Sergio Bernardes

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SERGIO BERNARDES

Organização: Kykah Bernardes Lauro Cavalcanti Rio de Janeiro 2010

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Alfredo Britto Ana Luiza Nobre André Correa do Lago Farès el-Dahdah Guilherme Wisnik João Pedro Backheuser Lauro Cavalcanti Monica Paciello Vieira Murillo Boabaid Rafael Cardoso

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SUMÁRIO 8 Kykah Bernardes Por que o livro? ENSAIOS 10 Lauro Cavalcanti Desarrumar o Arrumado: uma introdução a Sergio Bernardes 28 Ana Luiza Nobre Malhas, redes, cabos e triângulos 46 Farès el-Dahdah Uma oportunidade perdida: o aeroporto sem precedente de Brasília 54 Murillo Boabaid Pavilhões 64 João Pedro Backheuser Estruturas que se lançam no espaço 74 André Correa do Lago A arquitetura residencial de Sergio Bernardes 86 Monica Paciello Vieira O palácio dos reflexos e o espaço dos Sete Mundos 102 Rafael Cardoso O curioso caso de Sergio Bernardes: investigações conceituais de um "arquitudo" no mundo do design 120 Guilherme Wisnik A civilização tropical e o seu contrário 130 Alfredo Britto Sergio Bernardes e o Rio ELE MESMO 140 Considerações de base 144 Estudos de habitação popular 170 Filosofia urbana 176 A cidade é uma ameba. Não cresce, se espalha 178 O Rio do futuro 202 Entrevista, 1976 212 LIC – Laboratório de Investigações Conceituais 214 Terrismo: uma ideologia 216 Os caminhos da primeira civilização tropical: um continente se transforma em país 219 DESENHOS 228 Versão para o inglês 298 Créditos

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POR QUE O LIVRO? Concordei em fazer este livro, movida por duas razões principais. A necessidade de tornar conhecida do público a vasta e diversificada obra de Sergio Bernardes, e a forma como recebi o convite para fazê-lo. O pedido partiu de um desejo expresso por Christiana, primogênita de Sergio, por quem tenho enorme carinho, e que, por telefone enquanto eu estava em férias, visitando meus familiares, se manifestou da seguinte forma: “Kykah, encontrei a pessoa certa para fazer o livro de papai... Assim que voltar quero muito que a conheça”. Confesso que me furtei a inúmeros convites feitos anteriormente, mas aquele pedido me causou um impacto positivo. Christiana estava muito entusiasmada e fiquei curiosa em saber quem teria despertado nela aquele sentimento. Pois bem, ao retornar, pedi para que marcassem a reunião. E, qual a minha surpresa! Também, fui contagiada pelo mesmo entusiasmo. Na primeira reunião Ana Regina Machado Carneiro, hoje nossa editora, me passou a confiança de quem trabalhava com amor pelo que faz, e me deu a certeza que faríamos um trabalho, não de afetos, como já havia sido sugerido em outras ocasiões, mas como ela mesma falou: “Um livro com afeto”, e permito-me dizer que depois de quase dois anos de dedicação, isso, de fato, ocorreu. Nosso trabalho nos proporcionou enorme prazer e muitas alegrias. Escolhemos, em conjunto, o nome de Lauro Cavalcanti para nos ajudar a organizar o livro. Ele já havia escrito sobre Sergio (na Série “Perfis do Rio”, Rioarte, 2004), já tinha vivido a experiência de ter trabalhado com Bernardes, na montagem da exposição no Museu de Arte Moderna do Rio, em 1983; portanto, além de ter uma visão crítica aguçada e de seu vasto conhecimento

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acerca da arquitetura moderna, já estava bastante familiarizado com a obra do arquiteto. Nunca antes havia concordado em editar um livro sobre Sergio por julgar prioritário tratar e catalogar seu vasto acervo documental. Bernardes, por sua vez, nunca o fez e costumava dizer: “Os conceitos envelhecem numa rapidez espantosa”. Quando algum editor acenava-lhe com a possibilidade, não mostrava projetos antigos. Estava sempre criando um mundo novo, cheio de possibilidades. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em abril 1963, ele dizia: “Como arquiteto, sou um artista que cria por intermédio da análise da verdade do momento que amanhã pode estar ultrapassada, e tornar-se uma mentira.” E, por pensar dessa forma, somente agora, em 2010, seu acervo começa a ser desvendado, não tendo sido, até o presente momento, tecnicamente tratado ou catalogado na sua totalidade, por se tratar de um trabalho especializado que necessita de equipamentos e local adequado para seu acondicionamento e guarda. Por isso, num primeiro momento, pensamos em organizar o livro com conteúdo que mobilizasse minimamente os arquivos. Além disso, preocupava-me o fato de ser a única a ter conhecimento das dificuldades a serem enfrentadas em decorrência das reais condições em que os mesmos se encontravam. Só aceitei o desafio porque pude contar com a dedicada ajuda de Monica Paciello Vieira, arquiteta que foi estagiária de Sergio, e de Murillo Boabaid que o acompanhou em sua trajetória profissional no período de 1952 a 1986, como seu colaborador e mais tarde sócio. Pensamos em produzir um livro de ensaios para o qual precisaríamos apenas de imagens para as ilustrações. Ledo engano, pois os ensaístas precisavam de fontes de pesquisa para escre-

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ver sobre os temas propostos, e além disso, ocorreu um fato inesperado. Recebi o convite para participar, com obras de Bernardes, na mostra “Desvios de La Deriva”, no Museo Reina Sofia, de 4 de maio a 23 de agosto de 2010, em Madri, e, num impulso de (ir)responsabilidade, aceitei a tarefa que me obrigaria a incursionar pelo acervo, mesmo sabendo que podia ser o começo de um enorme desafio. E assim, cada desenho, cada planta, cada texto era uma descoberta única. E, a cada reunião para traçarmos o desenho do livro, nas quais eu apresentava as novidades, o projeto ia se transformando. Lembro-me de Sergio diante da prancheta ou do computador (equipamento que usava mas que não operava, e onde projetou nos seus últimos sete anos de vida), com entusiasmo infantojuvenil, fazendo descobertas e encontrando soluções, fruto de estudos e pesquisas em sua busca da melhoria da qualidade de vida dos seus semelhantes, os “anônimos”, como gostava de a eles se referir. E, ali passava muitas vezes dezoito, até vinte horas por dia. Era um obstinado, que pouco dormia e, muitas noites, ao longo de quase duas décadas, eu o via levantar-se, pouco tempo depois de se deitar, movido por alguma nova invenção que se apossava de sua mente aguçada e que lhe forjava um temperamento de vulcão em erupção. Além disso, exercia verdadeiramente uma relação de amor com aqueles que o cercavam, respeitando-os em suas individualidades, sem preconceitos ou distinção. Sergio era extremamente amoroso e bem humorado no exercício de seu ofício, vocação manifesta desde a mais tenra infância, com o qual mantinha prática sacerdotal, sem férias ou descanso, e apesar de viver envolto em mapas territoriais e de satélites, muitos mandados vir da Nasa, era capaz de abandonar o que quer que fosse para fazer a casa do porteiro ou de nossa assistente

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doméstica. É preciso dizer que este livro não começa aqui. Ele é fruto do estímulo e ajuda de várias pessoas queridas admiradoras da obra e da personalidade de Bernardes e que colaboraram, todos, para torná-lo possível. Começando com a primeira iniciativa de Cesarina Riso, que abrigou o acervo em sua propriedade, ajudando a salvá-lo do abandono em que se encontrava em 1995, nas dependências do prédio construído para abrigar o Laboratório de Investigações Conceituais (LIC), até a guarda nas dependências da Fundação Oscar Niemeyer, quando o próprio Niemeyer ao tomar conhecimento através de Ana Lúcia Niemeyer, a quem eu havia procurado, num gesto solidário ofereceu abrigo. Havia entre Sergio e Oscar uma cumplicidade enorme. Quando se encontravam, se olhavam fazendo umas caras e expressões, que indicavam, claramente, que ambos sabiam no que o outro estava pensando, pois sempre faziam algum comentário ao tempo em que conviveram no escritório da Cinelândia e nas cercanias da Lapa. Eram encontros muito calorosos e riam a valer! Eu e Ana Lúcia presenciamos muitos desses encontros. Agradeço, ainda, ao apoio e carinho que recebi de Renata Proença, Grace e Victor Gradin, Rosa e Mansur Kathuian, Nininha Magalhães Lins, Christiana e Thiago Bernardes que durante todo o percurso me ajudaram, principalmente, nos momentos mais difíceis com estímulo e carinho. Este livro nos oferece a chance de um encontro com as ideias e propostas de um obstinado livre pensador. São projetos assustadoramente atuais, muitos deles, ainda, inovadores, mesmo tendo sido criados, alguns, há mais de cinco décadas e, divulgá-los é o principal motivo da existência desta edição. Não tenho dúvidas que o legado de Sergio Bernardes sobreviverá a todos nós e será valioso para as gerações futuras. Kykah Bernardes

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DESARRUMAR O ARRUMADO: UMA INTRODUÇÃO A SERGIO BERNARDES

Lauro Cavalcanti

O entendimento da arquitetura moderna brasileira não é completo sem levar em conta a obra múltipla e consistente de Sergio Bernardes. Os desafios que se colocam hoje serão melhor enfrentados se nos detivermos em suas realizações, em suas propostas e nas atualíssimas questões que elas apresentam. A sua trajetória representa, concomitantemente, uma radicalização e crítica do projeto moderno de mudança da realidade social por intermédio da arquitetura e do urbanismo. Quando inicia sua carreira o moderno já estava implantado no Brasil, permitindo-lhe ultrapassar, estrutural e ideologica-

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Sergio Bernardes em sua residência, 1995

mente, as premissas do movimento. Produz nos anos cinquenta e sessenta um impressionante conjunto de residências e estruturas nascidas da exploração, rara entre nós, de estruturas metálicas e materiais construtivos que se originaram em sua prancheta. Nos anos setenta, analisando o impacto da arquitetura no meio urbano, Bernardes se decepcionou com o pequeno resultado obtido, pois até os mais revolucionários objetos produzidos eram tragados e neutralizados pela estrutura obsoleta e massiva das cidades. As mudanças estéticas, longe de catapultarem a transformação da sociedade, tornavam-se inócuas e catalogadas como apenas um dos inúmeros estilos que sempre haviam surgido. Denunciou como falsa a opção do lema “Arquitetura ou Revolu-

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ção”1 com o qual, nos anos vinte, Le Corbusier (1887-1965) cortejara grandes empresários e governos. O pioneiro moderno argumentaralhes que as novas tecnologias construtivas permitiriam estabelecer melhores padrões econômicos e sociais para um mundo em crise, evitando uma cruenta revolução que, de outro modo, fatalmente adviria. Para Bernardes, nem arquitetura nem revolução. Propunha contínuas mudanças para alcançar formas livres, saudáveis e justas para o ser humano. Evoluções provocadas pelo uso da formação analítica e prospectiva do arquiteto, em equipes interdisciplinares que repensariam, longe das peias ideológicas vigentes, a relação entre capital e trabalho e a estrutura geopolítica e administrativa dos conglomerados humanos.

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É esse amplo espectro de atuação que este volume começa a desvendar. Uma das áreas de incontestável melhora no Brasil é o mercado editorial de arquitetura. Antes restritos a livros e arquitetos que não ultrapassavam os dedos das duas mãos, temos hoje uma ampla oferta dos mais diversos temas e arquitetos, examinados sob múltiplos pontos de vista. Um crescente interesse internacional sobre Bernardes – exposições e ensaios em importantes centros e publicações europeias – contrasta com uma pouca presença editorial de sua produção.2 Este livro é um passo importante para que as obras e ideias do arquiteto e inventor social saiam da relativa sombra na qual permaneceram nos últimos anos. Dois fatos explicam a ausência de livros sobre sua obra: o desinteresse do próprio arquiteto e o desconcerto causado nos historiadores ortodoxos. Sempre que chamado para publicar projetos de arquitetura, Bernardes preferia expor suas propostas mais amplas. Dar publicidade a trabalhos já feitos não o atraía: “Como eu vou fazer um livro sobre arquitetura se ela é um processo de objetos urbanos em permanente rejeição por parte das cidades?”3 Desarrumar o arrumado: desde o início da década de 1950, a linguagem de Bernardes demonstrava sua liberdade, pois misturava influências até então consideradas antagônicas. Partia do interior para o exterior, privilegiava os detalhes e adotava uma postura minimalista em relação à distribuição espacial, imperando o ângulo reto em suas construções da fase inicial. Diversamente dos demais arquitetos cariocas – cuja linguagem partiu, inicialmente, de um diálogo com a tradição francesa de Le Corbusier –, a sua arquitetura guardava, em alguns aspectos, uma relação mais estreita com a concepção racional e minimalista de Mies van der Rohe

Selo comemorativo – Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Bruxelas, Bélgica, 1958

(1886-1969). Havia nas suas casas, contudo, um constante diálogo com a natureza circundante, postura oposta àquela de Rohe, que as isolava do mundo imperfeito ou as deixava ter a arquitetura em vidro atravessada pela paisagem, como na residência Farnsworth. A troca visual com a natureza, o uso de materiais sem revestimento algum – de modo a explorar suas texturas naturais –, assim como uma dominância horizontal nas composições, o aproximaria da linguagem orgânica que tinha no americano Frank Lloyd Wright (1867-1959) o seu maior expoente. Ao criar uma arquitetura própria, concomitantemente orgânica e racional, Bernardes ajudou a descaracterizar e tornar ineficaz tal divisão simplista para o entendimento da produção arquitetônica. Sem descartar o concreto armado, explorou as potencialidades de estruturas metálicas e, em algumas composições, antecipou uma linguagem que acentuava as sensações estéticas de peso estrutural. A obra de Bernardes dificultou a homogeneização redutora que se tinha a respeito de uma escola carioca na qual preponderariam atributos de leveza e linhas sinuosas em oposição ao “brutalismo” dos arquitetos paulistas.

Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Bruxelas, Bélgica, 1958

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O Livro O livro está estruturado em duas grandes partes: na primeira, especialistas se debruçam sobre a obra de Bernardes, estabelecendo uma análise polifônica de seu trabalho, enquanto, na segunda, textos seus permitem que o leitor se familiarize, sem intermediários, com o seu pensamento. Abrindo o volume Ana Luiza Nobre examina, com estudos de casos que percorrem boa parte da trajetória do arquiteto, as concepções estruturais por ele desenvolvidas e o seu fascínio por elementos industrializados. Sublinha o atraente paradoxo de a lógica serial fundamentar, em seus prédios, singularíssimas soluções originais. Partindo da constatação que os terminais em terra estavam defasados em relação aos supersônicos progressos obtidos no ar, Bernardes projetou um aeroporto “revolucionário” inspirado na lógica dos porta-aviões. Através do exame do folheto distribuído às autoridades diplomáticas na cerimônia de inauguração da cidade, Farès el-Dahdah demonstra que Lucio Costa (1902-1998) considerara incluí-lo no plano de Brasília, fato não muito comentado na historiografia arquitetônica. O projeto figuraria, em 1960, nas páginas do número especial sobre o Rio do Futuro da revista Manchete. O seu modelo inovador foi posteriormente aplicado, por diferentes arquitetos, em vários locais, entre os quais um dos terminais do aeroporto parisiense de Roissy. Murillo Boabaid, parceiro de escritório na Sergio Bernardes Associados, aborda os revolucionários pavilhões feitos nos anos cinquenta e sessenta: o da CSN em São Paulo, um verdadeiro manifesto das possibilidades oferecidas pela estrutura metálica; outro, destinado a mostras 14

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industriais, em São Cristóvão no Rio de Janeiro e aquele que se tornaria um dos destaques da exposição internacional em Bruxelas, devotada a antevisões do futuro. João Pedro Backheuser, que realizou intensas entrevistas com Bernardes em seus últimos anos de vida, estuda projetos como o estádio do Corinthians, a sede do Instituto Brasileiro do Café, o Mausoléu Castelo Branco e a Escola Superior de Guerra. Demonstra como o seu talento e espírito aventureiro levaram-no a uma intensa busca por novos sistemas estruturais, novas tecnologias e aplicações para materiais e elementos construtivos, de modo a atingir soluções formais diferenciadas. Bernardes produziu algumas das mais belas casas da arquitetura brasileira. Até seus críticos mais renitentes reconhecem-no um exímio criador de residências. Através de alguns estudos de caso, André Correa do Lago examina como Bernardes era uma verdadeira “fábrica de ideias” a lançar mão de recursos tradicionais e experimentais em busca da renovação da habitação moderna em nosso país. Em duas residências, a paulistana Mansur e a carioca dos Khoury, Sergio Bernardes teve ocasião de fazer projetos totais abrangendo, da estrutura geral às ferragens e louças, todos os pormenores da construção. Em processos longos e pessoais, Bernardes trouxe concretude aos desejos dos clientes, assim como neles despertou sonhos. São esses dois exemplos – comparáveis a algumas realizações de Frank Lloyd Wright e de Gío Ponti (1891-1979) – que Monica Paciello Vieira estuda, evidenciando a desenvoltura com a qual Bernardes transitava, com o mesmo rigor e atenção, da macroescala aos mínimos detalhes de seus projetos. Visarga, Alaska, c. 1980

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Perdeu-se assim a oportunidade de antecipar uma forte tendência que se firmou posteriormente: uma arquitetura não presencial de espaços semifixos. O memorial dos Vulcões de Paris é uma boa entrada para se entender pontos do ideário de Bernardes. Dedica um parágrafo para explicar sua especial admiração pelo escritor francês a quem dedicou o projeto: “Relendo a obra visionária de Jules Verne, depois de haver visto Star Wars no cinema, constatei que o pai da ficção científica, diferentemente de seus melhores discípulos, não precisou jamais do décor de mundos e séculos futuros para criar suas previsões científicas e tecnológicas. Seus heróis eram pessoas do século 19 que se entregavam a novas descobertas”.9 Não é demasiado associar essa observação à constante e firme recusa de Bernardes ao epíteto de visionário futurista que muitos lhe queriam pespegar. O rigor e o detalhamento de seus planos dentro de uma tecnologia possível afastavam-no, completamente, de um utopista ligeiro. Para ele o importante não era fazer hoje ou amanhã, mas saber que era possível e real executar planos fora dos confortáveis padrões ortodoxos. Em uma praia do Nordeste, em contexto cultural absolutamente diverso e condições climáticas praticamente estáveis todo o ano, Bernardes teve a mesma preocupação de a construção contar o menos possível na paisagem: “A natureza é de tal exuberância que a arquitetura não deve aparecer: é um fenômeno de mimetismo. Se Tambaú é cercado de dunas, é tirar partido de uma das dunas e o hotel se inserir nelas”. Surgiu desse modo o Hotel Tambaú, em João Pessoa na Paraíba. Dois anéis circulares concêntricos de concreto implantados à beira-mar estão integrados à paisagem marítima, protegidos das ondas por um pequeno quebra-mar Os Vulcões de Paris. Projeto para o concurso do Parc La Vilette, Paris

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Hotel Tambaú, João Pessoa, PB, 1962

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MALHAS, REDES, CABOS E TRIÂNGULOS

Ana Luiza Nobre

Se com a casa de Lota Macedo Soares, em Petrópolis, Sergio Bernardes dá início à pesquisa da lógica serial, é com o pavilhão da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em São Paulo, que sua obra vai assumir um embate mais resoluto – e público – com a dinâmica da produção industrial. Daí em diante a obra do arquiteto vai exibir soluções estruturais cada vez mais ousadas, inventivas e quase sempre articuladas à exploração empírica das qualidades plásticas e construtivas e do limite de resistência de materiais industriais, como o aço (Pavilhão do Brasil em Bruxelas,

