Chupa Manga Zine nº 13

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chupa manga zine

número 13 ● agosto 2019

nesta edição: o ruidoso disco novo de hakaima sadamitsu 50 anos da obraprima das shaggs cultura como ferramenta de controle dicas quentes de documentários rara agenda de shows do selo transcrições e karaokê pirata bate-papo virtual e por aí vai


chupa manga zine

número 13 ● agosto 2019

expediente editor geral Stêvz colabora neste número Paula Holanda Cavalcante

cbna

Stêvz é o nosso fantástico editor, e apesar de preferir não empregar superlativos, referir-se a si mesmo na primeira pessoa do plural ou na terceira do singular, é exatamente isso que está fazendo agora. Assina todos os textos deste zine, exceto onde indicado.

fale conosco chupamangarecords@gmail.com chupamanga.tumblr.com Impresso, dobrado e grampeado em casa no inverno de 2019

Chupa Manga Records São Paulo • Pós-Brazil

na capa: soldados alemães com aparelhos portáteis de localização acústica, durante a Primeira Guerra


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OK, a periodicidade desta publicação já era, como você deve ter percebido. O último número saiu há cinco meses, mas a vida insiste em se meter no caminho. Como era de se esperar, a situação do país se agrava a cada dia. Continuamos afundando em um esgoto neofascista-negacionista-anticultural-anticientífico-entreguista-terraplanista-teocrático -latifundiário sem fim, e o buraco parece não ter fundo. Em meio a tudo isso, parece (ainda mais) inútil tentar criar as nossas musiquinhas bestas, mas sem isso o que nos resta? Pode ser pura alienação da nossa parte, mas parece melhor continuar exercendo algo de humano enquanto ainda podemos. A Amazônia está sendo devastada. A destruição caminha a passos largos, mas ela vem para todos. Por mais que uns poucos bilionários já estejam investindo na colonização de novos planetas, a nossa esperança é de que pelo menos eles se mandem logo daqui e não voltem. Mas que belo jeito de introduzir esta edição, hein? Nada como colocar as coisas em perspectiva: se você ainda não estiver deprimido/a, ou talvez por conta disso, tente se distrair um pouco com este zine. Falamos sobre os últimos lançamentos do selo, listamos dicas preciosas de sites e documentários sobre música e trazemos a transcrição de mais um grande sucesso que ninguém ouviu. Além disso, contamos com a participação especial da jornalista Paula Holanda Cavalcante, de Feira de Santana (BA), em um excelente texto sobre dominação cultural. E para quem não acompanha a nossa newsletter mensal, os anúncios das últimas páginas irão deixá-los a par de duas novas empreitadas.


SESSÃO MARMELADA

ais m e d o c r o p fy! i t o p s o a par NOVO DISCO DE HAKAIMA SADAMITSU

CHUPA.030 Hakaima Sadamitsu [feito pra quebrar] chupamanga. bandcamp.com/album/ feito-pra-quebrar

É RECUSADO PELA DISTRIBUIDORA


Lançado em 13 de junho deste ano, o novo álbum de Hakaima Sadamitsu — alter ego do amazonense Henrique Amud — traz nove faixas gravadas entre 2007 e 2019. Segundo o próprio, "o trabalho é um documento sonoro porcamente equalizado sobre a história da fotografia no século XIX, desde o primeiro negativo fixo até o surgimento das imagens em movimento". A capa se apropria da imagem heliográfica "Point de vue du Gras" (Vista da janela em Le Gras), criada pelo francês Joseph Nicéphore Niépce por volta de 1826 e considerada a primeira fotografia permanente do mundo. Mas mesmo tratando-se, obviamente, de obra em domínio público, estávamos receosos quanto à aprovação por parte da distribuidora. Já houve casos — como contamos em outras edições deste zine —, em que fomos obrigados a fazer ajustes, cortar faixas e mudar capas por exigência burocrática das plataformas, mas nada se compara ao que ocorreu desta vez: eles simplesmente SE RECUSARAM A DISTRIBUIR O DISCO, por "motivos editoriais" dos quais não quiseram entrar em detalhes, mesmo após o nosso questionamento. Infelizmente o álbum ainda não atinge os pré requisitos editoriais e/ou técnicos para ser aprovado.

