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# atualidade

conceito não é transversal a todas as gamas populacionais cobertas pela diretiva, o que tem suscitado algumas questões por parte dos diversos Estados-Membros. De facto, a DQA promove uma abordagem holística e integrada ao estabelecer um quadro para a proteção das águas superficiais interiores, águas de transição, águas costeiras e águas subterrâneas. No seu artigo 10.º determina que os Estados-Membros devem assegurar que as descargas em águas superficiais, incluindo as previstas na DARU, sejam controladas de acordo com uma abordagem combinada, através do estabelecimento e/ou implementação de valores limite de emissão (VLE) adequados.

Por outro lado, o Plano de Ação da União Europeia “Towards Zero Pollution for Air, Water and Soil” determina que “em primeiro lugar, a poluição deve ser evitada na fonte. Quando a prevenção total da poluição desde o início não for (ainda) possível, esta deve ser minimizada”.

Desde 2017, a Rede IMPEL1 tem vindo a estudar a utilização da água e a rejeição de águas residuais no setor industrial e urbano, tendo desenvolvido um guia de suporte à emissão de licenças de rejeição de águas residuais, preconizando a definição de VLE apropriados, de acordo com a abordagem combinada definida no artigo 10.º da DQA. Outro dos trabalhos incluiu o desenvolvimento de um índice para determinar a circularidade da água em unidades industriais2 e em ETAR urbanas. A aplicação deste índice a ETAR urbanas, em vários países, permitiu validar que as descargas com VLE definidos de acordo com os objetivos da DQA tinham um maior nível de circularidade quando comparadas com o simples cumprimento de valores tabelados (Rebelo et al., 2019; Farabegoli et al., 2018). I.e., a adoção de VLE apropriados permitem a promoção de valores naturais (e.g., serviços dos ecossistemas), ao mesmo tempo que promovem a minimização do uso de recursos. Outros estudos na Europa demonstraram igualmente a importância da definição de VLE adequados às metas da DQA (Undeman et al., 2022).

Assim, a imposição de níveis de tratamento terciário e quaternário, tendo em conta que uma determinada carga tem per si condições suficientes para demonstrar a ocorrência do risco, pode resultar em benefícios baixos ou negativos para o ambiente, uma vez que não integra a avaliação de eventuais sinergias entre a decisão administrativa baseada na carga e as diferenças entre as múltiplas massas de água recetoras (e.g., águas costeiras oceânicas versus lagos naturais ou mares fechados ou, por outro lado, elevadas cargas industriais em sistemas urbanos versus águas residuais com características predominantemente domésticas) Note-se que muitas decisões de carácter social e desenvolvimentos tecnológico podem ter consequências tanto para a saúde como para o ambiente e, subsequentemente, para a sustentabilidade a longo prazo dos sistemas sociais e económicos, dado que importantes compromissos e sinergias entre estas decisões podem ser facilmente negligenciadas por serem habitualmente tratadas de forma separada (Hauschild et al., 2022).

1 IMPEL – Rede da União Europeia para a Implementação e Execução da Legislação Ambiental.

2 Em instalações industriais abrangidas e não abrangidas pelo regime das emissões industriais.

A aplicação de um VLE com base numa simples perspetiva administrativa é inegavelmente fácil de propor, monitorizar e verificar o respetivo cumprimento. No entanto, como mencionado por Jirka et al., numa perspetiva ecológica, este simples controlo pode ser limitado por não considerar a resposta da própria massa de água (Jirka et al., 2004).

No considerando (11) da proposta de revisão da DARU é mencionado que os Estados-Membros devem ser obrigados a demonstrar a ausência de risco para o ambiente ou para a saúde pública com base numa avaliação do risco normalizada (CE, 2022). De facto, o uso da avaliação do risco é uma abordagem viável, confiável e robusta para definir VLE para descargas que requerem um nível de tratamento mais rigoroso do que o secundário. Esta abordagem permite, ainda, conceber soluções equilibradas, mais sustentáveis e eficazes, evitando os impactos ambientais adversos já referidos.

Às massas de água geralmente aplicam-se métodos quantitativos de avaliação de risco, baseados na avaliação da razão, entre as concentrações ambientais previsíveis (PEC) e as concentrações ambientais previsíveis sem qualquer efeito (PNEC) para a água, sedimentos ou biota (Amiard et al., 2015; Rebelo et al., 2022; Sanabria et al., 2023; Shakeri & Nazif, 2018).

O apoio ao processo de tomada de decisão tendo por base o uso de knowledge-based models já demonstrou ter viabilidade e aplicação em diferentes áreas, com resultados simples e de fácil aplicação, mas suportados em conhecimentos técnicos e científicos robustos. Um dos métodos mais utilizados é a análise de decisão multicritério, que permite avaliar a informação técnica disponível para apoiar decisões na área ambiental (Rebelo et al., 2022; Rebelo et al., 2014; Sanabria et al., 2023; Shakeri & Nazif, 2018; Topuz et al., 2011).

Em conclusão, considera-se, assim, que uma metodologia para a avaliação do risco no ambiente e na saúde humana, suportada numa análise multicritério poderá constituir uma ferramenta útil para a definição do nível de tratamento mais avançado que secundário adequado a cada rejeição de águas residuais urbanas. Este tipo de abordagem permitirá integrar a suscetibilidade da massa de água à poluição, onde vários fatores e respetivas relações são avaliados, nomeadamente a qualidade e estado das massas de água, as suas utilizações atuais e/ou previstas, bem como as características hidrogeológicas e geomorfológicas.

É indiscutível que os objetivos ambientais e de proteção de saúde pública devem ser ambiciosos e equivalentes para todos os Estados-Membros, mas as diretivas devem permitir, dentro de limites técnicos e cientificamente comprovados e até harmonizados, a possibilidade de estabelecer a melhor forma de os atingir, atendendo que existem características diferentes e especificidades em cada Estado-Membro.

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