Pardela Nº 58

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As aves em revista

REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA PARA O ESTUDO DAS AVES NÚMERO 58 | PRIMAVERA/VERÃO 2019 | SEMESTRAL

Ave do Ano 2019

DIRETORA:

Joana Domingues | FOTO DE CAPA: © José Luis Barros

PISCO-DE-PEITO-RUIVO P.10

12 dicas para ajudar as aves PEQUENAS AÇÕES QUE PODEM TER UM GRANDE IMPACTO P.22

Butão VOANDO POR UM PAÍS ENCANTADO P.12



ÍNDICE

12 dicas para ajudar as aves

22

04 Editorial Mensagem da Direção Nacional

08 Descobertas Novidades do mundo da ciência

10 Ave do Ano Pisco-de-peito-ruivo

12 Criminologia ambiental

© Chris Gomersall (rspb-images.com)

05 Breves

Criminologia ambiental

Difícil por natureza

15 O reino do Butão

Difícil por natureza

12

Voando por um país encantado

17 10 anos de SPEA no Corvo Investir no futuro

22 12 dicas para ajudar as aves Pequenas ações que podem ter um grande impacto

27 Tecnologia

© Emília Santos

O que faz uma bióloga num barco de pesca

© Guy Shorrock (rspb-images.com)

19 MedAves Pesca

Bióloga a bordo

“Querido diário, hoje apanhei uma lula”

19

30 Proprietários amigos do britango A rede que incentiva a práticas amigas da natureza

32 História(s) com aves 35 Identificação de Aves Alvéolas: quem é quem?

36 A SPEA responde 37 Juvenis

© David Welch (CC BY-NC-ND 2.0)

Observando aves contra o tempo

O reino do Butão Voando por um país encantado

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EDITORIAL FICHA TÉCNICA

PARDELA N.º 58 | PRIMAVERA/VERÃO 2019

Mensagem da nova Direção Nacional

DIRETORA: Joana Domingues | joana.domingues@spea.pt COMISSÃO EDITORIAL: Clara Casanova Ferreira, Joana Domingues, Manuel Trindade, Mónica Costa, Sónia Neves, Vanessa Oliveira PARTICIPAÇÃO REGULAR: Helder Costa

No passado dia 2 de março, em Assembleia Geral Ordinária, efetuada durante a realização do X Congresso da SPEA, foram eleitos os novos órgãos associativos e a Direção Nacional para o triénio de 2019-2022. O programa que a nova direção se compromete levar a cabo tem como primeiro objetivo criar estratégias de relacionamento dos sócios com os projetos e desígnios da SPEA. É, portanto, essencial que os sócios entendam o papel fundamental que é exigido a qualquer ONGA, neste caso a SPEA, para manter o foco nas várias frentes de atuação, para salvar e proteger as espécies de avifauna que estejam ameaçadas ou que, embora sem esse estatuto prioritário, possam estar na eminência dos seus números começarem a diminuir. Usufruir de alguns passeios memoráveis, em alguns pequenos recantos ou zonas mais extensas, onde se observa, se ouve e se identifica esses seres tão ativos no nosso mundo, as aves que nos despertam para tudo o mais que as rodeia, não é, infelizmente, qualquer coisa que se possa tomar como certo para o dia de amanhã, sem uma vigilância permanente e iniciativas de combate que, às vezes, são bastante desgastantes principalmente se os objetivos nem sempre são otimizados. No seio da SPEA existe, portanto, um núcleo de técnicos que se dedica profissionalmente a esse ramo da salvaguarda desse nosso património. Uns trabalham diretamente na sede, em Lisboa, outros exercem o seu trabalho nos Açores, na Madeira, na República de São Tomé e Príncipe e ainda em Cabo Verde. O passado Congresso foi precisamente um momento em que se deu a conhecer muito do valor real e do bom trabalho, em ornitologia, que se faz em Portugal e mais além, merecedor de um olhar atento da sociedade. Para que esse encontro de interesses, benéfico para todos, se concretize, entre aqueles que pugnam pelo avanço do conhecimento da ciência e os que desfrutam momentos de contemplação ou de observação no meio da natureza, é preciso que os primeiros “vistam a camisola”, releguem a imagem de técnicos, se tornem acessíveis e façam a ponte com os segundos que deveriam ser cada vez mais exigentes com os seus processos de cidadania, através da sua participação ativa, ajudando a fazer escolhas e aperfeiçoando o trabalho, para que o núcleo associativo no seu todo possa manter a tocha acesa para o futuro. Direção Nacional da SPEA

The election of the new board members for the three-year period 2019-2022 took place during the X Congress of SPEA, on 2nd of March, at the General Assembly of members. The newly-elected Board of Directors has prioritized a closer relationship of the members with the fundamental conservation work which is SPEA’s objective. Therefore, all members should be aware of SPEA’s role and its constant focus on saving and protecting threatened and vulnerable species of birdlife, act when their intervention is needed and maintain constant activity. How wonderful it is today, to enjoy a memorable walk, in the midst of nature, in a corner of the woods or in the larger space of a marshland, to observe, listen and identify the active denizens of birdland. However, this is something that can’t be taken for granted in the future, unless a group of people fights for its continuation and survival, removing all possible obstacles, and dealing with the unforeseen. SPEA harbors a group of professionals who hold the key to safeguarding this heritage. Some are found working directly in Lisbon and branching out to other areas of the continent, others are in Azores and Madeira, in the Republic of São Tomé and Príncipe or in Cape Verde. Much of the talks presented at the aforementioned Congress focused on important nuances of ornithological studies and showcased the topic’s extraordinary development in Portugal. This deserves greater attention from society in general. Several things need to happen to promote this desirable meeting of interests. Those who strive for the advancement of scientific knowledge need to be accessible and form a bridge of knowledge for others. Those who immerse themselves in nature for contemplation or observation should be demanding citizens, through active participation, by helping to make choices and smoothing the rough edges, which is the only way for all to keep the torch burning for the coming years. Board of Directors

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PARTICIPAÇÃO ESPECIAL (JUVENIS): Teresa Oliveira (Professora em Mobilidade Estatutária) FOTOGRAFIA DE CAPA: Pisco-de-peito-ruivo © José Luis Barros FOTOGRAFIAS: Boieiro M, Bramblejungle, Brett and Sue Coulstock, Caleb See, CBS Photo Archive/Getty, Dan Mooney, David Welch, Elisabete Silva, Emília Santos, Fotojonic, Gideon Bunder, Henk Hin, Hugo Marques, Imran Shah, Isabel Fagundes, José Luis Barros, Luis Ferreira, Monique Laats, Nathan Rupert, North Bengal University Prateik Kulkarni, Rawpexels.com, RIAS, Robert Glod, Rohit Naniwadekar, Rory Wilson, RSPB (rspb-images.com - Aidan McCormick, Andy Hay, Ben Andrew, Chris Gomersall, Guy Shorrock, Nigel Blake, Ray Kennedy, Tom Simone), Skip Russell, SPEA, Stefan Berndtsson TEXTOS: Direção Nacional, Helder Costa, Jessica Law (BirdLife), Joana Domingues, João Gaspar, Mónica Costa, Rui Machado, Sonia Neves, Teresa Oliveira, Vanessa Oliveira ILUSTRAÇÕES: Frederico Arruda, Juan Varela, Mike Langman PAGINAÇÃO E GRAFISMO: Frederico Arruda IMPRESSÃO: Printipo – Global Printing Alto da Bela Vista, Est. Paço de Arcos, n.º 77, Pav. 20 2735-308 Cacém TIRAGEM: 1200 exemplares e digital PERIODICIDADE: Semestral ISSN: 0873-1124 DEPÓSITO LEGAL: 189 332/02 REGISTO DE PUBLICAÇÃO PERIÓDICA: n.º 127 000 ESTATUTO EDITORIAL: Disponível em www.spea.pt/pt/publicacoes/pardela Os artigos assinados exprimem a opinião dos seus autores e não necessariamente a da SPEA. A fotografia de aves, nomeadamente em locais de reprodução, comporta algum risco de perturbação das mesmas, tendo os autores das fotos utilizadas nesta publicação tomado as precauções necessárias para a minimizar. A SPEA agradece a todos os que gentilmente colaboraram com textos, fotografias e ilustrações. PROPRIEDADE / EDITOR / REDAÇÃO: Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). Pessoa coletiva n.º 503091707. Instituição de Utilidade Pública. CONTACTOS: Av. Columbano Bordalo Pinheiro, 87, 3.º Andar, 1070-062 Lisboa Tel. +351 213 220 430 | Fax. +351 213 220 439 spea@spea.pt | www.spea.pt DIREÇÃO NACIONAL Presidente: Graça Lima Vice-presidente: Paulo Travassos Tesoureiro: Peter Penning Vogais: Alexandre Leitão e Martim Melo A SPEA é uma organização não governamental de ambiente, sem fins lucrativos, que tem como missão o estudo e a conservação das aves e dos seus habitats em Portugal, promovendo um desenvolvimento que garanta a viabilidade do património natural para usufruto das gerações vindouras. Faz parte da BirdLife International, organização internacional que atua em mais de 100 países. É instituição de utilidade pública e depende do apoio dos sócios e de diversas entidades para concretizar a sua missão. Esta edição contou com o apoio publicitário de: Living Place, Opticron e REN


BREVES

A Berlenga tem um novo habitante

AGENDA EM DESTAQUE VISITAS DE ESTUDO ORNITOLÓGICAS SPEA 2019 São Miguel, Açores 09 a 14 junho

Peneda-Gerês e Barroso 06 a 10 julho

Estreito de Gibraltar e La Janda 12 a 15 setembro

Pela primeira vez desde que há registos, nasceu um roque-de-castro Oceanodroma castro na ilha da Berlenga. O nascimento desta ave marinha ameaçada é a prova do sucesso dos trabalhos de conservação desenvolvidos na ilha durante os últimos 4 anos. Esta ave, uma das mais pequenas aves marinhas portuguesas, tem-se refugiado em pequenos ilhéus e ilhas onde está a salvo de ratos, ratazanas e outros predadores trazidos

pelos humanos. Após alguns anos de um trabalho intenso na luta contra as espécies introduzidas no decorrer do projeto Life Berlengas, a ilha da Berlenga é finalmente um porto seguro para as aves marinhas. Para atrair roques-de-castro até à ilha para nidificarem foram utilizadas gravações de chamamentos da espécie e construídos ninhos artificiais.