Mas não se preocupe, você pode trabalhar seu material, refazendo a gravação, trabalhando melhor a capa, etc e no futuro submeter seu novo material a análise de nossos curadores. Pelo jeito o mercado fonográfico agora instituiu a crítica de arte travestida de serviço de distribuição, mas, veja bem, ao menos os conselhos motivacionais foram de graça! Esses novos intermediários podem simplesmente decidir o que entra ou não entra nos serviços de streaming por pura preferência estética de algum funcionário entediado que analisa o material ou de um algoritmo que dita "o que o público quer consumir". Nada de novo sob o sol, não é mesmo? Para os ouvidos um pouco mais curiosos (e menos frescos) que os dos fiscais da ONErpm, ouça o disco no nosso Bandcamp — uma plataforma em que os produtores de conteúdo ainda podem publicar pessoalmente as suas músicas, como Soundcloud ou Youtube, mas com ainda mais controle. Vale manter em mente a sugestão do autor para o intrépido ouvinte e leitor: Repetições são encorajadas, dentro e fora de contexto. Qualquer defeito na audição é culpa da sua caixa de som, não da minha.


últimosss singlesss

É PRECISO REFLETIR atrás do espelho sempre é tudo bagunçado do interruptor no fundo todo mundo é um tanto machucado mas amortece a dor uma moldura imaginária fabricada não consegue esconder a solidão que enfia o dedo na tomada sem nem saber por quê você precisa se enxergar no outro para perceber que o tempo quebra qualquer certeza que haja numa cabeça que pensa à beça é preciso refletir pra aguentar até o fim basta aprender a ouvir

NENHUMA BALADINHA BREGA DE AMOR desde que o tempo virou meu violão desafinou e não adianta mais tentar inventar nenhuma baladinha brega de amor eu não quero mais nem saber de acorde e sei lá mais o quê se eu já não tenho nada mais pra dizer não adianta nem tentar começar uma canção qualquer pra gente cantar igual a tantas milhões de canções que já devem existir por aí sem ninguém pra ouvir e no fim vai ser sempre assim mas o que é que eu posso fazer se uma delas me aparecer tudo o que me resta agora é terminar antes que alguém termine no meu lugar


you can never please anybody in this world Há 50 anos, nascia um dos discos mais peculiares da história. Dot, Betty e Helen — três jovens irmãs de New Hampshire obrigadas pelo pai a fazer música para cumprir uma profecia de que elas se tornariam um grupo de sucesso —, registraram em poucas horas uma dúzia de canções juvenis, no que se tornaria o hoje cultuado álbum "Philosophy of The World". O pai e empresário Austin Wiggin Jr. queria gravá-las "enquanto ainda estavam quentes", mesmo que cruas, e a evidente desconexão entre os instrumentos gera reações extremas até hoje: da rejeição imediata à audição minuciosa em bus-

ca de poliritmias e microtonalismos supostamente intencionais, embora improváveis. Em homenagem a esse clássico, gravamos duas versões que tentam prestar tributo tanto à aparente inocência das canções quanto às suas camadas mais profundas. São reinterpretações nada puristas em relação à facsimilaridade com o álbum, mas que ainda assim se apropriam da sua essência. ("You respect but I love", como teria dito Stravinsky aos críticos de suas alterações dos clássicos russos.) Tentamos enxergar a nossa própria verdade dentro delas, em vez de reencenar uma caricatura do original, como parece ser a regra. É verdade que uma boa referência para tudo isso foi a linda gravação de Ada para a faixa título, no tributo "Better than the Beatles", de 2005. Vale conferir. #outsidermusic #artbrut

