Artigo SRRU 29112

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I SIMPÓSIO DE REVITALIZAÇÃO DE RIOS URBANOS Propostas para o Ribeirão Jaguaré 26, 27 e 28 de outubro de 2015

RENATURALIZAÇÃO DA BACIA DO RIO JACARÉ, NITERÓI Axel Schmidt Grael(1); Dionê M. Marinho Castro (2) (1)

Engenheiro florestal, Vice-Prefeito de Niterói, coordenador geral do Pró-Sustentável1, axelgrael@gmail.com (2) Geógrafa, coordenadora Executiva do Pró-Sustentpável, Vice-Prefeitura 2, dionecastro20@gmail.com

RESUMO O presente artigo trata do Projeto de Renaturalização da Bacia do Rio Jacaré, localizada na Região Oceânica de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, em elaboração pela Prefeitura Municipal de Niterói. Esta bacia urbana, com cerca de 6 Km², tem suas nascentes no Parque Natural Municipal de Niterói, com seu alto e parte do médio curso ocupados por sítios e chácaras, e o restante densamente ocupados, respectivamente, por loteamentos implantados há pelo menos três décadas e favelas em processo de ampliação, principalmente junto à foz na Lagoa de Piratininga. O nível de renaturalização da Bacia do Rio Jacaré, dependerá dos resultados dos estudos a serem realizados previamente, tanto no que concerne ao plano estratégico em curso, como aos estudos relativos à história geohidroecológica da bacia e aos estudos jurídicos necessários a respaldar as demolições e remoções consideradas imprescindíveis. Os estudos prévios iniciais e o Plano Estratégico, estão em curso em conjunto com o Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, financiados a fundo perdido pela Corporação Andina de Fomento - CAF, que por meio de contrato de empréstimo financiará os estudos específicos, os projetos executivos e as obras e atividades necessárias à implantação do processo de renaturalização da Bacia. Palavras-chave: Renaturalização; comitê gestor; indicadores ecológicos. 1. INTRODUÇÃO A renaturalização da Bacia do Rio Jacaré é um projeto a ser implantado pela Prefeitura do Município de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. Está incluído no Programa Região Oceânica Sustentável – Pró-Sustentável, cujo contrato de empréstimo – já aprovado pela Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento e pelo Tesouro Nacional – está em fase final negociação com a Corporação Andina de Fomento – CAF. Este Programa no valor de 100 milhões de dólares terá componentes de infraestrutura, urbanização e sustentabilidade ambiental. O Projeto é um dos cinco projetos integrantes desta última vertente. Para a elaboração dos estudos executivos e a implantação de obras e atividades necessárias à renaturalização da Bacia do Rio Jacaré estão previstos cerca de 3 milhões de dólares. Este projeto se desenvolve em duas etapas. Dada a sua característica inovadora com a finalidade de restabelecer os indicadores ecológicos dessa bacia hidrográfica urbana – no nível mais próximo possível daquele existente no início de sua ocupação – a CAF ofereceu o valor de 100 mil dólares não reembolsáveis, para a elaboração de um benchmarking de renaturalização de rios e um plano estratégico para a Bacia do Rio Jacaré. Este trabalho se encontra em execução com a Universidade Federal Fluminense, que tem o compromisso de elaborar relatórios contendo o diagnóstico socioambiental, a investigação dos níveis do lençol freático, levantamento florístico das margens e nascentes e a formulação de um modelo de gestão com base em levantamento etnogeomorfológico. Tais relatórios servirão de base aos relatos de projetos de renaturalização, ou restauração fluvial, a serem elaborados por