Reino do Butão 29 novembro a 08 dezembro SAIBA MAIS EM

www.birdwatching.spea.pt/pt/ visitas-spea

EVENTOS E ATIVIDADES 2019 ObservArribas - 3ª edição Miranda do Douro | 31 maio a 02 junho

SAIBA MAIS EM

www.berlengas.eu

Introdução às libélulas e libelinhas Lisboa | 29 junho

Petição para proibir fabrico, posse e venda de armadilhas para aves

Festival de Observação de Aves & Atividades de Natureza Sagres | 10 a 13 outubro Visitas guiadas no Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena Sesimbra | Último sábado do mês

Quarenta mil aves selvagens mortas num ano em Portugal. 10 000 capturadas para colocar em gaiolas. É esta a estimativa de um estudo da SPEA, realizado em 2014. Estes crimes passam geralmente impunes por serem difíceis de detetar e investigar, em parte porque embora seja ilegal capturar ou caçar estas aves, os meios usados para estas capturas não são proibidos. É urgente colmatar esta grave lacuna legal. A SPEA está a recolher assinaturas para apresentar uma petição à Assembleia da República. Assine e partilhe.

CENSOS DE AVES 2019 III Atlas das Aves Nidificantes Todo o país | 15 março a 15 julho Censo de Aves Comuns Todo o país | 01 abril a 31 maio Noctua (monitorização de aves noturnas) Portugal continental | Até 15 junho

ASSINE EM

bit.ly/armadilhasNAO

© Henk Hin

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BREVES

3ª EDIÇÃO

Uso de diclofenac veterinário ainda com futuro incerto

F ESTIVAL IBÉR ICO DE N ATU R EZA DA S A R R I BA S DO DOU R O

31 MAIO a 02 JUNHO‘19 OBSERVAÇÃO DE AVES | PASS EI O S P EL A REG I ÃO FEIRA E EXPOSIÇÕES | AT IVIDA DES PARA CRI AN ÇAS PALESTRAS | CINEMA AMBI EN TAL | M Ú SI CA CULT URA E GASTRONO M I A L O CAI S

INFO R MAÇÕ ES E INSCRIÇÕE S E M

www.observarribas.com

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Após algumas reuniões entre a SPEA e alguns partidos políticos sobre o impacto do diclofenac veterinário, o assunto foi levado a discussão em Assembleia da República no início do ano. Infelizmente, Portugal perdeu uma oportunidade de dar o exemplo em matéria de conservação da natureza e salvaguarda da saúde pública. A Assembleia da República decidiu não proibir o diclofenac, um medicamento veterinário fatal para abu-

tres e águias. Com esta decisão, que contraria uma resolução da própria Assembleia em abril de 2018, mantém-se viva uma séria ameaça a várias espécies protegidas e à saúde pública no país. Continua, assim, nas mãos da Direção Geral de Alimentação e Veterinária a decisão de aceitar o pedido de comercialização. A SPEA não baixará os braços e continuará a lutar por uma decisão favorável ao ambiente e a todos nós.

Eurodeputados e mar: uma no cravo, outra na ferradura

A ONU diz que até 2050 haverá mais plástico no mar do que peixes. Relatórios recentes soam alerta atrás de alerta quanto à urgência de combater as alterações climáticas e travar a extinção de espécies. Mas os eurodeputados nem sempre parecem estar a ouvir. Juntamente com a BirdLife, a SPEA promoveu uma petição europeia para exigir ao Parlamento Europeu e aos Ministros das Pescas que invistam na conservação dos oceanos. Mais de 60 mil pessoas 6 | pardela n.º 58

assinaram, e o Parlamento Europeu decidiu investir 25% do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas em conservação. Infelizmente (e incompreensivelmente), ao mesmo tempo os eurodeputados também aprovaram reintroduzir subsídios prejudiciais que foram postos de parte há 15 anos por porem em perigo a biodiversidade. SAIBA MAIS EM

http://bit.ly/oceanosUE2019


BREVES

X Congresso de Ornitologia

Nova Direção Nacional assume funções Desde o passado mês de março que assumiram funções os novos Órgãos Sociais da SPEA. Eleita na Assembleia Geral de março, a Lista A, denominada de “As Aves da nossa vida” avança com um mandato até 2022. A composição da lista vencedora pode ser consultada em:

www.spea.pt/pt/quem-somos/equipa Começou com movimentos de freiras-do-bugio e britangos. Terminou com reflexões sobre a sustentabilidade das ações de conservação e o impulso que podem dar ao turismo local. Pelo meio, falou-se da genética por trás das cores dos canários, e do impacto da intensificação agrícola nas aves estepárias. Celebrou-se o sucesso de remover espécies invasoras, de construir paredes de nidificação, e de reintroduzir abutres criados em cativeiro. Por entre apresentações, pósteres e workshops, não faltaram oportunidades para trocar ideias e partilhar experiências. E depois de 3 dias

intensos entre quatro paredes, os participantes puderam sair para o terreno e conhecer dois locais privilegiados para observação de aves: Lagoa de Óbidos e Paul de Tornada. Foi assim o X Congresso de Ornitologia da SPEA, que de 2 a 5 de março levou cerca de 180 ornitólogos, cientistas e estudantes a Peniche. Para saber tudo sobre a ciência partilhada no Congresso, consulte o livro de resumos já disponível online, e fique atento à edição especial da revista Airo. SAIBA MAIS EM

http://congresso.spea.pt/fotos/ editor2/livroderesumosuv.pdf

Anuário Ornitológico nº 10 publicado Foi publicado o Anuário Ornitológico nº 10, contendo o 13º Relatório do Comité de Raridades relativo aos registos de 2012. Destacam-se os primeiros registos para Portugal de pisco-de-flanco-ruivo Tarsiger cyanurus (no Continente) e de mergulhão-de-faces-brancas Podiceps grisegena (nos Açores). SAIBA MAIS EM

www.spea.pt/pt/publicacoes/ anuario-ornitologico/

Novo projeto para combater os crimes contra o ambiente

Envenenamentos e armadilhas são dois dos métodos mais usados para atingir os animais selvagens em Portugal. Os criminosos que os cometem ficam muitas vezes impunes e a sociedade sente que nada acontece. O Life Nature Guardians é o nosso mais recente projeto, que pretende combater os crimes contra o ambiente. Com este projeto, a SPEA vai trabalhar de perto com os intervenientes nos processos de combate ao crime contra o ambiente, desde as equipas de prevenção e investigação no terreno até aos magistrados a quem compete deliberar sobre estes casos em tribunal. O Life Nature Guardians é coordenado pelo parceiro espanhol SEO BirdLife. n.º 58 pardela | 7


DESCOBERTAS

CIÊNCIA

© Aidan McCormick | rspb-images.com

© Boieiro M et al

Pesca ilegal ameaça torda-mergulheira

um estudo publicado na revista Animal Conservation, as pessoas estão dispostas a contribuir mais para a conservação de aves se tiverem mais conhecimentos prévios sobre conservação da biodiversidade, e se a ave cabeça de cartaz lhes for familiar (por exemplo uma ave do seu país). O estudo, baseado em inquéritos online a residentes na Finlândia, mostra que os mamíferos continuam a atrair mais donativos do que as aves - e que aí, sim, os mais esteticamente apelativos têm vantagem.

A pesca ilegal pode estar a contribuir diretamente para o declínio da torda-mergulheira Alca torda em Portugal. Rita Costa, da Universidade de Aveiro, e colaboradores fizeram um levantamento de tordas mortas na costa centro, entre Aveiro e a Praia de Santa Rita, de 2012 a 2014, e em 2016. Mais de 80% das tordas que encontraram arrojadas na costa tinham morrido afogadas, presas em redes de emalhar.

Lundberg P et al. 2019. Animal Conservation. DOI: 10.1111/acv.12477

Costa R A et al. 2019 Eur J Wildl Res 65: 3. DOI: 10.1007/s10344-018-1234-6

Pequenas mas ferozes A beleza não é tudo O que faz uma boa “cabeça de cartaz” para uma campanha de angariação de fundos para conservação da natureza? Se for uma ave, não tem que ser bonita. Segundo

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Um artigo na revista Airo relata o ataque de formigas invasoras a uma cria de pintainho no ilhéu de Cima, na Madeira. O artigo, que teve a colaboração de Isabel Fagundes e Cátia Gouveia da SPEA, prova que

© Ben Andrew | rspb-images.com

a formiga-argentina pode ser um predador de crias de aves marinhas - mais uma espécie invasora que pode ameaçar estas aves, sobretudo em ilhas. Boieiro M et al. 2018 Airo 25: 44-50.

Amigos ou inimigos? Os ratos e ratazanas tanto podem ser um inimigo como um aliado nas operações de restauro da floresta da Laurissilva. Para saber ao certo qual a situação nos Açores, são precisos mais estudos para averiguar se, em S. Miguel, os roedores se alimentam mais de plantas nativas ou invasoras. É esta a principal conclusão de um estudo feito por Susana Sanches durante o seu trabalho de mestrado no Life Priolo/Life+ Terras do Priolo. Ceia R et al. 2018. Mammal Study. 42 (3): 141-151. DOI: 10.3106/041.042.0304


DESCOBERTAS

CIÊNCIA

E ainda... Fotografias podem ajudar a estudar os hábitos alimentares das aves Lourenço PM 2019 Airo 25: 3-26

Só o canto de um bom “professor” ativa as ligações certas no cérebro de um mandarim juvenil Tanaka M et al. 2018 Nature 563: 117–120. DOI: 10.1038/s41586-018-0636-7

© RSPB | rspb-images.com

© Fotojonic

Lixo marinho

tistas espanhóis que compararam os movimentos das águias em dias úteis e em dias “de folga”. Num artigo publicado na revista Biological Conservation, aconselham que as medidas de mitigação destes efeitos tenham por base dados reais da movimentação das aves (obtidos por transmissores GPS) em lugar de serem definidas arbitrariamente zonas de proteção.