1958), o concreto protendido (Mausoléu de Castelo Branco, Fortaleza, 1968), o alumínio (indústrias químico-farmacêuticas Schering, Rio de Janeiro, 1974), a fibra de vidro (Hotel em Paquetá, 1980) ou o plástico (Pavilhão de São Cristóvão, Rio de Janeiro, 1957-8). O entusiasmo irrefreável com que Sergio Bernardes lida com esses novos materiais salta aos olhos em vários dos seus projetos a partir da década de 1950, período que não por acaso coincide com a aceleração do ritmo da industrialização no País, culminante na construção de Brasília. As treliças planas usadas na

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Hotel Tropical, 2ª proposta, Manaus, AM, 1970

cobertura da casa de Lota, por exemplo, podem ser consideradas um prenúncio da malha poligonal usada posteriormente na cobertura das Indústrias Schering, a qual não tardará a reaparecer no Aeroporto Castro Pinto e no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa (1981 e 1979-83, respectivamente). Por sua vez, o uso da malha poligonal encontra-se na origem da gigantesca cúpula geodésica do Hotel Tropical, em Manaus (1963-70), com a qual o arquiteto imaginou colocar uma porção da floresta amazônica sob uma redoma semelhante à proposta por Buckminster Füller para a ilha de Manhattan, em 1962. Se analisarmos mais detidamente, então, os projetos da Schering, do Espaço Cultural José Lins do Rego e do Hotel em Manaus, logo nota-

remos que, a despeito das suas diferenças, os três se definem por uma cobertura metálica única, resultante de variações da estrutura triangulada, e como tal pertencem, de algum modo, à investigação desdobrada por Sergio Bernardes a partir da viga treliçada da casa de Lota. E nesse sentido, não é difícil encontrar a origem desses projetos na investigação das estruturas tetraédricas iniciada ainda no final do século 19 por Alexander Graham Bell, da qual também derivam, de certo modo, muitas das pesquisas desenvolvidas por Buckminster Füller, Frei Otto e Konrad Wachsmann entre as décadas de 1950 e 1970. O mesmo raciocínio projetual, afinal, vale tanto para a estrutura espacial (sistema estrutural que consiste basicamente em duas ou mais grelhas poligonais 29

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paralelas, superpostas e interligadas) quanto para a cúpula geodésica (domo hemisférico constituído por uma rede de poliedros regulares). E isso porque, a rigor, ambos os sistemas constituem coberturas leves que partem de um mesmo princípio estrutural: a repetição de elementos lineares (elos) de pequeno comprimento, articulados nas duas extremidades por meio de nós, configurando triângulos que, por sua vez, constituem redes, sistemas acentrados, não orientáveis e virtualmente sem começo nem fim. A modulação triangular justifica-se, no caso, pela alta resistência à deformação do triângulo – forma geométrica mais estável –, da qual resulta a rigidez do sistema estrutural, e logo, sua leveza e economia. Tomar o triângulo como elemento básico do sistema estrutural demonstra, portanto, uma predisposição para a serialidade que se traduz, no caso, pela redução dos elementos projetuais – e evidentemente construtivos – a uma das formas geométricas mais primárias, que, todavia, pode ser combinada e recombinada (teoricamente, pelo menos) ao infinito, de maneira a gerar formas de grande complexidade e sistemas modulares altamente resistentes e capazes de vencer grandes vãos. Valer-se da treliça plana ou de um reticulado tridimensional (treliça espacial) significa, por sua vez, pensar em termos de barras articuladas entre si e submetidas somente a forças nodais. Pois, ainda que a treliça espacial tenha comportamento distinto da treliça plana, ambas constituem um sistema estrutural esbelto, leve e quase imaterial, de dimensões ilimitadas, particularmente adequado à cobertura de grandes áreas livres de apoios e cujas barras são solicitadas por esforços normais de tração ou de compressão.

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Não por acaso, será justamente à cobertura suspensa de grandes vãos que Sergio Bernardes consagrará também a sua exploração dos cabos de aço, a partir da solução estrutural do Pavilhão da CSN, ao qual se seguem os pavilhões do Brasil em Bruxelas e o de São Cristóvão. Os dois últimos foram calculados pelo engenheiro Paulo Fragoso – um dos pioneiros no cálculo da estrutura metálica no Brasil – e se distinguem exatamente pela ênfase posta na cobertura. E sob este aspecto, também podem ser alinhados com os projetos da Schering, do Espaço Cultural José Lins do Rego e do Hotel de Manaus, posto que também assumem, a seu modo, a problematização do sentido tradicional da cobertura como elemento de proteção e abrigo, em relação quase sempre de dependência recíproca com a parede. O recurso às treliças espaciais – como na Schering – ou às coberturas suspensas – concebidas à maneira de um varal ou de uma cesta de cabos protendida, como no Pavilhão da CSN e no Pavilhão de São Cristóvão, respectivamente – permite a Sergio Bernardes, afinal, um confronto sempre renovado com a inter-relação entre parede e cobertura, relação essa sabidamente tão determinante, durante séculos, dos aspectos morfológicos, espaciais e tipológicos da arquitetura. Quando trabalha com cabos de aço, sobretudo, Sergio Bernardes se propõe a nada menos que um desafio àquilo que Siegfried Giedion chamou de “um dos fatos constituintes da arquitetura moderna”:1 uma concepção de espaço definida essencialmente pela ênfase nos planos verticais e horizontais e linhas ortogonais, de evidente ascendência neoplástica (basta pensar na casa projetada em 1922-3 por Theo van Doesburg, um dos fundadores do grupo De Stijl). E isso porque os cabos de aço

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Mausoléu Castelo Branco, Fortaleza, CE, 1968 – estrutura de concreto com balanço de 30 m

efetivamente abrem uma possibilidade para que o espaço deixe de ser pensado a partir dos conceitos euclidianos de ponto-reta-plano e da estática de planos ortogonais (parede-pavimento-teto) para ser pensado em termos de superfície (i.e., segundo os princípios da topologia e das geometrias não euclidianas). De fato, quando comparados às lâminas que definem – a despeito de todas as suas diferenças – a espacialidade do Pavilhão de Barcelona de Mies van der Rohe (1929) ou da Fallingwater de F. L. Wright (1936-7), por exemplo, os cabos de aço mostram um raciocínio estrutural de outra ordem, a partir da consideração da não

linearidade e da instabilidade do seu comportamento e, consequentemente, da forma e dos meios, em certo sentido, mais físicos que matemáticos, para garantir sua estabilização. É preciso ter em conta, além disso, que o escoamento das cargas se dá, no suporte vertical (seja este uma parede estrutural, uma coluna ou pilar), através de esforços normais simples (compressão e tração), enquanto o cabo de aço responde exclusivamente por esforços de tração, sem apresentar resistência nem à compressão nem à flexão. Isso significa dizer que em uma estrutura retesada não serão mais necessariamente as verticais e as horizontais 31

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Hotel Tropical, 1ª proposta, Manaus, AM, 1963

Hotel Tropical O projeto do Hotel Tropical, concebido para ser construído a 10 km de Manaus, no Amazonas, traz consigo a marca da aproximação entre Sergio Bernardes e Buckminster Füller. De fato, estabelece-se uma intensa correspondência entre os dois, ao longo de 1968, visando à realização de duas coberturas de grandes dimensões no Brasil, nenhuma delas construída: uma para o Hotel Tropical, em Manaus, outra para o estádio do Corinthians, em São Paulo. Naquele momento, Buckminster Füller acabara de realizar o pavilhão norte-americano da Exposição Universal de Montreal, uma estrutura de dimensões assombrosas – 76 metros de diâmetro e 61 metros de altura – inteiramente climatizada e transparente, graças ao uso de painéis de acrílico como fechamento. Embora

não tenha propriamente inventado esse tipo de cúpula – já utilizada na década de 1920 no domo de Jena, na Alemanha (projeto de Walter Bauersfeld e Franz Dischinger) –, foi Füller quem, afinal, patenteou a cúpula geodésica de estrutura espacial, em 1954, e também se dedicou a explorar sistematicamente suas potencialidades por meio de uma série de experiências realizadas com dimensões e materiais distintos, amplamente divulgadas e até popularizadas entre as comunidades hippies das décadas de 1960 e 70. Sendo assim, compreende-se por que Sergio Bernardes o tenha procurado ao idealizar o que chamou de “A grande experiência”: um hotel de cerca de 400 quartos em plena Amazônia, capaz de oferecer um microclima ideal aos hós-

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Hotel Tropical, 2ª proposta, Manaus, AM, 1970

Planta das suítes do hotel

pedes, protegendo-os das ameaças da natureza selvagem e do clima quente e úmido da região, sem isolá-los visualmente da floresta. O hotel – encomendado ao arquiteto pela Companhia Tropical de Hotéis, empresa do grupo Varig – ficaria à beira do rio Negro, com acesso somente por barco. Foram realizadas duas versões do projeto, ambas profundamente detalhadas. A primeira consistia numa gigantesca calota hemisférica revestida de placas de vidro, tendo no centro um edifício cilíndrico de 26 metros de diâmetro, suspenso do chão, em que se concentrariam a circulação e as instalações. Aí também seriam acoplados, radialmente, os quartos, semelhantes a cápsulas, com dimensões mínimas, porém dotados de todos os equipamentos necessários às necesPróximas páginas: Hotel Tropical – Manaus, AM, 1963-1970

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sidades básicas do hóspede. Tudo isso – mais vários equipamentos de lazer, como salas de jogos, piscina, sauna, cinema, aquário e auditório – estaria abrigado sob uma cúpula em vários aspectos semelhante às geodésicas de Füller, porém caracterizada por um diferencial significativo: projetada com 300 metros de diâmetro, seria quatro vezes maior que o domo de Montreal, a maior cúpula jamais concretizada por Buckminster Füller. Para evitar o efeito estufa que fatalmente resultaria do fechamento em vidro de uma cúpula dessas dimensões, Sergio Bernardes previu uma espécie de adaptação do princípio estrutural inventado por Brunelleschi para erguer a cúpula de Florença, cinco séculos antes: uma calota dupla, constituída, no caso, de duas camadas de vidro, que juntas criariam um colchão de ar no interior da própria estrutura. Também foi prevista uma abertura no topo da cúpula, com o objetivo de potencializar o efeito das correntes de ar e assim reduzir a temperatura interna em cerca de 7° Celsius, e a umidade em 30%. Além disso, foi prevista a instalação de 18.180 aspersores de água distribuídos por toda a superfície da cúpula, de maneira a propiciar, ao mesmo tempo, o resfriamento da estrutura, a limpeza periódica da estrutura (tanto interna quanto externamente) e combater incêndios. Se o hotel de Manaus permite, portanto, analogias com outros hotéis projetados por Sergio Bernardes (sobretudo o Hotel Tambaú, em João Pessoa, e o Hotel Tropical, em Recife) – na medida em que todos apresentam semelhante economia formal, com planta circular e estrutura nucleada – , ele mostra-se particularmente alinhado com o pensamento e as pesquisas de Buckminster Füller, em sua manipulação de elementos que se interconectam continuamente no espaço até conformar uma esfera – símbolo

por excelência do ideal clássico de perfeição, fixado historicamente no Panteão de Roma. Sem dúvida, esse cruzamento entre tradições distantes e materiais novos, tecnologia e imaginação pressupõe uma alta dose de intuição e ousadia, mas também muito estudo e pesquisa, no que diz respeito tanto aos procedimentos construtivos quanto ao cálculo estrutural. No caso, dois engenheiros brasileiros tiveram um papel determinante no projeto: Paulo Fragoso e Jayme Mason. O último foi responsável pela versão final da estrutura da cúpula, que consistiu numa calota dupla treliçada, obtida mediante a justaposição de vigas treliçadas planas, de três metros de comprimento e um metro de altura, e, portanto, razoavelmente distinta da malha tetraédrica das geodésicas de Füller. Já na segunda versão do projeto, a cúpula seria substituída por uma espécie de “saia” de vidro, sustentada por cabos de aço e treliças de alumínio e coroada pelo mesmo edifício cilíndrico central previsto anteriormente, porém agora a 60 metros do solo. A cobertura daria abrigo, nesse caso, apenas às áreas comuns do hotel, já que os quartos ficariam acima da “saia” de vidro. Do mesmo modo que na versão anterior, porém, tanto os quartos quanto as áreas comuns seriam beneficiados pela criação de um microclima garantido pelo controle das correntes de ar e ventilação (no caso dos quartos, devido ao afastamento providenciado entre a torre de circulação vertical e a circulação horizontal, que criaria uma abertura com ventilação e aeração permanente).

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Hotel Tropical, 2ª proposta, Manaus, AM, 1970 – planta

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UMA OPORTUNIDADE PERDIDA: O AEROPORTO SEM PRECEDENTES DE BRASÍLIA

Farès el-Dahdah

Há cinquenta anos, funcionários do governo e embaixadores estrangeiros viajaram ao interior do Brasil para participar das “solenidades de instalação do governo federal em Brasília”. As comemorações tiveram início na tarde do dia 20 de abril, na Praça dos Três Poderes, onde Juscelino Kubitschek recebeu as chaves da cidade das mãos de Israel Pinheiro, presidente da Novacap. À meia-noite celebrou-se uma missa, e às 0h45 da madrugada o papa João XXIII falou à população de Brasília ao vivo, do Vaticano, pelo rádio. Na manhã seguinte, às 8h30, Kubitschek recebeu o corpo diplomático 46

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Aeroporto Internacional de Brasília, DF, 1960

no Palácio do Planalto, e uma hora mais tarde, às 9h30, os três braços do governo foram instalados simultaneamente nos respectivos poderes executivo, legislativo e judiciário. Às 10h15 da manhã a Arquidiocese de Brasília foi instalada pelo núncio papal, e às 11h30 o congresso realizou uma sessão solene, na presença de todos os convidados. Naquela tarde houve paradas militares que culminaram numa grande queima de fogos. À noite, enquanto a população de Brasília festejava na Praça dos Três Poderes, os dignitários participavam de um jantar de gala no Palácio do Planalto.

Todos os que estiveram presentes nesses acontecimentos solenes receberam um programa impresso pelo serviço gráfico do IBGE, no Rio de Janeiro. Em sua capa azul, o folheto trazia o desenho de uma coluna do Palácio da Alvorada, e incluía também um mapa da cidade em que os locais onde os eventos seriam realizados estavam marcados com destaque vermelho. Ainda que na época apenas uma fração dos edifícios da capital estivesse de pé, o mapa mostrava toda a extensão da infraestrutura de tráfego do plano piloto, incluindo dois projetos importantes que seriam abandonados em seguida. 47

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Um deles era o campus da universidade, desenhado por Lucio Costa; o outro era um aeroporto projetado por Sergio Bernardes dois anos antes, em 1958. A presença desses dois projetos no primeiro mapa “oficial” da nova capital federal do Brasil sugere que, pelo menos até a inauguração da cidade, ambos pertenciam a uma lista plausível de projetos que seriam completados em algum momento. Por motivos até hoje não esclarecidos, o campus de Costa e o aeroporto de Bernardes foram abandonados e substituídos por projetos desenhados por Oscar Niemeyer – que, por sua vez, propôs sua versão do campus em 1962 e do aeroporto em 1965. O projeto de Niemeyer para a universidade foi construído, mas o do aeroporto, não.1 A presença de Sergio Bernardes em Brasília, no entanto, antecede à própria cidade, e pode ser primeiramente identificada nos croquis desenhados por Lucio Costa para seu projeto de 1957, vencedor do concurso.2 Um dos primeiros croquis de Costa, desenhados em papel timbrado da Flota Mercante del Estado, exibe a característica silhueta de picolé da proposta feita por Bernardes em 1956 para o edifício do Senado Federal no Rio de Janeiro.3 Costa usara o projeto de Bernardes, com seu inconfundível formato, como possível modelo para o futuro Congresso Nacional do país. O rascunho combina a altura elevada do projeto de Bernardes a uma construção mais baixa e convexa, em forma de domo, numa composição semelhante à da sede da ONU, de 1947, com o Secretariado, um edifício alto, e a Assembleia Geral, mais baixa. A mesma composição pode ser identificada ainda mais cedo, no prédio de 1936 do Ministério da Educação e Saúde, com um alto edifício de escritórios ladeado por um auditório. Essa composição é aquela que mais tarde foi reproduzida no Congresso Nacional

de Niemeyer, ou seja, torres gêmeas erguidas ao lado de uma construção horizontal, coroada por dois domos.4 Sendo assim, pode-se supor com segurança que, quando Costa ainda imaginava a aparência dos monumentos da futura capital do Brasil, ele incorporou o Senado de Bernardes a uma composição que, não fosse por isso, seria descrita como corbusiana – propondo, portanto, um Congresso Nacional que teria tanto uma linhagem internacional quanto uma referência local. O Aeroporto Internacional de Bernardes é o outro projeto de grande escala que, ao menos por um curto intervalo de tempo, existiu no plano piloto de Lucio Costa. Na verdade, Costa havia levado o projeto para Kubitschek durante a construção da capital, e o presidente teve a intenção de construí-lo.5 Uma vez que o projeto baseava-se na ideia de que pagaria a si mesmo, num período em que a cidade ainda não era capaz de garantir o volume necessário de viagens – e diante da impossibilidade jurídica de renovar seu mandato –, Kubitschek provavelmente adiou a implantação do projeto para o momento em que, acreditava, já estaria de volta ao poder, cinco anos mais tarde. No entanto, um ano antes das eleições antecipadas de 1965, o Brasil sofreu um golpe militar que acabou com a possibilidade de um segundo mandato para Kubitschek e certamente restringiu as chances de que Bernardes visse seu aeroporto construído. Apesar disso, a ideia do projeto permaneceu concreta até 1963, quando ainda recebia elogios da imprensa internacional.6 Em artigo para a Architectural Forum, o crítico Walter McQuade descreve o aeroporto de Bernardes como especialmente pertinente para a proposta de Brasília, “voltada para o céu”.7 Afinal de contas, a nova capital do Brasil havia sido estudada do alto, tinha a forma de um

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Aeroporto Internacional de Brasília, DF, 1960 – esquemas de circulação de passageiros, de cargas e de combustíveis

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avião e, ao menos durante um tempo, chegavase a ela apenas pelo céu. Seria, portanto, natural que a cidade ganhasse um aeroporto visionário, que estabeleceria novos padrões para as complexas relações entre a manutenção das aeronaves e a administração dos passageiros. Usando a analogia de um porta-aviões, a solução de Bernardes foi empilhar verticalmente todas as funções do aeroporto, separando desta forma a escala adequada para gigantescas máquinas voadoras, na superfície, da escala de pessoas e seus automóveis, nos níveis inferiores. A experiência do aeroporto não mais partiria da interminável circulação horizontal, exigindo, ao contrário, que os passageiros simplesmente estacionassem seus carros num complexo subterrâneo e literalmente ascendessem dentro da estrutura radial que abrigaria os portões nos quais os aviões são carregados. A mesma lógica também se aplica à manutenção dos aviões, com o pessoal de manutenção circulando abaixo da superfície, evitando não apenas os estouros dos motores a jato como também a necessidade de utilizar os caminhões que costumam pontilhar o asfalto. Desse modo, o mundo sobre a superfície pertenceria à escala das grandes estruturas, fossem jatos ou seus hangares, projetados como imensos funis que coletam a água da chuva, ao passo em que o mundo do subsolo ficaria reservado a elevadores para transportar passageiros até os aviões, ou mecânicos até os motores. O custo de um aeroporto como esse estava estimado em 50 milhões de dólares, equivalentes, na época, a cerca de quatro vezes a quantia reservada pelo governo brasileiro. Investimentos privados seriam necessários para reduzir o considerável abismo orçamentário – daí os elementos programados incorporados ao projeto, como hotel, boate, centro comercial e planetáAeroporto Internacional de Brasília, DF, 1960

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rio. O projeto, contudo, estava fadado a jamais sair do papel: o aeroporto temporário de Brasília sobreviveu por onze anos, e foi substituído por uma estrutura permanente quando ainda não chegava nem perto da capacidade de 60 aeronaves por hora exigida para garantir a viabilidade econômica da proposta de Bernardes. Tal impossibilidade foi exacerbada pelo fato de que o aeroporto de Bernardes não poderia ser construído por etapas e nem crescer de acordo com a demanda. Ao contrário: exigia o gigantesco esforço inicial de abrir um complexo subterrâneo de cem acres para servir às duas pistas de pouso paralelas. Ainda assim, o aeroporto de Bernardes é notável não apenas por separar funções de acordo com suas diferentes escalas (à semelhança do urbanismo de Brasília), mas também por ocorrer para além de qualquer precedente conhecido. Em 1961, quando McQuade escreveu seu artigo, todos os aeroportos podiam ser incluídos em dois tipos: o do “terminal central” e o do “plano de campus”.8 Ambos os tipos ofereciam a possibilidade de crescer de acordo com a demanda, quer fosse acrescentando fingers ao terminal central ou apenas somando mais pavilhões ao campus. Os aeroportos de Montreal e Los Angeles haviam começado a usar conexões subterrâneas para conduzir os passageiros aos aviões, mas sem dúvida em escala bem menor do que a prevista na proposta de Bernardes. O máximo que se pode dizer é que o aeroporto de Brasília pode ser considerado um protótipo para aeroportos que ainda estavam por ser projetados. Sua dimensão subterrânea não era o único aspecto inédito; havia também uma marcada rotundidade, repetida por Oscar Niemeyer mais tarde, em seu aeroporto de 1965 para Brasília, e por Paul Andreu no projeto de 1967 para o Aero51

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PAVILHÕES

Murillo Boabaid

Para os festejos de comemoração do 4º Centenário da cidade de São Paulo em 1954, o escritório Sergio W. Bernardes foi selecionado e contratado para a elaboração de um projeto arquitetônico para um pavilhão que seria a contribuição da Companhia Siderúrgica Nacional para as festividades de data tão importante e significativa para a cidade que aniversariava. Como representante do setor siderúrgico mais importante do Brasil, o contrato sugeria que o Sergio elaborasse um projeto focando materiais fabricados e que fossem da especialidade da contratante.