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especialistas com experiências na execução de projetos com a mesma finalidade estabelecida no Pró-Sustentável, ou seja, restabelecimento da dinâmica ecológica de bacias hidrográficas. A opção pelo trabalho através de convênio com a Universidade, ao invés da licitação de uma empresa de consultoria, tem o intuito de fixar o conhecimento no meio acadêmico e técnico, o que tem grande chance de garantia dada a maior estabilidade destas equipes de pesquisadores, o que não se dá com empresas, cujo conhecimento fica restrito entre o cliente e o produtor da informação. A segunda etapa deste Projeto ocorrerá com a elaboração dos estudos específicos e dos projetos executivos de diferentes naturezas para a consecução do processo de renaturalização da bacia. 1.1 OBJETIVOS Os objetivos específicos do Projeto de Renaturalização da Bacia do Rio Jacaré são: (i) restabelecer a vazão, bem como desocupar a FMP e o leito, incluindo o leito maior do rio principal e dos córregos contribuintes, retornando o mais próximo possível à situação original; (ii) recuperar a vegetação natural por regeneração ou revegetação da FMP e nascentes, assim como a biota aquática, terrestre e aérea, através de manejo regular definido no projeto de renaturalização; (iii) preservar as áreas naturais de inundação em suas margens, isto é, o seu leito maior, e as áreas de reabastecimento de aquífero, de modo a impedir quaisquer usos que inviabilizem tal função; (iv) implantar ações de saneamento ambiental incluindo coleta e tratamento de esgotos, drenagem e coleta e disposição adequada de resíduos sólidos; (v) criar estruturas simples para uso público das áreas de FMP liberadas da ocupação atual e; (vi) promover a organização do comitê gestor da bacia do Rio Jacaré com a participação do poder público, sociedade civil e dos habitantes locais. Tais projetos executivos serão precedidos da elaboração de um benchmarking de renaturalização de rios, que culminará com a elaboração de um Plano Estratégico para a Bacia do Rio Jacaré, cujos objetivos são o conhecimento da situação socioambiental atual, a identificação dos níveis do lençol freático e da situação do recobrimento vegetal de margens e nascentes do rio Jacaré, bem como a formulação de um modelo de gestão com base em levantamento etnogeomorfológico. 1.2 ESTUDO DE CASO A Bacia do Rio Jacaré localiza-se na Região Oceânica do Município de Niterói no Estado do Rio de Janeiro (Figura 01), nasce na Serra do Malheiro e é delimitada pelos Morros do Cantagalo, Jacaré e Serra Grande. Abrange todo o Bairro do Jacaré e parte do Bairro Piratininga a jusante da Estrada Celso Peçanha (ou Francisco da Cruz Nunes) Esta é a maior bacia do sistema lagunar de Piratininga, abrangendo área de 6,17 Km², cerca de 6,2 Km de talvegue, com vazão em torno de 20 m³/seg. Está inserida na Reserva Ecológica Darcy Ribeiro, com densa cobertura vegetal e o curso se encontra em sua maior parte na forma natural, estando canalizado no médio e baixo curso, e a partir da Estrada Celso Peçanha (ou Francisco da Cruz Nunes) seu curso foi desviado e margens e leitos ocupados por loteamento regular. A cobertura vegetal de Mata Atlântica encontra-se bem preservada em cerca de 4,50 km² da bacia, principalmente ao longo das nascentes na Serra Grande. Desse total, 4,06 km² é parte da Reserva Darcy Ribeiro, atualmente incluída no Parque Estadual da Serra da Tiririca – PESET. Nas cabeceiras do vale formado pelos Morros do Jacaré e Cantagalo, de maneira geral, a vegetação florestal encontra-se em melhor estado de preservação, o mesmo ocorre nas maiores altitudes de toda a bacia. Os trechos de média encosta são recobertos por florestas em estágio


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inicial a médio de regeneração, com menor alteração antrópica em relação às florestas situadas nas áreas de baixa encosta devido à maior dificuldade de acesso.

Figura 1 - Bacia do Rio Jacaré, na Região Oceânica de Niterói. Fonte: Vice-Prefeitura de Niterói

Como em toda Região Oceânica, o bairro do Jacaré surge do parcelamento de uma grande fazenda. Este bairro tem a origem do seu nome associada ao Rio Jacaré, onde, há algum tempo, segundo moradores, tais animais eram vistos. (Niterói Bairros, Prefeitura Municipal de Niterói, 2000). A ocupação espacial se desenvolveu, principalmente, as margens da principal via do bairro, a Avenida Frei Orlando, onde predomina a população de baixa renda e os sítios. Desde as cotas mais elevadas próximas às nascentes, principalmente na Serra Grande, até uma distância aproximada de 800m da Estrada Celso Peçanha, sendo ocupada por chácaras e sítios. No entanto há, também, núcleos populacionais de baixa renda – ao longo da Estrada do Jacaré, ou Frei Orlando, que acompanha o rio – e de alta renda, caso do Condomínio Jardim Ubá, junto à Estrada, sendo um dos mais antigos parcelamentos de classe média alta em forma de condomínio da Região Oceânica.