A zona este do Mediterrâneo tem mais lixo flutuante do que as zonas central e oeste, possivelmente devido às correntes e ventos predominantes. Um estudo realizado por Emanuel Constantino, antigo observador de pescas do Life Berlengas, encontrou em média 232 items por km², 90% dos quais eram pequenas partículas de plástico. Constantino E et al. 2019. Marine Pollution Bulletin. 138: 260-265. DOI: 10.1016/j. marpolbul.2018.11.008

O stress das férias Para as aves selvagens, as férias são tempo de stress. Aos fins de semana e períodos de férias, quando a perturbação humana é maior, as águias-perdigueiras Aquila fasciata andam por territórios maiores. Esta expansão implica que as aves gastem mais energia, e pode pô-las em risco de serem caçadas ou eventualmente até de abandonarem o território, avisam os cien-

Perona A M et al. 2019. Biological Conservation 231: 59-66. DOI: 10.1016/j. biocon.2019.01.010

Berlenga & Corvo: ilhas prioritárias Um estudo que contou com a colaboração de Nuno Oliveira e Pedro Geraldes da SPEA mostra que quase 10% das extinções em ilhas podem ser prevenidas se os mamíferos invasores forem removidos de 169 ilhas, entre as quais estão a Berlenga e o Corvo. Holmes ND et al. 2019. PLoS One 14 (3): e0212128. DOI: 10.1371/journal. pone.0212128

Mais de 2 milhões de crias de aves marinhas são mortas todos os anos por ratos numa ilha Património Mundial da Unesco, no Atlântico Sul Caravaggi A et al. 2018 Ibis DOI: 10.1111/ ibi.12664

Turistas e cientistas podem estar a passar doenças às aves da Antártida Cerdà-Cuéllar M et al. 2019. Science of the Total Environment 654: 190-196. DOI: 10.1016/j.scitotenv.2018.10.272

Melros em cidades europeias vivem mais tempo mas reproduzem-se menos, devido à poluição por chumbo Fritsch C et al. 2019. Scientific Reports 9: 486. DOI:10.1038/s41598-018-36463-4

Nova técnica permite saber o que uma ave de rapina comeu com base em vestígios de ADN no seu bico e patas. Bourbour RP et al. 2019. Ecology and Evolution DOI: 10.1002/ece3.4866

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AVE DO ANO

Pisco-de-peito-ruivo

2019

Este ano, pela primeira vez a Ave do Ano foi escolhida pelos nossos seguidores de Facebook, que mostraram que o pisco-de-peito-ruivo tem um lugar especial no coração de muita gente. Infelizmente, ainda nem todos se renderam a esta ave carismática, que continua a ser morta aos milhares para servir de petisco.

Pisco-de-peito-ruivo José Luis Barros

10 n.º |58pardela pardelan.º| 58 10


Como incentivar o pisco-de-peito-ruivo a visitá-lo Esconda uma caixa-ninho numa trepadeira ou outra vegetação cerrada. Ponha no alimentador: larvas-da-farinha, pedacinhos de carne, gordura, queijo, migalhas de bolo ou bolacha, frutos secos ou pequenos pedaços de amendoim.

Pisco-de-peito-ruivo Nigel Blake | rspb-images.com

O

peito vermelho-alaranjado que dá o nome ao pisco-de-peito-ruivo torna-o fácil de avistar. Não só para as pessoas, mas também para outros piscos-de-peito-ruivo. Quando vê um peito avermelhado, esta ave salta em defesa do seu território. Estes confrontos não se restringem apenas aos machos: também as fêmeas têm a plumagem ruiva e defendem os seus territórios, que ambos os sexos proclamam também através do canto. Ao contrário de outras aves, os piscos-de-peito-ruivo fazem-no durante todo o ano. No outono e inverno, é cada um por si: machos e fêmeas defendem territórios separados. No fim do inverno, formam um casal que durará apenas aquela época de reprodução, mas que durante esse tempo vai fazer muito. Dentro do território alargado que defendem juntos, a fêmea procura um local junto ao solo onde fazer o ninho: uma cavidade entre as raízes de uma árvore, ou um poiso por entre os ramos mais baixos de um arbusto, por exemplo. O principal requisito parece ser que a entrada para o ninho esteja escondida. Os piscos-de-peito-ruivo são, aliás, muito sensíveis à perturbação nesta fase de construção do ninho e postura dos ovos. Mas se o seu

segredo se mantiver a salvo, a fêmea põe um ovo por dia, durante quatro a seis dias. Durante este tempo, o macho alimenta-a frequentemente, chegando a fornecer um terço da comida que ela ingere.

No nosso país, esta ave é frequentemente morta em armadilhas ilegais, para ser comida ou vendida como petisco.

foi abandonada. Continua a ter quem cuide dela durante três semanas, até estar pronta a fazer-se à vida sozinha. Em muitos casos, a mãe deixa esta tarefa ao pai, e vai preparar a próxima postura. Os piscos-de-peito-ruivo chegam a ter três ou quatro ninhadas por ano, pelo que se veem crias desta espécie até ao fim de julho. Por essa altura, já as primeiras crias do ano estão a “vestir” o emblemático babete ruivo, que adquirem na primeira muda de penas. Estão prontas para defender os seus próprios territórios, e para encher os olhos a quem observa estas aves carismáticas.

Pisco-de-peito-ruivo Mike Langman rspb-images.com

As crias nascem indefesas, de olhos fechados e sem penas. Como as penas de voo são as últimas a desenvolver-se, quando as crias abandonam o ninho ainda não voam. Se vir uma destas crias, não se preocupe: não

Num mundo ideal, a história acabaria aqui, com o ciclo a recomeçar. Mas em Portugal, o desfecho é muitas vezes outro. No nosso país, esta ave é frequentemente morta em armadilhas ilegais, para ser comida ou vendida como petisco. A SPEA está a trabalhar com entidades nacionais e com a Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO BirdLife), para melhorar a eficácia do combate a estes crimes em projetos como o recém-anunciado Life Nature Guardians. Autora | Sonia Neves SPEA

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CRIMINOLOGIA AMBIENTAL

Difícil por natureza

Chapim-azul Gideon Bunder | CC BY-NC 2.0

Num contexto em que a natureza dos delitos e a natureza do sistema penal tornam difícil combater o crime, o papel das ONG e dos cidadãos ganha importância redobrada, dizem os especialistas.

M

ilhares de aves selvagens são capturadas todos os anos em Portugal. Apesar de esta prática ser ilegal, estes crimes passam frequentemente impunes, em parte porque possuir armadilhas não é crime. A SPEA está a bater-se para que a lei seja alterada, passando a proibir a posse, venda e fabrico das armadilhas e outros meios de captura de aves, porque essa alteração tornaria mais fácil trazer os perpetradores à justiça. Se os meios de captura forem proibidos, as denúncias de cidadãos que encontrem costelos, esparrelas ou redes tornar-se-ão numa

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componente importante do combate a estes crimes. Este peso da ação de cidadãos preocupados é visto por vezes como um sintoma de falta de vontade política ou das autoridades, mas segundo especialistas em criminologia a realidade é mais complexa, e prende-se com a própria natureza deste tipo de delito – e do sistema penal. “Neste momento, os crimes contra o ambiente são crimes de prevenção prioritária,” frisa Rita Faria, Professora de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. “Os

crimes contra o ambiente estão, neste ponto, ao mesmo nível que os crimes de terrorismo em Portugal.” Doutorada em Criminologia, Rita Faria faz questão de salientar que a legislação portuguesa, que transpõe em muitos casos diretivas europeias, é bastante completa no que toca aos danos contra o ambiente. O problema, refere, é que a preocupação com o ambiente, e a sua inclusão na lei, são relativamente recentes. Na prática, o sistema de justiça criminal – não só em Portugal como na maioria dos países – foi criado para outro tipo de delitos. “O sistema de jus-


tiça criminal depende muito do papel da vítima, de alguém que se sente lesado e vai denunciar. Neste tipo de crimes, contra o ambiente, as coisas não tomam a mesma figura que nos crimes convencionais,” diz Rita Faria.

Os crimes contra o ambiente estão, neste ponto, ao mesmo nível que os crimes de terrorismo em Portugal. Em crimes contra o ambiente, bem como noutros crimes como o branqueamento de capitais, as consequências podem ser tremendas, mas muitas vezes não têm uma vítima identificável. É aqui que a sociedade civil, e em particular as ONG como a SPEA podem ter um papel importante, dizem os criminólogos. Trabalhando com os cidadãos, as ONG podem criar sistemas que permitam detetar e denunciar delitos contra o ambiente, tomando esse papel de representação das vítimas. Rita Faria dá o exemplo de uma aplicação de telemóvel que permite, com um par de cliques, denunciar a venda de espécies ameaçadas em mercados asiáticos. Este tipo de iniciativa responde a uma outra complicação posta pelos danos contra o ambiente: embora haja situações excecionais como grandes derrames de petróleo, a maior parte dos casos de danos contra o ambiente são incidentes dispersos, em que o dano é causado pela repetição de pequenas ações ao longo de amplos períodos de tempo. Detetar cada uma dessas ações requer recursos e uma presença no terreno que as autoridades dificilmente conseguem ter. Iniciativas como esta app são uma forma de ter mais olhos no terreno. Ainda assim, Rita Faria ressalva que iniciativas como esta são muito recentes, pelo que ainda não há dados sobre a sua eficácia. Detetar e denunciar casos de danos contra o ambiente é imprescindível, mas não chega. É preciso que os casos sejam investigados, e que os culpados sejam punidos. O que nem sempre é fácil.

Pisco-de-peito-ruivo apanhado numa esparrela Luis Ferreira

Raposa em armadilha RIAS

Recursos limitantes Veja-se o caso do uso ilegal de veneno. Geralmente a suspeita surge por se encontrar um animal morto. Para investigar um caso destes, será preciso fazer uma necrópsia (o equivalente a uma autópsia, mas num animal), recolher material para análises em laboratório, e procurar pistas no terreno. Cada um destes passos requer equipas especializadas, e muitos requerem transferência de materiais e informação de forma segura e fidedigna. No projeto Life Rupis, que a SPEA coordena, desenvolveram-se protocolos e guias de procedimentos para a recolha e análise de cadáveres de aves – geralmente abutres e outras aves de rapina – suspeitas de envenenamento.

Para melhorar os recursos no terreno, o projeto conseguiu financiar e criar brigadas de deteção de venenos, com cães treinados especificamente para o efeito. “Um ponto muito importante no Life Rupis é que a GNR faz parte integrante do projeto, é um dos parceiros, portanto estão diretamente envolvidos. Isso permite juntar o conhecimento e a experiência dos conservacionistas e das forças policiais para diminuir esta ameaça”, diz Joaquim Teodósio, Coordenador do Departamento de Conservação Terrestre da SPEA e do Life Rupis. Com mais recursos para detetar e investigar estas situações, aumenta a capacidade de descobrir quem as causou. Mas o processo judicial não acaba aqui, e as complexidades de combater os delitos contra a natureza também não. n.º 58 pardela | 13


Para aumentar a eficácia do combate aos danos contra o ambiente, vai ser preciso agirem muitas frentes. “O nosso código penal tem o crime de danos contra a natureza, e existe muita legislação para além do código penal onde se prevêem sanções para quem prejudicar o ambiente, de variadíssimas formas”, diz Rita Faria. Mas aplicar essas leis nem sempre é fácil. “Temos agentes especializados no SEPNA [Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR], mas muitos dos outros intervenientes, como os magistrados, têm uma formação mais geral, que dá menos atenção a estas situações do que a outros tipos de crime”, diz Joaquim Teodósio. Também esta faceta não é exclusiva a Portugal, e também aqui as ONG de ambiente podem ter um papel importante. David de la Bodega, da Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO), é coordenador do projeto Life Nature Guardians, que visa precisamente melhorar a eficácia do combate aos delitos contra o ambiente, e cuja ação em Portugal está a cargo da SPEA. Num debate sobre uso ilegal de veneno promovido pela SPEA, LPN e Grupo Lobo no início deste ano, David de la Bodega afirmou que, segundo a experiência da SEO nos últimos 20 anos, os processos judiciais em que não esteja envolvida uma ONG ambiental normalmente fracassam, i.e. acabam sem condenações.