A rigor tratava-se do primeiro projeto de arquitetura em que se empregou única e exclusivamente o aço em sua concepção estrutural, o primeiro a ser projetado pelo nosso escritório e parece-me também ter sido o único no Brasil àquela época. Em visita à área escolhida para a localização da obra no Parque do Ibirapuera deparamo-nos com o seguinte problema – um riacho cruzava o parque. Essa situação inusitada que a todos muito preocupou acabou resultando em motivo de grande alegria para o Sergio que imediatamente

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Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de55 Bruxelas, Bélgica, 1958 – croqui

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Pavilhão da Companhia Siderúrgica 56 Nacional, Parque Ibirapuera, São Paulo, SP, 1954

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disse estar o problema solucionado. Quando nos deparamos com um obstáculo, a única solução é cruzá-lo, disse ele, e sobre um rio faz-se uma ponte. Assim surgiu a ideia do pavilhão. Sergio então o projetou como se fossem duas pontes ligando-as com o corpo do pavilhão. A estrutura das pontes era formada por vigas de aço em arco que de margem a margem e de ambos os lados do Pavilhão venciam a largura do riacho. Eram ao mesmo tempo as escadarias que terminavam em dois amplos patamares, as entradas e saídas do pavilhão, por sua vez protegidas por generosas marquises apoiadas em quatro mastros com bandeiras. Apoiados sobre as vigas em cada uma das cabeceiras da ponte, dois grandes pórticos, conjunto de pilares e vigas de aço contaventadas e inclinadas para trás, cujas linhas, se prolongadas, iriam terminar no ponto do raio dos arcos da ponte. Um estrado foi então projetado para, ligando os dois pórticos simetricamente dispostos, se apoiar igualmente nos dois arcos internos de cada uma das pontes solidarizando o conjunto por completo. Sobre esse estrado seria erguido o corpo propriamente dito do pavilhão de forma absolutamente retangular e que iria ocupar toda a área do seu piso. Através das escadarias o visitante poderia acessar o interior do pavilhão. Logo à entrada se depararia com o balcão de recepção onde lhe eram fornecidas todas as informações desejadas. Já no seu interior poderia admirar, dispostas em stands, fotos, maquetes e outras ilustrações, com a origem e a história da CSN, a sua importância para o Brasil e o homem responsável pela sua idealização e implantação. Ao fim de uma das extremidades

do pavilhão encontrava-se uma pequena sala de projeção. Ligando o topo dos dois portais das cabeceiras, atravessava uma fileira de cinco cabos de aço paralelamente dispostos ancoravam-se no chão onde eram tensionados, para garantia da estabilidade ao mesmo tempo em que, harmoniosamente, definiam o desenho e a elegância do belo conjunto arquitetônico da obra. Por sobre essa fileira de cabos de aço estendiase malha do mesmo material que iria suportar a cobertura final de chapas, independentemente do teto do pavilhão, que receberia impermeabilização e proteção térmica. Os painéis de vedação externa do corpo da exposição, assim como todo o projeto obedeciam a um sistema modular, marca registrada do nosso escritório para todos os projetos de nossa autoria. Os painéis eram de material leve à prova de intempérie e sempre de fácil montagem e desmontagem. O projeto estrutural e a execução da obra ficaram a cargo da própria CSN. Quando a estrutura estava concluída Sergio subiu a escada e de um dos patamares de chegada pulou e nadou no riacho. Esta obra foi precursora dos pavilhões posteriormente projetados por Sergio Bernardes, sendo um dos mais graciosos e o mais simples do ponto de vista estrutural. Pena não o terem conservado.

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Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Bruxelas, Bélgica, 1958

Pavilhão de Bruxelas Escolhida para sediar a Exposição Universal de 1958, Bruxelas alçou-se no cenário internacional convidando cerca de 40 países que, com seus pavilhões, participariam do grande evento, entre os quais, o Brasil, com projeto do escritório de Sergio Bernardes. Ao recebermos as plantas com as informações da área destinada ao Brasil nos deparamos com vários dados nada agradáveis e que certamente trariam dificuldades aos nossos planos.Tratavase de um espaço à primeira vista ingrato, localizado numa curva e com declividade bastante acentuada. Essa característica, entretanto, foi exatamente o que definiu o partido a ser adotado para o projeto que com seu excelente planejamento distribuído em vários níveis o conduziu ao resultado que a todos agradou, determinando assim a sua execução sem quaisquer restrições.

Não bastassem as características inadequadas do local, as posturas da cidade determinavam rigorosamente que, uma vez concluídas as festividades da Exposição, a área ocupada pelo pavilhão deveria ser reconstituída imediatamente e entregue como originalmente, às autoridades. Esses fatos foram determinantes para a concepção do projeto. Sem um passado de tecnologia em estruturas metálicas, imaginamos ser esta uma oportunidade única para nos aventurarmos naquilo que sabíamos ser o que estaria nos esperando no futuro. Decidimos então por interferir o mínimo possível no solo, apoiando o pavilhão apenas em quatro pontos – quatro pilares de aço de forma triangular e de alturas que variavam entre 11 e

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Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Bruxelas, Bélgica, 1958

20 m, adequando-os aos acidentes que a topografia do terreno apresentava. Seriam os pilares ligados entre si por quatro grandes vigas-treliças de forma curvada, também de aço, e que, como redes, dariam forma à estrutura principal do grande espaço e iriam suportar a cobertura de 40 x 60 metros, ao centro da qual havia um buraco circular de seis metros de diâmetro vazando-a. Esse conjunto formado por cabos e malha de aço cuidadosamente tensionados para acentuar a forma curvada da cobertura iria suportar a carga de placas retangulares de concreto recobertas por lençol impermeabilizante e com função térmica em toda a sua extensão. O item luminotécnica, especialidade pouco desenvolvida à época, limitava-se a focalizar os painéis e esculturas dispostas ao longo da

rampa e no piso ao nível do jardim, com a preocupação de não aparecer, cumprindo apenas a sua tarefa – iluminar. A iluminação interna do espaço como um todo era feita por luminárias que eram fixadas diretamente e por baixo da malha da cobertura. O projeto do cálculo estrutural de toda a obra ficou, mais uma vez, a cargo do dr. Paulo Fragoso. O restante do projeto arquitetônico a ser desenvolvido sob a cobertura era de concepção muito simples. Resumia-se a uma rampa de concreto, descendente que, iniciando-se logo à entrada do pavilhão e circundando todo o espaço interno, abraçava o jardim. Como um grande tapete vermelho, ela convidava e conduzia o público ao seu interior onde várias mostras acontecem ao mesmo tempo. Apresenta em grandes painéis as várias faces e produtos do Brasil, suas 59

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cidades, sua arquitetura focando a nova capital Brasília, seu povo, seus hábitos, costumes suas florestas, riquezas e finalmente a sua origem. Ao centro e sob a abertura circular da cobertura situava-se o grande jardim com plantas nativas da Mata Atlântica, projetado por Roberto Burle Marx a pedido de Sergio Bernardes. Em torno desse grande jardim já no pavimento inferior, o público sentia-se atraído até o balcão do café e do bar, chegando ao final na sala do auditório/cinema. A abertura na cobertura tinha a finalidade de coletar a água de chuva para o jardim central produzindo efeito de cascata, cuja intensidade era controlada pelo fechamento do buraco, conseguido com o subir e baixar do grande balão vermelho.

O projeto do Pavilhão de Bruxelas foi de grande experiência para o nosso escritório, que demonstrou sucesso do partido e da tecnologia adotados culminando com a premiação dos nossos esforços ao final da Exposição. A ideia do balão logo aceita por Sergio e que se tornaria o símbolo do Pavilhão foi a minha contribuição para o projeto – foi inspirada no filme Le balon rouge, de 1956 O projeto do Pavilhão de Bruxelas demonstra mais uma vez a genialidade do grande arquiteto que foi Sergio apresentando sempre ideias claras, limpas e inovadoras em sua arquitetura.

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Pavilhão de São Cristóvão Em 1962 o escritório de arquitetura Sergio Bernardes Associados foi procurado pelo empresário Joaquim Rolas, dono do Hotel Quitandinha, que desejava construir um pavilhão que abrigasse várias atividades comerciais. Entre elas e, especialmente, a exploração do jogo de cassino, como já o fazia no Hotel, ainda legal naquela época. A área que nos foi oferecida para o projeto era a de uma praça no largo de São Cristóvão. Tratava-se de uma parte do largo, abandonada, de forma eclíptica a qual deu origem à forma do projeto que seria elaborado. A justificativa para a ocupação do espaço baseava-se na expectativa de que o Pavilhão iria dinamizar o bairro e o comércio existente, valorizando e atraindo para o local várias outras atividades em função do novo atrativo. A concepção do projeto, aproveitando o contorno da praça, mantinha intocável a sua forma original preservando o arruamento e a arborização existentes Uma vez estabelecidos local, área e forma, estava definido o projeto arquitetônico. Foi aproveitada a forma da área, que recebeu colunas de concreto de alturas variáveis encimadas por grande viga também de concreto tal qual o estrado de uma ponte ondulada, oferecendo grande rigidez ao conjunto. Os espaços consequentes formados pela variação nas alturas das colunas eram estruturados por vigas intermediárias resultando em grandes quadros vazios. Quando a estrutura de concreto foi concluída, Sergio, um aficionado por corridas de carros, disse que iria tentar umas voltas sobre a grande viga elíptica de coroamento o que felizmente não aconteceu, tendo sido dissuadido da loucura por todos nós.

Sendo São Cristóvão um bairro quente, os espaços entre as colunas foram preenchidos com tijolos de saibro especialmente fabricados para o projeto por fugirem das dimensões convencionais. Essa solução visava proporcionar ventilação cruzada e permanente através do grande vão do pavilhão. Definida a estrutura principal, restava a tarefa de como cobrir o grande espaço elíptico de 250 metros de comprimento por 150 metros de largura. Sem a possibilidade de ser utilizado qualquer tipo de cobertura convencional, Sergio resolveu faze-la no sistema pênsil. Seria ela apoiada sobre uma série de cabos de aço ancorados nas duas grandes vigas longitudinais. Essa tarefa era da responsabilidade do calculista Paulo Fragoso, que fez todo o cálculo estrutural e que apresentou a solução adotada sem maiores dificuldades. Consistia numa malha de cabos de aço fixada nos cabos tensionados, pronta para receber a cobertura final que deveria ser ao mesmo tempo resistente e leve. Foi então decidido que o ideal seria conseguido com o jateamento de um composto de resina e fibra de vidro aplicado simultaneamente nas duas faces da malha, isto é, por cima e por baixo como um sanduíche. Essa tecnologia era, na época, desenvolvida apenas por uma firma italiana que apresentou orçamento de custo muito elevado e foi descartada pelo cliente. Tentou-se utilizar as telhas onduladas de fibra de vidro Goiana mas, depois de cobrir um trecho como teste, uma pequena ventania arrancou todo o material já fixado, comprovando o completo fracasso da tentativa.

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Pavilhão de São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ, 1960

Sem aquela alternativa, resolveu-se pela utilização das telhas trapezoidais de alumínio na cor natural, concluindo-se assim o item cobertura. Na tentativa de amenizar o calor que seria transmitido para o interior do Pavilhão, visto que as telhas não tinham isolamento, foi instalado em cada um dos lados um conjunto de bombas que jogariam água sobre a cobertura, continuamente, evitando o seu aquecimento. A água necessária para essa operação seria retirada dos dois grandes lagos existentes nas extremidades do Pavilhão e para onde retornariam

após o processo de resfriamento da cobertura. Esses lagos eram explorados pela Mesbla na comercialização de lanchas e afins. O Pavilhão de São Cristóvão como a princípio idealizado, lamentavelmente, não existe mais. Foi ele o precursor dos pavilhões que o seguiram e que foram depois projetados por Sergio, sendo dentre eles este o mais simples. B

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ESTRUTURAS QUE SE LANÇAM NO ESPAÇO

João Pedro Backheuser Das pranchetas do escritório Sergio Bernardes Associados – SBA e do seu Laboratório de Investigações Conceituais – LIC saíam projetos surpreendentes, que aliavam extremo apuro e conhecimento técnico a formas e espaços singulares, instigantes e desafiadores, com vocabulário próprio e características bastante peculiares. Sua produção demonstra uma intensa busca por novos sistemas estruturais, novas tecnologias, novas aplicações para determinados materiais e elementos construtivos além de soluções formais diferenciadas. Seu espírito aventureiro e o gosto pelo risco o levaram a buscar ultrapassar limites não se contentando apenas em executar o correto ou o preestabelecido. 64

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Estádio do Corinthians, São Paulo, 1968

Cada um de seus projetos lançava desafios extremos a calculistas e engenheiros, exigindo criatividade e conhecimento técnico por parte de todos os envolvidos nos processos de projeto. Pode-se afirmar tranquilamente que Sergio Bernardes é o arquiteto que melhor representa uma busca incessante por novas tecnologias e materiais, sendo talvez o único arquiteto brasileiro de sua época a não se limitar a soluções e técnicas construtivas consagradas e praticamente “dogmatizadas” na produção arquitetônica brasileira. Se, por um lado, o concreto armado parecia se tornar uma unanimidade entre os arquitetos brasileiros, Bernardes, em suas obras, utilizou amplamente a estrutura metálica, explorou sistemas de cabos e tirantes, “passeou” pela estrutura

de madeira e não se furtou a exigir ao máximo também do tradicional sistema estrutural em concreto armado. Ronaldo Vertis, calculista e parceiro de Bernardes em algumas importantes obras do arquiteto, uma vez disse que “Sergio sempre vem com uma coisa nova”.1 Assim, as aventuras e os riscos que sempre pautaram sua vida privada pareciam não abandoná-lo em sua trajetória profissional. Dessas pesquisas surgiram algumas das obras mais interessantes do arquiteto. Dentre as muitas que poderiam ser aqui descritas será apresentado um pequeno conjunto de um mesmo período (final dos anos 60 e início dos anos 70),2 que parece explorar um tema em comum: estruturas que se lançam no espaço.

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Estádio do Corinthians O projeto do estádio de futebol desenvolvido para o clube do Corinthians, em São Paulo, foi apresentado em setembro de 1968. O arquiteto adotou uma solução de estádio coberto para aproximadamente 110 mil pessoas, sendo 90 mil nas arquibancadas e 20 mil em cadeiras. Sua solução sugere ainda que, além de jogos de futebol, o estádio comportasse em suas áreas livres espaços para atividades cívicas, outros esportes, comércio e lazer. Um estádio é um centro cívico onde se concentram multidões, devendo estar aberto todos os dias, para festas, convenções e a prática de outros esportes.3 O gramado seria suspenso e embaixo dele, implantado um estacionamento para quatro mil veículos. Sob as arquibancadas e as cadeiras seriam instaladas lojas, cinemas e teatros. Outras arquibancadas voltadas para a área externa do estádio possibilitariam a realização de outros eventos cívicos, festas populares e outros acontecimentos. Essa estrutura comercial e de produção de eventos independentes do esporte principal geraria uma fonte de recursos que seria utilizada para financiar a construção e a manutenção do estádio, bem como a arrecadação de recursos para o clube. Mas, além das soluções interessantes de utilização múltipla dos espaços e especial precisão e eficiência na distribuição dos fluxos, o que se destaca neste projeto é a proposta de cobertura adotada. Um grande arco de concreto cruza o estádio no seu sentido longitudinal, chegando a uma altura máxima de 90 m no centro. Desse arco partem, perpendicularmente, cabos de aço espaçados a cada três metros e ancorados na

parte superior da estrutura das arquibancadas. A solução em arco estrutural como suporte para cobertura de estádios não era, em si, inovadora e vem sistematicamente sendo encontrada neste tipo de projeto. A proposta para o Maracanã de Niemeyer (1941), o novo Wembley de Foster (2007), assim como o Estádio Olímpico em Atenas de Calatrava (2004) utilizam o arco como ponto de ancoragem de tirantes que suportam as coberturas. Entretanto, no caso do Estádio do Corinthians, a situação é ligeiramente diferente, sendo uma variação do sistema utilizado em seus projetos de pavilhões: CSI (1954), São Cristóvão (1957) e Bruxelas (1958). Aqui, assim como nos pavilhões, a cobertura em placas de concreto e vidro acompanha os cabos formando uma membrana única.

IBC Em 1960, Bernardes projetou o edifício que deveria ser a sede do Instituto Brasileiro do Café (IBC), em Brasília. Seria um edifício de 19 pavimentos, em forma de cruz e com suas fachadas todas em cortina de vidro. O projeto foi abandonado por motivos desconhecidos e em 1968 foi elaborado um novo projeto – um marco da obra do arquiteto. Pelos desafios estruturais e avanços tecnológicos propostos, além de imagem surpreendente, simboliza muito bem o espírito inovador e tecnológico que domina a produção do arquiteto a partir de meados dos anos 60. Pode-se afirmar que o projeto para o IBC é, no que se refere à tipologia e forma, a proposta mais radical do arquiteto. Se, conforme observado por Bruand em Arquitetura contemporânea

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Estádio do Corinthians, São Paulo, 1968 – detalhe das arquibancadas internas e externas

no Brasil, o estilo dos trabalhos do arquiteto “era bastante heterogêneo: a frequente retomada das formas inventadas por Niemeyer estava lado a lado com pesquisas de geometria pura mais pessoais [...] numa série de tentativas bastante ecléticas”. Este projeto do IBC indica categoricamente o distanciamento da produção do arquiteto do modelo consagrado da arquitetura moderna brasileira e sua aproximação fervorosa com uma arquitetura livre de preconceitos formais e completamente vinculada a inovações conceituais, técnicas e materiais. Bernardes projetou para o IBC um edifício formalmente único no Brasil. Explorou ao máximo as potencialidades estruturais, utilizando estrutura mista em aço e o concreto que não era, ao menos no Brasil, uma solução comum.

