VIDA & AMIZADE

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JMJ a té o a fim do mund o



Não sei se teria feito, por opção própria, este livro. Creio que não. Mas a surpresa que a Cristina me fez, quando iniciei o meu sexagésimo aniversário, deu-me m uito prazer. Entre outras razões, porque assim posso deixar aos Filhos e Netos uma memória de mim que durará mais do que o efémero das fotografias dispersas em sacos de ocasião. É bem verdade que enquanto alguém se lembrar de nós estaremos vivos. Essa (compreensível) vontade de sobreviver para além da vida pode concr etizar-se através de feitos valorosos, de imagens simbólicas comunicadas e de presenças activas nos aerópagos do Mundo. Mas também pode existir apenas e tão só na memóri a dos que nos são queri dos. Este livro baseia-se nesta segunda hipótese. E visa ajudar a concretizá-la, para além das brumas dos tempos e das imagens que se desvanecem. O que aqui r ecebes é uma selecção do que é o teu Pai. Não é f orçosamente a mais ri gorosa, nem seguramente a mais justa. É sem dúvida um auxiliar de memória. A melhor

meu Querido miGueL

coisa da vida são os fi lhos, e as coisas da vida não são per ceptíveis num livro como este, nem o são em livro algum. Nenhum texto pode conter o que de espiritual e imaterial constitui a minha relação contigo, com cada um de Vós. Isto é, não pode incluir os sorrisos trocados, as lágrimas choradas, as garg alhadas partilhadas, as pr eocupações silenciosas, os r eceios

disfarçados, os orgulhos, as culpabilidades, até as (algumas) irritações. Não pode revelar os teus olhos a fitarem-me, em épocas tão diversas, com expressões tão distintas, mas sempre sentindo neles o teuAmor. Desde muito novo que me habituei a admirar a fragilidade da tua força, a determinação da tua humanidade, o brilho da tua inteligência, os valores morais que te norteiam. E a tua cora gem e bondade, tão fundas que estão gra vadas no teu código genético. Creio que de tudo o que herdaste de mim, estes últimos valores – tão raros no mundo em que vivemos – são aquilo em que, nos momentos de maior vaidade, mais me revejo em ti. O que me escreveste para este livro seria uma razão bastante para ter valido a pena viver. Não porque tudo seja assim, mas porque tudo tu sentes assim. Obrigado, meu querido Filho, pelo orgulho que me permites ter de ti. Um beijo, com todo o tamanho da Vida, do Pai

Maio 2010



No dia 15 Agosto 1949 em Santa Clara, Coimbra, Portugal Nasceu José Miguel Alarcão Júdice Filho de António Libânio Gil Júdice e Maria do Carmo de Sousa Gomes de Alarcão. Irmão de António (1942-1950) Joaquim (b. 1951) Maria da Assunção (b. 1953) Pai de Miguel (b. 1972) Rita (b. 1973) José Maria (b. 1986)




“On est plus le fils de son époque que le fils de son père.” Proverbe Africain


oPasTor NorberTo:

La vem o Pastor Norberto bem alegre e jovial, boas novas tras de certo da familia do casal. Folgo de vê-lo contente., la na aldeia, la no povo. Graças a Deus felizmente tudo bem, nada de novo Oh perdão já me esquecia de um pequeno pormenor: Espichou de pneumonia o sue cavalo, o melhor. O meu cavalo morreu? Coitadito toda a noite a acartar agua pro incendio que houve em casa. A casa ardeu? De alto a baixo ficou tudo num tição, por cair sobre um capacho uma tocha de caixão. De caixao, Deus de clemência. De caixão bruto do inferno onde o pai de vossa excelencia reposava o sono eterno. Quiz salvar da negra morte a senhora sua mãe mas ela teve igual sorte pois ela morreu também. Lembra-se daquela broa que ela lhe mandou num prato? Foi engano da patroa era pasta mata-rato Era pasta mata-rato e foi hoje o meu almoço. A não ser este incidente lá na aldeia lá no povo tudo bem, nada de novo.


Primeiramente foi frade agostiniano em Coimbra (1210), depois frade franciscano conventual (1220), viajou muito, vivendo inicialmente em Portugal, depois na Itália e na França. No ano de 1221 passou a fazer parte do Capítulo Geral da Ordem de Assis, a convite do próprio Francisco, o fundador.

“A história natural diz-nos que o veado apascenta na estrada movimentada, porque sabe que o lobo evita a estrada frequentada pelo homem. (…) “ Sermão do 3º Domingo da Quaresma, 1946 - “Exulta Lusitanis Fidelis”, o Papa Pio XII declarou-o “Doutor Evangélico”.

Santo antónioedLiSBoa

dia d a aSCEnǘao

15 dE a GOStO1195 Foi professor de Teologia e grande pregador. Foi convidado por São Francisco para pregar contra os Albigenses em França. Foi transferido depois para Bolonha e de seguida para Pádua. Morreu aos 36 anos.

CHRonotoPoS


1949 Ireland Becomes Independent (4/18/49)

1949 Federal Republic of Germany Created (5/21/49)

South Africa institutionalizes apartheid.

1948 US Recognizes Israel (5/14/48)

1948 Communists Take Over Czechoslavakia (2/25/48)

1948 Gandhi assassinated in New Delhi by a Hindu militant (Jan. 30)

“You must be the change you want to see in the world.”

1949 NATO Founded -(4/4/49)

1949

1948 1949 First round-the-world nonstop flight from Ft. Worth, returning to same point: 23,452 mi in 94 hr., 1 min., with four aerial refuelings en route (Feb. 27–March 2).

“Conseil de L’Europe: je déclare ouverte la premiere séance…. Et avec ceci je clos la derniére séance.”

“ h i s t o r i nh a , h i stori n ha d a c al c i n ha ve rme l hi n ha, d o sapati n ho i n gl e s qu e r qu e e u conte outra v ez?”

Communist People’s Republic of China formally proclaimed by Chairman Mao Zedong (Oct. 1).













on peut faire très sérieusement ce qui vous amuse, les enfants nous le prouvent tous les jours... Georges Bernanos Extrait de Dialogues des Carmélite




Lett er SeVen It is also good to love: because love is difficult. For one human being to love another human being: that is perhaps the most difficult task

the ultimate task, the final test and proof, the work for which all other work is merely preparation. That is why young people, who are beginners in everything, are not that has been entrusted to us,

yet capable of love: it is something they must learn. With their whole being, with all their forces, gathered around their solitary, anxious, upward-beating heart, they must learn to love. But learning-time is always a long, secluded time ahead and far on into life, is - ; solitude, a heightened and deepened kind of aloneness for the person who loves. Loving does not at first mean merging, surrendering, and uniting with another person (for what would a union be of two people who are unclarified, unfinished, and still incoherent - ?), it is a high inducement for the individual to ripen, to become something in himself, to become world, to become world in himself for the sake of another person; it is a great, demanding claim on him, something that chooses him and calls him to vast distances. Only in this sense, as the task of working on themselves (“to hearken and to hammer day and night”), may young people use the love that is given to them. Merging and surrendering and every kind of communion is not for them (who must still, for a long, long time, save and gather themselves); it is the ultimate, is perhaps that for which human lives are as yet barely large enough.

Rainer Maria Rilke, Letters to a Young Poet



HE WaS a man, t aKE Him fOR aLL iS aLL, i SHaLL not LooK UPon HiS LiKE Gain. a HAMLET, ACT 1




P. - Manifestou muito cedo preocupações intelectuais, cívicas, políticas. Elas despertaram onde? Em casa? R. - Em casa, fundamentalmente por causa do meu pai. Ele tinha sido militante comunista, tinha abandonado o partido, convertera-se ao catolicismo e morreu pouco depois. Vivi assim numa atmosfera em que o problema comunista era muito pessoalizado. E bebi de tal forma essa questão que, se o meu pai fosse vivo, poderia ter feito de mim um comunista. Estando ele morto, obviamente que ao querer continuá-lo pretendi sempre ultrapassar o comunismo. Fui anticomunista mesmo antes de saber o que era comunismo. E nessa medida fui também contra a esquerda mesmo antes de a questão se colocar.

Entrevista: Maria João Avillez


La France, c’est le français quand il est bien écrit. La bravoure procède du sang, le courage vient de la pensée. Pour être heureux, le mariage exige un continuel échange de transpirations. Il faut toujours se réserver le droit de rire le lendemain de ses idées de la veille. En guerre comme en amour, pour en finir, il faut se voir de près.

Les Arabes ont été pendant cinq cents ans la nation la plus éclairée du monde. C’est à eux que nous devons notre système de numération, les orgues, les cadrans solaires, les pendules et les montres. Rien de plus élégant, de plus ingénieux, de plus moral que la littérature persanne, et en général, tout ce qui est sorti de la plume des littérateurs de Bagdad et Bassora. Mémoires pour servir l’histoire de France sous Napoléon, écrits à Saint-Hélène sous sa dictée, Napoléon Bonaparte, éd. Firmin-Didot, 1823, t. 2 (Général Gourgaud), Egypte - Religion, p. 258

naPoL eon BonaP aR te

15 dE a GOStO1769 “Le moyen d’être cru est de rendre la vérité incroyable.”

CHRonotoPoS


Pope John XXIII announces 2nd Vatican council

Charles de Gaulle inaugurated as President of France’s 5th Republic

Conventional historical wisdom focuses on the sixties as the era of pivotal change, yet, it was 1959 that ushered in the wave of tremendous cultural, political, and scientific shifts that would play out in the turbulent decades that followed. Pop culture exploded in upheaval with the rise of artists like Jasper Johns, Norman Mailer, Allen Ginsberg, and Miles Davis. Political power broadened with the onset of Civil Rights laws and protests. The sexual and feminist revolutions took their first steps with the birth control pill. America entered the war in Vietnam, and a new style in superpower diplomacy took hold. The invention of the microchip launched the Computer Age, and the Space Race put a new twist on the frontier myth.

“Whereas mankind owes to the child the best it has to give”

1958

1959

Declaration of the Rights of Children

Solomon R. Guggenheim Museum (designed by Frank Lloyd Wright) opens to the public.

Fidel Castro becomes Premier of Cuba

“ hi s t o r i n h a , h i s t o r i nh a d a c al c i n ha ve rme l hi n ha, d o sapati n ho i n gl e s qu e r qu e e u c on te outra v ez?”




CoimBRa



....uma explicação, tão funda e primitiva quanto a minha natural empatia com os danados da terra e da vida: ....aprendi-a no tempo da escola primária da Sé Velha de Coimbra, onde grande parte dos meus colegas e amigos viviam em condições sociais dificilmente suportáveis por seres humanos.


Em 1959, Portugal apresentava uma taxa de analfabetismo de 34%, enquanto trinta anos antes, em 1930, esta se situava em 62% e, em 1900, em pleno início do século XX, nos esmagadores 74%. Uma tão persistente presença do analfabetismo, enquanto indicador privilegiado do atraso da generalização da escola primária, só se torna compreensível na longa duração histórica, e permite entender os fraquíssimos resultados que o país apresenta quando se analisa a distribuição da população portuguesa por níveis de literacia, ou a distribuição da população activa por níveis de qualificação escolar e profissional.






The printing press is the greatest weapon in the armoury of the modern commander... There could be no honor in sure success, but much might be wrested from a sure defeat. Nine-tenths of tactics are certain, and taught in books: but the irrational tenth is like the kingfisher flashing across the pool, and that is the test of generals. It can only be ensured by instinct, sharpened by thought practising the stroke so often that at the crisis it is as natural as a reflex.

The Beduin could not look for God within him: he was too sure that he was within God. He could not conceive anything which was or was not God, yet there was a homeliness, an everyday-ness of this climatic Arab God, who was their eating and their fighting and their lusting, the commonest of their thoughts, their familiar resource and companion, in a way impossible to those whose God is so wistfully veiled from them by despair of their carnal unworthiness of Him and by the decorum of formal worship.

t . e. lWRenCe

15 dE a GOStO1888 Feisal asked me if I would wear Arab clothes like his own while in the camp. I should find it better for my own part, since it was a comfortable dress in which to live Arabfashion as we must do. I agreed at once, very gladly; for army uniform was abominable when camelriding or when sitting about on the ground; and the Arab things, which I had learned to manage before the war, were cleaner and more decent in the desert.

CHRonotoPoS


Nascimento de Linus Torvalds (criador do Linux)

Lei nº 2.137 proclama a igualdade de direitos políticos do homem e da mulher .

China’s “lost generation”: Mao Zedong declared certain privileged urban youth would be sent to mountainous areas or farming villages, so that they could learn from the workers and farmers there. No less than 12 million were relocated in the period 1968-1975; this amounts to an estimated 10% of the 1970 urban population.

“A right delayed is a right denied. ” Martin Luther king was assasinated April 4, 1968 and Robert Kennedy was assasinated June 6, 1968

1968

“There are those who look at things the way they are, and ask why... I dream of things that never were, and ask why not?”

“That’s one small step for man, one giant leap for mankind.”

1969

Declaração de Princípios da Acção Socialista Portuguesa ‘socialismo moderno, aberto às preocupações que resultam da experiência européia e atento às condições próprias da Península Ibérica’. Comunicado subscrito por Tierno Galvan e Mário Soares

“ h i s t o r i n h a , h i s t o ri n ha d a c al c i n ha ve rme l hi n ha, d o sapati n ho i n gl e s qu e r qu e e u c on t e outra v ez?”

... a million people were on the road yesterday trying to get to Woodstock. BBC News


Entre 18 et 20 ans, la vie est comme un marché où l’on achète des valeurs non avec de l’argent, mais avec des actes. La plupart des hommes n’achètent rien. André Malraux



1

2/8/1968

O segredo no presentear está em dar qualquer coisa que não tenha aparente utilidade (…) quando se é novo vive-se muito fora da relatividade do efémero.

ruben A.

2

2/9/1968

Poesia é antes de mais linguagem; mas linguagem animada pela emoção, intensificada pelo ritmo, transfigurada pela metáfora.

david mourão ferreira

3

3/8/1968

A socialização do mundo é a maior tragédia que foi distribuída ao homem que pensa (...) é preciso viver em prevenção, manter a condição do homem artista (...) em luta com o homem-massa (...) o Homem massa num futuro próximo, transformar-se-á num novo espectáculo de jardim zoológico (...) vivi sempre no horror do colectivo, muita gente junta arrepia-me, cria-me um complexo de superioridade que não quero utilizar.

ruben A.

4

3/9/1968

Do meu amor perfeito, flor ausente, não lembro a fadiga sorridente que havia, ao fim em cada um de nós.…a concentrada noite…

david mourão ferreira

5

3/10/1968

Um meio onde todos estão contentíssimos com a sua ignorância...

ruben A.


