturnas da SPEA (GTAN-SPEA), o STRI (ALDEIA), e as organizações internacionais World Owl Project e International Owl Center, entre outras entidades. As comunicações dos oradores convidados estão disponíveis em:
www.woc2017.uevora.pt (separador Follow Up > Videos)
Autora | Inês Roque LABOR – LABORATÓRIO DE ORNITOLOGIA (ICAAM, Universidade de Évora)
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Agricultura
Pode a agricultura ser amiga das aves?
Julieta Costa SPEA
Os campos agrícolas têm cada vez menos aves. Da Dinamarca à França, por toda a Europa têm surgido indicadores alarmantes, e Portugal não escapa a esta tendência. Num ano em que se debate a política que regerá a agricultura na Europa na próxima década, Julieta Costa da SPEA realça como a agricultura, a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável podem ser compatíveis.
Quando as pessoas pensam em agricultura, pensam em natureza… O “campo” é um espaço natural? Julieta Costa: É verdade, há muita biodiversidade, muita riqueza avifaunística ligada à agricultura. A maior parte das aves que temos hoje em dia nos ecossistemas agrícolas são espécies que já estão adaptadas à transformação que o Homem fez dos territórios. Por exemplo, por volta do séc. XIV, o Alentejo estava coberto por floresta mediterrânica. Ora bem, quando 28 | pardela n.º 57
as pessoas deitaram abaixo essas florestas e começaram a plantar cereais, outras aves vieram aproveitar um outro uso do solo. Por isso é que hoje em dia temos no Alentejo os sisões e as abetardas, que são aves originárias das estepes do Médio Oriente e que agora estão nas chamadas pseudo-estepes cerealíferas. Por outro lado, os sistemas mediterrânicos são dos ecossistemas mais diversificados em espécies exatamente porque a ação humana milenar criou um mosaico muito heterogéneo de habitats.
Como é que aves e agricultura entram em conflito? JC: Nas últimas décadas, com a intensificação da agricultura, as monoculturas e o uso de agroquímicos, toda esta diversidade tem vindo a ser destruída cada vez mais rapidamente, a ponto de nos últimos 10 anos se terem verificado declínios acentuados nas populações das aves ligadas aos sistemas agrícolas. Estamos a falar de aves que já estão adaptadas e beneficiam destes sistemas, e que têm
vindo a diminuir, o que é motivo de alarme. No Reino Unido houve uma diminuição da ordem dos 50% desde 1970, e em França há agora esta revelação alarmante de que algumas espécies tiveram uma redução de quase 70% nos últimos 20 anos. Em Portugal, os resultados do Censo de Aves Comuns indicam que, embora o panorama geral não seja tão grave, há espécies associadas aos ecossistemas agrícolas que estão a diminuir a um ritmo acelerado, como o sisão, uma espécie que já estava ameaçada e que diminuiu 50% na última década.
Como disse, as comunidades de aves já se adaptaram a mudanças no passado. Tal como as abetardas vieram para o Alentejo há séculos, não há a hipótese de que agora venham outras espécies tomar o lugar das que estão em declínio? JC: O problema neste momento é que se está a destruir a heterogeneidade do meio, e contra isso não há
grande hipótese. Não existem muitas espécies que sobrevivam só no meio de campos homogéneos de milho, ou de olival intensivo – porque nessas zonas só há isso.
Não existem muitas espécies que sobrevivam só no meio de campos homogéneos de milho, ou de olival intensivo. Depois, a outra questão é que, para cultivar intensivamente, usam-se agroquímicos em abundância. E isso vai contaminar as águas, vai contaminar os solos e toda a cadeia alimentar, no topo da qual estamos nós. Portanto, nós temos é que assegurar que a atividade agrícola não vai empobrecer o meio rural duma forma tão radical, porque depois voltar atrás será muito difícil. Trata-se de uma luta por uma agricultura compatível, uma agricultura que não comprometa a natureza.