O edifício, em fachada, tem a forma de uma seta apontando para oeste. Sua estrutura consiste de duas duplas de torres de concreto com seção quadrada total de 10 x 10 m onde estão os elevadores, escadas e equipamentos. Essas torres distam 50 metros uma da outra. Cada uma sustenta duas vigas em treliça metálica que, juntas, dão o formato da seta. Os 11 pavimentos onde se concentram as áreas de trabalho, presidência e restaurantes são por sua vez sustentados por essas treliças laterais, vencendo o vão livre de 50 metros entre as torres de concreto. Toda a estrutura desses pavimentos também seria metálica, as vigas no sentido do vão, em treliças com três metros de altura, e o piso, sustentado por treliças com 60 centímetros de 67

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Instituto Brasileiro do Café – IBC, Brasília, DF, 1968

altura. Haveria ainda um pavimento térreo para recepção, museus e auditórios e um grande estacionamento no subsolo. Os elevadores teriam parada em quatro pavimentos e seriam de dois pisos – “no mesmo shaft estaremos utilizando duas cabines em vez de uma, o que permite uma maior rapidez de concentração e dispersão da população deste prédio”. Os pavimentos seriam ainda interligados por escada rolante. Com os pavimentos sempre sobrepostos em diagonal, o teto do pavimento inferior se transforma em jardim para o pavimento superior. Todo o sistema e logística construtiva foram idealizados pela equipe do arquiteto e é assim descrito no caderno de apresentação do LIC:

adotamos um sistema de “containers” de 10 x 50 metros que são fabricados nas usinas e serão montados no local. Estes “containers” já possuem toda a infraestrutura básica, [...] Cada “container” tem o peso de 200 toneladas aproximadamente. As vigas laterais contêm a mesma infraestrutura e funcionam como gruas para o levantamento dos “containers” já terminados [...] Entre cada 2 torres se juntarão as vigas (gruas) armadas em duas partes e soldadas, formando assim uma viga (grua) única. Esta viga, de 45 toneladas, será suspensa pelas colunas de concreto [...] Podemos dar assim uma excepcional rapidez à obra com controle de custos e minimizar as surpresas da construção ortodoxa [...]

Instituto Brasileiro do Café - IBC, Brasília, DF, 1968 – sistema construtivo

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Helicoidais

Hotel de Recife, Praia da Boa Viagem, Recife, PE, 1968

Segundo Bernardes este projeto causou certo espanto em Oscar Niemeyer, que, em uma visita ao seu escritório, perguntou: “É assim mesmo que vai ficar?” Imagino o comentário que faria ao ver o projeto para o Ministério da Marinha, também desenvolvido por Bernardes, onde o sistema idealizado para o IBC é multiplicado por seis, compondo um edifício com planta hexagonal e pavimentos também sobrepostos diagonalmente como no IBC.

Edifícios com forma helicoidal acompanharam o percurso de Bernardes desde 1965. Nesse ano, para edição especial da revista Manchete intitulada “O Rio do futuro”, o arquiteto apresentou uma ambiciosa visão da cidade para o “século da eletrônieletrônica".4 Dentre as muitas propostas aí lançadas está a construção de edifícios para 100 mil habitantes, com 600 m de altura e 200 pavimentos, cada um deles tendo o próprio jardim. Ao invés de simplesmente um edifício com apartamentos, o que Bernardes propunha era a criação de bairros verticais que proporcionariam a democratização ao acesso à infraestrutura, à paisagem e a uma cidade de qualidade. Segundo o arquiteto os problemas do crescimento das cidades estavam na “ingenuidade de um planejamento horizontal”. A proposição de um edifício em forma helicoidal retorna às pranchetas quando convidado a desenvolver, em 1968, projeto para hotel em Recife. Ali, em menor escala, o arquiteto projetou um edifício com 24 pavimentos de apartamentos, três pavimentos de máquinas e caixas d’água, dois pavimentos de serviços de recepção e lazer e três pavimentos de serviços internos, dois dos quais abaixo do nível do mar. A partir do nível +14.00 metros (pavimento de lazer), os andares se desenvolveriam ao redor de um núcleo estrutural de concreto com 22 m de diâmetro, onde se concentrariam os elevadores e serviços de cada pavimento. Os apartamentos estariam no sentido do raio, nove apartamentos à esquerda e o mesmo número à direita, em uma mesma linha. A cada andar essa linha de apartamentos seria deslocada aproximadamente 15 graus seguidamente, como uma grande escada helicoidal. Com esse artifício, assim como no projeto para o IBC, Bernardes fez com que o teto

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de cada pavimento inferior se transformasse em jardim para o pavimento superior, conferindo uma qualidade espacial aos apartamentos muito superior à encontrada nos hotéis onde os mesmos são dispostos dentro de um prisma regular. No perímetro dessa helicoidal formada pela sucessiva superposição dos andares de apartamentos se desenvolveria uma circulação na forma de rampa, ligando todos os pavimentos, funcionando como saída de emergência, e uma viga de concreto de forma espiral, para dar rigidez à estrutura. Uma grande parede-viga no lado oposto aos jardins suspensos dos andares faria a amarração do núcleo com a viga externa. Estrutura similar foi ainda proposta para o edifício do Banco do Estado de Minas Gerais e novamente, já nos anos 90, para edifício de apartamentos no Rio de Janeiro. A helicoidal sugere ao infinito, o que parece ter sido a intenção deste último projeto onde as torres teriam um quilômetro de altura.

Mausoléu Castelo Branco Sergio Bernardes teve a oportunidade de projetar uma série de obras importantes na região Nordeste do Brasil tais como o Aeroporto Castro Pinto, o Hotel Tambaú e o Centro de Convenções de João Pessoa na Paraíba e o Palácio do Governo, sua Capela e o Mausoléu Castelo Branco em Fortaleza, no Ceará. O Mausoléu Castelo Branco (1970) parece ignorar a lei da gravidade e surpreende pelo inusitado do seu volume que se lança por sobre um lago em um balanço de aproximadamente 30 metros. O resultado foi alcançado com uma viga central protendida de 4,20 metros de altura e um contrapeso na parte traseira formado por um caixão retangular de concreto preenchido com areia e pedra britada.5

Lançar-se no espaço parecia uma obsessão do arquiteto. Comentava, com orgulho, as acrobacias aéreas que realizava em seu pequeno avião; dizia que o susto o lembrava que estava vivo. Com grande entusiasmo descrevia suas viagens aéreas seguindo os rios do Brasil, destacando não só a importância de suas pesquisas e descobertas mas também as belezas das paisagens encontradas pelo caminho. Com a mesma alegria comentava também os grandes vãos e os grandes balanços de suas obras tal como o alcançado no Mausoléu. Voar, planar, flutuar e desafiar era para ele um enorme prazer. Para ele a liberdade, particular ou profissional, estava sempre em não se impor limites. “A liberdade para mim é não ter limites”.6 A praça que circunda o espelho d'água abaixo do Mausoléu é toda pavimentada em dormentes de madeira, configurando um piso totalmente irregular. Tempos depois da inauguração, o arquiteto assim explicou seu objetivo ao propor tão inusitada pavimentação: “No Mausoléu do Castelo, por exemplo, tem no chão dormentes irregulares de propósito, para que as autoridades, sempre com ar de empáfia, sejam obrigadas a olhar para baixo [...]”7 Uma placa com trecho de um discurso do ex-presidente Marechal Castelo Branco – primeiro presidente pós-golpe militar de 64 – está fixada no acesso ao Mausoléu com os seguintes dizeres:Nossa vocação nacional – de nos transformarmos em um país grande e forte, capaz de eliminar a miséria de seu povo, ser um elemento de paz num mundo conturbado, respeitar os seus vizinhos, exercer o poder sem violência, conquistar a riqueza sem injustiça. É uma pena não terem sido essas palavras as diretrizes para o regime militar que veio a governar o País por 20 anos. 71

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Escola Superior de Guerra, Brasília, DF, 1960

Escola Superior de Guerra A relação de Bernardes com as juntas militares que governavam o país gerou, por um lado, oportunidades excepcionais de trabalho para seu escritório. Por outro, gerou também grande antipatia ao nome do arquiteto por parte de simpatizantes da esquerda que ocupavam muitos cargos-chave em escolas, sindicatos, mídia entre outros setores. Ainda, a liberdade de pensar e a independência do arquiteto acabaram gerando também certa antipatia por parte de importantes figuras dos comandos militares.8 Ou seja, em certo momento, Bernardes era identificado pela esquerda como de direita e pela direita como de esquerda. Esse conflito infelizmente fez com que o nome do arquiteto quase que desaparecesse dos anais da arquitetura brasileira. E, como que por ironia do destino, coube a um projeto desenvolvido para os militares levar o escritório de Bernardes à falência da qual nunca mais o arquiteto conseguiu se recuperar. O projeto para a Escola Superior de Guerra (71/72) era um dos maiores em desenvolvimento no escritório e se destacava, mais uma vez, por arrojos estruturais propostos. Nos arqui-

vos do arquiteto encontram-se duas propostas para o mesmo programa não sendo possível precisar qual delas seria a versão definitiva. Uma das propostas é constituída de edifício composto por uma base de três pavimentos e aproximadamente 140 metros de extensão por 20 metros de largura. Nessa base estariam localizadas as áreas administrativas e pedagógicas da ESG. Sobre e transversalmente à base seria implantado um grande volume onde estariam os auditórios – cinco, de diferentes tamanhos. Esse volume se lança sobre o lago Paranoá em um balanço de aproximadamente 80 metros equilibrado por sua vez por um contrabalanço de aproximadamente 40 metros. Nessa proposta, Bernardes, novamente, alia o potencial das treliças metálicas para vencer grandes vãos com a capacidade do concreto em suportar a compressão de grandes cargas. Grandes treliças são utilizadas para estruturar todo o volume dos auditórios e este, por sua vez, está apoiado em quatro enormes pilares de concreto. A segunda proposta, também utiliza a técnica mista de estrutura metálica e concreto e é composta por três alas com três pavimentos, sendo assim descrita no caderno de apresentação do LIC:

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Escola Superior de Guerra, Brasília, DF, 1960

[...] o edifício espalha-se na água do Lago de Brasília integrando um conjunto urbano paisagístico complementado por bosques gramados [...] a estrutura metálica básica é constituída por vigas de grandes dimensões em treliça de cerca de 1 metro de altura que suportam uma estrutura secundária reticulada em malha modulada. Além das soluções arquitetônicas, a proposta do arquiteto para ESG era um pouco mais ambiciosa. Bernardes sugeria uma abordagem conceitual que não agradou ao comando militar vigente. Propunha, como era de seu afeito, a liberdade de pensar e a integração entre diversas esferas de conhecimento, o que pareceu ameaçador. O projeto foi então cancelado, não pago, e o arquiteto foi excluído da lista de contratações dos militares a partir daí. A pequena amostra aqui apresentada, pinçada de um universo de milhares de projetos desenvolvidos por Sergio Bernardes, é um belo exemplo da maestria estrutural presente em muitas de suas obras. Tendo como partido soluções extremamente criativas, contando com enorme sensibilidade estrutural e sempre aliado a uma equipe técnica de colaboradores de primeira linha, Bernardes deixou uma obra

em que partido arquitetônico e solução estrutural são indissociáveis. Como legado fica um conjunto construído de extrema beleza e até hoje instigante e, por que não dizer, emocionante. Fica também uma produção de projetos e um conjunto de ideias merecedores de toda a atenção que, certamente, podem ainda em muito contribuir para o desenvolvimento da produção e do pensamento arquitetônico. B 1  Depoimento ao autor. 2  Todas as datas que constam deste artigo foram as consideradas mais prováveis pelo autor, visto diversas divergências encontradas nas fontes de pesquisa. 3  Jornal Folha de S. Paulo, 2º Caderno, ano XLVIII. 4  Revista Manchete. Número especial de 17 de abril de 1965 5  VASCONCELOS, Augusto Carlos de (2002). O concreto no Brasil: pré-fabricação – monumentos – fundações (Vol. 3). Nobel. 6  Depoimento ao autor. 7  Revista Veja, nº 790, p. 121. 8  Ver a esse respeito o capítulo “Tempos de Fausto” do livro Sergio Bernardes: herói de uma tragédia moderna de Lauro Cavalcanti (São Paulo: Relume Dumará, 2004).

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A ARQUITETURA RESIDENCIAL DE SERGIO BERNARDES

André Correa do Lago Sergio Bernardes foi amplamente reconhecido pelos seus contemporâneos como um importante arquiteto de casas no Rio de Janeiro nos anos 50 e 60 do século 20. Naquele momento, eram numerosos os projetos residenciais de qualidade realizados por diferentes arquitetos no Brasil e muitos eram publicados na imprensa especializada internacional. A primeira reação seria achar que Bernardes se inseriria naturalmente nesse movimento, mas uma análise de algumas de suas obras é suficiente para estabelecer sua particularidade. O movimento moderno brasileiro na arquitetura se caracteriza, ao mesmo tempo, pela sua força – 74

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BRASIL

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Residência do arquiteto, av. Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ, 1960

uma das mais marcantes arquiteturas “nacionais” do século 20 – e pela rapidez de sua aceitação pelo público e por sua expansão no território nacional. No entanto, já no final dos anos 50, os materiais, o brise-soleil e as curvas acabaram sendo usados de forma superficial, deixando transparecer certa fragilidade teórica que parecia indicar que se formava mais um “estilo” do que uma arquitetura. Bernardes, que se formou no Rio de Janeiro com o modernismo brasileiro já bem estabelecido, sente necessidade de inovar e passa a desenvolver caminhos experimentais com resultados desiguais, porém muito interessantes. Não aceita o fato de a arquitetura moderna no Brasil estar necessariamente ligada a experimentos corbusianos e procura, em outras

relevantes influências e tendências, respostas a situações que encontra no país. É claro que outros arquitetos além de Le Corbusier eram estudados e considerados no Brasil: Villanova Artigas, por exemplo, tem obras claramente influenciadas por Frank Lloyd Wright, e Warchavchik não esconde as marcas que lhe deixaram os movimentos centro-europeus. Entretanto, Bernardes parece dirigir-se a novas soluções, baseadas em materiais ainda pouco explorados, como as estruturas e telhas metálicas, evitando elementos característicos do “gosto brasileiro”. Pelo êxito de seus projetos, vê-se que respondeu aos anseios de uma clientela intelectual ou mais jovem, que se considerava cosmopolita e buscava estilo de vida moderno.

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Residência Lota Macedo Soares, Samambaia, Petrópolis, 1951

Certa influência de Mies van der Rohe é perceptível – sobretudo nas plantas – mas parece ser maior seu interesse nas Case Study Houses, construídas a partir do final dos anos 40, na Califórnia. A qualidade desses projetos, promovidos pela revista Arts and Architecture, estava não só na arquitetura, mas também no fato de que pretendia colocar a estrutura metálica no mainstream da construção de casas da classe média norte-americana. As tradicionais casas de madeira tinham imensa aceitação naquele país, por, entre outros motivos, serem de baixo custo pelas economias de escala que resultavam do número elevadíssimo de construções residenciais depois da Segunda Guerra. Para os idealizadores das Case Study Houses, uma

ampla utilização de peças pré-fabricadas de aço diminuiria os custos e permitiria a adoção de uma arquitetura verdadeiramente contemporânea para milhões de norte-americanos. Não podia escapar a Bernardes o fato de as soluções apresentadas para casas na Califórnia serem facilmente adaptáveis ao Brasil. O clima similar – principalmente pela falta de invernos rigorosos – e o estilo de vida mais informal pareciam adequar-se principalmente ao Rio. A industrialização do Brasil deveria permitir ao aço ocupar uma importância maior na arquitetura do país e, se não existia escala para se tornar a imagem da classe média, certamente se adaptaria às aspirações estéticas de uma classe abastada em busca de uma imagem

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Residência Lota Macedo Soares, Samambaia, Petrópolis, 1951

menos “local”. Por mais que parecesse possível a transposição da experiência californiana, foram poucos os projetos executados. O maior êxito foi, sem dúvida, a casa de Lota Macedo Soares (1951-53), que representou ocasião ideal para esse salto: uma intelectual, muito próxima da cultura dos EUA, cujo terreno (em Samambaia, próximo a Petrópolis, no Estado do Rio) era de acesso difícil e convidava à utilização de peças pré-fabricadas de metal. O resultado surpreende pela sua leveza e a “radicalidade industrial do seu tratamento”, como afirma Lauro Cavalcanti.1 A belíssima planta, pela fluidez da circulação e sua assimetria, faz clara referência aos projetos pré-Guerra de Mies, principalmente o Pavilhão de Barce-

lona e a Casa Tugendhat. O projeto causou forte impacto no seu momento – recebendo, inclusive, o prêmio de melhor projeto de um arquiteto de menos de 40 anos na Bienal de São Paulo de 1954, mas as soluções técnicas, tão apreciadas pela crítica, vinham acompanhadas de uma estética vista por alguns como pouco residencial, o que inspirou maior refinamento dos conceitos nas obras subsequentes do arquiteto. Não deixa de ser interessante a provável influência da casa de Lota sobre a Casa Cavanelas, também no Estado do Rio, construída por Oscar Niemeyer em 1954: trata-se da única casa do arquiteto que utiliza cobertura com estrutura metálica visível. Niemeyer, ao propor pilares 77

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Residência Hélio Cabal, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, 1951

similares ao dessa casa, em 1957, na capela de Nossa Senhora de Fátima, em Brasília, utilizará cobertura de concreto. No mesmo período, Bernardes trabalhava na bela Residência de Hélio Cabal (1952), no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, obra com soluções muito menos radicais do ponto de vista estrutural, na qual demonstra seu talento e personalidade, apesar de parecer seguir linha muito mais próxima do que estavam realizando seus colegas arquitetos cariocas da época. Resiste às curvas, mas a planta tampouco repete a fluidez miesiana da casa de Lota. O arquiteto mostra que domina a “fórmula” da

casa moderna brasileira, mas propõe variante mais sóbria. Enquanto o radicalismo estrutural permanece em projetos como os Pavilhões de Volta Redonda, no Rio de Janeiro (1953-54), e do Brasil na Exposição Internacional de Bruxelas (1958), a arquitetura residencial de Bernardes nos anos subsequentes se caracteriza principalmente pelo sucesso comercial. Um exemplar de interesse nessa década é o projeto para Sérgio e Zazi Corrêa da Costa. A estrutura metálica revela maior preocupação com a elegância do que na casa de Lota, e as referências às obras maduras de arquitetos que haviam proje-

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Residência Hélio Cabal, Leblon, Rio de Janeiro, RJ, 1951

tado algumas das Case Study Houses – principalmente Craig Ellwood – são bastante claras. Bernardes segue, igualmente, a evolução das plantas da fase americana de Mies, que abandona, no pós-Guerra, a fluidez dos espaços que favorecia nos anos 20 e 30, adotando maior compartimentação e simetria. Entre as maiores contribuições de Bernardes estão, ainda, dois projetos residenciais no Rio na década seguinte: a casa do próprio arquiteto, à beira-mar, em São Conrado (1960-61), e a residência Magalhães Lins, em meio à Mata Atlântica, em Botafogo (1962). A casa do arquiteto, situada em terreno total-

mente excepcional, na ponta de uma península, introduz elementos até então pouco frequentes no Brasil. O andar térreo (na realidade, o piso inferior com relação à entrada) revela preocupação orgânica, uma vez que sua fachada está revestida de pedra e se confunde com os rochedos sobre os quais está construído. Os paralelos com a Casa das Canoas de Oscar Niemeyer são tentadores, já que este integrou parte da rocha na arquitetura de sua residência. Mas não é o contraste entre a pedra e a estrutura moderna que mais impressiona. É a sensação de que a casa brota da pedra e aos poucos se transforma do estado natural em arquitetura. 79