6

3/11/1968

Há dois mundos (em completa e totalmente distintos, o mundo dos discursos e o enfrentar imediato do problema do homem da rua, do ser que está a nosso lado.

ruben A.

7

4/8/1968

...fazia-me distraído, como quem espera um eléctrico que nunca vem, que se sabe de antemão que nunca vem que é o eléctrico de uma paragem que temos de fazer entre nós e o movimento da vida que se processa á volta.

ruben A.

8

4/8/1968

Esta é a nossa tragédia: para sermos grandes, ou precisamos de importar o estrangeiro, ou de morrer e já depois de morto, continuar a esperar. Haja em lista um Fernando Pessoa para não falar em Camões (...) estar no limelight é estar-se sujeito às mais ultrajantes difamações (...) no entanto não se mata nunca, porque matar já exige uma grandeza e isso é-nos alheio.

ruben A.

9

4/8/1968

... o criar é a razão forte da existência.

ruben A.

10

4/8/1968

O português ainda não compreendeu que não se inferioriza dizendo que não sabe (...) O que torna grande um homem é a capacidade de dizer que não sabe de um assunto que parece de conhecimento óbvio (...). Creio que o português opina sempre por uma espécie de complexo de inferioridade com medo de ser apanhado num lado vulnerável.

ruben A.


11

3/11/1968

A consciência não é infalível mas nunca tenho o direito de proceder contra ela.

Jacques maritain

12

4/18/1968

Não pode haver desenvolvimento sem liberdade.

vinicius de morais

13

5/10/1968

A salvaguarda de valores do passado é tão importante como a criação de valores do presente - pois o futuro será constituído por um e por outros, numa integração histórica...

José Augusto frança

14

5/10/1968

Ama e faz o quiseres.

Chateaubriand

15

5/10/1968

... clamavam como grito de salvamento os séculos XVI e XVII, ..., festejamos centenários, ... O nosso único orgulho é baseado naquilo que os antepassados fizeram (...) e nos cafés, de alto a baixo do Pais, continuamos a ser geniais, descobrimos novos mundos sentados à mesa da má língua.

ruben A.

16

5/10/1968

... Coimbra aprendeu-me a conhecer tudo que não era eu.

ruben A.

17

5/11/1968

Servia-me da lei do imprevisível... é o enunciado dum programa de racionalização da vida. Nada por acaso. Assim sou eu. Só que as coisas importantes acontecem por acaso...

ruben A.



É preciso viver em estado de prevenção. Não ir na enxurrada do colectivismo e morrer afogado num bairro económico ou numa colónia balnear, resistir às pressões políticas mirabolantes, quer sejam de uma banda ou de outra, manter a condição do homemartista em luta com o homem-massa foi sempre o que em mim se tornou claro desde que aos poucos tomei posse da minha personalidade. É fatal que se caminhe para a sanidade de vida das classes baixas, é humano que isso se faça, no entanto também é humano, mais talvez, que se lute desesperadamente para que a condição mais sagrada do homem evolua libertando-se das massas satisfeitas com a assistência médica, televisão e funeral pago. Essa massa vai criar um novo espírito animal, vai catalogar-se em Darwin e, convencidos que essa massa está feliz, constatamos ao fim de pouco tempo que esses grandes grupos de populações standardizadas deixaram de pensar e o seu sentir é apenas tactual, sem nada de sublimação em momentos mais íntimos. O mundo que pensa, do artista e do intelectual, tem de libertar-se do incómodo desses homens que trouxeram como contribuição para a humanidade uma ideia abstracta do colectivo em marcha, que passaram a emitir sons, como pequenas estações emissoras, que não precisam de se articular em palavras, bastando-lhes os gestos. Ao fim e ao cabo aqueles que julgaram ter contribuído para a evolução da humanidade, dessa massa informe, é com tristeza, se ainda forem vivos, que constatam o facto de terem criado mais uma categoria animal, símios aperfeiçoados, em substituição do processo normal e não aflitivo do homem que evolui gradualmente dentro da sua própria missão de homem.

“O Mundo À Minha Procura”

Ruben A.



18

5/11/1968

Em Lisboa traduz-se, em Coimbra conserva-se.

António José Saraiva

19

6/8/1968

... o mal, tendência natural da gente da nossa terra. Pior que fazer o mal ainda é inventá-lo e nisso o português é mestre exímio (...) A mesquinhice aliada à mediocridade, é uma das bitolas porque nos regemos.

ruben A.

20

5/11/1968

Não há nada acima da verdade (…) É necessário ter o espírito duro e o coração mole..

Jacques maritain

21

5/11/1968

A verdade é a expressão daquilo que é, o direito daquilo que é justo – e não daquilo que melhor serve, em dado momento o interesse de um grupo humano..

Jacques maritain

22

6/10/1968

Jamais a violência será a meus olhos um objecto de admiração e um argumento de liberdade.

Chateaubriand

23

6/11/1968

...Os intelectuais, por definição, são e devem ser insubmissos...

f. namora

24

5/11/1968

25

8/14/1968

... L’amour demande un peu d’avenir.

Albert Camus

... Livre de tudo, salvo da verdade.

Jacques maritain


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9/8/1968

A vida resumia-se muito, tinha poucos interesses. Se não fora a forte paixão que me fazia descobrir meandros sentimentais e humanos, se não fosse o contacto diário com uma natureza riquíssima em pormenores tão variados tenho a certeza que soçobraria nas aguas viscosas do ranço burguês.

ruben A.

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10/9/1968

28

10/11/1968

Amor platónico é como ser convidado para uma adega para beber uma gasosa. Há mundos que é preciso deixar para uma futura visita. Um dos segredos da vida é não dizer tudo, não saber tudo, ficar qualquer coisa suspensa, nem que seja o mistério da Criação.

ruben A.

29

10/11/1968

Inês de Castro, a mulher com mais categoria na nossa pátria.

ruben A.

30

10/11/1968

...fazer tudo o que é agradável fazer depois da morte e que durante a vida nunca houve tempo.

ruben A.

31

11/17/1968

O futuro pede sempre contas a uma pena que mente (...) prefiro mil vezes o ódio dos que estão, ao desprezo dos que hão de vir.

miguel torga

32

11/17/1968

...o meu espírito, embora sedento de absoluto, como sempre o conheci, se recusa encontrá-lo em qualquer prisão dogmática, e por fim descobri-lo no descampado inquieto da liberdade artística.

miguel torga


33

11/17/1968

O homem é a juventude que traz dentro de si (...) a autêntica que viveu na idade própria, e conserva viva na idade imprópria.

miguel torga

34

11/17/1968

A vida é ritmo. (sugerido por uma frase de Torga para mais tarde analisar e compreender bem a riqueza sintética dela).

miguel torga

35

11/18/1968

... é esse, no melhor dos casos o destino dos versos: apaga-se neles a experiência do poeta, e surge neles a experiência de quem os lê.

miguel torga

36

2/4/1969

... tudo o que é realmente grande não tem muros. Que na Idade Média, em que tanta parede se fez, só o que saiu fora das ameias ficou eterno: os trovadores e os peregrinos. A poesia e a fé.

miguel torga

37

4/4/1969

... boatos , especialidade tão portuguesa, desculpável talvez pela falta de informações a que estamos votados há meio século.

ruben A.

38

5/8/1969

Nunca sacrificar os homens concretos à Humanidade, a qual nunca é mais do que a ideia que dela se faz num determinado momento.

Stendhal

39

5/8/1969

Nunca se é tão feliz nem tão desgraçado quanto se imagina.

rochefoucauld

40

5/20/1969

É absurdo morrer por qualquer coisa, coisa em que por si é abolida no próprio momento que se morre; mas não vivemos integralmente, não nos pomos à prova, não nos entranhamos na vida, (...) se não nos provarmos num certo número de circunstâncias que somos capazes de morrer por qualquer coisa. Eis a contradição fundamental a toda moral.

roger vailland


41

6/4/1969

As janelas são os grandes inimigos dos presos. Ninguém pode viver a dez centímetros da liberdade.

luís de Stau monteiro

42

6/11/1969

Tout homme ressemble à sa douleur.

André malraux

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6/19/1969

Il a voulu rejoindre des homes ses concitoyens, dans les seules certitudes qu’ils aient en commun, et qui sont l’amour la souffrance et l’exil.

Albert Camus

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6/19/1969

Nunca me preocupei com os grandes problemas, senão nos intervalos das minhas pequenas orgias.

Albert Camus

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6/19/1969

O antigo já foi moderno; o moderno há-de ser antigo: portanto não há nem antigo nem moderno há só o verdadeiro, fora do tempo.

t. figueredo

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6/22/1969

Homens sem lei que não podem suportar nenhum julgamento (…) aquele que adere a uma lei não teme o julgamento que o reinstala numa ordem na qual ele crê. Pois o maior tormento humano é ser julgado sem lei.

Albert Camus

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6/22/1969

Não somos capazes de falar de coisas em que acreditamos de todo o coração sem nos comprometermos a fundo.

Jacques maritain

48

6/30/1969

Há tantas maneiras de dizer a verdade que não vale a pena mentir.

provérbio napolitano

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6/30/1969

50

8/11/1969

A rã quis ser maior do que o porco, rebentou... mas o porco não deixou por causa disso de ser porco. Aucun homme ne peut parler des femmes parce qu’aucun homme ne comprend que tout nouveau maquillage, toute nouvelle robe, tout nouvel amant proposent une nouvelle âme.

Andre malraux


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8/15/1969

Muitos dos que gozam do nome de cientistas apenas transpõem o mundo do poeta para outro plano, o cientifico, adquirindo assim fama e importância.

Kafka

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8/15/1969

Tudo o que é interessante passa-se na sombra, decididamente. Não se conhece nada de verdadeira história dos homens.

Celine

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8/26/1969

Mata-se um homem: é-se um assassino. Matam-se dois milhões é-se um conquistador. Matam-se todos: é-se um Deus...

J. rostand

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8/28/1969

Há momentos em que tudo nos sai bem. Não devemos assustar-nos isso passa.

Jules renard

55

8/28/1969

Quando se ama o abismo, é preciso ter asas.

nietzsche

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10/24/1969

Andava como borboleta tonta a pairar, sem uma ambição, excepto a de não fazer nada Era nisso profundamente português (…) A extraordinária capacidade inerente a todo o português de gastar tempo com coisas inúteis. (...)

ruben A.

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10/26/1969

Em Cascais as pessoas deslumbram-se com os barcos dos outros, com as ordinarices dos outros, com as ordinarices dos outros. São pelotões que pairam na babugem, coçam o rabo, aristocratizam-se à ultima hora (...). Há uma vontade colectiva em apreciar os dinheiros alheios(...) é um tipo de sociedade que encontra a felicidade apenas na vida material e qu em trinta anos unicamente evoluiu do gramafone para o gira-discos, e da caça às rolas para as perdizes, da loiça de Sacavém para a loiça da Companhia das Índias, dos banhos de praia para os banhos de piscina.

ruben A.

58

10/26/1969

Ia dilatar a minha fé e o meu império... (alusão a uma viagem ao estrangeiro).

ruben A.


59

11/8/1969

Na capital estão sempre com medo de perder o poder - como não há poder em Coimbra, ninguém tem medo de perder nada. A todos lhes pertence um quinhão de poder, de dignidade.

ruben A.

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12/12/1969 J. ousset

L’homme isolé est apte á tout et bon à rien.


1969-06-01 Resolução da Comissão de Descolonização da ONU, depois de uma visita a vário s paíse s afric anos, de denúncia da guerra colonial em que Portugal está empenhado, classificada como um grave crime contra a humanidade e uma ameaça à paz e à segurança

1969-07-28 Aprovação, pelo Conselho de Segurança da ONU, de uma queixa da Zâmb ia, por a taques aére os portugueses a povoações fronteiriças,

em

que

os alia dos

portugueses se abst iveram, mas manifestaram discordância com a política colonial portuguesa

1969-09-16 Apresentação do relatório anual do secretário-geral da ONU, em que U’Thant lamenta a decepção sofrida por muitos que alimentaram a esperança de que o Governo português alterasse a política colonial e re conhecesse o di reito à autodeterminação e independência.

1969-12-09 Condenação de Portugal no Conselho d e Se gurança da ONU por violações do território do Senegal

1969-12-22 Condenação de Portugal no Conselho d e Se gurança da ONU por violações do território da Guiné-Conacri.


P. - Era assistente de Direito em Coimbra e tentava evitar o inevitável: lutava com o desespero e a determinação da juventude para que a solução do problema africano não equivalesse à desagregação da unidade política então existente. Achávamos que Portugal era um país colonial porque havia colónias, o que nos distinguia do pensamento dominante à direita, que sustentava que aquilo eram províncias ultramarinas. Entendíamos que a melhor forma de desfazer o poder colonial era através de um processo que chamávamos integração: cada um dos territórios devia tornar-se tão português quanto o era o Portugal europeu. Nesse contexto, achávamos por exemplo que se devia trabalhar e depressa para transferir a capital para Angola. A prazo, a consequência seria Portugal deixar de ser um país europeu para se transformar num país africano com uma espécie de entreposto na Europa.

P. - Uma utopia ou uma... possibilidade? R. - Obviamente uma ideia idealista e impossível na época em que a queríamos concretizar, mas isso não nos importava e lutávamos!

por tugal deveria assim ser uma ponte entre dois mundos, um mais rico, outro mais pobre...

Mas o que era fundamental era ganhar tempo para que a alteração da correlação de forças internacional, as próprias modas e o exemplo de alguns rotundos fracassos nas independências africanas, levassem a que a atmosfera política internacional fosse compatível com o conceito da autodeterminação não colonialista. Aliás, nós, nessa altura falávamos sempre no facto de Amílcar Cabral, pouco tempo antes de morrer, dizer basicamente que “se o Presidente da República de Portugal - que era Thomaz, reeleito em 72 fosse também e efectivamente o Presidente da Guiné, eu não teria inconveniente em ser independente através de Portugal”.