Para termos uma agricultura compatível com a natureza, o que é que tem que mudar na Política Agrícola Comum [PAC]? JC: Por um lado, a Europa não precisa desta intensificação tão grande – pelo contrário, estamos a comprometer não só o nosso futuro através da contaminação do ambiente, mas também a biodiversidade que temos através da destruição dos habitats. Em termos de PAC, em vez de beneficiar a agricultura intensiva, deve-se apostar mais nos apoios aos agricultores que querem produzir de uma forma compatível com o ambiente. Em Portugal, ainda não se valorizou a aplicação das medidas agro-ambientais, de tal forma que as candidaturas para medidas agro-ambientais para aves estepárias, por exemplo, nem sequer abriram nos últimos anos. Por outro lado, tem havido pouco acompanhamento desses agricultores, e com tanta falta de eficiência no sistema, acabam por ser muito poucos os que aderem a essas medidas.
Rolieiro Bernard Dupont
Chasco-cinzento Ben Andrew (rspb-images.com)
Fêmea de sisão David Kjaer | rspb-images.com
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“O campo ideal pode tomar muitas formas diferentes”, diz Julieta Costa SPEA
As propostas para a nova PAC refletem a vontade dos europeus? JC: Infelizmente, não. Quando houve a consulta pública, a posição que teve mais apoio do público – assinada por mais de 250 000 pessoas – foi a posição apresentada através da campanha Living Land, em que se exigia que a política agrícola passasse a centrar-se na sustentabilidade e nas práticas compatíveis com a natureza. E no fim, tudo indica que o que vai ser ressalvado são as chamadas ajudas diretas, que não dependem das práticas: são dadas à cabeça, por hectare. Ou seja, são medidas que não discriminam entre o que é «bom» e o que é «mau». O que deveria ser toda a linha de orientação da Europa daqui para o futuro, acaba por ser uma agricultura feita a curto prazo e
Os pequenos proprietários acabam por ficar desfavorecidos, e terminamos num sistema que está manipulado. para o lucro imediato. Os pequenos proprietários acabam por ficar desfavorecidos, e terminamos num sistema que está manipulado de uma forma que até subverte o que seriam as leis do mercado. Mesmo que o público dê preferência, como tem sido a tendência, para os produtos 30 | pardela n.º 57
biológicos, temos um sistema que não valoriza esses produtos, mas apenas a quantidade produzida e o tamanho da exploração.
E perante isto, o que é que o cidadão comum, ou um sócio da SPEA, pode fazer? JC: Pode valorizar sistematicamente os produtos da agricultura biológica, e os produtos que de alguma forma mostram que são feitos com respeito pela natureza. Há várias etiquetas e certificações, mas para já as melhores formas de produção serão a agricultura biológica, a produção integrada (que é um meio caminho para a biológica; não é tão restritiva em relação ao uso de agroquímicos, mas já é um passo no sentido certo), e os produtos das áreas protegidas.
bosquetes – pequenas manchas com árvores crescidas e também um pouco de mato. E os matos também são importantes, porque têm arbustos que produzem bagas que proporcionam alimento para as aves no outono. Esse campo ideal tem zonas herbáceas, porque isso também é muito importante para os mamíferos herbívoros e aves granívoras, e para as rapinas que se alimentam deles. Pode ter muros, porque os muros também são uma grande fonte de biodiversidade. Na verdade, estas estruturas artificiais criam o seu nicho ecológico: muitos albergam répteis, que entram na cadeia alimentar de muitas espécies, desde picanços até às aves de rapina. O campo “ideal” pode tomar muitas formas diferentes - o que não é bom é um ambiente demasiado homogéneo.