OUÇA: chupamanga.bandcamp.com youtube.com/channel/ UCADE9WztoV1flm8vILXICJw


MUAMBA

formatos físicos improváveis

ONDE É QUE A GENTE FOI SE METER (vinil 7") Lançamos esse compacto em junho, meio no impulso, em tiragem limitadíssima de quatro cópias e sem numeração oficial. Foi fabricado em lathe-cut pela Lombra Records e traz alguns dos últimos singles de Stvz, além de uma faixa inédita. #psicodelia #psych #stoner

COMPUTER MUSIC (cassete) Esse disco eletrônico de 2015 chega finalmente ao mais querido e portátil dos formatos obsoletos, em parceria com o selo brasiliense Tudo Muda Music. Tire a poeira do walkman para ouvir esse clássico em fita cassete bicolor e com duas opções de caixa (amarelo mostarda ou vermelho catchup). #eletronica #midi #instrumental


COMPRE: chupamanga.iluria.com

IMPOSTOR (vinil 12") O último álbum cheio de Stvz ganhou uma versão em LP lá fora graças a um gringo doido que curtiu o som e bancou a tiragem de 200 exemplares via Chupa Manga — mais sobre isso em alguma edição futura. Já está disponível na loja Dusty Groove, em Chicago. Nós ainda não temos cópias, mas se você souber de alguém vindo dos EUA pra cá e que possa trazer alguns na mala, por favor nos avise.


ENTREGANDO O OURO

in-edit festival br.in-edit.org/ open.spotify.com/user/ ineditbrasil

Em junho aconteceu a 11ª edição do festival InEdit, em São Paulo, com mais de 50 filmes sobre música sendo exibidos em diversas salas de cinema da cidade, de graça ou a preços populares. Os títulos iam de documentários sobre artistas nacionais (Dorival Caymmi, João Gilberto, Alceu Valença, Edy Star, Arrigo Barnabé, Clementina de Jesus e muitos outros) e internacionais (Elvis, Fela Kuti, Miles Davis, Ryuichi Sakamoto, Joan Jett, New Order) a movimentos mais amplos (como as guitar-bands dos anos 1990, a nova cena independente feminina, rap, funk, dancehall), passando pela história de selos fundamentais (Blue Note, Trojan Records). Tudo isso também foi espertamente reunido em playlists temáticas por estilo e filmes no maldito Spotify. O Festival nasceu em Barcelona em 2003 e hoje é realizado em diversos países como Espanha, Chile, Grécia, México e Colômbia. No Brasil, o In-Edit ocorre desde 2009.


e ainda: cool daddio: the second youth of r. stevie moore (2019) Graças a uma campanha de financiamento coletivo no site Kickstarter, as diretoras Monika Baran e Imogen Putler conseguiram bancar esse filme sobre a recente redescoberta do "pai da gravação caseira" pela geração millennial — provavelmente devido a artistas influenciados por ele como Ariel Pink e Mac DeMarco —, o que lhe rendeu alguns relançamentos, shows e turnês internacionais, aos 60 e tantos anos de idade. Multiinstrumentista e compositor incrivelmente prolífico, Moore realmente vinha sendo negligenciado pela história, mesmo possuindo uma discografia de mais de 400 álbuns, entre pérolas pop, instrumentais espaciais, spoken word, folk tunes, ópera rock e tudo o que desse na telha, com destaque para a sua produção dos anos 1970. O filme estreou este ano e ainda está rodando festivais, então não deve estar disponível por aqui tão cedo, infelizmente. cooldaddiofilm.com touch the sound: a sound journey with evelyn glennie (2004) Há pouco tempo, o algoritmo malandro do Youtube me apresentou a percussionista virtuosa escocesa Evelyn Glennie, em um TED talk com imagem e som sofríveis, mas foi o bastante para me fazer pesquisar tudo o que pudesse sobre ela, passando pela sua execução do "Concerto para Marimba" do brasileiro Ney Rosauro, a bootlegs de uma apresentação com Naná Vasconcellos, e chegando, enfim, nesse lindo documentário. Nele, Evelyn conta a sua história de adaptação — ela é praticamente surda — e aprendizado musical, e realiza diversas performances em locais inusitados como o pátio de uma estação de metrô, o telhado de um prédio em construção e uma fábrica abandonada, onde grava um disco de improviso com o músico Fred Frith. youtu.be/Px8JC5DfoWs