Nem tudo é preto e branco Nalguns casos, até os culpados podem ser difíceis de apontar. “Apesar de estar previsto na lei que as pessoas coletivas, as empresas, podem ser consideradas culpadas de crimes, é muito difícil atribuir a culpa. Normalmente tenta-se chegar a uma pessoa individual que tenha tomado a decisão, e isso muitas vezes não sucede nestes danos contra a natureza. Não há aquela figura do psicopata assassino, que 14 | pardela n.º 58

Equipa de deteção de venenos criada no projeto Life Rupis Hugo Marques

é claramente culpado,” diz Rita Faria, acrescentando que nos casos de danos contra o ambiente, muitas vezes as pessoas sentem uma certa ambivalência quanto a quem os comete. “Uma empresa que polua também dá emprego a muita gente, também paga impostos. Ou uma pessoa que tem uma atividade muito mal remunerada, como a pesca, e que tenta complementar essa atividade usando meios proibidos, ou pescando quando não pode... há muitas vezes alguma ambivalência nestas situações.” Neste aspeto, criminólogos como Rita Faria argumentam que evitar os danos contra o ambiente passa por conhecer a fundo o contexto social: é preciso perceber as condicionantes que levam a que as pessoas tenham estas práticas. Só aí se poderão encontrar soluções eficazes. Com esse intuito, Rita Faria está a trabalhar com o Departamento de Conservação Marinha da SPEA para estudar práticas de pesca ilegal na região de Peniche, uma vez que há indícios de que dizimam muitas aves marinhas,

que nelas são capturadas acidentalmente. Por vezes, olhar para o panorama geral também permite enquadrar as soluções de outra forma, não como sanções mas como medidas de proteção dos ecossistemas. Em Espanha, quando há um caso de envenenamento numa coutada de caça, a coutada é temporariamente fechada, independentemente de qualquer apuramento de culpas. Isto porque o fecho não é uma penalização, mas sim uma medida para permitir a recuperação daquele ecossistema, disse David de la Bodega. Para aumentar a eficácia do combate aos danos contra o ambiente, vai ser preciso agir em muitas frentes. A boa notícia é que todos juntos, ONG, cidadãos, cientistas e autoridades, temos o que é preciso para lá chegar. Vamos pôr mãos à obra, porque no fim de contas, quando o ambiente é danificado, a vítima somos todos nós. Autora | Sonia Neves SPEA


O REINO DO BUTÃO

Voando por um país encantado

Mosteiro de Taktsang “Ninho do Tigre” Caleb See | CC BY-NC-ND 2.0

Das florestas de montanha aos vales verdejantes, as aves do Butão parecem viver na fronteira entre lenda e realidade.

N

o Butão, o tempo passa devagar. Neste pequeno reino anichado nos Himalaias, entre a China e a Índia, seguem-se vagarosamente as serpenteantes estradas e os sinuosos caminhos, mon-

tanha acima e montanha abaixo. Pelo caminho, a paisagem vai também mudando com a altitude, neste país onde tudo parece misturar-se: natureza e construção, mito e realidade, trajes tradicionais e calças de ganga. Por entre o verde das florestas de montanha sobressaem os templos-fortaleza, ou Dzong, encavalitados à beira de precipícios vertiginosos. O mais famoso, o mosteiro de Taktsang, ou Ninho do Tigre, data do século XVII.

A caminho do ninho do tigre Robert Glod | CC BY-NC-ND 2.0

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Situado no oeste do país, o templo encaixa na caverna onde, segundo a lenda, Padmasambhava (que trouxe o budismo ao país) terá meditado durante três anos, três meses e três dias, depois de chegar da Índia nas costas da sua consorte, que teria assumido a forma de um tigre voador. Por instantes, a lenda parece fundir-se com a realidade, quando um rasgo laranja surge por entre os ramos. Não será um tigre voador, mas poderá bem ser um macho de calau-de-pescoço-ruivo Aceros nipalensis, resplandecente no manto flamejante que lhe cobre grande parte do corpo. Junto ao tronco de uma árvore, uma pequena “fogueira” de laranjas e vermelhos revela-se um pica-pau-de-barriga-ruiva Dendrocopos hyperythrus, a tamborilar em busca de insetos ou de seiva. Laranjas, vermelhos, verdes, azuis… as cores garridas das aves do Butão

parecem refletidas nas bandeiras de prece budistas que ondulam ao vento. Por vezes, a palete é tal que as próprias aves parecem pintadas, criações fictícias de uma mente fértil. Que melhor explicação para a existência de uma ave de corpo verde e cabeça azul-turquesa com uma mancha vermelha no cocuruto? Mas a realidade é melhor que a ficção: o barbeiro-de-garganta-azul Megalaima asiatica existe mesmo, e para além das cores ecléticas ainda tem uns farfalhudos “bigodes” pretos em redor do bico.

Por vezes, a palete é tal que as próprias aves parecem pintadas, criações fictícias de uma mente fértil. Mais perto do solo, umas manchas rechonchudas de ocre e verde podem ser vistas a saltitar em busca de inse-

tos. A risca branca sobre o sobrolho revela que são “White-browed Piculets” Sasia ochracea. Com sorte, antes de deixar a floresta avista-se ainda uma das aves mais raras dos Himalaias: o “Blue-fronted Robin” Cinclidium frontale. Nos vales mais férteis, há arrozais e plantações onde os grous-de-pescoço-preto Grus nigricollis vêm alimentar-se. Alguns terão certamente sobrevoado Chorten Kora – um local de culto que é também a maior atração turística da zona este do país, e que parece uma escultura de açúcar pousada por engano no meio do verde. Das construções nos sítios mais improváveis às aves que parecem pinturas de fantasia, no Butão as cores parecem saltar de todas as paisagens, e ao mesmo tempo fazer parte delas. Autora | Sonia Neves SPEA

Pica-pau-de-barriga-ruiva Prateik Kulkarni | CC BY-SA 4.0

Chasco-cinzento Barbeiro-de-garganta-azul Ben North Andrew Bengal(rspb-images.com) University | CC BY-NC-ND 2.0

Calau-de-pescoço-ruivo Fêmea deBY-SA sisão Rohit Naniwadekar | CC 4.0 David Kjaer | rspb-images.com

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10 ANOS DE SPEA NO CORVO

Investir no futuro Nas eleições deste ano, entre aqueles que vão pela primeira vez às urnas estarão jovens que, no Corvo, cresceram com a SPEA. Desde os 8 anos de idade, terão ajudado a criar plantas nativas, e a salvar cagarros Calonectris borealis e estapagados Puffinus puffinus. Pelo caminho, terão ganho a consciência de que as suas ações e escolhas afetam a natureza da sua ilha.

O

impacto de 10 anos de presença da SPEA no Corvo vai muito para além dos sucessos de conservação e investigação. Está no facto de as pessoas terem gravado no telemóvel o número de telefone de Tânia Pipa, a nossa Técnica de Conservação na ilha, ou no fac-

to de a SPEA pertencer ao Conselho d’Ilha. “Isto mostra que acham que a nossa participação na ilha é importante”, diz Tânia Pipa. Este reconhecimento vem da dedicação e disponibilidade da Tânia Pipa e dos outros técnicos da SPEA que têm passado pela ilha ao longo dos anos.

O programa SOS Cagarro, por exemplo, já decorria desde 1995, mas ganhou outro impulso com a chegada da SPEA em 2009. “Temos brigadas com 20 pessoas, a maioria jovens, mas agora até já a senhora de 90 anos liga às horas que for preciso a dizer que tem um cagarro.

Caldeirão da ilha do Corvo Luis Ferreira

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Trabalho com escolas Luis Fereira

Tânia Pipa em trabalho de campo

Plantação de espécies endémicas

Tânia Pipa

Toda a gente colabora”, diz Tânia Pipa. O empenho da população é importante, pois o Corvo é talvez a ilha com mais cagarros por área, no arquipélago onde nidifica 75% da população mundial da espécie. Acompanhar esta e outras espécies ao longo de 10 anos fornece conhecimentos preciosos, que têm feito do Corvo um importante foco para cientistas interessados em estudar as aves marinhas – e a quem a SPEA acolhe e apoia sempre que possível.

No Corvo, um estudo da SPEA verificou que 84% das crias de cagarro que eram mortas por predadores eram vítimas de gatos. Ao mesmo tempo, fizemos dos cagarros verdadeiros embaixadores da ilha. Graças às transmissões da “Lua-

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Luis Fereira

-de-mel no Corvo”, pessoas em 96 países já puderam acompanhar o crescimento de seis crias de cagarro – e testemunhar por duas vezes o que um gato pode fazer a uma cria de ave. O apoio da população e das entidades locais, em particular a Câmara Municipal do Corvo e o Parque Natural, é crucial para conservar estas espécies – sobretudo em situações delicadas como esta. No Corvo, um estudo da SPEA verificou que 84% das crias de cagarro que eram mortas por predadores eram vítimas de gatos. Para tentar mitigar essa ameaça, criámos a Reserva Biológica do Corvo, onde construímos uma vedação própria para impedir a passagem de gatos, ratos e outros predadores: a primeira a ser testada na Europa. Ao mesmo tempo, trabalhando com a população e com as autoridades locais, implemen-

támos um programa de esterilização de gatos que conta com o apoio dos Serviços de Desenvolvimento Agrário das Flores e Corvo. Para restaurar a vegetação natural da ilha, criámos um estufim na Escola Básica e Secundária Mouzinho da Silveira. Aqui, os jovens corvinos põem mãos à obra e contribuem para a produção de plantas nativas como a rara não-me-esqueças Myosotis azorica, que só existe no Grupo Ocidental. As plantas produzidas no estufim servem para restaurar a beleza natural por toda a ilha, desde o Parque Natural até aos jardins – tanto municipais como privados. O resultado está à vista, e faz do Corvo um exemplo de como, agindo em conjunto e pensando a longo prazo, podemos fazer a diferença. Autora | Sonia Neves SPEA


MEDAVES PESCA

O que faz uma bióloga num barco de pesca

Elisabete Silva embarca pelas aves Isabel Fagundes

Até 2020, a SPEA implementa o projeto MedAves Pesca, para descobrir qual o impacto das atividades de pesca nas populações de aves marinhas das Zonas de Proteção Especial portuguesas. Nas Berlengas, Elisabete Silva trabalha com a comunidade de pescadores para desenvolver e testar medidas de mitigação da captura acidental de aves.