P. - Que geração era a sua? Como classifica a família ideológica que a envolvia e inspirava? R. - Bem, era confuso. Éramos uma geração muito anarquista. Cada um ia ao supermercado e abastecia-se daquilo que gostava... P. - E você, abastecia-se de quê? R. - Em primeiro lugar, como já referi, o que eu queria era a transformação de Portugal num país africano. Mas defendia aquilo a que chamávamos socialização, segundo a qual as empresas deveriam ser geridas pelos trabalhadores e o capital remunerado como se fosse um empréstimo, devendo a rentabilidade do negócio ficar para o colectivo desses trabalhadores... Não lhe chamávamos autogestão, porque isso era o que lhe chamava a esquerda! Nem todos me acompanhavam neste radicalismo, mas era o que eu defendia. Cheguei também a escrever que a terra deveria ser nacionalizada e entregue - sem indemnização! - aos trabalhadores e que a banca deveria também ser nacionalizada... P. - Bem, então o que o separava da esquerda? R. - A questão africana! Por causa do conceito pluricontinental, o inimigo principal era a esquerda. E discordando ou não da totalidade das coisas que algumas pessoas pensavam, eu fazia alianças com todos os que em relação a essa questão não queriam o abandono, a derrocada militar e as independências. Depois, haveria tempo para se pensar no resto... Mas isto era assim um microcosmos conimbricense de pessoas que andavam à procura de algo que nem sabiam bem o que era... E este universo ideológico era fruto da época também: a esquerda era ideológica e culturalmente tão dominante que, sem querer, nós éramos de esquerda. Tal como hoje, em que a direita é de tal forma dominante que a esquerda, sem se dar conta, é de direita... Veja que hoje a esquerda bempensante defende ideias e soluções liberais que, no meu tempo, nem a direita defendia! As atmosferas culturais fazem com que as pessoas, sem querer, sejam mais a sua época que as suas ideias. Nós éramos assim uma época de esquerda pensando que não e com a convicção de estarmos a ser muito diferentes... P. - Falou há pouco do microcosmos conimbricense. O facto de a sua raiz estar em Coimbra determinou alguma coisa? Isto é, nunca foi um lisboeta? R. - Determinou muita coisa: estávamos por um lado imunes às tentações, por outro deslocados da realidade.


O poder não nos chamava, não conhecíamos pessoas importantes ou com peso. E estávamos suficientemente longe para ninguém ser tentado a apadrinhar-nos. Éramos muito independentes das direitas da época. E, como estávamos fora dos jogos de poder de Lisboa, talvez mais puros. Mas também mais autistas: em Lisboa era mais difícil defender as coisas “surrealistas” que queríamos... Mas Coimbra era uma sociedade juvenil, foi até talvez o único sítio onde, em termos urbanos, o Maio de 68 se instalou. P. - Como assim? R. - Porque embora estivéssemos contra os seus herdeiros e contra os seus representantes locais, de certa forma vivíamos como eles: em bando, em grupos, influenciados pela atmosfera cultural reinante na qual estávamos totalmente imersos. O que também nos fazia ser mais propícios ao trabalho intelectual e à reflexão e menos activistas, menos preocupados com o dia seguinte. Nunca tínhamos necessidade de intervir na realidade a curto prazo. P. - E havia uma certa tradição de rebeldia também... R. - Muita. Em Lisboa, um jovem formava-se e preparava-se para ir ganhar a vida. Nós, não: eu acabei de me formar, fui para assistente da Faculdade de Direito e acabei a vender livros numa cooperativa por militantismo! [ri]. Demorámos mais tempo a sair da adolescência... Em Lisboa, os estímulos são outros, há as empresas, os convites para trabalhar, etc. Ninguém se lembrava de nos ir lá convidar para nada, vivíamos “por ali”, numa certa boémia que prolongava os sonhos juvenis... P. - Quem eram as referências ou os autores que os inspiravam? R. - Até tínhamos a ilusão de que não precisávamos disso!... Estávamos em ruptura com a geração que nos antecedera mais autoritária, influenciada pelo pensamento criptofascista. Mas à direita a minha geração foi a primeira que se dedicou a sério à sociologia, que olhou para o marxismo não como se fosse um demónio - eu próprio estudei bastante o marxismo nessa época. Os nossos autores? Diversificados e variados... José António Primo de Rivera, que não era um autor mas que produzira muita coisa, fiz - e publiquei, aliás - uma antologia de textos dele.


rêv er un impossible rêve porter le chagrin des départs brûler, d’une possible fièvre partir, où personne ne part Aimer jusqu’à la déchirure Aimer, même trop, même mal t enter, sans force et sans armure d’atteindr e l’inaccessible étoile t elle est ma quête suivre l’étoile peu m’importent mes chances peu m’importe le temps ou ma ou ma désespérance désespérance Et puis lutter toujours sans questions ni repos se damner pour l’or d’un mot d’amour

R - O que me interessa é a busca, o desafio. Não é por acaso que um dos meus poemas preferidos é aquele cantado pelo Brel - La Quête, o Dom Quixote

Je ne sais si je serai ce héros Mais mon coeur serait tranquille Et les villes s’éclabousseraient de bleu parce qu’un malheureux brûle encore, bien qu’ayant tout brûlé brûle encore, même trop, même mal pour atteindre à s’en écarteler pour atteindre l’inaccesible étoile

Jacques brel, 1968 tiré de l’Homme de la Mancha


R. - Quando se vê tudo a soçobrar, os pessimistas desistem, os optimistas agarram-se ao que têm... - ... as dificuldades estimulam-me! ...Eu achava possível evitar que o comunismo tomasse conta de Portugal - e o comunismo para mim era uma coisa complicada... Portanto, fiquei ali no meu terreno a fazer na minha trincheira o combate que podia fazer. Era sobretudo um trabalho intelectual, de elaboração de estudos. Fizemos um projecto de Constituição, um esquema de Organização Administrativa do país...


Nas r ev o luçõ es, a abstr acção

t ent a

sub lev ar-s e co ntr a o r eal: por isso o fr ac asso é co

nsubst anci al

às r ev o luçõ es. A r ev o lução

não é a sub lev ação

co ntr a a ord em pr eexist ent e, mas a implant ação d

e

u ma no v a ord em qu e vir a a tr adicio nal pelo av esso . “A R ebelião das Massas” O rtega y Gasset



P. - O que viu em Sá Carneiro?

“exprimi num texto que vim a publicar em livro sobre o pensamento de Sá Carneiro. Isto é, uma solução r eformista pa ra a criação de soluções de justiça social, que era afinal o grande objectivo que me movia depois de a questão africana e de a questão nacional terem perdido a possibilidade de se concretizarem como eu teria gostado.”


P. - E em 78 faz uma aproximação a Sá Carneiro, embora sem nunca ser tentado pelo partido dele... R. - Nessa altura, quando ele estava na oposição, eu era talvez a única pessoa - ou das raras - que nos jornais o apoiava em comentários políticos regulares P. - O que viu em Sá Carneiro? R. - Vi nele a capacidade de fazer uma coisa que eu tentara ver em Eanes. Isto é, eu pensava que após uma ruptura revolucionária é determinante uma normalização que provoque a alteração da confusão revolucionária sem perda de tempo. Voltar a pôr o país numa rota de normalidade. Isso exige um homem ou um grupo de pessoas com uma concepção muito forte da autoridade e uma indiscutível democraticidade. Aquilo a que chamo cesarismo democrático. Um homem capaz de fazer alterações em legislação já feita, mas que se revela afinal inadequada ao país, correndo todos os riscos com as oposições. Foi o que Eanes nunca fez e Sá Carneiro, em 80, foi fazer.

já o era, não o foi apenas pós-25 de Abril. Mas quando percebi, anos depois, que me enganara, fiz um processo ideológico e evolutivo para uma ideologia geral - cujas linhas exprimi num texto que vim a publicar em livro sobre o pensamento de Sá Carneiro. Isto é, uma solução reformista para a criação de soluções de justiça social, que era afinal o grande objectivo que me movia depois de a questão africana e de a questão nacional terem perdido a possibilidade de se concretizarem como eu teria gostado. P. - Conheceu-o de perto?

A concretização ideológica de Sá Carneiro correspondia ao que eu pensava ser naquele momento o mais adequado. Eu tivera uma fase muito idealista e revolucionária antes do 25 de Abril.

R. - Aos 29 anos, fui advogado dele num processo complicado, um conflito com “o diário” por causa de uma dívida. O meu colega e sócio António Maria Pereira e eu fomos os advogados. Ora nessas reuniões de trabalho a conversa extravasava muitas vezes para a política. Era... um homem determinado, de grande convicção. Muito sensível aos conflitos, tinha uma imensa capacidade de captar onde estavam os aliados, os adversários, os inimigos. Nunca esquecia a regra fundamental dos conflitos que é não esquecer a sua base de apoio. Nisso, nunca falhou. Tinha um grande sentido de autoridade e não gostava de discrepâncias. Um dia, discordei num artigo de uma sua posição, apoiando a posição de outro dirigente da AD.

Compreendi depois que as várias coisas que eu defendera - nacionalizações, reforma agrária, etc. - eram irrealistas e estavam erradas. Em relação à questão africana, não pude ter a prova, porque fizeram outro erro que não era o meu. Uma vez, antes de Abril de 74, eu dissera ao Mota Pinto, então meu professor, que se acreditasse que a solução para Portugal era o reformismo, seria social-democrata, como ele

“Bom, já vejo onde está o seu coração”, disse-me ele, como que zangado... Não houve problema, mas gostava que as pessoas o apoiassem. Ou seja, não lhe era indiferente que elas o não apoiassem... Mas eu não gostaria, agora que toda a gente descobre que foi íntima dele, dizer que o fui. Não fui, tivemos sempre contactos formais, mas como a política nos apaixonava aos dois, falávamos alguma coisa.




A mInhA empAtIA Com oS preSoS vem dA mInhA memórIA InfAntIl dA prISão por delIto de opInIão de meu pAI e dA mInhA próprIA detenção, exACtAmente vInte CInCo AnoS mAIS tArde, tAmbém ApenAS por rAzão IdêntICA. neStAS memórIAS, A mInhA próprIA dIfICuldAde InfAntIl de perCeber Como tInhA SIdo poSSível que o meu pAI tIveSSe eStAdo nA prISão onde AS hIStórIAS pArA CrIAnçAS ColoCAvAm oS mAlvAdoS, CruzAvA-Se Com A preSSentIdA IdêntICA dIfICuldAde do meu fIlho mAIS velho que, Com menoS de 3 AnoS e ApóS A mInhA lIbertAção, me perguntAvA o que erA umA prISão e porque é que AS peSSoAS São preSAS.

em CondIçõeS muIto AdverSAS vI muItoS A dAr grAndeS lIçõeS de dIgnIdAde e de CorAgem. muItoS vão ConSeguIr depoIS de SAírem em lIberdAde, orgAnIzAr A SuA vIdA pArA que não voltem A eStAr A ContAS Com A JuStIçA. e pArA eleS que vAI A mInhA IntenSA e profundA Comoção. monfor te, dezembro de 2004 José miguel Júdice



Sou homem nada do que é humano me é estranho. Terentius


HOMO SUM H U M A N I N A P

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A fundação da Sociedade PLMJ remonta ao final da década de sessenta com a associação entre António Maria Pereira e Luís Sáragga Leal a que se sucedeu, na década seguinte, a integração de Francisco de Oliveira Martins e de José Miguel Júdice, também como Sócios. Gerações de grandes Advogados se juntaram, ao longo de décadas, aos Sócios Fundadores de PLMJ na condução dos destinos desta Sociedade, todos contribuindo para o crescimento, solidez, modernização e visão de futuro de PLMJ. As políticas de internacionalização e de especialização prosseguidas pela Sociedade, desde o seu início, conduziram ao forte crescimento sustentado de PLMJ. PLMJ comemorou, no ano 2007, os seus 40 anos de história ao serviço da colectividade e da Justiça, aniversário simbolicamente coincidente com a implementação de uma reestruturação interna, visando antecipar as crescentes exigências de prestação de serviços de advocacia de Excelência.


PMLJ






Quinta das Lágrimas Debate


1996


A voz da Ordem dos Advogados é a voz serena da Liberdade. Se a voz dos Advogados portugueses denunciar uma ofensa à Liberdade, à Cidadania, aos Direitos Humanos partam do princípio de que a denúncia tem razão de ser. E peço serenamente que todos os que têm Poder, sobretudo esses, não o esqueçam. Se esquecerem, estão a correr um risco que mais cedo ou mais tarde será evidente.


“...doa a quem doer, custe o que custar, pague-se o preço que se tiver de pagar. ...”


“... Uma das figuras que mais admiro na História é a de Cincinato, um lavrador da República romana. Ele não era político profissional. Pediram-lhe que dirigisse Roma durante um período curto. Depois, governou tão bem que lhe pediram que ficasse mais uns tempos. Mas ele recusou, lembrando que aquela não era a sua vida. E regressou às suas propriedades, porque a sua profissão era a de agricultor. Ora a minha profissão é a de advogado, não é a de Bastonário.”


N ÃO HÁ MA CHAD o QUe CoRT e A RAI Z A o PeN SAM eNTo


P - Nunca encarou a hipótese de se candidatar à Presidência da República? R - Não. Eu sou como aquelas senhoras que adoram ser seduzidas, mas não querem ser seduzidas. Fico contente, mas não quero ser Presidente. Voltarei a ser um cidadão normal, em janeiro de 2005.


” SEMPRE AO LADO DO POVO” A política é sempre um jogo de espelhos, côncavos ou convexos, nisso se resumindo afinal praticamente o que em cada situação concreta existe de peculiar. O número de gradações possíveis tende para o infinito, desde o limite extremo de concavidade ao absoluto excesso de convexidade.



Uma vez nunca me esqueço, o Raul Solnado, que é um querido amigo, disse uma coisa que eu não me esqueci, aqui há uns vinte e tal anos, - ó Zé Miguel uma coisa que é preciso nós termos noção, não se pode estar sempre com os holofotes em cima. Porque cansa. Cansa as outras pessoas e cansa-nos a nós- E de facto ... é verdade tive de dar muito a cara. Eu estava farto farto mesmo, digamos desses holofotes dessa visibilidade. Quero caminhar cada vez mais para o anonimato onde me sinto bem.

Espero voltar a ter a “insensatez” que penso ser um dos sinais essenciais para manter as pessoas jovens.”


Pa i


miGUEL (B. 1972) Rita (B. 1973) JOSé maRia (B. 1986)


“A melhor coisa da vida são os filhos, e as coisas da vida não são perceptíveis num livro como este, nem o são em livro algum. Nenhum texto pode conter o que de espiritual e imaterial constitui a minha relação com cada um de Vós.”