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Figura 2 - Morro do Jacaré. Fonte: Vice-Prefeitura de Niterói.

Figura 3 - Alto curso do Rio Jacaré. Fonte: Vice-Prefeitura de Niterói.

Historicamente, essa ocupação da bacia iniciou-se na década de 1960 quando a área passou a ser ocupada por posseiros oriundos de diversos locais. . Atualmente, observa-se a coexistência de alguns sitiantes com núcleos de uma população de baixa renda, além de um recente processo de favelização. Em 1980 o poder público municipal, devido as fortes pressões sofridas, desapropriou parte dos terrenos, dando posse definitiva aos que lá habitavam. Registrese que o Plano Diretor do Município, definiu quatro Áreas Especiais de Interesse Social-AEIS limítrofes e no interior da Bacia do Rio Jacaré. São as Favelas do Inferninho, do Cabrito e da Ciclovia. Além destas, há aí outros núcleos de ocupação subnormal não oficializados, mas citados no Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLIS, de 10/ 2012.

Figura 4 - Canalização do Rio Jacaré – Estrada Frei Orlando. Fonte: Vice-Prefeitura de Niterói.

Figura 5 - Rio Jacaré – trecho próximo à foz. Fonte: Vice-Prefeitura de Niterói.

Entretanto, a situação mais crítica de toda a bacia ocorre na área entre a Estrada Celso Peçanha e a Lagoa de Piratininga onde o Rio Jacaré teve seu curso alterado, sofrendo retificações, canalizações para a implantação de loteamento regular com residências unifamiliares, acarretando estrangulamento no caminho das águas por obstrução do leito e edificações na Faixa Marginal de Proteção – FMP.


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Nesse trecho as edificações existentes no loteamento regular, nas quadras ao longo das ruas Cornélio Melo Junior e Jornalista Jairo Mendes, entre a Rua Raul de Oliveira Rodrigues e a Celso Peçanha, são cerca de 70; e daí em direção à orla da lagoa são em torno de 40. Registrese que nesta quadra, em sua maior parte a ocupação se dá pela favela da ciclovia onde as moradias são de baixo padrão construtivo. Mas no loteamento regular são edificações de bom padrão construtivo invadindo mais acintosamente a FMP e em alguns casos o leito do rio transformado em galerias que desaparecem sob as obras de ampliação das residências ou dos equipamentos de lazer.

Figura 6 - Bacia do Rio Jacaré, áreas de interesse social (AEIS). Fonte: Vice-Prefeitura de Niterói

Em decorrência desse processo de ocupação, ocorrem enchentes em épocas de grande concentração pluvial, tanto a jusante quanto a montante da Estrada Celso Peçanha. Por outro lado, as condições do lençol freático na Bacia do Jacaré vêm a exigir estudos mais complexos, dadas os constantes períodos de seca em que a vazão fica extremamente reduzida sendo, frequente, nos últimos anos, a ocorrência do leito completamente seco. No que concerne à infraestrutura de saneamento básico, no ano de 2000, foram executadas obras de melhoria do abastecimento de água para moradores do Bairro do Jacaré e outros. Quanto à coleta e tratamento de esgotos, desde 2002 a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Camboinhas recebe esgotos destes mesmos bairros. A despeito disso, constata-se que a vazão do Rio Jacaré, do médio para o baixo leito é predominantemente de esgoto, e de lixo. Um dos aspectos mais relevantes no processo de gestão desta bacia é o, relativamente, alto nível de envolvimento dos habitantes locais, o que se considera fator importante para a criação de um modelo de gestão pública sistêmica.