“P

eixe, peixe!”, anuncia o mestre Pedro Jorge, bem cedo nesta manhã de novembro. A embarcação a motor branca Dois Filhos está à pesca de robalos e douradas em redor da ilha Berlenga, a sete milhas náuticas (cerca de 13 quilómetros) de Peniche. Ao fundo do barco com sete metros de comprimento, em que se pesca com aparelho de linhas e anzóis, Pedro Santos e Zé Manel recolhem as linhas largadas ao mar no dia anterior. A experiência e a força destes homens disfarçam a dureza da tarefa. Numa

coreografia sincronizada e em silêncio cúmplice, os dois pescadores retiram da água dezenas de anzóis em poucos minutos. “É um robalo dos grandes”, regozija o mestre. Ao lado do mestre junto à proa, Elisabete Silva, 26 anos, regista as observações num caderno de campo. É bióloga e Técnica do Departamento de Conservação Marinha na SPEA e trabalha há mais de dois anos nas Berlengas. Atualmente, participa no projeto MedAves Pesca que, até 2020, estudará o impacto da atividade piscatória nas populações de aves ma-

rinhas. Elisabete faz observações em quatro embarcações diferentes, para monitorizar interações e testar medidas que possam reduzir as capturas acidentais de aves marinhas nas várias artes de pesca. Hoje está a bordo do Dois Filhos. Anota as espécies de peixe retiradas do mar e, de 15 em 15 minutos, regista as interações de aves marinhas: número, espécie, localização e direção do voo. Com estes dados espera caracterizar as populações e compreender o impacto das atividades de pesca nas comunidades de aves marinhas. n.º 58 pardela | 19


Todos os anos, cerca de 200 mil aves são capturadas acidentalmente em águas europeias, de acordo com a BirdLife International. Nas Berlengas, as espécies mais afetadas são o alcatraz Morus bassanus, a cagarra Calonectris borealis, a torda-mergulheira Alca torda, a galheta Phalacrocorax aristotelis e a pardela-balear Puffinus mauretanicus, a espécie de ave mais ameaçada da Europa e que pode ser avistada durante todo o ano ao largo da costa portuguesa.

Todos os anos, cerca de 200 mil aves são capturadas acidentalmente em águas europeias. Estas aves mergulham para se alimentar e podem ficar presas nas redes, linhas e anzóis de pesca. “Quando as aves ficam presas nem sempre é possível resgatá-las a tempo”, lamenta Elisabete.

Um dia de ‘faina’ A manhã do Dois Filhos é passada dando voltas ao arquipélago das Berlengas. Ora lançando ao mar, ora recolhendo o palangre – assim se chama esta arte de pesca, constituída por uma linha principal de onde derivam linhas secundárias em intervalos regulares terminando cada uma num anzol. Hoje o isco é caranguejo-pilado. “É preciso ter cuidado que ele morde. Ali o Pedro é especialista em levar dentadas de caranguejo”, avisa o mestre Pedro Jorge. Em cada lance, Pedro e Zé Manel preparam o isco e, no local indicado pelo mestre, largam ao mar os cem anzóis com uma rapidez malabarista. Um bloco de cimento afundado marcou o início da ação, outro marcará o fim. Serão o lastro para as linhas que ficam próximas da superfície. Boias brancas e amarelas sinalizam o local e a propriedade do palangre. Com esta técnica e isco as espécies-alvo são o robalo Dicentrarchus labrax e a dourada Sparus aurata. 20 | pardela n.º 58

“São as espécies com maior valor comercial, e pescadas a anzol ainda valem mais”, explica Pedro Jorge, “mas também se apanha um pargo ou outro e uns sargos de vez em quando”. “É o melhor peixe do mundo, não há hipótese”, conclui. O barco avança uns metros em direção a uma boia improvisada de esferovite branca. É a vez de recolher linhas do mar – a esta operação de recolha os pescadores chamam “alagem”. Com sorte, alar as artes é sinónimo de peixe que seguirá para a lota ainda esta tarde. A cena repetir-se-á várias vezes ao longo do dia. No barco há dezoito celhas – uma espécie de gamelas ou alguidares, que contêm cada conjunto de linhas e cem anzóis

pendurados nos rebordos de cortiça – para largar ao mar. “Ainda lançamos doze antes de parar para a bucha”, promete o mestre. Pedro Jorge, que se dedica a esta vida há nove anos, transborda alegria durante toda a jornada. Apesar do som da rádio ser precário e abafado pelo barulho do motor, acompanha com vigor o refrão das músicas. O nome do barco é uma feliz coincidência. “Quando o comprei já vinha com este nome; como tenho dois filhos, deixei estar”, explica entre risos. Já a participação neste tipo de projetos de conservação não é um acaso. “Estamos sempre a tentar inovar e participamos em tudo o que seja importante para o desenvolvimento da região”.


Alcatraz juvenil capturado acidentalmente Elisabete Silva

COFINANCIADO POR:

Um dos objetivos do MedAves Pesca é criar estratégias para mitigar o impacto da atividade piscatória e diminuir as capturas acidentais de aves marinhas. Uma dessas estratégias passará por utilizar uma espécie de papagaio de papel. “É um papagaio de tecido impermeável preto acoplado às boias que sustentam o aparelho de pesca”, explica Elisabete. O dispositivo simula a presença de um predador a poucos metros da água. A ideia é que, vendo este “predador”, as aves marinhas não se aproximem. Testando um “papagaio” para afastar as aves Elisabete Silva

Laços de confiança pela conservação Para Elisabete um dia na pesca já é um dia típico. Nos últimos dois anos fez mais de 100 embarques e passou cerca de 1 000 horas no mar. A cumplicidade com os pescadores é visível e fundamental. “Dependemos sempre deles para trabalhar”, afirma. “No início é desafiante porque desconfiam, pensam que estamos a fiscalizar. Foi uma construção e agora está criada a confiança”, acrescenta. A confiança é notória. Apesar de ser a única mulher no mar, os pescadores tratam-na como igual e a integração na comunidade é total. “Uma das melhores coisas é o convívio com os pescadores”, assegura. Um desses momentos de convívio acontece na ilha da Berlenga. O almo-

ço é partilhado pela comunidade local no Bairro dos Pescadores, um pequeno aglomerado de dez ou doze casas, uma mini-aldeia piscatória embutida na encosta do lado sul da ilha. A Berlenga tem apenas cinco residentes fixos: dois faroleiros da Marinha Portuguesa, dois vigilantes do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e um simpático cão apropriadamente chamado Farol. Este bairro é sítio de repouso para os pescadores durante os dias em que não regressam a terra. À hora de regressar ao porto, o Sol alto anuncia o fim do dia no mar para o Dois Filhos, quase doze horas depois. Na paisagem em direção à costa, o farol da Berlenga é substituído pelo do Cabo Carvoeiro. É quase como se houvesse uma linha imaginária entre os dois. Mais

à frente, depois do histórico Forte de Peniche, os dois molhes do porto são os braços da cidade a receber de volta os pescadores e a vida que o mar lhes dá. O mestre Pedro Jorge inclina a cabeça e estima a olho o balanço da jornada. “Estão para aí uns quarenta quilos, não foi grande pescaria”, arrisca com forçada modéstia. “Um dia bom são mais de cem”. Para Elisabete, o saldo é extremamente positivo. O dia acaba sem registo de qualquer ave presa nas linhas de pesca. “Infelizmente não é sempre assim”.

Autor | João Gaspar Artigo publicado originalmente na revista Wilder-Rewilding your days www.wilder.pt

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Dicas para ajudar as aves Pequenas ações que podem ter um grande impacto aceita o desafio? Autora | Jessica Law BIRDLIFE INTERNATIONAL

Este artigo foi adaptado a partir de um original publicado na revista BirdLife: The Magazine de abril-junho 2018

Chapim-carvoeiro Nigel Blake (rspb-images.com)

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Encha o seu jardim (ou terraço) com plantas nativas Ao plantar flores e arbustos portugueses, beneficia as nossas aves e evita problemas com espécies invasoras. Variedade é a palavra de ordem. Para além de uma variedade de plantas atrair uma diversidade de aves que delas se alimentam, também mais espécies de inseto irão aparecer – e mais aves verá a deliciarem-se com o buffet diversificado. Evite os pesticidas, pois estes matam as presas naturais das aves e envenenam a cadeia alimentar. Ray Kennedy | rspb-images.com

02

Impeça o seu gato de apanhar aves Esta é controversa. As pessoas adoram os seus companheiros felpudos e ronronantes – mas a verdade é que são caçadores por instinto, e podem estar a matar até 3,7 biliões de aves por ano nos EUA. As soluções vão desde manter o seu gato dentro de casa a pôr-lhe um guizo na coleira, passando por vedar uma zona do seu jardim (um “gátio”) onde ele possa deambular à vontade. A escolha é sua, mas estas medidas podem salvar a vida às aves e manter o seu gato em segurança. Monique Laats | pexels.com

03

Saiba o que fazer se encontrar uma cria no chão Sabemos que é difícil não ajudar uma ave pequena e indefesa fora do ninho. Mas poderá estar a fazer mais mal que bem. Se a ave saltitar, é provável que seja um juvenil com pais nas redondezas a vigiá-lo e alimentá-lo até aprender a voar. Se for demasiado nova para ser esse o caso, tente pô-la de volta no ninho, se conseguir encontrá-lo (e se conseguir fazê-lo sem o danificar). Os pais não vão abandonar a cria se cheirar a humanos – isso é só um mito. E se tudo o resto falhar, o único local para onde deve ser levada é um centro de reabilitação de animais selvagens – não tente criá-la em casa. (veja mais dicas sobre este assunto na pág 36) Andy Hay | rspb-images.com

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Instale uma caixa-ninho Os edifícios modernos podem ser climatizados e confortáveis para nós, mas uma coisa que tendem a não ter é buracos onde fazer ninhos. As caixas-ninho são a solução perfeita, e há de todos os tamanhos e feitios, dependendo da espécie que quiser atrair. São bastante simples de construir – mas lembre-se, nunca pinte o interior. Se o fizer, as paredes podem ficar demasiado escorregadias para as pequenas aves treparem quando chegar a altura de deixar o ninho – e além disso a tinta pode ser tóxica. Se tiver de pintar a parede de fora, use uma cor clara para refletir o calor do sol – ninguém quer viver num forno… Andy Hay | rspb-images.com