La jeunesse est une religion dont il faut toujours finir par se convertir. André Malraux



C’est bien plus beau lorsque c’est inutile


Primeiro, e acima de tudo, agradeço-lhe a vida, que a dois me deu. Sem ela, sem ele, não estaria aqui. Agradeço que ele seja como é, que me tenha ajudado a ser como sou. Muito do que eu gosto em mim vem dele ou está nele também. Choro como ele, amo, sinto como ele, também com o meu pai aprendi a não ter medo de nada, a ser maior do que sou, a enfrentar tudo e todos se necessário for para não comprometer os meus valores, a minha essência. Vi-o fazer isso ao longo da vida, com sofrimento por vezes, mas sempre dormindo bem à noite. Tenho muito orgulho no que ele é, no que ele fez, no que não fez, nas suas qualidades, nos seus defeitos. Gosto que ele tenha estado preso (como o seu pai), é talvez das coisas que mais me orgulham nele. Tenho pena de ao longo da minha vida não ter tido combates que me levassem à prisão, sinto-me mais pobre por isso.

miGUeL

Aprendi com ele que “C’est bien plus beau lorsque c’est inutile ”, que acima de tudo devemos seguir o nosso caminho, de costas direitas e sem nos vendermos, com independência, com “espinha”, sem ser um “merdas”, trilhando, se necessário, a estrada “less traveled by”, como escreveu Robert Frost. Aprendi com ele a não desistir, a lutar pelo que quero, a respeitar todos mas a não “levar desaforos para casa”.


Aprendi a sentir, a sentir-me, a proteger quem amo com a vida se necessário. Aprendi a viver com pouco, a não dar o certo pelo incerto, a dar valor a tudo o que tenho, a não cobiçar o que não tenho, a ser transparente, a ser abnegado. Aprendi que nos devemos dar aos outros, que temos o dever de servir a sociedade, de sermos éticos e honestos no trabalho. Com ele aprendi a trabalhar desde cedo, a ser profissional, a respeitar quem me rodeia e a exigir respeito de volta. Aprendi a valorizar tanto quanto desvalorizo o dinheiro, os bens, e ao mesmo tempo a apreciar a vida e as suas maravilhas, a cultivar-me, a ler, a escrever, a olhar, a saborear, a viver. Agradeço-lhe as Lágrimas, que salvou para os seus filhos, oferecendo aos que virão depois de nós a oportunidade de um dia se reverem no “Au plaisir de Dieu” de d’Ormesson, como aconteceu com ele. Como diz a publicidade de uma célèbre marca de relógios, ninguém na nossa família é verdadeiramente dono das Lágrimas, limitando-se a tomar conta dessa Casa, desse jardim, desse Ser Vivo que nos acompanha há séculos, até à próxima geração. Com ele aprendi a ter orgulho em quem veio antes de mim e a ter no respeito a essa memória um elemento central da minha vida, honrando o passado ao não deixar que ele me cegue e ao fazer o meu próprio caminho.


A relação entre pai e filho nunca é simples. É uma estrada sinuosa, construída em administração directa por pessoas sem experiência, que vão aprendendo a cada passo, ao ritmo dos erros e dos sucessos. É um percurso feito de emoções, de palavras, de alegrias e de tristeza, de expectativas, de muitos sobressaltos. A minha Estrada com o meu pai, ao contrário do que poderia ser esperado, sempre foi tranquila, com muita poucas divergências, com atritos absolutamente insipientes, sem conflitos, sem questões por resolver. Sei que tenho nele um guardião, um amigo, e que à “sua” distância me tem, me protege, me vela. Sei que não há nada que não fizesse por mim se necessário fosse mas também que nada fará se necessário não for. É assim que quero. Sou um pai diferente para o meu filho do que o meu pai é para mim. Acho que sou melhor. Graças a ele sou melhor, pelo que ele é e foi para mim, pelo que não foi e não será. O meu pai aprendeu a ser pai por ele próprio, sem guia, sem o exemplo do seu próprio pai que morreu tinha ele 3 anos. Eu tive mais sorte, aprendi, aprendo, com ele todos os dias da minha vida. Ele é um bom professor e eu sou um bom aluno. Espero também eu vir a ser assim. Ficaria realizado na vida se o meu filho gostasse sempre tanto de mim como eu gosto do meu pai.



O meu Pai AS MEMÓRIAS A primeira memória que tenho do Pai é de o ouvir a escrever na sua máquina velhinha (trác, trác, trác). Sentado na mesa do escritório, a mesa que me parecia enorme e que tinha umas portas onde eu, de vez em quando, me escondia. Sempre escreveu a uma velocidade enorme mas só com os dois indicadores, como um corredor dos 100 metros. Eu tentava mas os meus dedinhos, invariavelmente, ficavam presos entre as teclas. Lembro-me contudo de virar a fita da máquina (metade preta e metade vermelha) como ninguém e assim a máquina continuar a escrever. Quando mais tarde tive oportunidade de o ver de perto a trabalhar

rit a

(principalmente em tribunal) apercebi-me que a rapidez de corredor não é só no tamborilar da máquina de escrever mas, principalmente, no raciocínio e na estratégia do seu pensamento. Brilhante. A segunda memória é dos jogos olimpicos, quando no verão, muito pequeninos, íamos com um grande grupo para a praia e aí fazíamos salto em comprimento, obtáculos, lançamento do dardo, com toda a criançada. E das viagens intermináveis para o Algarve e para Coimbra a jogar ao sim e ao não, às adivinhas, às música. É com carinho que me estas memórias me surgem quando vejo o Pai a brincar com os netos e a contar histórias disparatadas.




A terceira será, sem dúvida, vê-lo a ler, vários livros ao mesmo tempo ou o jornal, totalmente absorto. Há um espaço que é só dele e assim sempre será. OBRIGADA Da sua vida pública todos sabem, o que alcançou, o que fez e escreveu não é desconhecido mas um Homem é muito mais do que o que faz. Um Homem é, essencialmente, pelo que ama, pelo o que entrega, pelo que ensina, pelas memórias que vai deixando. Ao meu Pai, por nunca deixar de afirmar e escrever o seu amor por mim e pelos meus irmãos; por nunca deixar de ser o nosso porto seguro (principalmente quando andávamos completamente à deriva); por as Lágrimas aí estarem e assim os meus filhos poderem perceber como a mãe foi lá tão feliz; por nunca ter vergonha de chorar; por nunca fugir de pedir desculpa ou de agradecer do fundo do coração sempre que acha que é devido (ainda que ache em regra que tem que pedir de mais e agradecer de mais - e também por isso e assim nos ter ensinado que se pode ser humilde e ser grande!); por nos ter transmitido que o que se tem conquista-se e merece-se; pela sua vontade de viver e por todas as batalhas que ganhou. Obrigada Pai.



«Chiça, penico, chapéu de coco»


Lembro-me dos postais que me enviava, em viagem; dos melhores bifes do mundo que costumava cozinhar, e cujo sabor, por mais que tente, nunca hei-de conseguir encontrar novamente (talvez o consiga quando for pai); das frases feitas - «Chiça penico chapéu de coco», «historinha historinha da calcinha vermelhinha e do sapatinho inglês, queres que te conte outra vez?», «alto e pára o baile» -, que me levavam até à exaustão, a mim e ao meu feitio de puto bandido, quando ia para a ginástica respiratória; de baixarmos a cabeça - ainda hoje o faço, às vezes - quando entrávamos num túnel ou passávamos por debaixo de uma ponte; dos dois passeios que demos em Inglaterra, durante os quais tomou paternalmente conta das minhas primeiras lágrimas provocadas por saudades e me explicou as vantagens e a prática de lavar cuecas à mão; das férias passadas no Algarve, muito a contragosto, para que o seu filho e um grupo de amigos se pudessem divertir; da falta de jeito do Pai para ter conversas “sérias” comigo, daquelas que qualquer adolescente reza para que não

Zé maRia


aconteçam com os pais, e que eu só passado uns anos percebi e agora lhe agradeço. Lembro-me disto, e de muito mais. Das alturas boas, mas também das difíceis. Mas o que mais tenho presente, e sei que hei-de carregar comigo ao longo da minha vida, é uma admiração imensa pelo Pai; uma confiança cega nos ensinamentos que ao longo da minha vida me tem vindo a transmitir; um enorme bom senso para perceber as minhas vontades, intransigindo apenas e só no intransigível; e, sobretudo, uma certeza inabalável que, nos momentos mais difíceis da minha vida - que los habrán, los habrán - terei um porto de abrigo - silencioso, se necessário - no meu querido Barbas. Bem sei que nem sempre sou o melhor filho do mundo: irresponsável, esquecido, nem sempre atencioso como devia, mas pode ter a certeza que gosto muito do Pai, com todo o meu coração. Muitos parabéns. Se se portar bem, lá para os 100 escrevo-lhe mais qualquer coisa, combinado? Aproveito para lhe lançar um desafio: um dia destes, faça a barba (tenho uma curiosidade do caraças!). Era giro, não acha? Gosto muito de si, um grande, grande, beijinho. Zé Maria



aV Ô


7 dE nOV dE 2002 manUEL 31 dE maiO 2004 CaRminHO 18 dE aBRiL 2006 JOÃO maRia 26 dE JanEiRO 2010 RafaEL



Quando era mais novo dizia, meio a brincar, meio a sério, que tinha aprendido a ser Avô, mas não a ser Pai. Como sabem, o vosso Avô António morreu quando eu era ainda muito pequenino, pouco mais tinha de 3 anos. O Bisavô Miguel, o dono das Lágrimas, foi para mim uma espécie de Pai. Mas era um avô velhinho (quando eu nasci ele já tinha 64 anos) muito disponível, às vezes rabujento, sem nada exigir e estando sempre a dar. Agora que chegou a minha vez de ser Avô estou a descobrir que, apesar do que vi e vivi, afinal ser Avô não é fácil e que nunca se aprende a sê-lo, bem e de meuS forma definitiva. Os tempos mudaram muito, as reQueridoS lações entre as pessoas também, e eu interrogo-me muitas vezes se estarei a ser capaz de ser um Bom netoS Avô para Vocês. Quando lerem com toda a atenção e saudade este livro que vos deixo, talvez já sejam capazes de responder à pergunta que gostaria de ter a certeza de saber responder: O Avô José Miguel foi um bom Avô? Vou continuar a tentar ser, como é evidente. E a vossa ternura comigo, desde muito pequeninos, leva-me a pensar que a memória que vão guardar de mim será feliz, alegre e bem disposta. Mas não estou seguro de que me consigam conhecer bem, pelo menos tão bem como eu gostava.


Este livro, que foi uma surpresa da Tia Cristina quando eu fiz 60 anos, servirá para Vocês me ficarem a conhecer um pouco melhor. E para com isso, quando os anos forem passando, voltarem a folheá-lo, à procura de mim e do tempo em que Vocês eram muito pequeninos. Posso dizer, no momento em que vos escrevo, que a minha vida foi complicada, teve momentos melhores e outros piores, chorei, ri, irritei-me, zanguei-me, tive saudades, medo, ansiedade, dores, mas que o saldo global é de uma vida muito feliz. E para isso sem dúvida que os vossos Pais foram a principal razão. Tive a sorte de ter Filhos maravilhosos, que são os vossos queridos Pais. Eles sempre gostaram de mim muito, mesmo quando discordavam do que eu fazia ou quando sofreram ou se desiludiram de coisas que aqui e ali não eram o que esperavam de mim. Sempre sentiram o meu amor inquebrantável por eles e que, à minha maneira, sempre vivi em função deles. Se Vocês gostarem sempre dos vossos Pais como eles gostam de mim, tenho a certeza de que lhes darão a maior alegria que se pode dar. E com isso verão aumentar a vossa felicidade. Um beijo muito grande do Avô que vos adora Maio 2010



P - Há uma paixão sobre a qual ainda não falámos. A Quinta das Lágrimas....


R - Era uma propriedade da família, desde 1730, praticamente ao abandono há anos e em risco de cair. Um dia apareceu um comprador, e fui lá com os meus filhos, para lhes explicar o que foi a minha infância, a minha juventude. No fim, resolvi filmar tudo para ter uma recordação e percebi que não podia vender aquilo. Trabalhei como um escravo, desde 1989, para a Quinta das Lágrimas... nunca na vida pensei tanto em ganhar dinheiro! É uma senhora muito cara [risos]. Hoje em dia, é considerada pelos grandes guias turísticos um dos melhores hotéis portugueses.

de reuniões, health club, mais quartos. Não parei e acho que pode e deve melhorar. É um projecto familiar. O meu filho está a fazer o mestrado na indústria hoteleira por causa daquilo. É um local carregado de passado. E esta é a melhor - e se calhar a única - forma de preservar o património, permitindo que ele sobreviva, sem se degradar. Hoje em dia, a Quinta das Lágrimas tem milhares de árvores e é um dos mais bonitos museus arbóreos portugueses.

De facto, o dinheiro só pode O Guia Michellin considera-o o servir para este tipo de coisas. melhor hotel ao norte de Lisboa, Mas, em Portugal, há pouca e o Guia Repson, um dos dois tendência de pessoas que têm melhores restaurantes a norte recursos em excesso de Lisboa. Vou inos usarem em finalivestir mais três milhões e meio de eu“É um local carregado dades que ultrapassem o seu interesse ros para fazer um de passado. E esta é a edifício com sala melhor - e se calhar a egoístico.

única - forma de preservar o património, permitindo que ele sobreviva, sem se degradar.”


o Avô Miguel........


QUint a d aS LÅGRimaS


EStROfE 135 dO CantO iii dOS LUSÍadaS aS fiLHaS dO mOndEGO, a mORtE ESCURa LOnGO tEmPO CHORandO mEmORaRam E POR mEmÓRia EtERna Em fOntE PURa aS LÁGRimaS CHORadaS tRanSfORmaRam O nOmE LHE PUSERam QUE ainda dURa dOS amORES dE inÊS QUE aLi PaSSaRam VEdE QUE fRESCa fOntE REGa aS fLORES QUE aS LÁGRimaS SÃO ÁGUa E O nOmE amORES



“Vede que fresca fonte rega as flores Que lágrimas são a água e o nome amores”

Com estas duas estrofes dos Lusíadas o lugar ameno, o jardim na Quinta das Lágrimas, entrou na História da Cultura: Ao contrário das outras histórias de amor da Idade Média, Inês e Pedro são reais (com o duplo sentido de estarem ligados também à Casa Real) e encontram-se documentados os locais para onde foram exilados, onde viveram e, quase por milagre, o local dos seus amores, a quinta que se chamava do Pombal existe ainda com o nome de Lágrimas e continua a ter jardins!


A Fonte das Lágrimas deve o seu nome a Luis de Camões e não é uma

A Rainha Santa queria, para

fonte de pedra esculpida. Sai simplesmente da rocha, limpa, e sempre em

além da água, a área à volta da

suave movimento entra ao nivel do chão no canal que parece relembrar

fonte: para ir, vir e estar. O sítio

a tragédia de Inês com as algas encarnadas que o povo jura ser o sangue

de estar passou a chamar-se,

de Inês.

ainda antes de Inês e Pedro, Fonte dos Amores. Ninguém sabe porquê lhe puseram o nome, mas facilmente se imagina que o lugar era tão fresco e tão calmo que atraía a si o que de melhor há no mundo, o Amor. Sagrado ou profano, o Amor é cantado desde a Idade Média como a mais perfeita expressão da felicidade; e o jardim é o seu lugar de eleição.