every noise at once Não me lembro de como diabos fui parar nesse curioso site, descrito pelo seu criador Glenn McDonald como "uma tentativa, em progresso, de um gráfico de dispersão do gênero-espaço musical, gerado algoritmicamente". Baseado na análise de dados de 3295 gêneros no Spotify, o mapa posiciona os estilos de acordo com certos critérios sonoros gerais: para baixo, mais orgânico; para cima, mais mecânico e elétrico; para a esquerda, mais denso e atmosférico; e para a direita, mais "pontudo" e "saltitante". Você pode clicar nos links para ouvir exemplos, e expandir os gêneros para ver um mapa de artistas. É possível, também, pesquisar diretamente algum nome específico, como obviamente fizemos com as bandas do nosso selo (que se encontram em algum lugar entre "brazilian indie rock" e "brazilian neo-psychedelic", segundo ele). A coisa ainda tem outros tantos desdobramentos, como os gêneros mais escutados em cidades específicas, os extremos de cada categoria, e muito mais. everynoise.com forgotify Uma ferramenta bem direta ao ponto: o site disponibiliza faixas aleatórias que nunca tiveram nem um play no Spotify. Pode ser uma boa forma de descobrir sons inusitados, já que você nunca vai encontrar a mesma coisa duas vezes (o seu play fará as faixas saírem da lista, óbvio). forgotify.com How did YouTube become the most popular music streaming site? By sounding like the world itself Um artigo bem interessante do crítico Chris Richards sobre o mundo ainda caótico e passível de ser explorado do Youtube, a plataforma mais utilizada para se ouvir música no mundo. Porque é bom se perder de vez em quando... washingtonpost.com/people/chris-richards


Ilustração do livro Kipling Stories and Poems Every Child Should Know, de Rudyard Kipling (Doubleday, Page & Company, New York, 1909)


ENSAIO

por paula holanda cavalcante

cultura como ferramenta de controle

Em 1797, em uma floresta na região francesa de Aveyron, três caçadores encontraram um garoto de comportamento selvagem e, aparentemente, com um histórico de pouco contato com outros membros da espécie humana. Ele então foi transferido para uma comunidade, em uma tentativa frustrada de ressocialização, mas fugiu dela em menos de uma semana. Alguns anos depois, a criança, que era incapaz de andar, falar ou se comunicar com outras pessoas, foi identificada mais uma vez e entregue às autoridades. As análises profissionais posteriormente realizadas sobre o garoto indicaram que ele foi abandonado aos quatro ou cinco anos de idade, e seus hábitos primitivos foram, a princípio, tidos como irreversíveis.


Entre 1801 e 1806, o médico-pedagogo Jean Itard escreveu relatórios para apresentar suas experiências científicas enquanto educador da criança, a qual ele nomeou como “Victor”. Em suas análises, Itard afirmou que “toda sua existência era uma vida puramente animal”. A história de Victor motivou a produção do longa-metragem francês “O garoto selvagem” (no original, “L’enfant sauvage”), drama que foi dirigido em 1970 por François Truffaut, e me lembro bem de tê-lo visto em sala, na aula do meu primeiro professor de sociologia. Durante a minha infância, tive contato com outras ficções sobre garotos criados na selva, tais quais “Tarzan” e “Mogli: o menino lobo”, mas as investigações de Itard, assim como o filme de Truffaut inspirado por elas, mostram que essas animações estão muito distantes de representar o que seria o verdadeiro comportamento de um garoto selvagem, e a maior parte de nossas atividades, mesmo aquelas que nos parecem naturais, são meros espelhos da convivência que temos com outros seres humanos ao longo de nosso desenvolvimento.