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Dê de beber às aves Os lagos e charcos atraem uma grande variedade de vida selvagem, que por sua vez atrai um manancial de fascinantes espécies de aves para apreciar da sua janela. Mas até um bebedouro faz maravilhas, e proporciona inúmeras oportunidades para os fotógrafos de aves. Bastam poucos centímetros de profundidade para as aves poderem beber e banhar-se – não se esqueça é de o limpar uma vez por semana com uma escova rija, e se houver gatos nas redondezas ponha-o num pedestal. (veja na página 38 como construir um bebedouro ecológico) Ray Kennedy | rspb-images.com

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Nunca dê pão às aves Lamentamos destruir a tradição de dar pão aos patos, mas produtos de padaria não são adequados para as aves. O pão ganha bolor rapidamente, o que pode fazer com que as aves adoeçam. E para as aves é “fast food”: enche-lhes o estômago sem lhes dar os nutrientes de que necessitam. Além disso,se for atirado para a água o pão pode fomentar explosões de algas que sufocam todas as outras formas de vida. Felizmente, há excelentes alternativas: sementes, aveia seca, nozes e pedaços de fruta. Andy Hay | rspb-images.com

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Participe numa contagem de aves ao pé de si Eventos como o EuroBirdwatch, organizado pela BirdLife Europe and Central Asia e coordenado em Portugal pela SPEA, permitem aos cidadãos divertir-se a registar as aves perto de si, e simultaneamente fornecer informação fundamental aos cientistas. Em Portugal, há censos de aves para todos os gostos e níveis de conhecimento. A melhor forma de estar a par dos vários censos é assinar a nossa newsletter. Ben Andrew | rspb-images.com

08

Ponha um alimentador de pássaros Não precisa de um jardim, nem sequer uma varanda – há alimentadores de aves que podem ser colados nas janelas. Melhoram a vida das aves e tornam a sua vida muito mais excitante. Veja escândalos épicos, disputas feudais e romances dignos de telenovela a desenrolar-se à sua frente. E até pode fazê-lo à borla – pode fazer um alimentador de aves a partir de uma garrafa de plástico vazia (mas lembre-se de a limpar regularmente). Chris Gomersall | rspb-images.com

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Torne as suas janelas seguras para as aves Nada parte o coração como ouvir aquele “boom” ressoar, e depararmo-nos com uma mancha poeirenta, em forma de ave, na janela. Para as aves, as janelas são invisíveis, ou refletem uma aliciante vista de árvores. Algumas aves particularmente impetuosas até lutam contra o próprio reflexo. Qualquer que seja a razão, pode evitar desastres colocando autocolantes ou decorações (ou alimentadores!) nas suas janelas. Brett and Sue Coulstock | CC BY 2.0

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Apanhe o lixo As aves podem ficar emaranhadas em cordéis, sacos de plástico e outros resíduos, que podem matá-las ou torná-las alvos fáceis para os predadores. Algumas chegam mesmo a incorporar lixo nos seus ninhos, o que pode ser fatal para as crias. Também comem pequenos pedaços de plástico, julgando tratar-se de alimento – e dão-nos a comer às crias, por vezes com consequências devastadoras. O que leva ao próximo ponto… rawpexels.com

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Diga não aos plásticos de uso único A ilha de Santa Luzia é uma ilha deserta, no arquipélago de Cabo Verde. Seis meses depois de uma ação de limpeza de praia, num passeio de apenas uma hora os colaboradores da SPEA encontraram plásticos oriundos de 25 países diferentes. A ilha é um importante refúgio para tartarugas marinhas, e a equipa da SPEA encontrou duas crias de tartaruga mortas à saída do ninho, porque o plástico não as deixou chegar ao mar. Por todo o Oceano Pacífico, crias de albatroz estão a ser criadas em ninhos feitos de plástico. E recentemente uma expedição da BirdLife à Cordilheira Mesoatlântica descobriu aves marinhas com os estômagos a abarrotar deste polímero artificial. O lixo de plástico vai pelos canos abaixo, ou é levado das lixeiras com o vento – a única solução é usar menos.

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Leve a sua criança a ver as aves Um momento na natureza pode despoletar uma paixão que dura a vida inteira (veja um exemplo na página 32). Pergunte a quase qualquer amante de aves como começou, e serão capazes de apontar um encontro especial – por mais pequeno que seja – que lhes abriu os olhos para as aves. No mundo de hoje, as crianças estão a ficar cada vez mais separadas da natureza, e da saúde e alegria que ela proporciona. Contrarie esta tendência. Inspire os jovens da sua vida a tornarem-se os conservacionistas de amanhã, que levarão a nossa paixão pelas aves para a próxima geração. Tom Simone | rspb-images.com

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TECNOLOGIA

“Querido diário, hoje apanhei uma lula”

D

urante o seu doutoramento, Rory Wilson deu por si em 1980 numa ilha ao largo da África do Sul, rodeado de pinguins, a pensar: “não faço a mais pálida ideia do que vocês fazem a partir do momento em que mergulham”. O biólogo britânico começou por tentar perceber tudo o que podia a partir de terra firme. Depois ainda tentou estudar os pinguins a bordo de barcos, mas sem grande sucesso. A única solução parecia ser tecnologia que registasse as ações das aves em alto mar. Mas essa tecnologia não existia. Assim, Rory Wilson tinha

duas opções: ou decidia estudar outra coisa, ou criava ele próprio um engenho que lhe permitisse obter os dados de que precisava. Optou pela segunda, e abriu todo um novo mundo de possibilidades. “No início, podia ter posto um milhão de perguntas, mas não conseguia responder a nenhuma. Agora, com um único logger consigo responder a um monte delas” diz Rory Wilson. Os pri-

Graças aos engenhos que desenvolve, Rory Wilson corre o mundo a ler os diários de pinguins, albatrozes e muito mais.

meiros engenhos (ou data loggers) que criou eram simples, desenhados para obter dados específicos para responder a uma única questão. Com o tempo, Rory Wilson foi-se apercebendo do poder de adquirir vários tipos de dados em simultâneo. “Cada sensor dá um único tipo de informação, mas se começarmos a combinar sensores conseguimos informação que é mais do que a soma das partes”, explica. Combinando três sensores, Wilson conseguia reconstruir, no computador, todos os percursos dos seus pinguins durante as 30 horas que estavam longe da sua vista.

No início, podia ter posto um milhão de perguntas, mas não conseguia responder a nenhuma.

Professor Rory Wilson com pinguim-azul Rory Wilson

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Seja qual for a espécie, o diário é um registo tão completo que pode ser revisitado anos mais tarde para retirar novas elações. Por volta de 2005, teve outro momento de inspiração. “Comecei a pensar que há mais no mundo do que pinguins”, diz meio a brincar. Na verdade, Rory Wilson apercebeu-se que os princípios por detrás dos loggers que aperfeiçoara para pinguins poderiam ser úteis para estudar muitos outros animais, e propôs-se a criar um logger universal, que permitisse estudar os movimentos de muitas espécies diferentes.

Diários digitais O resultado foi aquilo a que a equipa de Rory Wilson chamou de Daily Diary Tags, os Loggers Diários. Um quadrado de plástico do tamanho de uma unha, cada um destes diários regista o movimento do animal em três dimensões, bem como a velocidade e a altura ou profundidade a que se desloca e os seus movimentos de rotação. O diário regista ainda características do meio em que o animal se move, como as condições de luz e temperatura. O nome diário é realmente apropriado: é como se os animais escrevessem o seu próprio relato. “Basicamente eu ponho o diário num pinguim antes de ele sair do seu ninho, vou tomar o meu café, e ele vai à sua vida. No dia seguinte, volto ao ninho, recolho o logger, ponho no computador e em 30 segundos consigo ver cada bater das barbatanas, cada passo, cada vez que ele apanhou uma presa. Quando recolhes o Diário, é como se o animal tivesse escrito um livro só para ti, e tu és a primeira pessoa no mundo a lê-lo. Quem precisa de romances?” pergunta, maravilhado. Os autores destes diários tanto são pinguins na Argentina como castores 28 | pardela n.º 58

na Noruega ou cabras nos Alpes, sempre usando o mesmo equipamento de base. A única diferença é o tamanho da bateria, que tem de ser escolhida consoante os objetivos do estudo e as particularidades da espécie. Seja qual for a espécie, o diário é um registo tão completo que pode ser revisitado anos mais tarde para retirar novas ilações: dados recolhidos para averiguar se os pinguins estão a sofrer com falta de alimento podem ser analisados para ver se existe relação entre a distância que percorrem e a quantidade de presas que apanham, por exemplo.

Respostas inesperadas E como qualquer bom diário, também este pode conter revelações inesperadas. Rory Wilson recorda o dia em que, uma cientista que estava a estudar a força G gerada por albatrozes-gigantes Diomedea exulans em voo, foi ter com ele e disse “passa-se qualquer coisa com os loggers, têm estado a fazer umas cenas muito estúpidas”. Os dados mostravam os albatrozes a andar em círculos. Olhando mais de perto, os cientistas aperceberam-se que as aves só andavam às voltas em noites de lua nova, e só quando estavam pousadas na água. Eventualmente, Rory Wilson e os colegas aperceberam-se que o seu mistério era a resposta a outro mistério. Durante décadas, cientistas perplexos encontravam provas de que os albatrozes se alimentavam de lulas que vivem nas profundezas do oceano. Mas os albatrozes não mergulham a grande profundidade. Como conseguiam as aves comer lulas que viviam