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Residência Sergio Corrêa da Costa, Rio de Janeiro, RJ

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Residência Magalhães Lins, Humaitá, Rio de Janeiro, RJ, 1963

Por outro lado, o piso superior, cuja estrutura permite grandes espaços envidraçados para melhor aproveitar a vista, revela pelos materiais, pelas soluções térmicas e pelo mobiliário inovadora tentativa de unir tecnologia e referências a construções tradicionais, cujas soluções já haviam sido testadas no país. Como diz Yves Bruand é marcante “a falta de preconceitos teóricos e de linha bem definida, fruto de uma abertura de espírito”.2 A influência dessa casa é enorme e abre caminho para novo arquétipo de residência no Brasil. Por mais que se trate de evolução da arquitetura rústica modernista, ou regionalismo crítico, segundo Kenneth Frampton, inaugurada no Brasil por Lúcio Costa no Park Hotel (1944),

em Nova Friburgo, é sem dúvida a capacidade de Bernardes de unir tantos elementos atraentes que leva diversos arquitetos a seguir caminho similar. Mas tantos elementos não podem ser organizados por qualquer arquiteto. Zanine segue algumas das lições de Bernardes, conseguindo utilizar a madeira e as referências ao colonial, mas seus objetivos são mais modestos. Até mesmo Lelé (Luís Filgueiras Lima), cuja carreira segue os passos de Niemeyer, concentrandose no concreto armado, utiliza o lado orgânico da casa de Bernardes em sua residência para Aluízio Campos da Paz, em 1967, apesar de, rapidamente, abandonar essa linha. A residência Magalhães Lins é mais um exercício que demonstra o quanto é única a visão de

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Residência Magalhães Lins, Humaitá, Rio de Janeiro, RJ, 1963

Sergio Bernardes. Nesse caso, elementos similares provocam experiência diferente e quase inversa à de sua casa em São Conrado. O andar térreo, totalmente revestido de pedra, não pretende ser uma continuação do terreno original, mas sim uma estrutura de excepcional solidez, quase que a base de um templo. A escada de acesso ao primeiro andar, uma das mais belas da arquitetura brasileira, não prepara o visitante para o resto da casa, pois, de um espaço particularmente enclausurado e rústico, entrase em um grande salão envidraçado, cercado de varandas e aberto sobre um jardim relativamente pequeno com relação ao tamanho da casa. O projeto paisagístico de Burle Marx parece alterar o mínimo possível a mata original

do morro e forma quase que um pátio interno. O andar superior – de arquitetura francamente neocolonial – abriga grande número de quartos, completando um dos mais monumentais projetos residenciais do país (a casa foi ampliada pelo próprio arquiteto nos anos 80). Da revisão crítica de elementos tradicionais ao uso de materiais quase experimentais, Bernardes utiliza os mais diversos recursos em busca da renovação da casa brasileira moderna. Sua incansável busca do novo o afasta das “fórmulas” que tanto atraem os profissionais que buscam seguir uma linha traçada por um mestre da arquitetura. A aparente incoerência entre os projetos residenciais de Bernardes pode ter afetado o seu posicionamento na história de 83

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nossa arquitetura. Sua maneira de trabalhar, no entanto, pode ser interpretada como fábrica de ideias ou, como se diria hoje, uma incubadora, que abriu caminhos a outros arquitetos. A relevância de Bernardes para a evolução da arquitetura residencial no Brasil está também no que deixou para outros fazerem em consequência de seus projetos, além da execução de protótipos a serem seguidos. Se a influência mais direta parece ser sobre os próprios filho e neto de Bernardes, Cláudio e Thiago, junto com o sócio, Paulo Jacobsen, é notável na obra de diversos outros arquitetos da geração contemporânea a tentativa de seguir o projeto ambicioso de abordar organicidade, referências à arquitetura tradicional e estruturas de metal elegantes. Esses profissionais, no entanto, tendem a tratar esses três caminhos em separado, inovando mas, ao mesmo tempo, reconhecendo a influência de Sergio Bernardes. B

Residência Magalhães Lins, Humaitá, Rio de Janeiro, RJ, 1963 – porta principal

1  Em Sergio Bernardes: herói de uma tragédia moderna. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004, p. 28. 2  Em Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1978, p. 289.

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Residência Magalhães Lins, Humaitá, Rio de Janeiro, RJ, 1963 - Lareira Fotografia Sergio, Cláudio e Thiago

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O PALÁCIO DOS REFLEXOS E O ESPAÇO DOS SETE MUNDOS

Monica Paciello Vieira A experimentação é uma marca na obra de Sergio Bernardes, que enriqueceu a arquitetura brasileira com um vocabulário próprio de experiências avançadas em termos estruturais e plásticos. Em seu percurso projetual acompanhou as pesquisas tecnológicas, característica que não o impediu de também tirar partido da natureza e dos materiais locais. A exemplo da preocupação em proporcionar conforto ao criar microclimas, Bernardes projetou um hotel em meio à floresta amazônica (Hotel Tropical de Manaus – 1963/70) sob um domo capaz de controlar a temperatura e umidade local. E antes mesmo, em Bruxelas (Pavilhão do Brasil 86

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Residência Willian Khoury, Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro, RJ, 1981-1995

na Exposição Mundial de Bruxelas – 1958), criou um pavilhão com uma estrutura central que poderia ficar aberta em dias de sol e fechada em dias de chuva. A originalidade de seus projetos residia na equilibrada conjunção de técnica com a intensa exploração dos recursos naturais, que fizeram com que suas obras estivessem sempre à frente do seu tempo. Além do mais, Bernardes explicava como ninguém seus projetos. Participava da construção, na maioria das vezes desenhava com giz os detalhes dos projetos nas paredes, envolvendo os operários e tornandoos parceiros. Sua capacidade de persuasão era fora do comum, todos faziam como ele

queria sem se sentirem usados ou manipulados; não forçava absolutamente ninguém, ele fazia o outro se apaixonar por aquilo e até mesmo acreditar que também estava criando. O respeito pelo arquiteto vinha não só da facilidade de comunicação, mas também do saber fazer. Segundo relatos, “Sergio pegava a máquina da mão do operário e mostrava como ele queria; trabalhava junto com ele, fosse ele serralheiro, marceneiro ou pedreiro. Prezava pela qualidade até do barracão de obras, bem montado e ventilado, proporcionando conforto para os engenheiros, operários e para ele, que lá possuía uma prancheta”.

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Residência Willian Khoury, Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro, RJ, 1981-1995

pela parte superior as telhas foram pintadas de verde, no tom das folhas da mangueira, de maneira que, de cima, a casa não era avistada. A intenção de construir uma arquitetura sem presença era constante no projetar de Sergio Bernardes. Tal faceta pode ser observada no Hotel Tambaú (João Pessoa – PB, 1962), que por fora, pelo lado da rua, a edificação fica escondida nas dunas por taludes gramados. Instalado o esqueleto da casa, formado por pilares metálicos em cruz, vigas treliçadas e laje de concreto, vieram os fechamentos. Eram divisórias pré-fabricadas, detalhadas por Bernardes para permitir a montagem rápida, que chegaram à obra e foram encaixadas nos perfis modulares, também detalhados por ele, localizados no teto e no piso; e em poucos dias a casa parecia estar pronta. Rapidamente o esqueleto de aço desapareceu e se transformou em casa. Na fachada, a modulação dos pilares foi enfatizada, já que o arquiteto fechou todos os vãos 90

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com cristal, com a intenção de refletir a paisagem externa e fazer a casa desaparecer. As provocações de Bernardes, ora mesclando elementos com o entorno, ora destacando-os por completo, também tomaram corpo na pavimentação do terreno. Este foi totalmente recoberto por placas de granito polido no intuito de criar uma continuação da Pedra da Gávea, que desceria como se estivesse escorregando para dentro do terreno, e para isso o arquiteto escolheu o granito Atibaia mais semelhante à cor da montanha.Com modulação de 0,25 x 1,25 m, a pavimentação começava na calçada que circundava o terreno, atravessava o muro, invadia a casa que mantinha a mesma modulação no teto de madeira e descia pelas escadarias e platôs do terreno. O paisagismo já existia, um jardim, por mais belo que fosse, concorreria com a mata nativa. Preservando as árvores preexistentes e centenárias, o granito polido ainda refletia a copa da vegetação circundante. E no lado do

Residência Willian Khoury, Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro, RJ, 1981-1995 – redário

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Espaço dos Sete Mundos Residência Mansur Kathuian A poesia e a emoção envolvidas no projetar de Bernardes conquistaram o casal Rosa e Mansur Kathuian. Tudo começou quando o casal procurava uma casa maior para a família no bairro do Morumbi – Cidade Jardim, em São Paulo. Depois de mais de cinquenta visitas a casas no bairro, passaram por uma casa abandonada que lhes chamou a atenção. Assim que entraram ficaram surpreendidos com os espaços generosos e o requinte dos detalhes e acabamentos. Segundo a proprietária,3 logo viram que se tratava de um projeto especial, que tinha a assinatura de quem entendia de arquitetura. E concluiu que prontamente procuraram o proprietário e na semana seguinte já a haviam comprado. Somente após a realização do negócio, veio à tona que aquela se tratava de uma obra de Sergio Bernardes projetada para Cincinato Cajado Braga em 1952. Se antes de tal informação a empatia pelo projeto da casa fora imediata, depois da descoberta,

tornou-se imprescindível para o casal conhecer pessoalmente o arquiteto. Faziam questão de reformar a casa com o autor do projeto, e somente após quase cinco anos conseguiram entrar em contato com Bernardes. Sobre o projeto original (para Cincinato Cajado Braga) – Construída em uma área de 1.500 m² em aclive e em forma de leque, com arco de noventa metros lineares, o arquiteto implantou a casa no fundo do terreno, deixando a parte ampla livre para a vista da cidade. Delimitou o espaço através de uma única cobertura retangular, uma laje dupla nervurada inclinada para o centro, e tratou a topografia do terreno dividindo-o em dois níveis. No platô mais baixo (primeiro nível), que ocupa aproximadamente um terço da área, localizou o acesso, e no mais alto (segundo nível), o corpo principal da casa, a parte social e a íntima. O volume retangular construído avança suspenso sobre o primeiro nível, levemente apoiado em quatro colunas de

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concreto em forma de “V”, que proporcionaram um balanço de cinco metros. Com uma volumetria tipicamente modernista, presente em muitas casas projetadas por Sergio Bernardes naquela época, como a residência de Jadir Gomes de Souza, premiada na Trienal de Veneza em 1951, guarda um tratamento enxuto e preciso da forma. Contudo, a maneira como organizou o programa e manipulou o trajeto que o visitante faz ao entrar e percorrer a casa, trabalhando os materiais e a iluminação natural de forma dinâmica, evidencia a forma que encontrava para fazer com que a arquitetura interagisse com o usuário. Tal promenade architecturale chega a níveis mais elevados no final da carreira do arquiteto, quando sua faceta lúdica fica, ainda, mais aguçada como foi visto na residência de Willian Khoury e pode ser observada na reforma de uma casa construída no início da década de 1950. O projeto de reforma (para Rosa e Mansur

Kathuian) – O trajeto do acesso que leva do primeiro nível ao segundo é marcado por um espelho d’água – fio condutor que recepciona o visitante conduzindo-o até a larga escada/cascata que dá acesso ao segundo nível. Nessa escadaria, os degraus são contínuos aos da cascata que corre no sentido inverso. Já na chegada o visitante percebe o contraste entre os ambientes claro/escuro ao passar pelo generoso hall de entrada, com pé-direito baixo e forro meia-cana de madeira, encontrando a escadaria intensamente iluminada e rica em reflexos. Chamam a atenção, especialmente, as chapas de aço inoxidável coladas nos espelhos dos degraus e nas paredes laterais, que, somados ao efeito causado pela água que corre ao seu lado prenunciam uma sensação de se estar entrando em um ambiente cheio de surpresas. A variação de luz e sombra que promoveu distingue os espaços, mas, também, destaca a Residência de Mansur Kathuian, São Paulo, SP, 1990

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O CURIOSO CASO DE SERGIO BERNARDES: INVESTIGAÇÕES CONCEITUAIS DE UM “ARQUITUDO” NO MUNDO DO DESIGN

Rafael Cardoso

O arquiteto que se proponha a acertar o passo com a tecnologia sabe agora que terá a seu lado uma companheira rápida e que, a fim de manter o ritmo, pode ser que ele tenha de seguir os futuristas e deixar de lado toda sua carga cultural, inclusive a indumentária profissional pela qual ele é reconhecido como arquiteto. Reyner Banham, 19601

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Poltrona rampa e Sofá rampa, c. 1975

Sergio Bernardes não era designer, nem por formação, nem por inserção profissional. No entanto, transitou com bastante desenvoltura pelo território usualmente reservado a essa categoria, atravessando com alguma frequência a fronteira imaginária que separa arquitetura e design. Assim como outros arquitetos do período modernista, projetou peças de mobiliário e equipamentos para interiores domésticos, e não ficou só nisso. Ao longo dos anos, saíram voluntariosas da sua prancheta propostas originais para bicicletas, automóveis, ônibus, aviões – produtos que muitos dese-

nhistas industriais sonham em projetar, mas que costumam ser pouco demandados a eles pela indústria brasileira. Pelo menos uma das realizações mais conhecidas de Bernardes – os postos de salvamento da orla carioca – concretizou-se no terreno do mobiliário urbano: ou seja, precisamente em cima da falha tectônica onde designers mais competem com arquitetos por ascendência profissional. Tamanha falta de cerimônia ao se aventurar na seara alheia poderia lhe valer a má vontade dos colegas designers. Contudo, este não parece ter sido o caso com relação às suas experimentações. 103

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Carro flexível

"Experimentação" é, sem dúvida alguma, a palavra mais comumente associada às incursões de Bernardes na área de design. Poucos de seus projetos chegaram a ser elaborados, e menos ainda colocados em produção em escala industrial. “A atuação dele no campo do design sempre foi mais conceitual do que prática,” salienta Pedro Luiz Pereira de Souza, professor, ex-diretor da Escola Superior de Desenho Industrial/Uerj e colega de Bernardes na reconstrução do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, após o incêndio de 1978.2 Em seu ensaio biográfico Sergio Bernardes: herói de uma tragédia moderna, Lauro Cavalcanti narra o episódio de construção e teste do chamado “carro mole”, desenhado no início da década de 1960 e cujo protótipo terminou em cacos, mas não sem antes consumir grande quantidade de verba do antigo Banco Nacional.3 Bernardes não se deu por derrotado com o fiasco; sua ousadia admitia a hipótese do fracasso como possibilidade experimental. Apesar da fama de utópico e sonhador, o arquiteto conseguiu emplacar soluções efetivas de projeto no âmbito da indústria nacional, especialmente na área de materiais de construção e sistemas construtivos. Ele era “um

homem de sucesso [...] merecido”, como bem lembra Pedro Luiz, distante de qualquer perfil quixotesco ou ineficaz.4 A atuação de Sergio Bernardes tem gerado um silêncio problemático na literatura sobre história do design. Dos primeiros autores até o presente – incluindo o autor do presente texto –, as menções ao seu nome são praticamente inexistentes ou, na melhor das hipóteses, passageiras.5 Porém, sabe-se que ele nunca andou distante dos atores e agentes que, nas décadas de 1960 e 1970, reorganizaram a profissão no Brasil. Desde 1961, quando foi constituído um grupo de trabalho para elaborar um curso de desenho industrial no Instituto de Belas-Artes do antigo Estado da Guanabara, o nome de Bernardes foi lembrado.6 Além do mais, é certo que ele se orgulhava dos produtos e inventos imaginados. Quando a revista Ventura publicou, em 1987, um ensaio especial sobre sua obra, incluiu em lugar de destaque alguns projetos de design, em pé de igualdade com suas maiores realizações arquitetônicas.7 O que fazer do curioso caso de Sergio Bernardes? Como entender o legado para o design de um arquiteto metido a fazer de tudo – um legítimo arquitudo?

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Maquete do carro projetado por Sergio Bernardes, 1965

Um visionário em verde e amarelo Sergio Bernardes é comumente comparado a Buckminster Füller, o grande projetista americano que popularizou, entre outros inventos, a cúpula geodésica – o mais original sistema construtivo desde as façanhas em aço de Gustave Eiffel e William Jenney.8 A comparação com Bucky (como era chamado) não é gratuita. O próprio Bernardes conviveu com ele nos Estados Unidos, o admirava muito e emulava abertamente suas realizações e seus princípios.9 Bucky cumpria todos os requisitos para lhe servir de ídolo: era mais velho do que ele 24 anos; era polivalente, produzindo projetos e inventos nas áreas mais diversas, embora não possuísse formação específica em nenhuma; ousava pensar grande, quase ao ponto da megalomania, não se furtando a colaborar com governos, militares e indústrias no planejamento de tudo, inclusive o meio ambiente. Sua escala de empreendimento era planetária; seu compromisso, quase exclusivo com o futuro.10 Na admiração unânime que cercava a figura de Bucky nos anos 60, Bernardes deve

ter encontrado a legitimação que buscava para extrapolar os limites convencionais da arquitetura e para colaborar com parceiros de todos os matizes, sem distinção ideológica. Tal qual seu ídolo, o brasileiro queria ser chamado de visionário: alguém que levasse o ato de projetar para muito além da prancheta, relacionando a escala micro do artefato com a escala macro do planejamento de sistemas e de sociedades. Para entender o lado designer de Bernardes, é importante inserir essa faceta na busca para abarcar os macroprojetos políticos, sociais e ambientais. Mais do que simples produtos a serem lançados no mercado, os objetos de design imaginados por ele – principalmente, na área de transportes – seriam soluções para o refinamento de sistemas, estruturas e fluxos. Cansado de conceber o objeto de modo estanque e autônomo, como era costume em sua época, o arquiteto passava a pensar o todo de modo relacional. Não adiantava projetar o edifício sem considerar a via que dava acesso a ele, o semáforo que controlava o fluxo de veículos e pedestres, o veículo que transportava as pessoas até lá, o ambiente em que todos se situavam e interagiam. Cada artefato integrava 105

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Avião Gaivota, 1960

desenho animado do que com a planta técnica do engenheiro. Cada caso era um caso, e o próprio Bernardes justificava as diferenças entre abordagens baseado no fato que os propósitos e usuários também eram diferentes entre si.20 Um dos projetos de design mais interessantes e, ao mesmo tempo, mais inquietantes por sua aparente falta de desenvolvimento tecnológico, é o avião planador Gaivota.21 Os desenhos técnicos que constam do caderno “Gaivota X-785” demonstram quase tanta preocupação com a disposição do espaço interno da aeronave quanto com sua aerodinâmica. Para um olhar de não especialista, o modelo em pequena escala sugere um objeto com pouca chance de voar. Combinando uma larga fuselagem tubular com asas esguias, parece algo saído de filme de ficção científica e não uma nave na qual um passageiro de bom senso aceitaria embarcar. Antecipando-se às críticas inevitáveis por se meter em área tão especializada, sem formação específica, Bernardes já escreveu no prefácio ao projeto: Quanto menos especialistas somos, menores são os condicionamentos que nos envolvem. O

descompromisso de um não profissional se de um lado é perigoso por possibilitar as premissas do não viável, por outro lado pode facilitar uma análise mais elástica do quadro geral, pois a visão de fora e de longe pode revelar aspectos sonegados aos especialistas envolvidos pela situação.22 Assumindo o risco de avançar “as premissas do não viável”, o projetista tem o desplante de se pretender capaz de descobrir aquilo que o conhecimento técnico tornaria os especialistas cegos para enxergar. Pretensão ou presciência? Como todo bom inventor, Bernardes ousava pensar diferente. As grandes descobertas, aqueles saltos imprevistos no conhecimento humano, passam necessariamente por certa desconsideração por aquilo que já se sabe. Há os seguidores e discípulos, que se ocupam reverentemente em consertar as vírgulas e preencher as lacunas apontadas por seus mestres, e há os desbravadores que botam tudo abaixo para começar de novo. Não resta dúvida que Bernardes buscava seu lugar no último grupo. Em uma área, pelo menos, sua inventividade arrojada rendeu frutos duradouros para o design: a de materiais de construção civil. O tijolo-cubo, o tijolo de vidro Tijolux