Num cenário ideal, quando vai passear para o campo, o que gostaria de encontrar? JC: Um campo heterogéneo, onde há espaços de clareira, com culturas agrícolas, mas onde as linhas de água são respeitadas, e mantêm a vegetação ribeirinha típica do ecossistema mediterrânico: uma galeria que tem freixos, choupos, e até amieiros (mais para o norte). Depois há os maciços arbóreos, que também são ótimos refúgios para aves e mamíferos. Muitas vezes são
Living Land A campanha Living Land, organizada pela Birdlife Europe & Central Asia, pelo European Environmental Bureau e pela WWF EU, pretende pressionar os decisores políticos para repensarem as políticas agrícolas europeias SAIBA MAIS EM
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História
Um estorninho que diga Mortimer
Ilustração
Quem visita os Estados Unidos da América não pode deixar de reparar na enorme quantidade de estorninhos-malhados que por lá existe. São provavelmente das aves mais comuns e podem ser vistos quase em todo o lado, desde terrenos agrícolas até parques e jardins em zonas urbanas. Parece que fazem parte da paisagem, mas a verdade é que não deveriam estar lá.
© Murder Bird www.spoonflower.com/ profiles/murderbird
H
á quem diga que, embora de forma indirecta, talvez tenha sido William Shakespeare o culpado pela chegada dos estorninhos-malhados Sturnus vulgaris à América. É justo, no entanto, dizer em sua defesa que, quando por volta de 1597 escreveu na peça Henrique IV «I’ll have a starling shall be taught to speak nothing but ‘Mortimer’» [Terei um estorninho que será ensinado a dizer apenas ‘Mortimer’], nunca poderia imaginar as desastrosas consequên-
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cias que essa inocente frase viria a ter cerca de 300 anos depois. Na manhã do dia 6 de Março de 1890, um farmacêutico nova-iorquino de nome Eugene Schieffelin, aventurou-se pelo gelado Central Park em Nova Iorque. Consigo transportava gaiolas com 60 estorninhos-malhados que, com grande custo, tinha conseguido importar da Europa. Schieffelin pertencia à American Acclimatization Society (Sociedade Americana de
Aclimatização), uma organização que tinha como objectivo introduzir no continente americano a fauna e a flora europeias. Além disso, era um apaixonado pela obra de Shakespeare e ambicionava trazer para a América do Norte as aves mencionadas nas suas peças. Schieffelin deteve-se no meio do parque como que a avaliar a situação. Depois, abriu as gaiolas e soltou os estorninhos ficando a vê-los enquan-
to se ambientavam à sua nova casa. Será que iriam sobreviver? Já anteriormente esta sociedade tinha tentado, sem grande sucesso, introduzir outras espécies de passeriformes europeias nos Estados Unidos. Os estorninhos permaneceram juntos, formando um bando coeso e, ironicamente, ao que consta, acabaram por procurar refúgio no edifício do Museu Americano de História Natural. Sobreviveram ao Inverno e, pelo sim pelo não, no ano seguinte mais 40 aves foram libertadas no mesmo local.
Figura 1 - Distribuição da população de estorninhos-malhados nos Estados Unidos FONTE: www.allaboutbirds.org/guide/European_Starling/overview
Os seus adorados estorninhos não só sobreviveram como se adaptaram rapidamente ao Novo Mundo Se hoje fosse vivo, é provável que Schieffelin estivesse contente com o resultado da sua iniciativa. Foi um êxito. Os seus adorados estorninhos não só sobreviveram como se adaptaram rapidamente ao Novo Mundo, expandindo-se a uma escala quase inimaginável. Na actualidade ocupam praticamente toda a América do Norte e a sua população está estimada em cerca de 200 milhões de indivíduos. Contudo, é também possível que estivesse preso por crimes ambientais. Os estorninhos-malhados vie-
Não nidificantes Todo o ano
ram a revelar-se uma praga e deram provas de ser quase indestrutíveis. Com efeito, resistiram estoicamente
a todas as tentativas levadas a cabo para os exterminar quando os norte-americanos perceberam que causavam danos económicos consideráveis e que constituíam uma ameaça para algumas espécies de aves nativas pelo facto de com elas competirem pelos locais de nidificação e pelos recursos alimentares. Seja como for e independentemente das intenções (nobres, românticas, ingénuas ou quaisquer outras), introduzir espécies em regiões onde nunca existiram raramente é boa ideia. É por isso que hoje em dia, tanto nos Estados Unidos como na Europa e noutros países pelo mundo, existem regulamentos e leis para tentar impedir que tal aconteça. Autor | Helder Costa
Estorninho-malhado
NOTA: Este autor não segue o acordo ortográfico
Hedera Baltica
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Garça-vermelha Derek Keats
Paul de Tornada
O refúgio secreto do Oeste Os dias curtos e cinzentos do inverno nem sempre convidam a saídas, mas no Paul de Tornada a estação traz a oportunidade de testemunhar diariamente um verdadeiro espetáculo natural: a chegada de bandos que dão novas cores ao céu e às árvores.