Não é nenhuma novidade pensar que nossas identidades são formadas a partir de vínculos que temos com outras pessoas — essa observação é bem banal nos estudos em sociologia, e já foi levantada tanto por psicólogos como Piaget ou Vygotsky quanto por, por exemplo, artistas como Kurt Cobain. Contudo, muitas vezes parecemos não analisar com malícia o quanto a nossa internalização de padrões de fato afeta nossos gostos, discursos e posturas. É seguro afirmar que nossas identidades, além de se constituírem de forma sociocultural, são também moldadas por projetos políticos que funcionam, em parte, de maneira velada. As reflexões que faço frequentemente, desde que assisti a “O garoto selvagem” na escola, são as seguintes: seria possível existir uma experiência de identidade e liberdade genuína, sabendo que estamos todos fadados à influência da sociedade (e dos seus jogos de poder) se quisermos viver como seres humanos? Como realizar uma escolha sem que as marcas, corporações


mente, meus hábitos de consumo cotidianamente, quanto mais compreendia as relações de poder, como elas nos influenciam e são naturalizadas na sociedade. Como consequência, minhas experiências artísticas e culturais ficaram cada vez mais plurais e receptivas ao diferente, apesar ... enquanto a cultu- das limitações e preconra não for diversa, e ceitos que sempre exisnão apresentar uma tirão (afinal, somos seres variedade de poéhumanos).

e os padrões de beleza e comportamento estejam indiretamente envolvidos? Seria possível existir essa escolha, quando até mesmo os nossos modos mais elementares são determinados por nossas relações sociais?

A coerção pela qual performam os interesses de corporações, governos e de demais grupos dominantes se faz pulsanticas, ela não será te em dogmas hipócritas uma representação disfarçados de hierarquida nossa sociedade, Em suas análises sobre a hegemonia cultural, nos zação cultural. É justae sim do poder. "Cadernos do Cárcere", mente a cultura desses Antonio Gramsci propõe que um grugrupos que deve prevalecer e ter vanpo domina outro através da universalitagem sobre as outras; a cultura dos zação de seus hábitos e valores. Desta acadêmicos, corporativistas, milionámaneira, o controle funciona não só rios, dos que detêm privilégios sociais: por meio da imposição de uma culesta deve ser admirada e proliferada tura através de hierarquias e padrões em detrimento das culturas dos indisociais, como também pela naturalivíduos excluídos, que por sua vez são zação dessa imposição (o que Bourabandonadas, rejeitadas e socialmente dieu e Passeron chamam de “dupla negligenciadas. A diversidade cultural violência”). Essa naturalização ocorre e a depreciação do lucro e das hierarmediante, principalmente, aos denoquias andam de mãos dadas. Eu pasminados aparelhos ideológicos do Essei a exercitar o questionamento sobre tado. No livro “Ideologia e aparelhos as minhas ideias, atitudes e, principal-


ideológicos do Estado”, de 1970, Louis Althusser lista as seguintes categorias como sendo aparelhos ideológicos: o sistema político e seus partidos, a religião, a escola, a família, o direito, os sindicatos, a informação (a imprensa, o rádio, a televisão) e a cultura (as belas artes, a literatura, o esporte...). Por “aparelhos ideológicos do Estado”, Althusser se refere às instituições que operam a exclusão através da ideologia (e diferenciam-se dos aparelhos repressivos do Estado, que operam a exclusão através da violência, como, por exemplo, o exército ou a polícia). Essas instituições contribuem para garantir a permanência do status quo e naturalizar opressões e injustas relações de poder, de modo que não pareçam ser o que são: um sistema cruel e arbitrário, que não manifesta nenhuma justificativa que possa ser considerada verdadeiramente instintiva ou orgânica. Assim sendo, eu destaco, mais uma vez, uma categoria de aparelho ideológico específica: a cultura. De acordo com o editor e historiador V. Vale, em 1993, na introdução do livro “Incredibly Strange Music”:

A sociedade usa a estética para nos controlar através de nossos padrões de compra e para nos coagir a comprar mercadorias de preços altos. [...] Em geral, a identidade das pessoas é baseada no que elas compram; seus valores ou senso de autoestima estão ligados ao que possuem, com um sistema de julgamento hierárquico que diz que um Rolex ou um BMW são “melhores” porque custam mais caro.