Pede-me a Cristina para escrever um pequeno texto a falar do meu irmão. A minha vida de matemático tem-me obrigado a usar letras e números de toda a forma. O J é a letra que melhor se me aplica, não só por ter 3 iniciais no meu nome e 3 ser o meu número preferido, mas também por tratar carinhosamente a minha mulher por José. Talvez por isso me atrevo a escolher um C para o Zé Miguel. Três palavras iniciadas por essa letra resumem muito bem a sua personalidade: Competência, Criatividade e Coragem. Desde pequeno que me habituei a admirar a capacidade do Zé Miguel de fazer muito bem e depressa. Recordo-me dos nossos tempos de adolescência na casa do Largo da Matemática, em que invariavelmente se levantava depois de mim e JoaquIm chegava mais cedo ao liceu. Também é verdade que a minha vontade de para lá ir não era muiJoão ta… Pelo contrário, o Zé Miguel foi sempre um aluno excelente, do quadro de honra como então JúdICe se dizia. Já então me impressionava a sua capacidade de ser um dos melhores alunos do liceu e simultaneamente um bom jogador de basquetebol nos Juniores da Académica, chefe dos escuteiros da freguesia da Sá Velha e ter ainda tempo para filosofar sobre a sua costela monárquica, não só na Causa Monárquica mas também em diversos artigos que escrevia num jornal familiar por si apelidado de ABC, do qual era Director e redactor quase exclusivo.


aB C


Todas estas actividades eram realizadas com grande criatividade e alegria. A elas juntava uma ânsia enorme de aprender, passando muito do seu tempo com um livro na mão. Um dia, na Figueira da Foz, ao atravessar uma rua lendo, chocou com uma carrinha que, coitada, nada mais fazia do que mover-se… A sua aprendizagem em tratar múltiplos assuntos ao mesmo tempo foi depois fundamental para o seu sucesso como advogado, empresário e escritor. Recordo a fase da sua vida nas Lágrimas, após ter estado preso sem justificação, em que escrevia os artigos para o jornal Diabo enquanto ia conversando connosco ou vendo televisão. Quase me atreveria a dizer que era obra do Diabo… Se a competência em praticamente tudo o que faz é uma das marcas da sua personalidade, possui também uma enorme criatividade nos projectos e escritos. Quem não leu os seus livros e artigos sobre variados temas da vida nacional e internacional nem sabe o que perdeu e ainda está a tempo de o fazer. E o que dizer das suas aparições na televisão, ora sozinho com o repórter deliciado a ouvi-lo ou juntamente com o António Barreto ou outros grandes vultos do nosso tempo. A forma original de se exprimir, algumas frases que fizeram história e aquele sorriso meio maroto são expoentes da sua grande criatividade. Esse mesmo traço encontra-se bem presente nas Lágrimas, herança de um Avô que soube amar e ser por ele amado, e onde criativamente conseguiu desenterrar uma linda história de Amor que andava esquecida em Coimbra. Senhor de uma inteligência notável, consegue sempre chamar a si os melhores, que, como dizia um deles num dos já famosos jantares “Às Quintas na Quinta”, não conseguem resistir à tentação de


aceitar os seus convites. A coragem de viver autenticamente e enfrentar os que consigo não concordam é também uma das suas melhores marcas. Tal como eu, não teve a felicidade de poder partilhar os seus sucessos e receios com o Pai, mas nem por isso deixou de ser capaz de se inserir bem no mundo, de forma corajosa, e de contribuir para o muito que se tem feito de bom neste nosso pequeno País. Na ausência do Pai, encontrou na Mãe a sua grande referência. Esta linda senhora pautou a sua vida por uma preocupação e atenção constante com os seus filhos e foi muito importante para o fortalecimento da coragem que o meu irmão mostra diariamente. Como professor de matemática, deixo aos leitores o exercício de descobrirem outros bons traços da personalidade do Zé Miguel que se iniciem por C. Como outros amigos e admiradores, também não consegui resistir a um pedido para escrever umas linhas sobre o meu irmão. Agradeço-lhe esta oportunidade de estar alguns minutos alegremente à frente do computador pensando nele e dedilhando algumas frases que foram aparecendo facilmente. Meu caro Zé Miguel, tens sido e serás sempre um bom amigo e uma das minhas grandes referências. Como diria o anúncio da televisão, Portugal e eu poderíamos existir sem ti, mas não seria bem a mesma coisa… Um grande abraço de parabéns pelos teus 60 anos

Joaquim João



O Zé Miguel pediu-me para escrever para um texto, para um livro, que a Cristina estava a fazer para comemorar os seus 60 anos. Não tenho o dom da escrita mas tenho uma grande amizade, uma grande admiração mesmo que, como costumamos dizer, quase que não nos vejamos. O que interessa é que nós todos sabemos, IrSobrinhos e os Netos também já vão sabendo, assunção mãos, que estamos sempre por perto, que não nos esquecJúdICe emos, que gostamos muito uns dos outros talvez demonstrando de um modo diferente do que é “normal” e dizemos “presente” nas alegrias e tristezas. O Zé Miguel, o irmão mais velho, que cedo se fez “grande” pois tinha de tomar conta dos manos, ninguém dava conta pois parecia que nem sabia da nossa existência, foi sempre um exemplo a seguir, estudioso, sem ser


marrão, interessado, muito culto, lembro-me desde sempre de o ver a ler, sentado a um canto, enquanto nós corríamos pela quinta a jogar futebol, a subir às árvores, por vezes aparecia e entrava nas brincadeiras, principalmente quando estava o Duarte, mas não tinha grande paciência… éramos muitos. Por ser a mais nova e ser menina, como eu detestava que me lembrassem disso, e bastante parecida com ele, implicávamos muito um com o outro, tinha a mania de me proibir de ler, aqueles livros lamechas, que eu, para o irritar, lia; gozava com os meus muitos vestidos; levava-me às lágrimas e então riam imenso quando ele dizia, “estás muito mais gira…”; mas também nos juntávamos para dar cabo da cabeça do Jaquim que era santo, e, mais tarde, lá íamos os dois a pé das Lágrimas até à “Avenida” para estar com os nossos amigos. Lembro com saudade a nossa infância, criados com muita liberdade mas com muita responsabilidade, sempre com a protecção do Avô Miguel, de quem era um dos netos queridos, e com o exemplo da Mãe que, com as maiores dificuldades do mundo, nunca deixou de ser alegre e bem disposta, que nos ensinou como era mais importante sermos educados para


com todos, honestos, sérios, trabalhadores, amigos do seu amigo. Como nos ensinou, a aceitar a diferença, mas a manter as nossas convicções, a olhar primeiro para a pessoa e a não deixar que nada abalasse as grandes amizades fossem qual fossem as diferenças. Como nos incutiu o gosto pela Família, pedra basilar das nossas vidas, e o sentido da amizade, do perdão, do gosto pela vida. O Zé Miguel absorveu muito bem todos estes ensinamentos, é de facto um grande Homem, de quem nos orgulhamos e, quando me perguntam “o que é ao …”, nem deixo acabar a frase digo logo: sou a irmã mais nova. Um grande beijo, continua a ser quem és.

Assunção Judice


P - Vinicius de Morais diz que as mulheres para serem bonitas… …têm que ter alguma coisa que nasce da tristeza de ser mulher e viver só com o seu bem. Isso. É assim? R - Acho que sim. Falando, por uma vez, com seriedade absoluta, a minha mãe enviuvou muito cedo e o meu pai morreu quando eu tinha três anos. A imagem da mulher que eu tinha em pequeno era da mulher triste e o desejo que ela deixasse de o ser. Isso marca-nos para o resto da vida.






“Gostava tanto de ter nascido aqui” Amália Rodrigues


“The only time to eat diet food is while you’re waiting for the steak to cook”

“Sabor & Arte”

JULia CHiLd

Hotel Quinta das Lágrimas Relais & Chateaux

15 dE a GOStO1912 “The measure of achievement is not winning awards. It’s doing something that you appreciate, something you believe is worthwhile. I think of my strawberry soufflé! I did that at least twenty-eight times before I finally conquered it.”

CHRonotoPoS


P - Dos sete pecados capitais, a gula é o seu eleito? R - É aquele que eu confesso com mais facilidade em público.

NOVO MILENIO : POR PAIXAO

P - Há três paixões muito constantes na sua vida: O JORNALISMO, A POLÍTICA E A ADVOCACIA... R - [Sorrindo]... E outra ainda, que...


HAPPINESS IS A BYPRODUCT OF FUNCTION, PURPOSE, AND CONFLICT; THOSE WHO SEEK HAPPINESS FOR ITSELF SEEK VICTORY WITHOUT WAR. (WILLIAM S. BURROUGHS)




tudo podia já que os anjos do vento desenham na água o fulgor inesperado do teu gesto

José Tolentino Mendonça



FESTIVAL DAS ARTES

“A nossa ambição é fazer deste festival, o melhor festival ao ar livre do género em Portugal e transformá-lo numa referência a nível internacional na sua área”, referiu ainda José Miguel Júdice. Depois das “transfigurações da noite”, da infinidade da água, José Miguel Júdice adianta que a paixão vai ser o tema orientador da edição do próximo ano do Festival das Artes.


P. - Para terminar: falámos longamente destes vinte anos. Como olha hoje aquilo em que Portugal se transformou? O que éramos, o que somos? R. - Dentro e fora de Portugal, estes vinte ou trinta anos foram fascinantes. Desapareceu a bipolarização, há guerras onde se julgava que haveria a paz e paz onde se esperava encontrar a guerra. Nos últimos anos, vive-se coisas que fazem lembrar o século XVII, o XVIII, o XIX e até coisas... deste século! A cena internacional está tão perigosa quanto fascinante. Em Portugal passou-se de um período em que se sonhava que tudo era possível - o sonho dos revolucionários de Abril é o sonho que eles próprios tinham, nos anos sessenta, quando foram para África tentar criar um novo Portugal, influenciados pelo Jean Larteguy - para um período em que temos que viver com as nossas realidades. É difícil, porque Portugal perdeu todas as condições de independência que não seja um conjunto articulado de interdependências. Os centros de poder económico estão cada vez mais a sair de Portugal, o país está cada vez mais periférico. Somos uma zona a viver de subsídios, apoios, transferências, que mantêm um certo nível de vida mas que matam a capacidade de autoafirmação histórica. No fundo, Portugal está a tentar encontrar uma razão de ser num mundo que lhe não é favorável, que lhe é mesmo hostil. E, sobretudo neste momento, está tudo a acontecer nos laboratórios onde há investigação, que nós não temos; está tudo a ocorrer com base em níveis educacionais, que nós não temos; tudo se passa em centralidades onde há a cultura, os investimentos, as empresas de serviços, etc., etc., que nós também não temos. Portugal está portanto numa fase que anuncia uma

profundíssima decadência e eu, francamente, não sinto - e isso preocupa-me muitíssimo - que haja nas elites qualquer sentido das gravíssimas tarefas que a nossa sobrevivência nos vai exigindo... P. - Porventura porque há a tendência de se achar sempre que a culpa vai sendo exclusivamente dos governos... R. - Claro. Mas é muito mais fundo do que isso. Não basta falar dos oito séculos de História... Pertencer à CE pode ser uma alternativa para um projecto nacional, mas é preciso saber qual é a nossa vantagem dessa pertença. A sensação que tenho é que as elites vivem egoisticamente o dia-adia, pelo seu prazer, sem sentido das responsabilidades. Se não nos adaptarmos, de forma criativa, aos novos desafios - para os quais nunca estivemos preparados -, o que virá aí não será a catástrofe anunciada pelo Eça, mas será a perda da felicidade - também é por isso que aqui estamos não é? - e da autonomia. Vivemos sempre no sonho do império que há-de vir, mas agora a realidade é o império que veio... Isto é, deixámos de ser o centro de um império para sermos a periferia de outro. P. - Ainda você dizia há pouco que era um optimista... R. - E sou: Portugal não vai desaparecer do mapa... É possível lutar contra esse anúncio da decadência. E aprender a fazer o que os descobridores fizeram como ninguém: navegar com o vento pela frente. Ir na direcção do vento, contra o vento. Isto, que foi o segredo das Descobertas, é o segredo das novas descobertas que temos de fazer.


Sou um optimista preocupado....




A B C D E F G H I J K L M

JoRnaLiSt a


N O P Q R S T U V W X Y Z






quando uma pessoa, que gostou de várias pessoas, pergunta a si própria: “quem é que gostaria que lançasse as minhas cinzas numa encosta?” e encontra resposta, é porque já sabe quem é a pessoa mais importante da sua vida.


L’essentiel est à mes yeux ceci : aimer un être n’est pas le tenir pour merveilleux, c’est le tenir pour nécessaire. André Malraux

a té ao fim do mund O










Gravata proibida e chapéu aconselhado...


Le style est le vêtement de la pensée. Sénèque





Gaspacho com lavagante azul de Peniche Castelo d´Alba reserva 2005 - Douro Costeleta de porco preto do Alentejo com azeitonas e legumes salteados. Pedro e Inês 2003 – Dão Frutos vermelhos da Quinta das Lágrimas com gelado de mascarpone e fios de ovos. Moët & Chandon Brut Imperial Magnum Café e outras infusões. Mignardises Mesa de buffet de queijos,pães de frutos e doces regionais de Abrantes e Coimbra. Vinho do Porto Graham´s Finest Reserve

Ónia, 2 de Julho de 2006. Menu preparado por Joaquim Koerper e Albano Lourenço, servido pelo Eleven e Quinta das Lágrimas




uma nova vela latina...


Aprender a fazer o que os descobridores fizeram como ninguém: navegar com o vento pela frente. Ir na direcção do vento, contra o vento. Isto, que foi o segredo das Descobertas, é o segredo das novas descobertas que temos de fazer.