S
ituado num antigo arrozal, o Paul de Tornada, nas Caldas da Rainha, é um ponto fulcral na vida de inúmeras aves. Serve de posto de abastecimento e descanso para espécies como o pisco-de-peito-azul Luscinia svecica e o cartaxo-nortenho Saxicola rubetra, local de nidificação para a garça-vermelha Ardea purpurea e o galeirão Fulica atra, e ainda refúgio de inverno para o corvo-marinho Phalacrocorax carbo. E é um dos locais que os participantes do X Congresso de Orni-
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tologia da SPEA (Peniche, 2-5 março 2019), também poderão visitar.
Aves para todas as estações Qualquer que seja a altura do ano, há sempre algo interessante para ver neste espaço dinâmico onde as variações do clima têm efeitos facilmente visíveis. A zona central do Paul permanece alagada durante todo o ano, pelo que há sempre oportunidade de ver diferentes espécies de aves aquáticas,
desde o arrábio Anas acuta ao pato-colhereiro Spatula clypeata, passando pelo camão Porphyrio porphyrio. As zonas periféricas, por seu lado, são ecossistemas onde a mudança é uma constante. Inundadas durante épocas de maior pluviosidade, chegam a secar completamente em verões mais prolongados. Assim, dependendo da altura da visita, estas zonas tanto podem simplesmente aumentar as oportunidades de observar espécies aquáticas, como podem ter lamas expostas onde observar aves limícolas a alimentar-se.
Percurso pelo Paul À chegada, salta logo à vista o edifício amarelo do Centro Ecológico Educativo, onde para além dos típicos – e úteis – mapas e folhetos, existe uma biblioteca pronta a consultar. Mas o ex-libris do edifício é mesmo a sala do segundo andar, cuja janela panorâmica oferece uma vista deslumbrante sobre o Paul. Para quem não aguenta esperar mais pela primeira ave, há telescópios e binóculos à disposição para tirar partido deste posto de observação privilegiado. No inverno, é aqui a tribuna VIP para o espetáculo ao pôr do sol: um bando de estorninhos escurece o céu, e delicia com os seus movimentos característicos, num balé aéreo digno de documentário de natureza. Já com uma noção geral do espaço, e tendo “aberto o apetite” com os primeiros vislumbres de patos, garças ou até rapinas, é seguir um dos caminhos e entrar na Reserva propriamente dita. Os caminhos que partem do Centro vão ambos ter à beira do Paul, onde se encontram os observatórios – um de cada lado – e onde começa o percurso circular de 4 km.
Entre árvores, caniçais e espelho de água avista-se uma variedade de aves neste pequeno espaço Sara Moreira | Associação PATO
observatório o espelho de água desaparece de vista: estamos em pleno caniçal. Nesta parte do percurso, o ponto alto são os sons. Na primavera, ouve-se o característico canto do rouxinol-dos-caniços Acrocephalus scirpaceus, pontuado pelo “zit zit zit” da fuinha-dos-juncos Cisticola junci-
dis. Este último, por vezes comparado ao som de uma tesoura, é o sinal para aliar os olhos aos ouvidos, e procurar um pequeno passeriforme a voar aos ziguezagues: um macho num voo de exibição, tentando atrair uma fêmea que complete o ninho que ele começou a construir.