Professor Rory Wilson com pinguim-africano Rory Wilson


O logger diário é mais pequeno que uma moeda de uma libra. Rory Wilson

Pinguim-africano Brian Anderson

fora do seu alcance? A resposta, afinal, eram os círculos esquisitos registados pelos loggers. “O que pensamos que acontece é: em noites sem luar, no mar alto, os albatrozes nadam em círculos, agitando o plâncton bioluminescente. As lulas dizem “oh, luz bonitaaaa” e vêm à superfície investigar – e os albatrozes comem-nas.” Para comprovar que é realmente isto que acontece, a equipa está agora a pensar em equipar albatrozes não só com o Logger Diário mas também com um sensor de luz na base da cauda (para medir a bioluminescência) e com um sensor que mede o ângulo de abertura do bico (para verificar se os albatrozes estão a comer). “Nunca teríamos descoberto este comportamento se não fossem os Loggers Diários”, diz Rory Wilson. “Nunca vais ver um albatroz a fazer isto às 3 ou 4 da manhã no meio do Pacífico ou do Atlântico Sul, mas o logger pode vê-lo por nós!” O seu entusiasmo pela descoberta faz com que Rory Wilson sinta que tem uma posição privilegiada: “ter o luxo de ser um connoisseur de um determinado tipo de animal, como os pinguins, e ao mesmo tempo poder ser a criança fascinada e assustada quando vou ter com alguém que quer pôr o Diário num castor ou numa preguiça – é difícil de igualar”. Tendo superado o desafio de saber o que os pinguins fazem quando não os vê, Rory Wilson não descansa. O próximo desafio, diz, é o andorinhão-preto Apus apus. Está decidido a estudar os ajuntamentos em que grupos de andorinhões fazem estonteantes acrobacias aéreas, enchendo o céu com os seus gritos estridentes. “E como passam a vida toda no céu, vão aparecer coisas muito interessantes, de certeza”, acrescenta. Mas para pôr às costas de uma ave de 22 gramas, o Diário terá de ser minúsculo. “É um dos derradeiros desafios. Acho que este ano não chegamos lá, mas talvez para o ano.” Autora | Sonia Neves

Pinguins-africano

SPEA

Rory Wilson

n.º 58 pardela | 29


PROPRIETÁRIOS AMIGOS DO BRITANGO

A rede que incentiva a práticas amigas da Natureza

Britango Nathan Rupert | CC BY-NC-ND 2.0

Uma iniciativa da SPEA e parceiros na região das Arribas do Douro pretende reunir proprietários dos dois lados da fronteira para incentivar práticas sustentáveis na agricultura, pecuária e atividades relacionadas: a Rede de Proprietários Amigos do Britango.

A

rede pretende integrar proprietários e produtores que colaboram na conservação dos valores naturais da área das Arribas do Douro (território que abrange o Parque Natural do Douro Internacional e o Parque Natural de Arribes del Duero). No âmbito da rede, esses proprietários podem trocar experiências entre si e introduzir novas práticas, com a ajuda do projeto Life Rupis – um projeto transfronteiriço coordenado pela SPEA, que pretende proteger aves de rapina ameaçadas e promover os recursos naturais da região do Douro Internacional.

30 | pardela n.º 58

“Para já, temos cerca de 20 proprietários que aceitaram o convite para se juntarem à rede, e já lançámos o desafio a mais alguns,” diz Julieta Costa, Técnica de Conservação da SPEA. “A ideia é que de futuro outros proprietários que partilhem os nossos princípios se possam juntar à rede por iniciativa própria.” A rede visa ainda destacar estes proprietários como exemplos a seguir, valorizando aqueles que de uma forma ativa procuram conjugar as suas práticas com um desenvolvimento mais sustentável da região. Para tal, o pro-

jeto Life Rupis vai entregar galardões de mérito. “Com este galardão, pretendemos anualmente homenagear proprietários e produtores particularmente proativos em prol da conservação da natureza e da colaboração com as ações de conservação,” diz Joaquim Teodósio da SPEA, Coordenador do Departamento de Conservação Terrestre da SPEA e do projeto Life Rupis. O primeiro membro da rede a ser distinguido com o galardão foi a Apícola Luís, Lda – Mel Mirandês. O ga-


lardão é um reconhecimento do trabalho exemplar destes produtores em alinhar as suas práticas com a preservação do ambiente. “A Alexandra Luís e o José Luís, que gerem esta empresa, são desde sempre defensores do Parque Natural, acolheram o projeto com entusiasmo e têm sempre estado muito empenhados na conservação da biodiversidade. Usam métodos de produção respeitadores do ambiente, sem recorrer a produtos nocivos, e procurando sempre minimizar os impactos sobre as arribas onde têm as colmeias. E sabemos que vão continuar a dedicar-se a esta causa”, diz Miguel Nóvoa da Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural, outro dos parceiros do projeto. O prémio foi entregue durante a cerimónia de encerramento da 2ª edição do ObservArribas – Festival Ibérico de Natureza das Arribas do Douro, que decorreu em maio, em Miranda do Douro. Na edição deste ano do festival – que decorre de 31 de maio a 2 de junho – será entregue mais um galardão.

Com este galardão, pretendemos anualmente homenagear proprietários e produtores particularmente proativos em prol da conservação da natureza A par da rede e do prémio, o projeto tem vindo a desenvolver outras ações de valorização e promoção dos valores naturais do território e do seu desenvolvimento sustentável. Do lado espanhol, por exemplo, de março a maio quem visita as zonas de Salamanca e Zamora pode usufruir dos Menús Rupis nos restaurantes locais. Para além da gastronomia, o programa convida a uma manhã de observação de aves no Parque Natural, uma visita a conhecer métodos de produção artesanais de queijo, azeite e outros

Rede de proprietários amigos do britango SPEA

produtos, e descobrir a estreita relação entre as populações de aves de rapina e os produtos agrários e pecuários no Parque Natural de Arribes del Duero.

cerca de 2 km de linhas perigosas já foram desmantelados e mais de 20 km foram corrigidos, através de isolamento dos apoios elétricos dos postes.

Iniciativas como estas, que contribuem para um desenvolvimento local mais sustentável com benefícios para a natureza e para as populações residentes nos parques, são um importante complemento às ações de conservação direta das espécies.

Outro importante trabalho, que tem vindo a conjugar a conservação de espécies selvagens com a própria saúde pública, tem a ver com a prevenção, deteção e investigação de casos de uso ilegal de venenos. No âmbito do projeto foram formadas duas brigadas cinotécnicas da GNR (com cães especificamente treinados para detetar venenos) que atuam agora na área do Parque Natural do Douro Internacional e concelhos adjacentes (saiba mais na página 12).

No âmbito do projeto, foram adquiridos quase 400 ha de terrenos destinados à conservação de espécies e habitats, que se juntam a mais de 1300 ha de terrenos privados distribuídos pela área do projeto e onde se aplicam medidas de gestão de habitat como o corte de matos e instalação de sementeiras. Cria-se assim um mosaico diversificado de vegetação, que não só ajuda a manter as populações de coelhos e perdizes de que as aves de rapina se alimentam, como também a reduzir a ameaça dos incêndios. Por outro lado, para que menos aves morram devido às linhas elétricas,

Com iniciativas como a Rede de Proprietários Amigos do Britango, o Life Rupis alia-se aos produtores locais numa demonstração clara de como a força da Natureza e o engenho humano podem continuar a moldar este património de uma riqueza única no contexto ibérico. Autora | Sonia Neves SPEA

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HISTÓRIA(S) COM AVES

Observando aves contra o tempo

Phoebe Snetsinger CBS Photo Archive/Getty

A

té aos 34 anos de idade Phoebe Snetsinger não passava de uma típica e discreta dona de casa da classe média-alta americana. Casada e com quatro filhos, estava presa numa existência entediante a que procurava escapar escrevendo por vezes poemas sombrios. Observar aves era coisa que nunca lhe tinha passado pela cabeça, embora gostasse de natureza em termos gerais. Foi por essa altura, corria o ano de 1965, que as aves entraram na sua vida e a mudaram para sempre. Vivia então com a família no Minnesota numa propriedade em New 32 | pardela n.º 58

É possível que o nome Phoebe Snetsinger pouco ou nada diga a uma percentagem considerável dos amantes da ornitologia nacionais. Esta senhora norte-americana não produziu obra relevante na matéria, não fez grandes descobertas científicas e, que se saiba, não esteve envolvida em projectos de conservação. A única coisa digna de registo que fez, em termos ornitológicos, foi observar o maior número possível de espécies de aves. Ao fazê-lo, a partir de determinada altura numa autêntica corrida contra a sua morte anunciada, quebrou records e barreiras e impôsse como uma referência e fonte de inspiração para muitos.

Brighton, nos subúrbios de Minneapolis. Aí, Phoebe travou conhecimento com a sua vizinha do lado, uma observadora de aves de nome Elisabeth Selden, com quem começou a dar umas passeatas pelo campo. Numa bela manhã de sol em Maio, estavam as duas a conversar no quintal da casa de Elisabeth, quando esta lhe passou os binóculos e lhe disse para apontar para os ramos de uma árvore próxima. O que viu constituiu uma verdadeira revelação traduzida nas suas palavras: «quase me derrubou de espanto» («nearly knocked me over with astonishment»). Era uma lindíssima mariquita-papo-de-fogo Dendroica fusca. Elisabeth

explicou-lhe que era uma espécie migradora, proveniente da América do Sul, e que tinha vindo para nidificar. Phoebe estava boquiaberta. Como é que era possível nunca ter reparado antes naquela ave magnífica que provavelmente andava por ali, ao pé da sua casa, ano após ano? A partir desse momento mágico, Phoebe decidiu que se iria dedicar à observação de aves. Começou por frequentar os clubes ornitológicos locais e por participar nas saídas que organizavam. Em pouco tempo estava a viajar um pouco por todo o país e até a dar os primeiros passos no estrangei-


ro. Em 1967 a família mudou-se para Webster Groves, um subúrbio de St. Louis no Missouri, onde Phoebe prosseguiu e consolidou o seu processo de aprendizagem envolvendo-se nas saídas de campo organizadas pela Webster Groves Nature Study Society. Pouco depois de completar 50 anos, em 1981, tinha uma já bastante razoável lista de 2000 espécies vistas e a vida corria-lhe de feição. Nessa altura, quase por acaso, descobriu que tinha um alto debaixo de um braço. Consultou o médico por precaução e o que parecia ser uma coisa trivial transformou-se numa autêntica sentença de morte. Tinha um tumor maligno e pouco mais de um ano de vida.

Mariquita-papo-de-fogo Dan Mooney

Em vez de se fechar em casa e esperar pelo inevitável decidiu que iria aproveitar o pouco tempo que lhe restava para viajar e observar aves. Graças à herança que o pai, o famoso e rico publicitário Leo Burnett, lhe deixara uma década antes, dinheiro não era um problema. Quando recebeu o diagnóstico, Phoebe tinha uma viagem marcada para o Alasca e achou que não a devia cancelar. Quando regressou não se sentia mal e resolveu ir até à Austrália. Pelo menos, se o seu estado de saúde se agravasse, era um país com estruturas hospitalares. Sobreviveu. Regressou aos Estados Unidos e não mais parou.