« L’histoire de chacun se fait à travers le besoin d’être reconnu sans limite ; l’amitié désigne cette capacité infinie de reconnaissance. Imaginer que ce besoin soit constamment celui d’autrui, que l’autre comme nous-mêmes soit livré à cette exigence et acharné à obtenir réponse, qu’il se dévore lui-même et soit comme une bête si la réponse ne vient pas, c’est à quoi l’on devrait s’obliger et c’est l’enfer de la vie quand on y manque (…). Reconnaître autrui est le souverain bien, et non un pis-aller. »

M. Blanchot


“ Eu digo com toda a franqueza, eu cada vez mais acho que o valor essencial é a amizade”

e cada vez mais acho que é–se mais próximo de alguém que faz parte da nossa geração ainda que ideológica e politicamente não distinto do que se é de alguém ideológica e não politicamente distinto mas de geração diferente porque o grande problema é um problema cultural, isto é os filmes que eu gosto, os livros que eu li a musica que eu usei para dançar digamos os debates e temas que hoje em dia não dizem nada a ninguém, o debate sobre o estruturalismo, que eu acompanhei nos meus vinte, 18, 20 anos, ora bem, isto não diz nada a um rapaz que tenha 30 anos hoje em dia, portanto eu acho que a comunidade geracional, sobretudo á medida que vamos envelhecendo, torna-se mais forte.”


“ tudo isto é muito bonito mas o que mais nos apetecia era ter menos trinta anos...”


“não de eu querer voltar aos vinte anos, mas de querer ser sempre digno daquilo que eram os meus ideais e o meu voluntarismo e a minha coragem cívica.” Há tempos tive uma comemoração, daquela famosa greve de 1969, em que eu era a direita académica e estive com os meus colegas da esquerda, e todos dizíamos basicamente o seguinte: tudo isto é muito bonito mas o que mais nos apetecia era ter menos trinta anos. E de facto a realidade é essa, hoje em dia temos uma nostalgia mas é uma nostalgia não de eu querer voltar aos vinte anos, mas de querer ser digno daquilo que eram os meus ideais e o meu voluntarismo e a minha coragem cívica. Creio que a tive, porque era minoritário dos vinte anos.


« Para que pueda ser, he de ser otro, salir de mí, buscarme entre los otros, los otros que no son si yo no existo, los otros que me dan plena existencia, no soy, no hay yo, siempre somos nosotros. »

Octavio Paz

oS amiGoS


Meus caros e recentes amigos

Venho-vos pedir um favor como amigos de longo data que são do Zé Miguel. No dia 15 de Agosto o Zé Miguel faz 60 anos e não vai festejar senão com a família por razões que se prendem com uma certa indolencia despois de 4 fins-de-semana de Festival das Artes nas Lagrimas que irão consumir toda a nossa energia festiva. Para compensar da vossa ausência que se irá certamente fazer sentir nesse dia, resolvi fazer um livro sobre três períodos claros da vida dele: os anos de formação, os anos de produção, os anos de sossego e gozo que são os ultimos onde nos encontramos. Para a formação até aos 20 anos e para o sossego a partir dos 50, tenho dados que cheguem mas para os 30 anos que se seguem de produção e diáspora, nada tenho. Pedia então a cada um que me enviasse um texto vosso que explique o que o “vosso” Judice é, e como o “viveram” nessa altura. Para a estrutura do livro e se responderem todos, daria para 300 a 700 palavras para cada um. O texto pode ser uma opinião vossa, séria, irónica, uma história, um alvoroço que viveram em conjunto, ideias ou livros que partilharam, contributos para um perfil caricaturado ou elogioso...ou tudo o que este pedido vos suscitar. Quem tiver fotografias que ilustrem o perfil, mande eu reproduzo e terá uma imediata volta na ponta. Fico a guardar cheia de curiosidade e envio um grande abraço a todos.

Cristina Castel-BrancoJúdice.


Judice - a Marca da Diferença

José Miguel Júdice é o protótipo do cidadão a que ninguém pode conscientemente ser indiferente, seja no plano das ideias, seja no plano da intervenção, seja no plano da cidadania, seja no plano humano. Enquanto estudante, enquanto advogado, enquanto homem, enquanto politico, enquanto empresário, a sua capacidade de afirmação de opiniões e ideias, com argúcia e inusitada clarividência, foi sempre uma constante da sua projecção de vida numa girândola irradiante de inteligência, cultura, humanismo, respeito pelas opiniões diversas, em contagiante e deslumbrante energia com que assume a sua insatisfação permanente. A dinâmica que o José Miguel imprime nas suas acções reflexivas, programáticas e pragmáticas emerge de uma indómita força cognitiva e volitiva que facilmente gera admiração, respeito e amizade. O facto de ser um cidadão portador, sempre e em tudo, da ideia (bem mais dificil do que ter ideias...) que transporta convictamente, mas não teimosamente, simboliza a pessoa que pela sua invulgaridade conquistou bem cedo o direito à distinção pela ascensão ao areópago reduzido dos eleitos na galeria de honra da cidadania e da vida.

ALFredo JosÉ CasTanheIra NEvEs

Ter o José Miguel por Amigo é um invulgar previlégio que reclamo nas boas e más horas, sobretudo porque os teus dotes de humanismo, de solidariedade e de permanente disponibilidade tornaram-se imprescindíveis na gestação do conselho, da lição, do vinculo, do apoio, da acção, da cumplicidade!

O José Miguel, agora estabilizado na flor da vida para um patamar generalizado de admiração, consideração e respeito, tornou-se uma referência obrigatória na doutrina, no pensamento, na dialéctica e na prospectiva acção. Permite-me pois, meu caro José Miguel, que proclame que gosto de ti porque gosto, pois, adaptando o que disse lapidarmente o poeta Manuel Alegre, a respeito da nossa imortal Académica, avanças sem pedir licença contra a rotina, o tédio, e a vida anémica, marcando ousadamente a diferença.

Coimbra, 17 de Maio de 2010

Alfredo José Castanheira Neves


AnTónIo Gomes de PInho

Encontrei o Zé Miguel nessa luta. A Quinta das Lágrimas era um quartel-general, semi clandestino. Ainda procuro o cheiro à tinta do stensil usado para fotocopiar os programas e os panfletos, quando lá vou agora. Convictos, voluntaristas, acreditámos num Portugal diferente. A nossa “revolução” rompia os cânones conservadores e bem comportados da direita tradicional. Era socialmente avançada, profundamente reformadora e ambicionava para o País uma posição geoestratégica referencial num mundo em “guerra fria”.

Quando olho para estes quase 40 anos passados entretanto, é esse o Zé Miguel que continuo a encontrar. Persistente às vezes, rebelde quase sempre, tentado pelo poder, mas dificilmente convertido às suas regras obscuras. O mesmo Zé Miguel com quem, fugidos à disciplina de um curso de formação política conservador, em Paris de 68, percorri a interminável rua Vaugirard à procura dos nossos heróis com os quais nos apetecia descobrir as emoções de viver perigosamente.

António Gomes de Pinho Agosto 2009


Uma grande amizade omeçada na memória

AnTónIo Lobo XavIer

O Zé Miguel foi para mim, durante muito tempo, um mito. Em boa verdade, herdei esta amizade do meu Pai – o próprio Zé Miguel, de modo mais erudito, fala em “transferência”. Talvez ele não fosse tão meu amigo sem essa memória a ligar-nos, mas não me sinto nada diminuído por isso, bem ao contrário (Agustina, de resto, com o seu jeito de dar solenidade aos aforismos mais banais, cita um anónimo do sec. XVIII para lembrar que as grandes paixões são inspiradas pela memória). O certo é que sempre ouvi falar lá em casa do génio, da inteligência e do poder de sedução do Zé Miguel; e ele refere-se ao meu Pai a propósito e a despropósito, em qualquer circunstância e diante de qualquer um, com uma admiração e amizade transbordantes que me comovem invariavelmente (eu que não sou de me comover por tudo e por nada…). Conheci o mito já na “fase de produção”, como diz a Cristina. Sim, claro, confirmei logo o génio, o brilho e a sedução; mas fui reconhecendo rapidamente outros atributos, como a inesgotável capacidade de trabalho, as competências estratégicas (como agora se diz…) e a alegria - uma alegria e um optimismo contagiantes, incontidos, quase sempre anunciados por aquela gargalhada franca, inconfundível. Capaz de cóleras medonhas, bem entendido; e figuram-se-lhe imediatamente acções, queixas, denúncias, em detalhados projectos de desforço. Mas também isso é uma qualidade que admiro nele, que querem que eu faça? Em todo o caso, se me fosse dado escolher para mim uma das facetas do carácter do Zé Miguel, não hesitava: sempre cobicei o cuidado com que cultiva a amizade. Um cuidado quase profissional, minucioso, que nem a voragem da sua tão variada vida é capaz de embaçar. Um zelo feito de pequenas coisas oportunas - uma lembrança, um conselho, um agradecimento, um apoio, uma prova de atenção, uma crítica, um convite -, e sentimo-nos sempre dentro do seu mundo, mesmo quando realmente estamos longe. Admito-o: ambicionamos muitas vezes as virtudes que se opõem aos nossos defeitos. Chamem-lhe inveja, se quiserem ser mais simples. E que inveja, Deus meu! Muitos parabéns, Zé Miguel! Abraços do

António Lobo Xavier


Tudo o que sei, tudo o que aprendi, tudo o que treinei, será posto ao serviço dos colegas José Miguel Júdice - 9. 03. 2001

ArmÉnIa CoImbra

Era uma manhã fria, de um sábado de Fevereiro. Pela terceira vez o grupo reunia. Alguns amigos de longa data, outros só recentemente se encontravam. Já passaram oito anos. Do meu assento avistava-se, pela janela da biblioteca, a belíssima árvore secular, plantada por um dos antepassados do anfitrião. Envolvida pelo nevoeiro, apelava-nos à reflexão. Alinhámos ideias, definimos projectos, traçámos pontos de convergência e dessas reflexões surgiu uma linha de rumo: “Adaptar a profissão aos desafios do século XXI”.

No programa eleitoral da sua candidatura, sufragado em Dezembro de 2002, entre outros objectivos, consignou-se: “a reforma da acção executiva, mantendo-se o controlo pelo Juiz da legalidade e suficiência dos títulos executivos e da decisão sobre a penhora, garantindo-se sempre a intervenção dos Advogados no impulso e marcha da Acção Executiva”; “a criação de um Fundo Autónomo para o Acesso ao Direito, a ser gerido paritariamente pela Ordem dos Advogados e pelo Ministério da Justiça”; “a contratualização do patrocinio oficioso em termos que respeitem as regras da transparência, da igualdade e da imparcialidade e ao mesmo tempo permitam poupar meios financeiros”; “A Ordem deverá criar — em diálogo com o MJ — um Regulamento de Acesso ao Direito”; devem ser criados pelo Governo mecanismos muito rigorosos de controlo contra as fraudes na abstenção e laxismo na concessão de apoio judiciário”; “exigir que o Ministério Público deixe de patrocinar o Estado, qualquer outra pessoa colectiva de direito público ou qualquer cidadão, sempre que estes intervenham em causas de direito privado”; “Difusão da via arbitral na resolução de litígios”; “Abolição tendencial do segredo de justiça”; “reforço do contraditório”. Foi com este programa que o seu Conselho travou uma intensa luta com o Ministério da Justiça, durante dois anos consecutivos. Luta que se traduziu em assíduas reuniões de trabalho com a equipa ministerial, em participação em comissões de discussão dos textos legislativos, em intervenções nas comissões parlamentares da AR, apontando-se erros, avaliando-se riscos, apresentando-se soluções intermédias ou alternativas. No início do seu mandato era Ministro da Justiça António Costa, por uns considerado “reformista”, por outros um dos melhores MJ pós 25 de Abril. Significativas reformas tinham sido dialogadas, e algumas até acordadas, com o Bastonário antecessor. Outras estavam em elaboração. As da acção executiva, do Código


das Custas Judiciais, da privatização do notariado, da comunicação digital com os tribunais - áreas em que o sistema jurídico e judicial necessitava de urgentes reformas e em que havia consenso entre os operadores judiciários com o sentido da mudança. Foi em “luta” contra mudanças legislativas, regulamentares ou de prática politica do Governo, que pareciam erradas e prejudiciais aos interesses da justiça e da cidadania, que se iniciou o seu mandato. Gastaram-se mais de dois terços dos três anos de mandato na “luta” nestas áreas: no apoio judiciário, nas custas judiciais e na reforma da acção executiva. Mas foi a luta pela reforma do sistema judicial o seu grande objectivo estratégico, a procura dos consensos políticos sem os quais o processo reformista nunca chegará a bom porto; a luta pelo pacto de regime para a justiça e para a cidadania, ainda hoje aspiração dos grandes partidos políticos. E tudo foi sendo feito em simultâneo com a reforma do Estatuto, em muitas áreas inteligentemente reformulado, em matéria de publicidade, na criação dos Institutos das sociedades de Advogados de empresas e dos Advogados em prática isolada. Ser homem de bem é ter um enorme sentido do dever, uma dedicação e entrega exemplar às causas em que acredita, um apego extraordinário ao trabalho, mas ser homem de bem não exclui que a outros atributos se dê relevância e um deles ele tem, o único que não se pode imitar – a coragem. Muitas vezes contra tudo e contra todos, contra as estruturas representativas das magistraturas, contra os arcaísmos, sempre em prol de um só desígnio - o de servir a Ordem, os Advogados, os Cidadãos que estes representam. É um homem de convicções. É um homem metodicamente anárquico, ou anarquicamente metódico. Sendo rigoroso, disciplinado, exigente e de convicções, é profundamente descentralizado - as propostas e as ideias, qualquer que seja a sua cor, se são para criar, para inovar, para projectar, são sempre para acolher, numa síntese de inteligência. A Deus o homem nunca pede contas, mesmo quando há catástrofes; mas aos homens pedem-se contas e estes devem prestá-las, quer haja quer não haja catástrofes. E a José Miguel Júdice, Bastonário da Ordem dos Advogados, pediram-se contas. E ele prestou-as.

Arménia Coimbra


BLI E Nuno JoneT

Aqui vai o nosso contributo. Sem tempo mas com muita amizade: uma fotografia e uma frase.

Numa vida cheia, como é o caso da do Zé Miguel, os momentos de paragem são essenciais. Tempo para descansar o corpo mas para fortalecer o espírito e a alma. A convite da Maria João e António Torres Pereira, partilhamos com o Zé Miguel uma viagem inesquecível: conversas sem fim sobre tudo e nada; livros trocados, comentados e anotados; discussões violentas sobre temas menos consensuais; passeios a nado, de barco e a pé; patuscadas e caipirinhas; e memoráveis jogos de batalha naval. Dias onde o relógio não impôs o tempo e que sedimentaram uma amizade.

Bli e Nuno Jonet


Querida Cristina,

CrIsTIna SanTos SILva

Envio-te tudo o que te tinha prometido para iniciarmos bem o ano. A fotografia onde estamos maravilhosas, e o texto para o livro do teu marido, e meu amigo, se ainda for oportuno.