Qualquer que seja a altura do ano, há sempre algo interessante para ver neste espaço dinâmico. Do recato dos observatórios, pode acompanhar as efusivas incursões de camões e galeirões pela água, ver o mergulhão-pequeno Tachybaptus ruficollis submergir e ficar à espreita de onde voltará à tona, ou acompanhar os movimentos calculados de uma garça-real Ardea cinerea à caça de anfíbios. Se apontar os binóculos para o caniçal que cobre extensas áreas do Paul, poderá ter a sorte de observar um pisco-de-peito-azul – espécie rara em Portugal, que por vezes passa no Paul de Tornada a caminho de ou para os seus territórios de invernada em África. Seguindo caminho pelo lado direito do Paul, alguns metros depois do
Cágado-de-carapaça-estriada Sara Moreira | Associação PATO
Galeirão
Garça-cinzenta
Sara Moreira | Associação PATO
Sara Moreira | Associação PATO
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Paul de Tornada A Reserva Natural Local do Paul de Tornada é gerida pela Câmara Municipal de Caldas da Rainha, pelo ICNF, pela GEOTA e pela Associação PATO. O Centro Ecológico Educativo do Paul de Tornada é gerido pela Associação PATO e pela GEOTA. AVES A PROCURAR
Garças-vermelhas DESAFIO
Avistar um garçote OUTRAS ESPÉCIES
Orquídeas selvagens, cágado-de-carapaça-estriada, cágado-mediterrânico, lontra, gineta, saca-rabos O QUE LEVAR
Galochas (se tiver chovido muito), binóculos INSTALAÇÕES
Parque infantil, zona de piqueniques, centro interpretativo QUANDO VISITAR
No inverno pelos bandos de estorninhos, corvos-marinhos e garças; no verão pelo desafio de encontrar aves escondidas; na primavera e outono pelo conforto climatérico OUTROS PONTOS DE INTERESSE NA REGIÃO
Lagoa de Óbidos PREÇO
Grátis HORÁRIO
O espaço pode ser visitado a qualquer dia e hora, mas o Centro Ecológico Educativo do Paul de Tornada e os observatórios apenas estão abertos de 2.ª a 6.ªfeira, das 9h30 às 17h30 e em fins de semana em que haja atividades programadas SAIBA MAIS EM
www.associacao-pato.org Especial agradecimento à Rita Ramos e à Sara Moreira, da Associação PATO, por nos terem dado a conhecer o Paul.
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Pisco-de-peito-azul José Luís Barros
Continuando pelo caminho, ao aproximarmo-nos novamente da zona de água mais profunda, encontramos as árvores plantadas nas envolventes. Com sorte, avista-se o casal de milhafre-preto Milvus migrans ou o de águia-calçada Hieraaetus pennatus que aqui faz o ninho. Por entre os ramos voam, trepam, saltitam e cantam diversas espécies de passeriformes, como o pisco-de-peito-ruivo Erithacus rubecula, a carriça Troglodytes troglodytes, a trepadeira Certhia brachydactyla, e os chapins: azul Parus caeruleus, real Parus major, de poupa Parus cristatus e rabilongo Aegithalos caudatus. Nesta e noutras zonas arborizadas em redor há também hipótese de observar a poupa Upupa epops, o pica-pau-galego Dryobates minor, o cuco Cuculus canorus (que frequentemente põe ovos nos ninhos de rouxinol-dos-caniços), a rola-brava Streptopelia turtur, a águia-d’asa-redonda Buteo buteo, o milhafre-preto, ou a águia-calçada. Por entre as árvores, voltam as vistas privilegiadas sobre as zonas mais profundas do Paul, onde, no verão, é frequente avistar juvenis de garças-vermelhas e de garças-reais a dar os primeiros voos. No outono e no inverno, o espelho de água principal oferece ainda inúmeras oportunidades de observar – e ouvir – galeirão, mergulhão-pequeno ou camão.