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3. MATERIAIS E MÉTODOS O presente trabalho compreende em sua etapa inicial: (i) levantamento de bibliografia nacional e internacional sobre as melhores práticas renaturalização de bacias hidrográficas no que concerne às implicações técnicas e jurídicas; (ii) entrevistas com profissionais envolvidos na concepção e implantação de projetos similares; (iii) levantamento e análise dos mais bemsucedidos casos concretos de renaturalização de rios na Europa, Américas, Austrália, Ásia e Brasil, com foco nos aspectos técnicos de engenharia, ecológicos, socioambientais, institucionais e jurídicos, (iv) seleção e maior detalhamento dos casos na Europa, nos Estados Unidos, Austrália e Brasil em contextos semelhantes ao da Bacia do Rio Jacaré, na Região Oceânica; (iv) estudo comparativo das melhores práticas; (vi) formulação de planejamento estratégico para a renaturalização da bacia do Rio Jacaré; (vii) execução de processo licitatório para a contratação de consultoria para a realização de estudos. Em sua etapa final estão previstos: (viii) elaboração de estudos geohidroecológicos da Bacia do Rio Jacaré apresentando as fases evolutivas da geomorfologia da bacia e o leito maior atual do Rio; (ix) elaboração de estudos técnico-jurídicos sobre os Terrenos Reservados de Estado (TRE) identificando e criando instrumentos legais viabilizadores da remoção das edificações localizadas no leito e na FMP; (x) cadastro e cronograma de demolição das benfeitorias e elaboração de procedimentos técnicos para a demolição das canalizações e edificações; (xi) execução de obras e atividades de desocupação das margens do Rio Jacaré e seus Afluentes (demolição de muros e equipamentos recreativos residenciais); (xii) elaboração de projeto executivo para renaturalização da bacia; (xiii) implantação de obras de coleta de esgotos e rede de drenagem nas favelas locais; (xiv) implantação da recuperação do ecossistema fluvial; (xv) implantação de infraestrutura de esporte, lazer e iluminação pública; (xvi) gestão do processo de renaturalização; (xvii) organização do Comitê Gestor da Bacia; e (xviii) implantação de sistema de gestão integrada de resíduos. 4. RESULTADOS Este Projeto – que na verdade é um programa, dada a diversidade de estudos, atividades e obras – deverá resultar na criação de um modelo de renaturalização de bacias hidrográficas urbanas que possibilitem a recuperação da dinâmica ecológica local o mais próximo possível do momento inicial da sua ocupação. Ou seja, pretende-se ir além, apenas, das obras de urbanização das margens, dos processos isolados revegetação das margens e nascentes, do repovoamento do leito dos rios e de tantas outras atividades, muitas vezes denominadas de renaturalização ou restauração fluvial, mas que são unicamente intervenções isoladas, na ótica da engenharia tradicional, e sem o coprotagonismo dos habitantes locais. 5. CONCLUSÕES Espera-se com este Projeto recuperar as funções hidrogeomorfológicas, ecológicas e ambientais desta bacia, através da adoção da abordagem sistêmica, em que se privilegiam as interrelações entre os diferentes elementos constituintes daquele sistema ambiental, onde se incluem os aspectos socioeconômicos e culturais. Isto significa que, além dos estudos técnicocientíficos sobre a dinâmica biótica e abiótica, serão considerados no mesmo nível de importância os estudos jurídicos que, aliados aos primeiros, permitirão apontar as melhores soluções para o restabelecimento das condições socioambientais locais. Tendo em vista que os habitantes locais já se encontram bastante mobilizados e atuantes na primeira etapa do trabalho, a perspectiva é de que atuarão como coprotagonistas deste processo, o que resultará em um modelo de gestão plural e com grandes chances de perpetuar-se.


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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI, Diagnóstico Ambiental de Niterói. Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente. 1992. PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI Diagnóstico do Abastecimento Público de água tratada e esgotamento sanitário. IGPA, julho de 2014. PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI. Relatório de Impacto Ambiental do Corredor Viário Transoceânica. Disponível em: http://www.inea.rj. VACONCELLOS (2002) O Pensamento Sistêmico. O Novo paradigma da Ciência. Belo Horizonte. Editora Papirus, 9ª edição.


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