Quando conheci o José Miguel, senti que o chão me fugia dos pés. Era uma tarde quente, numa qualquer sala de reuniões do seu antigo escritório junto às Amoreiras. Havia sido convidada a apresentar uma proposta para o projecto dos novos escritórios da PLMJ (na altura, A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice e Associados), na Avenida da Liberdade. Era isso que fazia, já há algum tempo, não sem algum nervosismo perante tão ilustre plateia, quando o José Miguel entrou, atrasado, mexendo naquilo que logo me apercebi ser a fotocópia da minha proposta. Interrompeu tudo e todos. Nem se chegou a sentar, e do alto da sua figura, ditou: “Estou com pressa, vou apanhar um avião para Hong Kong, não sei o que os meus sócios vão decidir, mas, desde já voto contra a proposta desta Senhora!! É absurdamente cara!! Qualquer outro Arquitecto pagaria para fazer este Projecto!! Bloqueei. Se até então tinha sido estimulante discursar para uma assistência tão brilhante, naquele momento, e depois deste enorme soco no estômago, não conseguia articular mais nada… mas, como perdido por 100 perdido por 1000, e convicta que ele já teria outro Arquitecto para o projecto, tentei a minha defesa. À medida da minha desesperada argumentação, as suas sucessivas e impiedosas investidas, iam-me afectando o espírito e principalmente as “glândulas sudoríparas”. Estas, não querendo colaborar, iam denunciando o meu nervosismo e manchando irremediavelmente a minha bela camisa de seda, tão cuidadosamente escolhida para esta reunião... Mas lá me fui aguentando, até que felizmente chegou a hora do seu voo para Hong Kong. Respirei de alívio. Apesar da sua oposição acabei por ganhar estoicamente este projecto, e ainda bem! Foi o primeiro de muitos que felizmente se seguiram e que criaram e cimentaram esta inesperada amizade. Perdi a minha bela camisa “Gucci”, mas ganhei este Bom Amigo.

Cristina Santos Silva


DanIeL Proença de carvaLho

Ouvi falar do Zé Miguel para aí entre 1974/75, época efervescente do PREC. Embora eu tivesse passado por Coimbra entre 1959/1965, não nos teremos cruzado por essa altura. Ele era bastante mais jovem do que eu, não frequentava os meios musicais do Jazz e creio que não teríamos tido então afinidades políticas. O Zé Miguel recordou-me que eu lhe teria passado os processos em que defendi a nossa amiga comum Vera Lagoa, acusada de atingir o “bom nome” de alguns “revolucionários” com passados bem “reaccionários”. Era uma época de grandes combates ideológicos e o Zé Miguel sofreu com isso. O Zé Miguel muito cedo se afirmou na cena política e mediática de Lisboa. Dotado de uma cultura e inteligência muito acima da média, tem sido desde então um dos “opinion makers” mais influentes na política e na sociedade. Estreitámos muito a nossa ligação quando fundámos o SEMANÁRIO, com Marcelo Rebelo de Sousa e o nosso saudoso Vítor Cunha Rego, por meados dos anos 80. O José Miguel foi um dos mais importantes impulsionadores do projecto, que veio a liderar e acho que hoje faz muita falta uma iniciativa semelhante. Como advogado, o José Miguel também se notabilizou, estando na origem, juntamente com o António Maria Pereira -- outro querido amigo que nos deixou -- o Luís Sáraga Leal e outros, da criação de um dos maiores e mais prestigiados escritórios de advocacia em Portugal. É um advogado temível, por vezes agressivo, mas sempre leal e um dos raros que tem prazer em lutar na barra dos Tribunais. Foi um Bastonário marcante. Teve visão, travou, com grande coragem, um combate pela melhoria da Justiça. Se ele não conseguiu o objectivo que ambicionava, quem o conseguirá? O Zé Miguel é uma personalidade de vários e multifacetados talentos. Quem diria, por exemplo, que à sua vida tão preenchida viria a acrescentar a de empresário do turismo? Sou um admirador de sempre do José Miguel. Mas não apenas pelos seus méritos profissionais e pela sua excepcional inteligência. Essa admiração, que virou amizade, funda-se na sua qualidade humana. Tenho exemplos que não vou contar por pudor, da sua grandeza de alma, da sua generosidade tão rara nos tempos que correm. Pude sempre contar com ele. Quando também eu fui arguido num processo que a Ordem me instaurou, contei com o seu apoio. Ele é também um apaixonado, mas disso não vou falar, a Cristina o fará melhor do que ninguém! E é também um provocador! Até parece que se tornou cada vez mais provocador, à medida que o “politicamente correcto” se tornou asfixiante. Caro Zé Miguel: os sessenta são fantásticos, se continuares a encarar a vida como o tens feito até aqui.

Daniel Proença de Carvalho


Quando me pediram para escrever estas linhas de imediato senti a dificuldade de pretender num pequeno texto dar um testemunho simples sobre alguém como o Zé Miguel, alguém com uma vida preenchida de sucessos, de realizações pessoais, de obra feita, de trabalho incessante e luta determinada por convicções muito fortes que lhe vêm desde muito cedo. Porém tenho o privilégio de o conhecer desde sempre, porque desde muito pequenos brincámos na quinta do nosso avô Miguel, onde ele nasceu e cresceu e eu passei lá longos tempos da minha infância e juventude. Jogamos futebol, brincámos nos lagos com barcos - réplicas maravilhosas de naus que o Tó Zé (filho do caseiro e uma espécie escuteiro mais velho) esculpia pacientemente nas bainhas das enormes folhas das palmeiras da Quinta das Lágrimas -, tomámos banho na água gélida do grande lago da Fonte das Lágrimas de onde hoje podemos ver esse belíssimo auditório, palco do Festival das Artes, e por toda a quinta, matas e jardins corremos, trepamos às árvores, comemos fruta e acompanhamos as visitas guiadas às fontes. Um jardineiro, o senhor Sousa. explicava como podia a Lenda da Morte da Inês de Castro e lia com a maior solenidade e quase declamados os versos de Camões inscritos na lápide de pedra que está na Fonte das Lágrimas. Estas visitas guiadas eram algumas vezes alvo de pequenas partidas. Certo dia um visitante mais impulsivo pretendeu pregar-nos alguns açoites. Chegou mesmo a pregar um estalo num dos primos mais novos. Fizemos-lhe frente como podíamos e abrigámo-nos na mata. Não que tivéssemos medo, mas eles eram muitos e nós conhecíamos todos os seus esconderijos. Muito estudioso, bom aluno e perseverante o Zé Miguel era como todas as crianças e adolescentes, brincava e jogava à bola, tinha até muito jeito. Lembro-me desde muito novo o ver devorar todo o tipo de leituras do Cavaleiro Andante aos livros da biblioteca do Avô, ler o Diário de Notícias e o Diário de Coimbra, enquanto nós (os seus primos e irmãos) continuávamos em grandes brincadeiras. Pelos seus dez/onze anos, talvez mais tarde, tivemos uma experiencia jornalística e editamos um pequeno jornal com uma periodicidade mensal totalmente dactilografado pelo José Miguel, página a página, um exemplar seguido de outro. Além disso fazia a sua composição gráfica e redigia a maior parte dos textos. O jornal foi um grande sucesso familiar, a máquina de escrever era do Avô Miguel que nos incentivou muito e deu até pequenas ajudas, já nessa idade revelava a sua impressionante dedicação ao trabalho. Todos conhecem a sua paixão pelas Lágrimas, abstenho-me de reforçar essa faceta pois, apesar disso, o seu apego à família fez incluir no projecto desde o início todos os irmãos e primos que quiseram participar nessa aventura da recuperação da casa e na ideia de um hotel. O Zé Miguel tem garantido que será uma referência histórica da Quinta das Lágrimas pelo que interveio na maravilhosa recuperação da Casa, dos Jardins e Mata, do Hotel, da Fundação Inês de Castro, do Festival das Artes e de tudo o mais que a sua criatividade nos irá ainda maravilhar, mas ele inscrever-se-á nessa história principalmente por si só, pelo que tem sido ao longo da vida. Amigo.

DuarTE Brandão

Duarte Brandão


Podia chegar e falar da passagem do tempo. Da volta dos dias e das noites em 40 anos de amizade. (E ... logo me derrrear com o peso do número). Podia chegar e falar sobre como é manter um amigo por entre um mundo de tantos infiéis. Contar histórias, segredos confessáveis, (outros menos), frescuras e utopias da nossa juventude. Lembrar momentos, frases que vibram ainda cintilantes, as tais “insignificantes palavras importantes”. Um gesto, o toque no ombro, um olhar, um conselho, uma premonição. Uns escudos apenas no bolso, tardes amenas numa cooperativa livreira, um carro encarnado, jantares e viagens secretas. Um grupo de teatro e outro de poesia. Uma noite distante de Abril. E a alvorada dessa mesma noite. Uma legião de encarcerados e expatriados. Uma Mãe imperativa, de enorme força. Amores e desamores. Confissões e confidências. Uma perna partida, uma dedicatória na poesia toda do Herberto Helder. De teimarmos, sem desistir, (ingénuos, pueris) quais condenados, em esculpir o bloco de pedra, em busca da tal escultura perfeita.

IsabeL CosTa SanTos

Mas para quê alinhar tudo isto, dar-lhe forma e coerência, ano e mês, lugar e contexto? Para quê dar conhecimento público em jeito de flashes de biografia? São marcas e sopros de vida, transparências, raios de luz, alegrias que vivem nas curvas da mente, e que sempre voltam inesperadas, fotográficas, sonoras. Mas irreproduzíveis. São de cada um. Por agora, não me apetece desvirtuar esse passado dando-o ao mundo.

Tudo isto para te dizer, Zé Miguel, meu amigo, que when we get older, many years from now , (... tu a perderes cabelo e eu cheia de netos !?!), aí sim, talvez possa contribuir com alguma matéria mais particular para a tua biografia de homem público. E, claro, se a tua Mulher me der mais que um mero par de horas para o fazer ! No presente, basta sabermos que estaremos sempre lá (leia-se, um para o outro), mesmo quando possa não parecer. Um beijo da

Isabel Costa Santos Lisboa, nos 60 anos do Zé Miguel, Amigo querido


QUARENTA ANOS DE AMIZADE O Zé Miguel era, quando o conheci há mais de quarenta anos, um bocadinho mais novo que eu. Hoje é menos velho, ou menos de meia-idade. Encontrámo-nos nesses anos cruciais de luta política do interregno marcelista, do final da década de 1960 até ao 25 de Abril, os anos do fim do Estado Novo. Em Setembro de 1969 eu comecei a revista Política em que o Zé Miguel e muitos do “grupo de Coimbra” colaboraram. O Prof. Arnaldo Miranda Barbosa estivera comigo na origem do núcleo de apoio à revista. O Zé Miguel, com o Zé Carlos Vieira de Andrade, o Zé Luís Vilaça, o Rui Moura Ramos, o Luís Miranda Dias, o Miguel Seabra e muitos outros fizeram a Oficina de Teatro (orientada pelo Goulart Nogueira) e a Cooperativa Livreira Cidadela. Eu, sendo do Porto mas estudando em Lisboa, vinha muito por Coimbra que, nesse tempo era uma cidade politizada, onde direita e esquerda, com ideias e convicções políticas, se equilibravam em força. Duas utopias Éramos todos nós – com algumas variantes ideológicas, uns mais revolucionários, outros mais nacionalistas – nacionalistas-revolucionários. O que para uns era uma forma politicamente correcta de dizer fascistas, para outros nem pouco mais ou menos. Mas o nosso pensamento, os nossos mitos, os nossos sonhos, o nosso estilo, a nossa linguagem, estavam bem mais próximos dos movimentos de renovação patriótica e justicialista da Europa do primeiro pós-guerra, que do frouxo nacional-catolicismo e do corporativismo envergonhado do Regime. Como toda a gente desse passado (e doutros…) ideológico, preferíamos os nossos mártires aos nossos ministros. Até porque havia pesadas heranças. E por isso cultivávamos – mitificando-as também – figuras como José António Primo de Rivera, de quem aliás o Zé Miguel organizou uma Antologia.

JaIme NoGueIra PInTo

Paralelamente a esse nacionalismo popular e autoritário, éramos pela integração do Ultramar. Uma integração total e igualitária – racial, política, social, económica. Tirando estes dogmas – os “falangistas” Pátria, Trabalho, Justiça – e o integracionismo ultramarinista, havia de tudo – republicanos, monárquicos, modernistas, conservadores, católicos, agnósticos; até liberais e democratas. Daqui se poderá concluir hoje que éramos, ao nosso modo, alegre e provocador, realisticamente utópicos. A História universal já se encarregara de arrumar a utopia nacional-justicialista, e da pior maneira. A História doméstica ia encarregar-se da segunda - da Nação portuguesa una e indivisível do Minho a Timor. Com o 25 de Abril, tivemos que pôr à prova a nossa capacidade de minoria resistente, aquilo que já éramos nas Faculdades, nas greves e lutas com o Movimento Associativo e os antifascistas. Que tinham ocupado Coimbra em 1969-70, impondo pela violência o boicote aos exames. Como tentaram fazer em Lisboa, ano a ano, em várias tentativas e greves que, graças à Faculdade de Direito (também minha Faculdade…) nunca foram gerais. Mas no dia 26 de Abril, estávamos na luta – todos ou quase todos: a criar movimentos políticos, a animar redes de antigos combatentes, a tratar de erguer um dique e construir uma alternativa à dupla MFA-PC que estava em movimento inexorável – para fazer a descolonização primeiro, para criar aqui, sempre à custa do antifascismo, uma republiqueta soviética. Cinco anos antes de Reagan e de Gorbachev começarem a dar cabo do socialismo na URSS e no mundo, já era azar a mais. Mas assim foi. Não fizeram o socialismo, nem a descolonização, mas criaram o caos, na sociedade e nas pessoas, que deixou marcas até hoje. Porque a esquerda da inveja, do politicamente correcto, do assassinato moral, do relativismo absoluto, vem daí, desse triunfalismo retórico do PREC em que tudo se fazia à boleia do antifascismo. Como a direita medrosa,