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Avião Gaivota, 1960

e a telha meio-tubo de fibrocimento, produzida em larga escala pela Eternit, são contribuições de inegável importância para a história industrial recente.23 Com elegância e simplicidade, desconcertantes em retrospecção, o projetista solucionava grandes problemas a partir de sua “análise mais elástica do quadro geral”. Como todo bom designer, enxergava o que os outros não eram capazes de ver. Para alguns leitores – em especial, os arquitetos e engenheiros – restará um senão: seria o projeto de materiais de construção uma ramificação do design?24 Importa enfatizar que a elaboração de um projeto de telha ou de tijolo em escala industrial detém, sim, aspectos importantes de metodologia e planejamento advindos de uma abordagem que não é puramente da alçada da arquitetura, mas que depende também de conhecimentos de moldagem/

modelagem plástica e de engenharia da produção. O mesmo saber compósito se faz necessário na criação de mobiliário urbano, área na qual Bernardes se arriscou em mais de uma ocasião. Esse tipo de projeto exige que se leve em consideração a totalidade dos aspectos envolvidos: desde os ergonômicos, relacionados aos usuários, até os de materiais e processos, relacionados às partes componentes requeridas para a fabricação. Projetados em 1976, os postos de salvamento da orla carioca são, muito possivelmente, o trabalho de Bernardes mais visto e conhecido pela população leiga. Sua presença ostensiva é tão naturalizada na paisagem, marcando os quilômetros que se sucedem do Leme até o Recreio dos Bandeirantes, que já se tornaram praticamente invisíveis. Mesmo passando constantemente à sua frente, e entrando neles para 111

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Posto de Salvamento, Orla do Rio de Janeiro, 1976 — desenho do autor

fazer uso de banheiros e chuveiros, poucas pessoas param para apreciar os postos de salvamento de um ponto de vista arquitetônico – como forma construída. Esta afirmação é o maior testamento possível à inteligência projetiva de seu criador, pois Bernardes desejava, acima de tudo, que os postos não interferissem na bela paisagem que iriam demarcar. Quando Philippe Starck apresentou seu projeto de equipamentos para o Parc de la Villette parisiense, em 1985, anunciou com ironia característica que “o melhor serviço que o mobiliário urbano poderia prestar à cidade seria desaparecer”.25 Poderia ter tido em mente os postos de salvamento de Bernardes, caso os conhecesse. Em seu projeto original, os postos eram feitos de material espelhado para que refletissem mar e céu, areia e calçadão, desaparecendo praticamente como objeto para o olhar. Embora não tenham sido executados no material almejado, sua forma elipsoide garante que ocupem a menor parte possível da vista para quem olha o mar de frente, diametralmente,

como é o caso dos moradores dos muitos edifícios da orla. Mesmo nos dias de hoje, em que passaram a ser aproveitados para afixação de imagens sobre suas superfícies laterais, os postos continuam a impactar a percepção da paisagem de modo comparativamente discreto.

As premissas do não viável Construir objetos arquitetônicos com a intenção de não serem vistos é algo raro na história da arquitetura, devemos convir. Filia-se ao pensamento de Buckminster Füller sobre uma suposta arquitetura nômade em que casas autônomas, todas iguais, fabricadas industrialmente, seriam transportadas por seus moradores de lugar em lugar, impactando o mínimo possível a paisagem em que porventura se localizassem. Ao abolir o imóvel, convertendoo em algo móvel, a meta de Füller era nada menos do que transformar a arquitetura em “serviço científico de habitação”, retirando dela boa parte de seu componente formal.26

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Posto de Salvamento, Orla do Rio de Janeiro, 1976

A função da arquitetura passaria a ser não a de embelezar a paisagem, abordagem decididamente passadista aos seus olhos, mas a de não a enfear. As formas construídas deveriam ser reduzidas ao seu mínimo múltiplo comum, como elementos de planejamento de sistemas, e não constituídas em monumentos individuais e marcadores discursivos. Um edifício não precisava ser coisa e enunciado, tanto quanto um componente espacial de abrigo. O embate conceitual com a visão predominante da arquitetura modernista é esclarecedor: contrapõe-se à vistosa "máquina de morar" de Le Corbusier uma proposta de maquinar moradias quase invisíveis. O projeto da casa Dymaxion, de Füller, era a lógica da pré-fabricação levada ao extremo: industrializar não somente os componentes da construção, mas a casa inteira e todo o sistema de habitação. A casa não era feita de módulos; a casa era um módulo.27 A rigor, esse tipo de pensamento projetivo tem muito mais a ver com a tradição do design – e sua ideolo-

gia da massificação industrial como princípio igualitário – do que com o exercício da grande arquitetura. Mal ou bem, a tradição arquitetônica é de pensar uma obra de cada vez, como estrutura formal, e cada obra tem seu autor. O edifício tem, portanto, valor autoral, tanto quanto uma obra literária ou artística. Na visão de Füller, a casa não é mais construída, nem edificada. Ela é moldada, prensada, quase cuspida para fora por extrusão. Ela é um resíduo sólido do processo maior de existência, como uma pérola o é para a ostra. Só que essa ostra se chama fábrica. Em termos epistemológicos, o abrigo de Füller não mais corresponde ao modo em que um autor contempla o livro que escreveu, mas antes ao modo em que o gráfico encara um único exemplar da tiragem de jornais que acaba de imprimir. No sentido histórico, a casa Dymaxion é um objeto de design, mais do que de arquitetura – isto, porque o design tem suas raízes fincadas no chão da fábrica e da oficina, e não no escritório ou na academia.28 113

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Projeto Hexágono

prolongamento.32 Como demonstram tanto a casa Dymaxion quanto o Hexágono, este não é bem o caso. A especificidade histórica do design reside justamente em sua capacidade de projetar em escala aberta, para além de um espaço delimitado, para um sistema em permanente crescimento e ampliação. O princípio de construir em malha, a partir de elementos simples calculados para funcionarem de modo sistêmico, foi amplamente explorado por Bernardes em sua prática arquitetônica.33 A inspiração inicial veio do sistema constitutivo da cúpula geodésica – baseado no princípio de inscrever um icosaedro (poliedro de 20 faces) dentro de uma esfera e projetar os vértices de cada face para a superfície da esfera. A malha resultante, composta por triângulos encostados um ao outro, distribui a carga por igual em todas as partes da estru-

tura, prescindindo de pontos de apoio central ou principal (e.g., pilastras, vigas, arquitraves, tesouras). A aplicação desse princípio à construção civil tornou-se corriqueira, em décadas recentes; porém, costuma ser pouco lembrado que Buckminster Füller imaginava a malha geodésica como um modelo para a organização de tudo: desde mapas até o próprio planeta. Em seu sistema de "geometria energética-sinergética", tudo se apoiava em tudo para formar o todo.34 Era, em sua essência, uma concepção do mundo como rede de inter-relações. Idêntico pensamento sistêmico parece permear o esforço de Bernardes para se libertar do arquitetônico, no sentido ortodoxo do termo. Partindo de uma bagagem de edifícios pensados como formas geométricas – abstraídas no espaço, esculturais, monumentais – sua obra passa, na fase dos macroprojetos, a funda-

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Projeto Hexágono

mentar a ação de projetar em outros valores: em sistema e não em estrutura. Ou melhor, em estrutura como decorrência de sistema. Os princípios que atravessam seus projetos – tanto de arquitetura quanto os não arquitetônicos – articulam a tensão entre módulo individual e malha sistêmica. O grande mérito da ação projetiva de Bernardes está no hábito de pensar os sistemas de forma metabólica, como algo que tem seu equilíbrio na mudança e não na estabilidade.35 Ao entender que as coisas nunca atingem qualquer grau de permanência, mas se mantêm em fluxo contínuo de transformação, Bernardes superou a antiquada formação formalista que recebeu. A partir daí, tornou-se um projetista não mais de artefatos, mas de usos e ambientes. A lição é fundamental para arquitetos e designers nos tempos que correm. Hoje, fala-se

muito em projetar experiências, em design de interações, em design emocional. Cada vez mais, os melhores projetistas resistem a conceber o artefato como objeto estanque, isolado das redes de produção, recepção e circulação nas quais está situado. Com a consciência ampliada que se impõe do ciclo de vida do produto, questões como uso continuado e pós-uso despontam vitais. Em meio a tantas e tão drásticas mudanças, é surpreendente constatar o quanto o pensamento projetivo de Sergio Bernardes já estava alinhado com tais conceitos. Como bom sonhador de utopias, ele enxergava para além do que podia ver. B

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Apud Monica Paciello Vieira. Sergio Bernardes: arquitetura

como experimentação. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, FAU/UFRJ, 2006, p. 10-11.

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Projeto Hexágono

2 Depoimento de Pedro Luiz Pereira de Souza, concedido ao autor

que o engenheiro alemão Walther Bauersfeld inaugurou o princípio

por e-mail em 8 de janeiro de 2010.

em 1923, vinte e cinco anos antes de Buckminster Füller.

3

Lauro Cavalcanti. Sergio Bernardes: herói de uma tragédia

9 Lauro Cavalcanti. Op. cit. (2004), p. 50-53. Ver também Ana

moderna. Rio de Janeiro: Relume Dumará-Prefeitura do Rio de

Luiza de Souza Nobre. Fios cortantes: projeto e produto, arquitetura

Janeiro, 2004, p. 66-67.

e design no Rio de Janeiro (1950-70). Tese de doutorado. Programa

4 Pereira de Souza. Loc. cit.

de Pós-Graduação em História Social, PUC-Rio, 2008, p. 106, 127.

5 A única fonte publicada sobre seu trabalho de design é um

10 Entre 1942 e 1944, Buckminster Füller trabalhou como

capítulo do perfil biográfico por Lauro Cavalcanti. Op. cit., p. 63-71.

engenheiro chefe do Board of Economic Warfare, do governo dos

Ver também: Lauro Cavalcanti. “Sergio Bernardes: moderniser

Estados Unidos, para o qual realizou, entre outras coisas, um

le moderne”. Le Visiteur: Revue critique d’architecture, 14:91-93,

estudo para a industrialização do Brasil. Para uma introdução à sua

2009. Dentre as não publicadas, ver Monica Paciello Vieira. Op. cit.

biografia e à vasta bibliografia de e sobre ele, o melhor ponto de

6 Lucy Niemeyer. Design no Brasil: origens e instalação. Rio de

partida é o Buckminster Füller Institute [http://www.bfi.org]. Para

Janeiro: 2AB, 1997, p. 79. Os trabalhos deste grupo desaguaram,

referências em português, ver: R. Buckminster Füller. “Os desig-

alguns anos depois, na criação da Escola Superior de Desenho

ners e os políticos”. Arcos: Design, Cultura Material e Visualidade,

Industrial, mas sem a participação de Bernardes, que pediu seu

2:6-15 (1999); e Roberto Verschleisser. Aplicação de estruturas de

afastamento logo de início.

bambu no design de objetos: como construir objetos leves, resis-

7 “Sergio Bernardes". Ventura, 134-135, set-nov. 1987.

tentes, ecológicos e de baixo custo. Tese de doutorado. Programa

8 Há controvérsia quanto à invenção da cúpula geodésica, visto

de Pós-Graduação em Design, PUC-Rio, 2008, p. 81-115.

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11  R. Buckminster Füller. Operating Manual for Spaceship Earth.

27  Ver Ibid., p. 9-17, 31-44.

Nova York: Pocket Books, 1970, p. 44-50.

28  Por isso, a história do design poderia ser escrita como uma

12  Paul Meurs. “O pavilhão brasileiro na Expo de Bruxelas,

“história sem nomes”, embora não o seja, na maioria das vezes.

1958. Arquiteto Sergio Bernardes". Arquitextos, n. 7, dez. 2000.

O termo é de Adrian Forty, que defendeu esta contraposição entre

Disponível em http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/

história da arquitetura e história do design na conferência interna-

esp034.asp. Ver tb. Lauro Cavalcanti. Op. cit. (2004), p. 73-80;

cional Histories of British Design: Where Next? Victoria and Albert

Monica Paciello Vieira. Op. cit., p. 11, 86, 107-108.

Museum; Londres; 06-08/07/2006. Ver também: Adrian Forty.

13  Lauro Cavalcanti. Op. cit. (2004), p. 82-85, 113. Dentre as

Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo:

mais mirabolantes de suas propostas estava a de ligar o Brasil

Cosac Naify, 2007, p. 9-16.

inteiro por meio de aquedutos, o maior dos quais teria 850 mil

29  Ana Luiza Nobre. “Sergio Bernardes: a subversão do possível”.

quilômetros quadrados.

Arquitetura.crítica, n.9 (junho 2002). Disponível em http://www.

14  A seleção de projetos apresentada aqui é baseada na pesquisa

vitruvius.com.br/ac/ac009/ac009_2.asp.

de Monica Paciello Vieira; ver Monica Paciello Vieira. Op. cit., esp.

30  Pedro Luiz Pereira de Souza. Loc. cit.

Anexo II. O arquivo de Bernardes carece de uma pesquisa mais

31  Lauro Cavalcanti. Op. cit. (2004), p. 70.

sistemática, voltada especificamente para sua produção em design.

32  Ana Luiza Nobre. Op. cit. (2008), p. 9

15  Ventura. Loc. cit. p. 124.

33  Ibid., p. 123-136.

16  Depoimento de Roberto Conduru, concedido ao autor por

34  Ver R. Buckminster Füller, “Energetic geometry". Em James

e-mail em 7 de janeiro de 2010.

Meller (org.). The Buckminster Füller Reader. Harmondsworth: Penguin,

17  Maria Cecília Loschiavo dos Santos. Móvel moderno no Brasil.

1970, p. 130-132. Ver também Roberto Verschleisser. Op. cit.

São Paulo: Studio Nobel-Edusp, 1995, p. 56, 62.

35  O termo é de Buckminster Füller; ver Füller. Op. cit. (1999),

18  Lauro Cavalcanti. Op. cit. (2004), p. 64-65.

p. 9.

19  Um recorte de revista não identificada, pertencente ao arquivo de Sergio Bernardes, apresenta o Bernardete ao grande público como "carro do povo". 20  Monica Paciello Vieira. Op. cit., p. 10-15. 21  Segundo Lauro Cavalcanti, o projeto original do Gaivota data da década de 1950. Lauro Cavalcanti. Op. cit. (2009), p. 91-92. 22  Sergio Bernardes. “Gaivota X-785” (caderno de projeto guardado no arquivo de Sergio Bernardes), s.d. 23  Ver Monica Paciello Vieira. Op. cit., p. 35-38, 86. 24  Ajuizar, dentre os corporativismos reinantes, qual atividade pertence a quem é tarefa da qual o autor deste texto pretende se esquivar, não sendo nem designer, nem arquiteto, nem engenheiro, nem bobo nem nada! 25  Henri-Pierre Jeudy. “Philippe Starck: ficção-semântica”. Arcos: Design, Cultura Material e Visualidade, 2:52-53 (1999). 26  [“Scientific dwelling service”, no original]. Os primeiros ensaios de Füller com a casa Dymaxion datam do final da década de 1920. Ver R. Buckminster Füller, Nine chains to the moon. Filadélfia: J. B. Lippincott, 1938, p. 335-355.

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A CIVILIZAÇÃO TROPICAL E O SEU CONTRÁRIO

Guilherme Wisnik 1. Os rios sempre surgem na história da Humanidade como caminhos naturais por onde se conduziu a civilização. De certa forma, foram bússolas dos progressos do Homem, indicandolhes direções, apontando-lhes roteiros para a exploração da Terra. Através deles, o Homem desbravou o interior dos Continentes, assentou povoamentos, fez crescer cidades. Por isso, e pelas riquezas que oferecem, os rios são um dos mais exuberantes patrimônios universais. Mas a intervenção do Homem sobre a naturalidade dos rios se fez muito mais em sentido predatório, do que com o cuidado de protegê-los e de preservar suas potencialidades. Preferiu-se 120

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sempre exaurir os rios, sugando-os em tudo, até matando-os, transformando-os em esgotos, em depósitos de lixo. Provocada por esses e por outros atentados ecológicos, a natureza também mexeu com os rios, alterando o curso de muitos deles, gerando as contradições dramáticas da seca e das enchentes, com suas multidões de flagelados e desabrigados.1 Com essas sensatas considerações, Sergio Bernardes inicia uma argumentação em favor do seu projeto de potencialização dos recursos hídricos do país através das “aquavias”: 16 anéis de água interligando as principais bacias Sergio Bernardes apresentando Projeto Brasil

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Projeto Brasil

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Plataforma de transporte marĂ­timo sobre esferas livres

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nando, num futuro próximo, com seus anéis girando e trocando água como numa engrenagem perfeita? Ou seria esse projeto, se tivesse sido construído, um enorme fóssil dos tempos de “Brasil grande”, abandonado na floresta, afundando no charco do Pantanal, e craquelado sob o sol do Sertão? Não é preciso decidir. A história é cambiante, e os projetos verdadeiramente fortes são aqueles capazes de nos fazer entender melhor a realidade, tanto pelo que afirmam quanto por aquilo que negam. B

aos municípios sobre a expectativa social etc. Ver Lauro Cavalcanti. Op. cit., p. 78-79. 6  “Ao pretender a Terra como bem de capital do povo, administrada não em sua posse mas em sua produtividade, revertendo os benefícios diretamente para o Homem organizado em comunidades autônomas, traçamos o caminho para implantação de uma sociedade aberta capaz de gerar, por si própria, os mecanismos de alteração do poder.” Sergio Bernardes, “Terrismo”, in Módulo Especial, op. cit., p. 10. 7  Sergio Bernardes. “Os caminhos da primeira civilização tropical: um continente se transforma em país; o Brasil inteiro ligado através de aquedutos”. Módulo Especial. Op. cit., p. 25-26.

1  Sergio Bernardes. “Os caminhos da primeira civilização tro-

8  Além de exemplos notórios como o da Holanda, a Rússia é

pical: um continente se transforma em país; o Brasil inteiro

um país que, ao longo dos séculos 19 e 20, construiu impor-

ligado através de aquedutos”. Módulo Especial: Sergio Bernar-

tantes canais artificiais de navegação interligando grandes rios,

des. Rio de Janeiro: outubro de 1983, p. 25. A revista é o catá-

como o Volga-Don, e o Mar Báltico–Mar Branco.

logo oficial da exposição “Sergio Bernardes”, ocorrida no Museu

9  Ver João Marcelo E. Maia. “Espaço e pensamento brasileiro:

de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outubro e novembro

a Rússia americana nos escritos de Euclides da Cunha e Vicente

de 1983.