E ainda: O ato de um indivíduo criar suas próprias categorias e avaliações para qualquer campo cultural constitui um desmantelamento do sistema de controle do status quo que comanda nossas vidas e percepções através de “estéticas” implantadas — o que a sociedade julga bom ou mau (alta e baixa cultura). Nada — especialmente arte — existe por si só, mas sempre em relação ao seu contexto. Cada geração redescobre e reavalia fenômenos culturais e artísticos enquanto a perspectiva histórica muda.

Um exemplo que gosto de utilizar para ilustrar como a recepção e a ideia de “qualidade” são extremamente ligadas ao contexto histórico em que esses fenômenos estão inseridos, bem como aos arquétipos difundidos em tal con-


texto, é a ilustre terceira edição do Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, que aconteceu em 1967. A beatlemania e a influência crescente das canções de Elvis Presley (que, aliás, era vendido como pioneiro), a contracultura, as drogas, a sexualidade exacerbada, entre outras perturbações da gringa, finalmente estavam contaminando o Brasil. Em contrapartida, nesse mesmo ano, poucos meses antes, um grupo de puristas da MPB que foi organizado por Elis Regina e integrado por nomes como Geraldo Vandré e Jair Rodrigues instituiu uma marcha contra a guitarra elétrica e a disseminação da música estrangeira no país, em custódia do choro e do samba. No Festival da Record, Caetano Veloso ainda era novidade e cantou sua música “Alegria, Alegria”, acompanhado da banda Beat Boys. As guitarras elétricas prontamente incitaram vaias por parte do público. Gilberto Gil também foi vaiado quando apresentou sua canção “Domingo no Parque” ao lado de Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, que na época estavam iniciando seus trabalhos com Os Mutantes. Ironicamente, hoje são todos nomes profundamente celebrados e muito defendidos por uma

geração subsequente de puristas, que agora criticam computadores, samples e instrumentos MIDI. E por que é interessante (e necessário) se pensar em uma multiplicidade de manifestações culturais? Simplesmente porque enquanto a cultura não for diversa, e não apresentar uma variedade de poéticas, ela não será uma representação da nossa sociedade, e sim do poder. Quanto mais heterogêneo for o nosso imaginário, mais será também divertido e inovador. Dê uma outra chance àquele disco ou filme que você achou esquisito ou mal-ajambrado... O que é “bom”? Quais critérios são usados pela crítica para categorizar algo como “bom”? Quem é essa crítica, e o que a torna tão legítima? O que é “bem feito”, “bem produzido”? O que é “alta cultura”, “baixa cultura”? A resposta para todos estes questionamentos será sempre política, e certamente influenciada por noções hegemônicas. E no final das contas, os verdadeiros grandes artistas são aqueles que compreendem que o agradável e valoroso é bastante subjetivo, não se importam com as tendências e buscam desafiar essas noções...


play along

eu preciso sair mais de casa

Š Stvz, 2018


na minha cabeça não dá mais pé na minha cabeça não dá mais pé deixa de bobeira, hoje é sexta-feira todo mundo bebe pra falar besteira deixa de ser chato e vê se aprende a se divertir com a gente pra sorrir na foto a minha orelha já esquentou a minha carteira se esvaziou

(...) e essa noite nunca vai acabar outra saideira, outra saideira blabla blabla bla bla blabla blabla bla bla vira mais um copo e vê se encontra alguma coisa lá no fundo da garrafa cheia


SHOWS que você perdeu




os jovens já estão por dentro do novo grupo exclusivo do nosso selo na internet!

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