Dois dos salgueiros na zona sul do Paul, por onde passamos ao continuar o percurso, proporcionam, no fim das tardes de inverno, um momento impressionante: dezenas de garças e corvos-marinhos aglomeram-se nestas duas árvores para passar a noite, de tal forma que as árvores parecem subitamente ganhar copas pretas e brancas. Além dos números impressionantes (chegam a ser mais de 100 aves empoleiradas em dois salgueiros), este momento é também o culminar de uma migração diária que demonstra a ligação entre diferentes sistemas de água: muitos destes corvos e garças chegam ao fim da tarde, vindos da Lagoa de Óbidos, que também poderá ser visitada no congresso, um sistema de água salobra a apenas 8 km de distância. Pelo caminho, cruzam-se com conspecíficos que fazem o trajeto contrário, voltando para pousos na Lagoa depois de passarem o dia no Paul. Quanto aos visitantes humanos, findo o percurso (tendo passado pelo segundo observatório para uma última mirada), sobe-se de volta ao Centro e à saída, com sorte com uma nota de despedida: os gritos estridentes da águia-sapeira Circus aeruginosus a sobrevoar as águas.
Autora | Sonia Neves SPEA
Pássaro-Tempo 1
Sabias que muitas aves têm um papel importante nos ecossistemas, ajudando a manter o equilíbrio e a controlar parasitas? E que outras ajudam na dispersão das plantas e a manter os habitats livres de cadáveres? Descobre as aves através das pistas que te damos. Lembra-te que o “voluntário” é uma pessoa que ajuda muito. Por Mónica Costa, Pedro Alvito e Sílvia Nunes (texto) e Frederico Arruda (ilustração)
Põe à prova os teus conhecimentos e tenta adivinhar o maior número de aves que conseguires. Aquelas que achares mais difíceis pede ajuda aos teus pais, para juntos descobrirem. Diverte-te!
V o l u n t á r i o
1 É um insetívoro, ajuda a controlar mosquitos, moscas e lagartas e tem uma cauda com uma cor ruiva.
5 É uma ave grande e de tom rosado, que fica mais forte por causa dos crustáceos de que se alimenta.
2 É da família das garças e na época de reprodução faz um som muito parecido a um touro.
6 Foi a ave do ano 2017 e é toda preta, também conhecida por corvo-marinho-de-crista.
3 Gosta de comer abelhas, que apanha enquanto voa e o seu canto parece o apito de um árbitro.
7 Ganhou o seu nome, porque quando se alimenta parece que come ‘com a mão’.
4 É uma ave necrófaga que se alimenta de cadáveres, impedindo que algumas doenças se espalhem.
8 Não é da realeza, mas é um excelente predador, e uma das maiores da ‘família’ das águias.
9 Este amigo é muito simpático para bois e vacas, pois faz uma desparasitação gratuita, comendo as suas pulgas e carraças. 10 Esta ave, com penas azuis nas asas, esconde bolotas, mas depois esquece-se de algumas e nascem árvores nesses sítios.
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SOLUÇÕES: 1. Rabirruivo 2. Abetouroa; 3. Abelharuco; 4. Abutre; 5. Flamingo; 6. Galheta; 7. Camão 8. Águia-real; 9. Carraceiro; 10. Gaio.
Pássaro-Tempo 2
Nas Arribas do Douro vivem muitas aves, algumas das quais se encontram ameaçadas. Conhecer bem estas espécies, os seus comportamentos e habitats, é a melhor maneira de ajudares o Rupis. Podes usar os teus conhecimentos ou dar largas à tua criatividade, para pintares os desenhos e dares vida aos “amigos” do Rupis. Por Mónica Costa e Vanessa Oliveira (texto) e Frederico Arruda (ilustração)
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