Licínio Cardoso”. Dados – Revista de Ciências Sociais n. 1. Rio

2  A designação abarca projetos que o arquiteto fez para a totali-

de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro,

dade do território do Brasil. Num primeiro, feito entre os anos 60

2007.

e 70, depois de sobrevoar o país por “milhares de horas”, propôs

10  Sergio Bernardes. “Os caminhos da primeira civilização

um rearranjo do território nacional criando 17 “ilhas” dominadas

tropical: um continente se transforma em país; o Brasil inteiro

por rios importantes, que seriam interligadas por vias fluviais

ligado através de aquedutos”. Módulo Especial. Op. cit., p. 26.

de navegação, criando uma nova divisão político-administrativa

11  Antipragmático por excelência, Sergio Bernardes foi cada

para a nação. O segundo, dos anos 70, é a proposta já descrita

vez mais se desinteressando do seu bem-sucedido escritório de

das aquavias. Ver Lauro Cavalcanti. Sergio Bernardes: herói de

projetos, e dedicando-se às ousadas propostas que ele mesmo

uma tragédia moderna. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004,

inventava. Por isso, criou em 1979 o LIC: Laboratório de Investi-

p. 55-56 e 82-83.

gações Conceituais, que financiou do próprio bolso, dilapidando

3  “Evolução é a naturalidade do Homem. Revolução é a falta

em nome do idealismo quase toda a fortuna familiar.

de naturalidade para receber a evolução”. Citada na abertura da

12  Sergio Bernardes. “Célula de Informação Submarina”.

revista Módulo Especial, essa frase também aparecia na expo-

Módulo Especial. Op. cit., p. 24.

sição do MAM, em ambos os casos acompanhada da palavra

13  Ver Paulo Leminski. O catatau. Curitiba: Travessa dos Edito-

“revolução” com o R cortado.

res, 2004 (a edição original é de 1975).

4  Sergio Bernardes se dirige sempre à autoridade, ao governo, ao “poder central”. Ver a esse respeito o seu livro Cidade: a sobrevivência do poder. Rio de Janeiro: Guavira, 1975. 5  Uma política nacional de forte cunho protecionista, pregando o bloqueio da entrada no país de moeda estrangeira, a proibição da importação de produtos acabados, a cobrança de um tributo

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SERGIO BERNARDES E O RIO

Alfredo Britto Depois de um período inicial de experimentação construtiva e belas soluções arquitetônicas que lhe renderam láureas e prestígio, Sergio Bernardes abre, na década seguinte, seu olhar para a complexidade da vida urbana. Planejar me dá prazer. O mal-estar de viver no feio me faz produzir coisas belas.1 A partir do final dos anos 50, “o mal-estar de viver no feio” foi provocando aquele jovem colecionador de prêmios a direcionar sua inquietação e invenção para a vida de seus semelhantes

na cidade. E o Rio de Janeiro, a cidade natal, vai se tornando objeto de indissolúvel paixão: “cidade planejada pela própria natureza e esbandalhada por burocratas incapazes, o Rio tem uma vocação universal e é planejada dentro da maior mediocridade”,2 indignava-se. Para melhor desempenhar esse desafio cria o Laboratório de Investigações Conceituais – LIC, em junho de 1978. Quer dizer, cria formal e legalmente; porque, como acentua ele, o LIC já existia, desde 1959, “como comportamento”.3 Aprofunda investigações e propostas inusitadas para melhorar a qualidade de vida dos cariocas,

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Plano de Sergio Bernardes para o município do Rio de Janeiro, 1983

para melhor incorporar a paisagem privilegiada da cidade ao cotidiano das pessoas, para tornar mais eficazes os sistemas de circulação e transporte, impactados pela crescente velocidade gerada por novas tecnologias. Foram mais de quarenta anos (1959-2002) estudando a cidade, formulando soluções, explorando rupturas do convencional e do estabelecido, para devolver o sentido produtivo e alegre do viver carioca. Uma seleção dessas propostas veio a público pela primeira vez, de forma articulada e contundente, por iniciativa da antiga revista Manchete, semanário de grande circulação nacional (“Rio

do futuro – antevisão da Cidade Maravilhosa no século da eletrônica”, edição especial n. 678 de 17 abril 1965). As propostas iam se sucedendo – O Aeroporto Livre Intercontinental; a Ponte Píer, interligando o Caju no Rio a São Lourenço em Niterói; o Centro de Equilíbrio da Cidade, abrigando o Conjunto dos Três Poderes (judiciário, executivo e legislativo) na Baixada de Jacarepaguá; os Bairros Verticais – imensas torres de um quilômetro de altura; o Palácio das Sete Artes; os Centros Esportivos e Educacionais; a Ponte Turística entre Rio e Niterói apoiada em nove hotéis; os Anéis de Equilíbrio. 131

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Lagocean, Canal Jardim de Alah – Ipanema e Leblon, Rio de Janeiro, RJ, 1984

Em três pavimentos subaquáticos seriam instalados espaços e lojas comerciais, jardins e cerca de dezesseis salas de espetáculos de teatro, música, cinema, literatura, dança e artes plásticas. Complementado o complexo, seria construído na praia espaçoso estacionamento subterrâneo com capacidade de cerca de 8 mil carros, um alívio na neurotizante busca de vagas para veículos em dias de sol.

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Depois seriam construídos o Lagocean II e o Lagocean III nas praias da Barra da Tijuca, seguindo o mesmo modelo e acrescentando a vantagem de se ampliarem as linhas de ligação da cidade através do transporte marítimo.

Sergio prefeito A visão cada vez mais abrangente dos desafios de sua cidade e do próprio país o estimulou a colocar a mão na massa.

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Aceita o convite do prefeito de Nova Iguaçu, Paulo Leone (PDT) e assume em 24 de maio de 1984 a Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral do município, a época com 1,7 milhões de habitantes e o mais alto índice de criminalidade do país. Ele já vinha há dois anos preparando um plano geral para a área e levou para o novo posto um conjunto de propostas inovadoras. Ao anunciálo em sua posse, causou grande impacto dividindo as opiniões e criando, de imediato, defensores e detratores. “O pessoal de esquerda diz que meu plano é fascista; e a direita o acusa de comunista”.5 Seu objetivo era implantar o Plano Político Administrativo Municipal – PPAM, resultado de pesquisas e dados coletados pelo satélite Landsat entre 1972 e 1984, com ênfase na divisão do território em “430 propriedades comunitárias. Colocarei em prática um sistema de descentralização administrativa, baseado na participação da população”.6 “Quero a comunidade gerenciando a própria vida administrativa / financeira”. Sergio Bernardes antecipava em alguns anos o orçamento participativo adotado pelo PT em seus governos municipais. A experiência na administração pública em Nova Iguaçu, de curta duração, despertou seu desejo de transformar seu Rio de Janeiro, a partir de sua presença no comando da máquina político / administrativa. No ano seguinte, 1985, apresenta-se como candidato a prefeito do Rio pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) e anuncia o ponto fundamental de sua plataforma: a reorganização do município em 450 conselhos comunitários dotados de recursos próprios.7 No final da década inicial do século 21, alguns problemas crônicos e estruturais da cidade do

Rio de Janeiro – transporte público, despoluição da lagoa Rodrigo de Freitas e da baía de Guanabara, desfavelização, reaproveitamento da área portuária – adquiriram prioridade na ação político-administrativa dos governos municipal e estadual. Trinta, quarenta anos antes, Sergio Bernardes apontava sua gravidade e oferecia caminhos, diretrizes e soluções. Soluções grandiosas, generosas, impactantes, sempre buscando garantir a seus habitantes melhores condições de vida, maior economia de tempo, maior usufruto da beleza em sua cidade. Por vezes ele deixava-se trair pelo prazer irrefreável de um jogo de palavras8 ou tiradas de efeito;9 para a época com menor rigor crítico isso, certamente, funcionava. Mas na história da arquitetura e urbanismo do Brasil do século 20 não se tem notícia de um pensamento tão inquieto, inventivo, generoso e produtivo, em busca de melhores condições de vida para seus semelhantes no espaço urbano. B 1  Sergio Bernardes em Jornal do Brasil/Revista de Domingo, Rio de Janeiro, 24 agosto 1997. 2  Em O Globo. Rio de Janeiro, 19 outubro 1970. 3  Em entrevista ao Jornal de Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, 1º outubro 1979. 4  A revista Módulo lançou na ocasião uma edição especial que se transformou no catálogo da exposição. 5  Sergio Bernardes em O Globo, Rio de Janeiro, 4 junho 1984. 6  Sergio Bernardes na revista Veja, junho 1984. 7  Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 4 agosto 1985. 8  “tenta-se fazer a convivência do homem predador da Natureza com a Natureza predador do ser humano”. (Anéis de Equilíbrio, item 1, das Vantagens básicas, 1979). 9  “quem estiver no Grajaú e quiser ir a Copacabana andará 15 minutos de carro e chegará ao local desejado, sem ter que passar por dentro de qualquer outro bairro”. (Sobre os anéis de equilíbrio. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 1º outubro 1979).

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ELE MESMO

CONSIDERAÇÕES DE BASE

O urbanista, o arquiteto, o ecólogo têm sempre, por definição, problemas globais. Por mais que tentem cingir-se ao microcosmo, estarão sempre colocados diante do macrocosmo. Qualquer pretensão no campo do urbanismo obriga a tomar como ponto de partida essa visão panorâmica, se não se pretende apenas colocar remendos na paisagem, implantar tecidos novos em organismos já em processo de decomposição. Se não se pretende agravar os problemas, pensando resolvê-los. A concepção inicial dos Bairros Obreiros, exposta em 1957, cristalizou-se ao longo desses anos, nas diretrizes básicas a que decidimos chamar

de Rótulas Nacionais e Células Urbanas S.A. – parâmetros básicos para regular as vinculações entre o Estado e os indivíduos, e destes entre si, no campo da utilização dos solos urbanos. Definidos os conceitos, havia dois caminhos a escolher. Por um lado, uma tentativa de convencionamento dos que dispõem de instrumentos capazes de levar a uma decisão. De outro lado, a divulgação pura e simples das ideias. Cada um deles com suas vantagens e seus obstáculos. A opção está feita. E feita porque parece importante, a esta altura, tentar dar a cada pessoa a ideia correta do panorama diante do qual se coloca, com toda a sua gravidade.

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Sergio Bernardes no Laboratorio de Investigações Conceituais, 1979

Para que desse conhecimento nasça, talvez, a semente de um consenso que possa levar mais tarde, a rumos mais profícuos e mais de acordo com as necessidades coletivas. Na verdade, o Brasil fez uma escolha: a de desenvolver-se segundo as regras de mercado. Nem sempre, entretanto – ou até muito raramente – a opção é levada a todas as suas consequências. Essa economia de mercado, num País de mais de 100 milhões de habitantes, exigirá uma agricultura intensiva, mecanizada, segundo os pronunciamentos reiterados das autoridades e dos técnicos. A implicação natural, portanto, é

de que se acentue o fluxo migratório para os espaços urbanos, onde já se concentram hoje mais de 60 por cento da população. A concentração urbana é também pressuposto do desenvolvimento industrial acelerado, como é pressuposto do crescimento veloz do setor terciário – urbano, por definição. Se é assim, não há porque considerar mera projeção estatística a afirmação de que, em duas décadas no máximo, o País terá mais de 150 milhões de pessoas vivendo nas cidades (duas vezes e meia a população atual). Trata-se, no caso, de simples constatação de uma realidade futura, mas próxima. 141

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O que se pode esperar, quando a hipótese demográfica mais otimista deixar o País com quase 300 milhões de habitantes dentro de 75 anos – o tempo de vida provável das crianças que estão nascendo hoje (e, portanto, um problema dos responsáveis de hoje)? É absolutamente irrelevante ser otimista ou pessimista, visionário ou profeta do apocalipse. O que importa é ser realista e imaginar soluções, criar saídas para os aparentes impasses que a História tece ao longo da trajetória humana. Os conceitos básicos expostos neste trabalho são, assim, uma tentativa de coerência diante dos fatos. Os números e as projeções estão diante de cada um, apontando os problemas que se avizinham e os que se estão vivendo. Não se pretende, entretanto, dar modelo ou modelos fechados para o problema urbano no Brasil. Pretende-se, isso sim, estabelecer alguns parâmetros básicos para a ação do Estado nessa matéria, de modo a compatibilizá-la com as necessidades dos indivíduos em geral e de cada um deles em particular. Tratase de equalizar os tempos de atuação de um e de outro, pois a defasagem é que gera a turbulência, o impasse, a insatisfação. Trata-se de uma tentativa de levar a lógica dos fatos às suas últimas consequências. Se o modelo que o País escolheu implica a concentração urbana, tornase imperioso encontrar fórmulas que permitam uma concentração que não destrua a Natureza e – por extensão – não destrua o Homem. Na verdade, são as diretrizes básicas de uma proposta aberta à inventividade de todos e de cada um – do urbanista, do arquiteto, do psicólogo. Porque a tarefa de inventar para a sobrevivência não é tarefa específica ou exclusiva de ninguém: é o legado comum da humanidade. Produtos que são da atividade humana, extensões do homem, as cidades padecem hoje de males que se podem chamar biológicos. A fisio-

logia humana pode, por isso, ajudar a compreender melhor o processo que esclerosa e deteriora as cidades. Os mais recentes avanços na pesquisa do mais terrível dos flagelos humanos – o câncer – mostram hoje que o mal se instala e inicia seu processo de desenvolvimento no momento em que se interrompe a comunicação entre uma célula e o conjunto de células que compõem o organismo. Desavisada, desinformada das necessidades do conjunto, a célula isolada deflagra um processo anômalo de crescimento voraz e veloz. Em sua ânsia de crescer, a célula enlouquecida começa a lutar por espaço, a destruir as unidades vizinhas que, no entanto, são o seu sustentáculo. Nesse processo inexorável de destruição, chega fatalmente à autodestruição, à decomposição de todo um organismo. O processo urbano não deixa de ser uma transposição desse quadro. Em certo momento, um ponto do organismo social passa a atender, exclusivamente, às suas conveniências – ditadas sempre pela especulação, fundadas em razões econômicas ou de outra qualquer natureza – e a desenvolver-se mais velozmente que o conjunto do organismo. Interrompe a comunicação, deixa de atentar para as evidentes inconveniências sociais, e entrega-se, a ritmo pleno, à tarefa única de crescer. Obviamente, o crescimento se fará à custa do conjunto do organismo social, pois, para aquele ponto, terá de canalizar mais sangue, mais proteínas (recursos). Apenas para que uma célula se desmande enlouquecida, até chegar à degenerescência, dela própria e de sua vizinhança, o mesmo vírus que enlouquece a própria célula (a especulação) reserva as células vizinhas para o processo de expansão descontrolada. O Homem embala-se na ilusão de que o espaço terrestre não é finito, de que são inesgotáveis os recursos naturais. Destrói

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implacavelmente a natureza e, a passos céleres, abre caminho para a sua autodestruição, para a destruição de sua descendência. Os cientistas do mundo todo advertem todos os dias para o perigo: ou o Homem encontra uma forma de convivência harmônica com a Natureza ou abre caminho para a extinção da espécie. E são muitas as espécies que já se extinguiram na Terra, por incapacidade de adaptação ao meio ambiente. O Homem já identificou a origem do processo que leva à deterioração do tecido urbano. Só lhe cabe, então, definir um processo substitutivo capaz de ordenar a expansão do organismo social, do organismo urbano, mas de modo a que a expansão de um ponto não comprometa a região e não afete a sobrevivência do contexto nacional. Fundamentalmente, que a expansão não se faça às custas da agressão ao meio ambiente, condição de sobrevivência do próprio Homem. Se o organismo social tem de se expandir porque se multiplica sobre a terra, urge encontrar fórmulas capazes de permitir que isso ocorra com o menor prejuízo possível ao Homem e para o ambiente. E se o Homem se multiplica enquanto o espaço terrestre é estático e limitado, é preciso concluir que a única via de saída está na melhor utilização do seu espaço – o que implica, evidentemente, admitindo-se o aglomerado urbano como necessário, a concentração humana com possibilidade de dispersão ordenada e não prejudicial ao meio ambiente e ao seu usuário. Parte o modelo do princípio de que, em sua atividade especulativa, assume o Homem um tempo mais veloz do que o tempo regulado pelo Estado. Instalada a defasagem, que é progressiva, está também instalado o processo que levará à degenerescência precoce. A

Originalmente publicado no livro Cidade - a sobrevivência do poder (Rio de Janeiro: Guavira Editores, 1975).

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ESTUDOS DE HABITAÇÃO POPULAR

Em 1960, Sergio Bernardes realizou um projeto piloto para implantação na favela de Irajá e posterior multiplicação. Ainda na década de 1960 formulou um esquema de funcionamento estrutural para sua implementação. Esses dois planos estão aqui reproduzidos em fac-símile. 144

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FILOSOFIA URBANA

Nos Estados de regime político-econômico autocrático, as nações, assumindo todo o poder, devolvem a colheita da poupança dos indivíduos de maneira neutra e impessoal, distribuindo-a pela média das necessidades coletivas. Nos Estados de regime econômico democrático, o desenvolvimento está condicio­nado às microditaduras econômicas representadas pelas grandes empresas nacionais, estrangeiras ou multinacionais, cujos intérpretes e agentes, junto ao Governo, estão na classe política. Na melhor das hipóteses, o Estado tem sob sua responsabilidade os empreendimentos de base ou de segurança nacional. Mas esse desenvolvimento é lastreado na poupança dos cidadãos, recolhida através de impostos e convertida em obras que satisfaçam a média das aspirações coletivas. Tanto na primeira como na segunda forma, autocrática ou democrática, e ainda nos regimes mistos, a base do desenvolvimento é o indiví-

duo com sua força de trabalho e seu tributo. A contribuição individual é solicitada ou imposta de forma pessoal e direta: “Você precisa contribuir, o desenvolvimento depende de você”. Mas a resposta do Estado, qualquer que seja sua forma, é geral, neutra, indefinida, desaparecendo o indivíduo em nome da riqueza nacional. A pessoa do contribuinte, tão enfatizada na hora da colheita, transforma-se em abstração estatística na hora da prestação de contas. Há sempre uma permanente insatisfação dos cidadãos e, portanto, da sociedade, em relação ao Estado, impossibilitando o atendimento das necessidades individuais, que se avolumam rapidamente. A ânsia de progredir, de se libertar economicamente é enorme, e o indivíduo vê no Estado o empecilho fundamental às realizações pessoais. O que, neste trabalho, se apresenta são as diretrizes básicas para uma nova organização social das populações das cidades, possibilitando

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que elas se autodesenvolvam pela melhoria do padrão econômico de cada um de seus habitantes; as diretrizes para a minimização administrativa do Estado, solicitado apenas para a implantação da macroinfraestrutura, cabendo às populações, organizadas em sociedades anônimas, a administração e realização dos serviços de microestrutura urbana. Trata-se de uma oportunidade para que o político realize mais, em menos tempo, para mais pessoas. E, principalmente, a valorização direta e concreta da capacidade de autorrealização do homem, que poderá ver a aplicação de sua poupança revertida em seu benefício pessoal e, como consequência, em benefício da coletividade. Eis a diretriz para o urbanismo – aquele que não é paternalista, mas que pretende possibilitar ao homem a conquista dos instrumentos de segurança e liberdade econômica. Aceitando, passivamente, a definição de “arte e técnica de organização e racionalização das

aglomerações humanas, tendo por finalidade facilitar as relações e as funções, sob o ponto de vista social, econômico e político das populações das cidades”, o urbanismo tem se mostrado convencional, conservador, tímido e desarmado para enfrentar e resolver a questão que o mundo moderno coloca à sua frente: criar e replanejar cidades para um mundo novo. O desastre urbano continuará sendo fatal enquanto o urbanismo se considerar e for visto como intérprete e consequência dos pontos de vista formulados pela Economia, pela Política, pela Sociologia; enquanto não se sentir com autoridade suficiente para questionar o conhecimento contemporâneo e exigir daquelas e de outras ciências uma total revisão de valores, conceitos e atitudes. Exigir, principalmente, uma posição de maior humildade, humildade muito justificada pelo fracasso na resolução a que se propuseram aquelas ciências de, pelo menos, equacionar 171