Vanga-d’ombros-vermelhos Skip Russell

«As aves salvaram-me a vida» escreveu no seu livro de memórias Birding on Borrowed Time. Em 1995 atingiu um marco histórico quando se tornou na primeira pessoa do mundo a ver mais de 8000 espécies de aves. Phoebe acabou por morrer não devido ao cancro mas num acidente de viação em Madagascar em 1999, quase 18 anos depois do diagnóstico. Tinha acabado de ver o então recém-descrito vanga-d’ombros-vermelhos Calicalicus rufocarpalis, a última das 8398 espécies

que conseguiu observar durante a sua vida. Nessa altura, já há alguns anos que comandava isolada o ranking dos observadores de aves a nível mundial e ainda hoje, 20 anos após o seu falecimento, aparece em 30º lugar no World Bird Species Life List do site Surfbird. No decurso da sua incessante e obsessiva busca, Phoebe Snetsinger percorreu grande parte do mundo e visitou muitas dezenas de países, alguns por diversas vezes. Enfrentou inúmeras provações e teve que tomar decisões difíceis. Foi assaltada e violada na Papua Nova Guiné, partiu ossos nas Filipinas, sobreviveu a um naufrágio na Indonésia, passou fome em diversas ocasiões.

Por estar em viagem, não assistiu ao funeral da mãe nem ao casamento da filha. Nunca desistiu. «As aves salvaram-me a vida» escreveu no seu livro de memórias Birding on Borrowed Time, publicado a título póstumo.

Leitura útil Snetsinger, P. (2003). Birding on Borrowed Time. American Birding Association, Colorado Springs. Gentile, O. (2009). Life List: A Woman’s Quest for the World’s Most Amazing Birds. Bloomsbury USA, New York.

Autor | Helder Costa NOTA: Este autor não segue o acordo ortográfico

n.º 58 pardela | 33


V I S I TA O R N I TO LÓ G I C A

Venha descobrir as cores do Reino do 29 A 08

Butao NOV

DEZ

Do calau-de-peito-ruivo ao barbeiro-de-garganta-azul, do grou-de-pescoço-preto ao pica-pau-de-barriga-ruiva, a exuberância das aves do Butão está à sua espera.

INSCRIÇÕES ATÉ

27 de julho

SAIBA MAIS EM 34 | pardela n.º 58 © Imran Shah (CC BY-SA 2.0) Barbeiro-de-garganta-azul

www.spea.pt


IDENTIFICAÇÃO DE AVES

Alvéolas: quem é quem?

U

ma ave pousada a abanar freneticamente a cauda comprida: só pode ser uma alvéola. Mas será uma alvéola-branca, uma alvéolacinzenta ou uma alvéola-amarela? Estas são as três espécies de alvéola mais comuns em Portugal, e podem ser observadas ao longo de todo o ano. Saiba como distingui-las: Visitantes mais raros

cabeca preta dorso cinzento Alvéola-branca Motacilla alba © Juan Varela

babete preto (mais pequeno no inverno)

Alvéola-branca-enlutada (M. alba yarellii) • Subespécie de alvéola-branca • Proveniente do Reino Unido • Visita-nos todos os invernos • Dorso preto e flancos mais escuros

dorso cinzento

Alvéola-citrina (M. citreola) • Pode confundir-se com a alvéola-amarela • Proveniente do Leste Europeu • Visita-nos muito raramente • Face amarelada; barras brancas largas nas asas; penas infracaudais brancas

Alvéola-cinzenta Motacilla cinerea © Mike Langaman (rspb-images.com)

Juvenis Os juvenis de alvéola-branca e alvéola-amarela são mais difíceis de distinguir, mas a alvéolaamarela tem a “sobrancelha” bem marcada e dorso castanho-azeitona.

ventre amarelo

cauda muito comprida

Onde viu? A espécie mais provável de encontrar varia consoante o local onde estiver. • Zonas urbanas e terrenos agrícolas: Alvéola-branca. • Rios e ribeiras: Alvéola-cinzenta. • Estuários, lagoas e pastagens alagadas: Alvéola-amarela

dorso amarelado

subspecie iberica

(M. flava iberiae) Leitura útil Pipits and Wagtails of Europe, Asia and North America. Per Alstrom, Krister Mild and Bill Zetterstrom. Helm Identification Guide Series.

tem sobrancelha e garganta branca

Alvéola-amarela Motacilla flava © Mike Langaman (rspb-images.com)

ventre amarelo

Guia de Aves – Guia de Campo das Aves de Portugal e da Europa. 3ª edição.

Autores | Mónica Costa e Rui Machado SPEA

n.º 58 pardela | 35


É possível os proprietários removerem os ninhos de andorinha mediante um pedido de autorização para o efeito ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), que indicará o período em que os ninhos podem ser

SEPNA - GNR

sepna@sepna.pt.

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Encontrei uma cria de ave no chão. O que devo fazer?

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removidos. Este período, salvo algumas exceções, é fora da altura de nidificação. Na altura em que as andorinhas estão a

36 | pardela n.º 58

Encontrou uma cria no chão e tem a sensação que ela corre perigo. Este é um cenário que nos chega regularmente. Mas ao tentar ajudar, poderá estar a pô-la em perigo. Em algumas espécies (ex: melro, pisco, coruja-do-mato) é normal as crias saírem do ninho antes da maioridade e os seus progenitores continuarem a cuidar delas, mesmo que estejam no chão. Por isso, primeiro que tudo verifique se a cria já tem

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algumas penas formadas. Este é um importante indicador de que a cria terá saído do ninho por iniciativa própria e, mesmo que não o tenha feito, estará em condições de sobreviver com o auxílio dos progenitores. Nestes casos, se vir o ninho nas proximidades, deixe

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O meu vizinho quer remover os ninhos de andorinha que estão no exterior da sua casa. Isto é legal?

construir os ninhos e têm crias, é proibido remover os ninhos. Se souber de alguém que quer remover ninhos de andorinha, sugerimos que comece por tentar dissuadir a pessoa. Pode dizer-lhe que, para evitar que o espaço debaixo do ninho fique sujo, pode instalar uma espécie de caleiras próprias, que se colocam por baixo dos ninhos. Pode ainda explicar que a andorinha é um animal muito útil no combate a pragas: come uma quantidade enorme de insetos, sobretudo as moscas e mosquitos que podem estragar uma bela noite de verão. Se estes argumentos não forem suficientes, ou se só souber da situação a posteriori, contacte o Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente (SEPNA GNR) através do telefone 808 200 520 para que atuem de imediato. Poderá também fazer uma denúncia através do seguinte email:

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A Spea responde

São muitas as dúvidas e denúncias que nos chegam diariamente. Neste espaço vamos esclarecer algumas das questões que mais nos colocam.

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a cria onde a encontrou, ou num local perto que seja alto e seguro, já que os pais irão certamente ouvi-la e acabarão por ir buscá-la ou alimentá-la assim que sentirem que é seguro fazê-lo. Se verificar que a cria fica por muito tempo sem ser alimentada, apresenta sinais notórios de debilidade ou lesões; se não conseguir localizar o ninho, se não detetar os progenitores ou se se tratar de um local de grande movimento onde a cria esteja em risco, contacte o Centro de Recuperação mais perto. O nosso principal conselho é interferir o mínimo possível: não retire a cria do local a não ser que ela corra perigo imediato. CONTACTOS DOS CENTROS DE RECUPERAÇÃO

www.icnf.pt/ondeestamos/linhassos


Pássaro-Tempo 1

Os estuários são zonas húmidas muito importantes para as aves. Na primavera, são o local de nidificação para várias espécies, e também são o local de descanso para aves migradoras, que ali param para recuperar forças antes de seguir viagem, ou ali ficam a passar o inverno. E estas zonas também são muito importantes para os humanos. Além de ajudarem no controlo da poluição, em alguns estuários, há salinas onde se faz produção de sal de forma tradicional, e amiga das aves. Por Mónica Costa e Vanessa Oliveira (texto) e Frederico Arruda (ilustração) Ilustrações de aves gentilmente cedidas por Mike Langman (rspb-images.com) e Juan Varella

Com a ajuda de um adulto, faz uma cruz ao lado das espécies que se encontram nesses locais. Chilreta

Estrelinha-de-poupa

Flamingo

Papagaio-do-mar

Pernilongo

Faisao

Alfaiate

Abibe

Milherango

Torda-mergulheira n.º 58 pardela | 37

SOLUÇÕES: Chilreta, Flamingo, Pernilongo, Alfaiate, Abibe, Milherango.


Pássaro-Tempo 2

No verão, a colocação de pontos de água, na tua varanda ou jardim, é uma boa forma de ajudar as aves – e depois, poderás observar de perto os seus comportamentos. Podes utilizar uma simples garrafa de plástico para construir um bebedouro... Vê como se faz: Por Mónica Costa e Teresa Oliveira (texto) e Frederico Arruda (ilustração)

Em cada uma das metades, faz dois furos em lados opostos

Corta o cordel necessário para pendurares estas ‘taças’

r ------

Pendura-as num local apropriado (ex. ramo de árvore, estendal, etc)

r- -

AQUISIÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS

---

RECICLAGEM & TRATAMENTO DE FIM-DE-VIDA

--

DESIGN

PRODUÇÃO & RE-TRANSFORMAÇÃO

RECOLHA

DESTINO FINAL

COM DESPERDÍCIO MÍNIMO

TRANSPORTE & DISTRIBUIÇÃO

-

A ideia da economia circular é preservar os recursos naturais, com 5 gestos: Recusar Refletir Reduzir Reutilizar Reciclar Consegues pôr cada gesto no sítio certo?

4

3

2

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Circular?

Cordel

CONSUMO, UTILIZAÇÃO, REUTILIZAÇÃO E REPARAÇÃO

--

--

Já ouviste falar de Economia

Faca

r -------

Como Fazer

1

Recorta a garrafa em duas partes

38 | pardela n.º 58

Tesoura

Garrafa

r-

SOLUÇÕES: Recusar, Refletir, Reduzir, Reutilizar e Reciclar

Material


No seu dê voz à Natureza Não custa nada

Atribua gratuitamente 0,5% do seu IRS à SPEA Ao destinar 0,5% dos seus impostos liquidados à SPEA está a contribuir para projetos essenciais para a proteção de habitats e espécies em perigo. Para isso, preencha o quadro 11, campo 1102 do Modelo 3 com o NIF da SPEA.

11

CONSIGNAÇÃO DE 0,5% DO IRS/CONSIGNAÇÃO DO BENEFÍCIO DE 15% DO IVA SUPORTADO ENTIDADES BENEFICIÁRIAS NIF

Instituições religiosas (art.º 32.º, n.º4, da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho) Instituições particulares de solidariedade social ou pessoas coletivas de utilidade pública (art.º 32.º, n.º6, da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho)

NIF

Pessoas coletivas de utilidade pública de fins ambientais (art.º 14.º, n.º 5 e 7, da Lei n.º 35/98, de 18 de julho)

MODELO 3 (ROSTO)

QUADRO 11

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503 091 707


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