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A IDADE DA CIBERNÉTICA Antes de mostrar ao leitor o projeto de Sergio Bernardes para o Rio de Janeiro do Futuro, resumimos o principal artigo da revista norteamericana TIME, desta semana, que, por coincidência, comprova os seus princípios. A era cibernética alcança no mundo tal desenvolvimento que nenhuma nação pode se considerar progressista sem participar de suas maravilhas, tão espantosas quanta fascinantes. Ao mesmo tempo que deslumbram e perturbam o espírito humano, elas abrem imensas perspectivas. Ainda agora, em Cabo Kennedy nos centros espaciais de Houston (Texas) e de Maryland, além de 14 outros disseminados pelo território norte-americano, dezenas de computadores eletrônicos guiaram, observaram, aconselharam e eventualmente advertiram os dois astronautas do Projeto Gemini. Mais ainda: pela primeira vez entrou em órbita um computador eletrônico, do tamanho de uma caixa de chapéus, mas capaz de realizar 7 mil cálculos separados por segundo. Esse fabuloso engenho estava à disposição de Grissom e Young. Jamais a URSS ou os EUA tinham pensado antes em tal coisa. Os computadores são os heróis desconhecidos das aventuras espaciais. Cabe-lhes a tarefa de verificar o bom funcionamento de toda a aparelhagem de precisão, como aconteceu com a cápsula Gemini, antes do lançamento. São eles que conservam os engenhos cósmicos na posição desejada durante a sua trajetória e que transmitem os comandos exatos aos astronautas. Sob suas pormenorizadas instruções, estes podem mudar de órbita durante o voo. Os computadores não somente traçam a nova órbita mas ainda dizem ao comando em que momento e por quanto tempo devem

ser acionados os retrofoguetes, para tal fim. A exploração do espaço cósmico seria talvez impossível sem a cibernética. Mas o fato é que o homem não está contente com os êxitos das extraordinárias máquinas, de importância e utilização cada vez mais ampla. Os computadores estão afetando quase todos os setores de atividade, em países como os Estados Unidos, a Inglaterra e a França. Nos EUA eles se multiplicam como cogumelos. Não há outra nação em que o progresso tecnológico seja tão considerável. Em 1951, ali havia pouco mais de 100 computadores em operação. Hoje, há 22.500 em escritórios, fábricas, escolas e laboratórios, como acaba de revelar a revista Time em longo e documentado artigo. Em suma, há nos EUA quatro vezes mais computadores do que em qualquer outra parte do mundo. E, no entanto, faz apenas onze anos que a indústria privada norte-americana comprava o seu primeiro computador. Os sociólogos e economistas voltam-se agora para o problema, procurando saber se o computador é um amigo ou um inimigo do homem. As questões surgem, umas após outras: Será ele uma causa de desemprego, através da aceleração da automação? Desvalorizará o trabalho intelectual e desprestigiará a inteligência humana? Chegará um dia a aprender a pensar por si mesmo? As respostas definitivas ainda não podem ser dadas, mas a verdade é que desde já os computadores vão realizando profundas modificações na estrutura da sociedade humana e nas manifestações mais elevadas de progresso. Sustenta um técnico que, desde a invenção da roda, nenhuma outra foi tão importante e tão útil, na história da humanidade. A automação, graças aos computadores já está afetando os negócios e a ordem econômica de tal forma 179

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São três triângulos verticais unidos e interligados por três triângulos horizontais. Os triângulos horizontais são as respectivas assembleias – do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. Cada assembleia teria 20 m de altura. Sobre elas estariam repousando todos os serviços administrativos gerais. À altura de 11 m do solo estaria uma grande plataforma de 1 km2, com os terminais dos ônibus e monotriIhos. Aí estariam localizadas as atividades de comunicação com o público. O governo atenderia a população inteira em um só ponto e em contato próximo com todos os setores de produção. Na periferia desta plataforma, a Estação Rodoviária, assegurando ligação direta, através dos monotrilhos e do free-way com quaIquer ponto da cidade. Embaixo, estacionamento, etc... Ao Norte, em primeiro plano, aproveitando três montes existentes, a catedral, com uma singela cruz sobre

o morro da Pedra do Padre, dando nascença a uma cobertura em curva invertida conectada ao morro em frente, na direção do nascente. É a presença da mensagem cristã, fator inconteste de fundamental importância na evolução cultural do mundo há 2.000 anos e há mais ainda se virmos o seu prolongamento na cultura judaica. Presente ainda hoje no fenômeno sociológico de cerca de um bilhão de seguidores em todos os pontos do mundo, em todos os níveis de profissão e saber, tendo como centro humano a defesa dos valores pessoais. Em segundo plano, o Centro Comercial; em terceiro plano, ao fundo, os hotéis comerciais. Na frente sul do conjunto dos Três Poderes, o parque de reserva biológica, servindo-lhe de jardim.

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O DESENVOLVIMENTO DO CENTRO COMERCIAL DA CIDADE É CELULAR E SUA CONEXÃO É FEITA POR CALÇADAS MÓVEIS Os bairros verticais teriam seus centros próprios de compra. No Centro Comum da cidade, junto aos Três Poderes, estaria o Centro Comercial, constituído por lojas, escritórios, consultórios, restaurantes, agências, bancos, etc... Seu desenvolvimento é celular, com unidades de cem metros por cem metros. A forma inclinada produz sombreamento e proteção ao transeunte. São prédios de 10 andares, com suas galerias internas iluminadas através da abertura superior. Na parte inferior, um estacionamento, pois, se buscamos um ponto, e a rua nos leva a um estacionamento, a solução é fazer coincidir os dois – ponto e estacionamento. Uma escada rolante proporciona acesso para a loja. Nas

sobrelojas, além dos elevadores comuns, pertencendo ao condomínio, haverá uma calçada móvel para fazer a interligação das células. Essas calçadas trabalham no sentido de mão e contramão – de um quarteirão a outro quarteirão. Os demais andares destinam-se a escritórios, com suas galerias de acesso em torno do pátio ajardinado. AS SETE ARTES TERÃO O SEU PALÁCIO E UM ANFITEATRO PARA 5 MIL PESSOAS Os teatros têm sido projetados para finalidades especificas – ópera, drama, balé. Sendo, por natureza, destinado à comunicação com o público, esse teatro limita o seu tipo de contato e o de seus frequentadores. Uma cidade de 15.600.000 habitantes exige a criação de um espaço versátil para as artes representativas, 195

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Na cidade projetada, os esportes são preocupação de um humanismo completo – mens sana in corpore sano. Na Zona Leste, o Estádio do Maracanã. Na Zona Oeste, um novo estádio. Na cidade, 38 Centros Esportivos a oeste e 38 a leste, todos a 500 metros dos bairros verticais. Cada um teria 4 campos de futebol dotados de arquibancadas para 30 mil pessoas. Sob as arquibancadas, oito escolas. O Centro Esportivo teria ainda 3 piscinas públicas – de competição, salto e recreação –, uma grande área de convívio com bar, restaurante, salão de danças, etc... Ao lado, três campos de atletismo e um grupo termal. A distribuição é harmoniosa com a densidade. O importante é que seja proporcionada a todos igual oportunidade da prática do esporte. Os estudos realizados e as experiências comprovadas, sobretudo na Alemanha, Estados

Unidos e França, demonstraram as seguintes vantagens: liberação do solo urbano (a 8 m do chão), leveza e simplicidade das estruturas de apoio (pilotis de até 1 m de diâmetro), capacidade de subir rampas de até 12%, possibilitando cruzamentos eventuais e passagens de túneis, aproveitamento dos leitos existentes de estradas, rapidez de construção (até 200 m por dia), custo até 6 vezes menor do que o do metrô, capacidade de transporte de até 40.000 pessoas por hora, velocidade máxima de 120 km/h e velocidade comercial de 60 km/h, rapidez de frenagem (a 100 km/h freia em 130 metros), redução dos ruídos urbanos (rolamentos pneumáticos com duração até 200.000 km). Enfim, seis vezes mais barato do que o metrô por km construído, sem levar em conta o custo de manutenção muito menor.

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COPACABANA TERÁ QUATRO BAIRROS VERTICAIS, TODOS COM VISTAS PARA O MAR E PARA O VERDE. É uma solução dinâmica e capaz de expansão, de acordo com o crescimento das necessidades urbanas onde a carga de transporte aumenta cerca de três vezes mais depressa do que a população, dada a problemática do adensamento. É possível colocar outros monotrilhos na parte central inferior da plataforma. É possível fazer crescer as colunas e sobrepor mais uma rede. Ainda sobre esta – no topo das vigas das colunas –, criar o monotrilho em colchão de ar. As estações de embarque e desembarque seriam conectadas, em respectivos níveis, às rótulas de estacionamento dos bairros verticais. Assim, a ligação do monotrilho seria diretamente ao metrô vertical.

Habitar é colateral a trabalho. Colateralidade é, porém, diferente de justaposição. Colateralidade significa, para nós, rapidez e facilidade de acesso. Decorre de um planejamento orgânico e não de uma ambição especulativa. Vemos que a horizontalidade em justa escala, com seu lote pessoal para a casa, é sadia e feliz. Todos sentimos que a horizontalidade gigante e a verticalidade tímida agravaram os problemas urbanos da habitação, pela predominância do interesse individual sobre o bem comum. Cada proprietário de um lote é um especulador em potencial. E a administração pública, na prática, vem-se abstraindo do bem comum para prolongar um direito privado dentro de uma 199

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LIC LABORATÓRIO DE INVESTIGAÇÕES CONCEITUAIS

Arquitetura e urbanismo, hoje em dia, nada têm a ver com as cidades – e é para as cidades que estão indo 80 por cento da população da Terra. Enquanto o urbanismo cria apenas viadutos e neuroses, tentando ordenar o caos, a arquitetura não consegue ser sadia. Arquitetura e urbanismo, assim, são hoje artes-finais de uma grande inércia – a rapidez dos avanços científicos e tecnológicos é esmagada pela lentidão da evolução dos conceitos de organização da vida urbana e da própria sociedade em sua pluralidade política, econômica, social e cultural. Foi a partir dessa constatação e da necessidade de inverter a tendência natural de todo Governo 212

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de gerar diretrizes apenas depois que surgem eventos ou acontecimentos – como simbolicamente ilustra a solução dos viadutos – que nasceu em 1979 o LIC – Laboratório de Investigações Conceituais, uma entidade sem fins lucrativos que tem como único capital a ideia – a ideia de ser um núcleo de pensamento que intervenha na realidade atual e sugira como o Homem pode se organizar melhor no espaço, harmonizando trabalho, circulação, habitação e lazer, condições elementares de seu bem-estar. O LIC alimenta-se dos desacertos para conceber mudanças. Mas mudanças que se fundamentem na naturalidade do Homem, que é a evolução, e não na revolução, que é a falta de naturalidade para admitir essa mesma evolução. Inspirado em experiências acumuladas pela Humanidade, mas também na percepção de que se vive no momento em que só o caos é planejado, o LIC não prescreve receitas paliativas, ou analgésicas, nem indica remédios apenas para partes doentes dos tecidos sociais e urbanos. Antes, imagina que as cidades, por exemplo, são como o Homem, um organismo que deve ser estudado e medicado em seu conjunto, de forma sistêmica. Tem uma visão mais ampla ainda o LIC. Acha que o Homem é uma extensão do Universo e

considera a Terra seu bem de capital. Por isso, entende que o Homem tem o direito de receber todos os frutos da transformação da Terra, até se consumar a fusão natural entre os dois sistemas – Homem e Terra. A partir de uma investigação permanente de conceitos – porque os conceitos caducam em velocidade surpreendente – o LIC desenvolve projetos que ofereçam novos horizontes ao Homem e às cidades, através da exploração de todas as potencialidades que a Terra e cada país em particular oferecem. São propostas que ignoram crises econômicas momentâneas, porque são indicações de soluções definitivas que geram emprego, proporcionam bem-estar social e viabilizam as cidades. Essas ideias, todas elas com viabilidade provada, vão desde a organização de um novo mercado de trabalho, composto de federações e bolsas de emprego, e a instituição de um plano político-administrativo que acabe com a inchação das cidades, fazendo-as crescer ordenadamente até a revisão do planejamento econômico e estratégico de um país de dimensões continentais como o Brasil. A

Original datilografado, acervo Sergio Bernardes, 1997

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RESIDÊNCIA DO ARQUITETO

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PAVIMENTO INFERIOR

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PAVIMENTO SUPERIOR

LEGENDA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.

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PISCINA VARANDA SALA DE ESTAR QUARTO DE HÓSPEDES QUARTO DOS FILHOS ESCRITÓRIO BANHEIRO CLOSET QUARTO PRINCIPAL ANTE SALA LAVANDERIA

12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21.

QUARTO DE SERVIÇO BANHEIRO DE SERVIÇO ESTAR SERVIÇO DESPENSA ESCRITÓRIO HALL SALA DE JANTAR COZINHA TERRAÇO GRAMADO

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PAVILHÃO DE SÃO CRISTÓVÃO

CORTE ESQUEMÁTICO

FACHADA

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POSTO DE SALVAMENTO

3

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PAVIMENTO INFERIOR

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PAVIMENTO SUPERIOR

LEGENDA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

BANHEIRO 1 BANHEIRO 2 SALA DOS FUNCIONÁRIOS MEDIDORES ARMÁRIOS PASSAGEM TUBULAÇÃO POSTO DE OBSERVAÇÃO

FACHADA

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The flow of this system would be permanently

adopts the same criterion – beginning with the goal

ensured: captured at the headwaters, the water of

of retaining in its hands the country’s potential as

the rivers would also be controlled at the river’s

well as the capital of its people, and of distributing it

mouth, before emptying into the ocean. At that point,

economically – it will begin to take on the dimensions

it could be pumped back into the system, making the

of a nation, rather than a continent.

map of Brazil look like a huge set of interconnected,

It is enticing to observe how such a simple and

circulating gears.

natural idea could solve such serious problems. This

It should not be said that this idea is infeasible. The

is not a question of simply installing a network of

impression of infeasibility is a feeling conveyed by

artificial rivers over the natural ones, as a cursory

incompetence and the lack of sound government

interpretation might lead one to think. The rivers

leadership. The country needs to wake up to its

would continue in their traditional courses and other

natural evolution, undertaking a nationwide collective

ones would not be built above them. The supply

effort for the construction of new transport routes

conduit bringing water to Rio de Janeiro, for example,

fed by the rivers. With this project, hope would

runs parallel to the Guandu and it is not said that an

resurge in Brazil.

artificial river was made beside it.

The necessary labor is there in abundance, being

The aqueducts would be much more than a simple

exploited by the slavocratic system. It is no use, for

water-supply network. They would bring all the regions

example, deluding the Northeasterners with public

of the nation closer together, integrating them and

work-relief programs that don’t construct anything,

linking them, while conjoining natural resources and

only serving to keep them in misery. There is no use

human efforts with the aim of definitively ending

in simply offering the worker meager wages when,

the problems of drought, floods and pollution, while

actually, he also needs a house, education, health,

simultaneously finding more economic alternatives

and well-being.

for transport and power generation. By extension,

Building the aqueducts by way of a nationwide

such a construction program through a nationwide

collective effort would be the beginning of all this.

collective effort would not only result in the nation’s

Its first effect would be to eliminate unemployment

integration and salvation, but would also provide

in this nation. And, on these new work fronts, the

the solution for the unemployment problem and the

workers would not only receive money. They would

economic crisis.

also receive guarantees of social security and have the opportunity to appreciate and closely accompany the construction of a new phase for Brazil, obtaining first-hand knowledge of each part of the project. The payback period for this undertaking would be very short. It would be paid back through the return of respect and dignity to Man, to the rivers and to nature, our collective heritage. Just as water is distributed in a county or city, and the distribution system seeks the economic balance points that can reach the greatest number of users with the least extension of the system, if Brazil 296

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Sergio Bernardes era um desses velhos companheiros que eu encontrava com prazer, vendo-o calmo, contente com a vida. Nem sempre tão serena como gostaríamos. E ríamos, lembrávamos coisas antigas – coisas alegres que vale a pena recordar. E o meu amigo Sergio era um arquiteto de muito talento, procurando como eu a solução diferente que a todos pudesse surpreender. Quanto projeto importante elaborou o nosso antigo companheiro! Quanta residência bonita ele realizou! E a sorrir todo o tempo, confiante no destino que, traiçoeiro, de nós o afastou cedo demais, para sempre. Eis o que me ocorreu dizer sobre esse velho amigo, um irmão que nunca poderei esquecer. Oscar Niemeyer

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Organização / Organization Kykah Bernardes Lauro Cavalcanti Projeto editorial / Editorial production ARTVIVA Editora

CRÉDITOS CREDITS

Coordenação editorial / Editorial coordination Ana Regina Machado Carneiro Textos / Texts Alfredo Britto Ana Luiza Nobre André Correa do Lago Farès el-Dahdah Guilherme Wisnik João Pedro Backheuser Lauro Cavalcanti Monica Paciello Vieira Murillo Boabaid Rafael Cardoso Coordenação pesquisa / Research coordination Kykah Bernardes

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Pesquisa Documental / Documental research Monica Paciello Vieira Emeline Emile Barbosa Abi-Abib

AGRADECIMENTOS/ Acknowledgments Adélia Issa; Ana Lucia Niemeyer; Ana Luiza Flexa Ribeiro; Ana Regina Machado Carneiro; Angela Vasconcellos; Barbara Beatriz Filgueiras de Melo; Ber-

Pesquisa Iconográfica / Iconographic research Monica Paciello Vieira André Luis Carvalho Cardoso

nardes & Jacobsen Arquitetura; Calmerio; Carlos Alberto Valente; Celina Filgueiras de Melo; Cesarina Riso; Christiana Bernardes; Emeline Abib; Ernesto Albuquerque Lopes (in memoriam); Fernanda Vieira Martins; Funarte / Coordenação de Documentação

Projeto gráfico / Graphic design Studio Ronaldo Barbosa

e Informação, Fundação Oscar Niemeyer; Jayme Mason; Josemar; Juca Ferreira; Julio César Costa; Katia Mindlin Leite Barbosa; Lauro Cavalcanti;

Plantas de arquitetura / Architectual plans Bernardes & Jacobsen Arquitetura Estagiário Raphael Alvim

Luciana Esteves de Souza; Luiz Salazar; Manuelzinho; Marcio Fontes, Maristela Melo; Mauro Valentim (in memoriam); Monica Paciello Vieira; Murillo Boabaid; Nininha Magalhães Lins; Paulo Fragoso (in memoriam); Regina Celie Simões Marques;

Revisão de texto / Proofreading Rosalina Gouveia

Renata Proença; Roberto Naccache; Rosa e Mansur Kathuian; SBA – Sergio Bernardes Associados; Sydney Sanches; Thiago Bernardes, Victor e Grace

Versão / Translation into English John Norman

Gradin; Ulrich Baedorf (in memoriam); Willian Khoury.

Fotografias / Photographs Acervo Sergio Bernardes Athayde dos Santos / Agência O Globo – pag. 131 Arquivo Agência O Globo – pag. 105 Celso Omena Brando – pag.63 Juliana Zucollato – pag.297 Pedro Oswaldo Cruz – pag. 82; 83; 84; 85. Tuca Reinés Estúdio Fotográfico – pag. 85 Sebastião Marinho / Agência O Globo – pag.141 Pré -impressão e impressão / Pre-priting and Priting GSA Gráfica e Editora

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)   S484

Sergio Bernardes : (1919-2002) / Alfredo Britto ...[et al.] ;

Kykah Bernardes, Lauro Cavalcanti (Org.). – Rio de Janeiro :

ARTVIVA, 2010.

288 p. : il. color ; 28 cm.

ISBN 978-85-99616-09-3.

1. Arquitetos – Brasil. 2. Arquitetura – Brasil – Séc. XX.

I. Bernardes, Kykah. II. Cavalcanti, Lauro.

CDD 927.2

copyright@ 2010, desta edição ARTVIVA Editora copyright@ 2010, família Bernardes copyright@ 2010, dos autores

B Este livro foi impresso na Primavera de 2010, em papel couché fosco 150g/m2 ( miolo e capa), na tipografia Franklin Gothic, com tiragem de 1.000 Exemplares.

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