encolhida, espertalhota, vem dos últimos anos do regime autoritário, quando os ratos preparavam à pressa os seus lugares nos salva-vidas democráticos, em malabarismos da sobrevivência. A nosso modo – e o Zé Miguel sempre foi muito mais político do que eu e com o realismo necessário para fazer política partidária e ficar limpo e são – lutámos contra isso. Por essas e por outras – o Partido do Progresso do Fernando Pacheco de Amorim onde o Zé Miguel era uma figura dominante – foi proibido no 28 de Setembro e o Zé Miguel preso. Eu estava em Carmona (Uíge) em Angola e tive também o copcónico mandato de captura por “associação de malfeitores”. Ele foi para Caxias. Eu andei dois mil e quinhentos quilómetros até à fronteira com a Namíbia e passei a exilado. As nossas culpas eram as nossas ideias. Os democratas que a tinham retomado não se preocupavam muito com isto deixando os sicários à solta. Voltámos a encontrar-nos em Madrid, em Outubro de 1975. Havia duas organizações resistentes clandestinas – o MDLP e o ELP. Eu tinha grandes amigos nas duas, mas entretanto estes tinham passado a rivais e, coerentemente, detestavam-se. Uns e outros, em certo sentido, me procuraram aliás, explicando-me os horrores e traições da concorrência. Rituais de exílio Tive com o Zé Miguel uma conversa de fundo nos Apartamentos Los Jeronimos. Interessante, funda, definitiva. Não me convenceu para eu aderir à sua linha – a do MDLP – mas convenceu-me da sua autenticidade nessa linha. E foi-me dizendo que o tempo e o modo tinham mudado, que o país era outro, o Império acabara e o poder tinha novas regras. Não me convenceu – eu fui sempre algo lento a perceber o que não queria perceber (uma forma portuguesa de romantismo) – mas ficámos esclarecidos e continuámos amigos. Em Madrid vivíamos como os exilados dos tempos modernos. Os exilados do Ancien Régime - os monárquicos de 1911 e 1912 - viviam melhor, iam para Biarritz ou Paris, ou Deauville. Nós aterrámos num subúrbio madrileno – Campamento – onde umas irmãs de caridade, de Santa Zita nos acolheram. Já tínhamos família constituída – mulher e filhos pequenos – mas, graças a Deus, não deixámos de fazer nada do que devíamos por causa deles. E por isso, trinta e cinco anos depois, não temos nada que lhes cobrar; nem temos de entrar naquela portuguesíssima narrativa em que o “herói” já não é ou nunca foi porque tinha – e lembrou-se que tinha – mulher e filhos! As nossas mulheres eram de boa cepa aguentavam estas logísticas e infortúnios e quanto aos filhos tivemos a lucidez de escolher por eles. Depois, voltámos todos, à vez, a Portugal. Eu quis ser julgado em Santa Clara, pela minha deserção política, da fuga africana. O Zé Miguel lá estava, nas testemunhas, usando aquela boa frase (que todos entretanto, sem combinar foram repetindo) e que mencionava “o bando mal armado, então conhecido por Forças Armadas”. Pequenas alegrias de vencidos não convencidos… E estivemos juntos, ainda, no primeiro número de Futuro Presente, em 1980. O Zé Miguel partiu para a vida política em democracia – primeiro como analista e colunista político, depois no PSD. Tínhamos aliás tido, nessa época, com outros amigos, uma ou mais conversas de esclarecimento: “Que fazer?”. Aí tínhamos concluído que fazer um partido de direita em Portugal, implicava entre quinze e vinte pessoas, quer éramos praticamente os que contávamos desses grupos e movimentos do princípio dos anos 70. Concluímos também então, que para as nossas ideias e valores, um partido desses que só se podia fazer como todos nós – seria negativo ao ficar uma espécie de abcesso de fixação dos antifascistas. Assim, melhor que fosse cada um em liberdade, conforme entendesse, para os partidos existentes ou para nenhum. O Zé Miguel foi para o PSD; outros foram para o CDS; eu fiquei na guerra cultural e nos meus jogos africanos. Depois o Zé Miguel apostou a fundo na carreira de Advogado – com empenho, com inteligência, com graça, com estilo. E tornou-se um grande advogado e líder na profissão. Fomo-nos sempre encontrando e falando disto tudo. Ao fim de quarenta anos - agora com filhos, filhas, netos, netas, nos sessenta - podemos olhar para este caminho como uma longa marcha através da amizade. Uma amizade fraterna, com tanta coisa igual no olhar e sentir o mundo e também tanta coisa diferente. Como a vida.

Jaime Nogueira Pinto


ODE À LOUCURA DO HOMEM Diz-se para aí que o nosso Homem figurou em três quadros vivos. Mas não é verdade. Foram quatro. O Primeiro, antes dos 20 anos, onde o retrataram como estudante de Coimbra. O artista não era grande coisa e impressionou o quadro com tintas de fraca qualidade, onde era visível o repúdio pelo vermelho. Preocupado com a História e com o sucesso do nosso Homem, eis que um segundo Pintor lhe traça o caminho do futuro e o descreve em banda desenhada, por etapas multicolores e poliédricas, sempre ascensionais, aparentemente contraditórias. O nosso Homem aparece fustigado e louvado pelo 25 de Abril e a ele se converteu com grande militância. O terceiro Pintor, ao contrário da história que querem escrever não lhe reconheceu o sossego, nem o gozo do passado. Este terceiro Pintor, lúcido e perspicaz, descobriu que o nosso Homem ensandeceu e, também em jeito de banda desenhada, traçou-lhe os momentos altos dessa loucura. Os quadros eram só estes e neles são ostensivas as visões que a justificam. Vejam comigo:

João CorreIa

– Diz que é livre e não tem coleiras, nem amos (tem a desfaçatez de falar para a Rádio e escrever para os Jornais como se fosse verdade); –

Por influência dele, diz-se que foi o último Bastonário da Ordem dos Advogados;

Fustiga injustamente um comentador que dá pelo nome de Rogério Alves;

Invectiva grosseiramente um tal Marinho e Pinto quando diz que é um Chavez sem petróleo;

Quis mudar a vista para o Tejo;

– Pensou que foi julgado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados (como se demonstra pelo Documento junto). –

Apoiou o António Costa (o que valeu a este Candidato a derrota nas eleições).

A loucura deste Homem, como se vê é imparável e perigosa. Só vejo uma solução, que preconizo: o internamento compulsivo no Palácio de Belém. E um abraço de parabéns do

João Correia


MEMÓRIAS DE 74 Em Abril de 1974, eu ainda não tinha 30 anos e o Zé Miguel tinha menos quatro ou cinco - o que na altura talvez se notasse mais do que agora... Mas ambos, cada qual à sua maneira, entendíamos ter várias chaves para resolver os problemas do País. O Zé Miguel era mais “ideológico” do que eu. Ele já era de Coimbra, templo de todas as ideologias e terreno de todas as discussões. Eu vinha de Braga, berço do 28 de Maio e onde a Universidade se limitava à Faculdade de Filosofia dos Jesuítas. Além disso, já tinha feito três anos de serviço militar, o que torna qualquer um bem mais “pragmático”. Em todo o caso, com o “regime” a desfazer-se e a abertura marcelista bloqueada, o problema da guerra em África a agudizar-se e o mal-estar das Forças Armadas explorado em crescendo pelo PCP e por outras forças de extrema-esquerda, tornava-se cada vez mais evidente que estávamos à beira de uma ruptura política e social.

JosÉ LuIs da CruZz VIlça

Nestas condições, as clivagens ideológicas atingiam o paroxismo em Coimbra. Na esquerda marxista, pontificavam a Vértice, a Centelha, o CITAC; na direita “nacionalista”, a Cooperativa Cidadela, a Oficina de Teatro e pouco mais digno de registo.

Já nessa altura o Zé Miguel tinha, mutatis mutandis, o mesmo ardor militante que ainda hoje o anima. Atirava-se para a cabeça do touro com a coragem e a determinação de quem tinha convicções. A verdade é que andava à procura de novas sínteses. Demonstra-o o Prefácio da sua Antologia de Jose António Primo de Rivera, tentativa de conciliar um pensamento de direita nacionalista com exigências de democracia “avançada” e de justiça social, muito mais próximas da intervenção de um Estado Providência que da visão liberal de um Estado mínimo baseado no funcionamento do mercado. Quão incompreendido foi por isso! Síntese, aliás, foi também a que procurámos ao criar a PROGRAMA – Associação de Estudos para o Progresso Nacional. O projecto de declaração de princípios, que preparei e no qual se falava de “apalpar o regime”, foi discutido por grupo de jovens intelectuais e universitários desejosos de intervenção cívica na grande sala de jantar da Quinta das Lágrimas! No fim – ainda tínhamos perna para isso - fomos jogar futebol (ficou célebre um “contraatraque” falhado do Zé Miguel à minha equipa) para o pátio, agora mais frequentado por turistas espanhóis e casais românticos. Síntese também era a que o Zé Miguel procurava quando colocou entusiasmos de esperança no livro do General Spínola “Portugal e o Futuro”. Mas cedo se viu que não era nessas naus que haveríamos de chegar à Índia…


Pelo caminho, recusámos colaboração à ANP, solicitada por Elmano Alves a jovens esperançosos de direita: a síntese também não era essa! O 25 de Abril chegou como uma inevitabilidade, abriram-se as comportas e as águas reprimidas jorraram em catadupa de um lado e de outro. É então que surge o episódio que quero contar. Algures em Junho de 1974, jovens assistentes, fomos convocados para uma reunião do corpo docente numa das salas dos Gerais. Cheguei às 9 da manhã e apercebi-me logo de um burburinho pouco habitual. Estacionei o meu “Fiat 127” ao lado do cedro junto ao Instituto Jurídico e comecei a subir as escadas junto à Torre da Universidade – altura em que um bando de várias dezenas de jovens estudantes maoistas (a estupidez do regime havia feito uma excelente sementeira de utopias e Coimbra era a incubadora ideal) se precipitaram pela Via Latina adiante para me interceptar ao cimo da escadaria. À cautela, não fossem ser poucos, levavam um cão quase do meu tamanho! Como tinha sido convocado por uma autoridade aparentemente legítima, subi as escadas ao encontro da turba e fui notificado pelo cabecilha (dizem-me que hoje um distinto advogado de negócios) de que não podia entrar “porque os estudantes não queriam”. Como achei que devia argumentar, preveniu-me que era melhor dar meia volta e sair antes que a coisa “desse para o torto”. Contra factos tão notórios não havendo argumentos que valessem, desci as escadas e, teimoso de cumprir o meu dever, dirigi-me para a porta do Instituto Jurídico, a procurar febrilmente a chave – que não encontrava! Felizmente, a Providência chegou nessa altura sob forma de carteiro, a menina Arlette abriu a porta e, quando o bando se apercebeu de que não me ia embora, era tarde. Lá dentro, encontrei o Zé Miguel, que não tinha tido mais sorte que eu. Os “revolucionários” tentavam invadir o Instituto Jurídico e parlamentavam com o Professor Ferrer Correia, Director da Faculdade, que procurava dissuadi-los e propunha soluções de compromisso. Pela janela, vimos chegar o Sampaio Nora, ser interceptado pela malta e dar meia-volta sem mesmo sair do carro. Os funcionários, em pânico, propunhamnos que saíssemos pela porta das traseiras. Como se impunha, sair pelas traseiras é que não! E por isso, o Zé Miguel e eu saímos, corajosa mas tranquilamente, pela porta de baixo do Instituto (enquanto eles parlamentavam na de cima) e cruzámos a Porta Férrea a caminho da tranquilidade. O velho “Ami Six” do Zé Miguel é que lá ficou dentro e contra ele se virou a sanha revolucionária do MRPP. Cobriram-no de escarros e tiveram a pachorra de o levantar a pulso e colocar fora do Pátio da Universidade, não fosse estar contaminado com a Gripe A…


Não me recordo bem, mas acho que foi nesse mesmo dia e na sequência dos mesmos acontecimentos que o Professor Guilherme Braga da Cruz foi espezinhado pelas escadas abaixo e o Professor Mário Júlio de Almeida Costa foi perseguido, insultado e violentado da Faculdade até à Baixa! Depois disso, fui aconselhado pelo Reitor em exercício a ficar em casa, que lá me levariam os livros de que precisasse. Durante meses andei com o Zé Miguel e outros amigos a tentar acalmar a Revolução, teimando em pensar que a liberdade e o futuro – jovens de 25 e 30 anos – também eram para nós. Em breve, no calor da revolução, o Zé Miguel era preso (altura em que conheceu o António Maria Pereira, que haveria de ter um papel decisivo na sua vida) e, a seguir, exilava-se em Espanha com a família. Eu “exilava-me” em Paris para me doutorar – circunstância que também haveria de ser decisiva na minha vida. Alguns dos revolucionários do dia fui-os encontrando ao longo da vida – nem me lembrava deles – e, contritos, pediram-me desculpa. O mundo deu a volta, Portugal anda aos solavancos mas já não é como dantes, as utopias só subsistem (às vezes por boas razões) na cabeça de alguns mas já não temos idade nem paciência para elas! Parabéns, Zé Miguel! Olha que só se faz 60 anos uma vez na vida!

José Luís da Cruz Vilaça Lisboa, Agosto de 2009


Em 2006, o Zé Miguel pediu-me para eu apresentar, no Porto, o seu livro “Bastonadas”. O que, então, sobre ele disse, aos Colegas que assistiram à sessão, gostaria que ficasse, agora, no registo escrito, para a leitura de todos. Porque o que disse…sinto, novamente, vontade de dizer. Com a mesma fraternal emoção. Com o mesmo impulso de uma amizade que sabe exprimir-se, sem reservas, na cumplicidade dos silêncios, na discrição das confidências, na lealdade das atitudes ou na coragem das solidariedades. Com o mesmo sentimento de testemunho publicamente comprometido sobre alguém de quem muito gosto. sComeçarei e terminarei com Agustina. Porque, a partir do Porto, quem melhor poderia sintetizar o que sinto, como vejo e o que entendo ser o José Miguel Júdice? Diz, Agustina, num dos seus aforismos “Ele é inimitável e tem em si um sem número de personagens protegidas pela unidade da pessoa” (Aforismos, pág. 44) Nele, no mesmo Zé Miguel - digo eu – confluem o amigo, o académico, o cidadão interventivo, o político, o gestor, o empresário, o advogado, o meu Bastonário. Personagens de uma mesma vida, assentes na solidez estruturante de um carácter que o eleva à dimensão de exemplo para os outros.

JosÉ Pedro aGuIar-branco

Personagens das quais emerge o traço comum das virtudes que o enobrecem: a transparência, a coragem, a solidariedade, o inconformismo, o gosto pelo risco, a inteligência, o espírito de sacrifício, a perseverança, a autoconfiança, o conhecimento. E, coisa rara nos tempos que correm, o optimismo que o leva sempre a acreditar no futuro. Personagens que, na acção concreta, assumem a auto exigência de se colocarem sempre no patamar cimeiro do sucesso. Sucesso que, sendo pessoal – mérito da excelência do Zé Miguel -, não é egoísta ou afunilado no individualismo. Sucesso que, assim, vai sendo partilhado por todos com quem comunga o gosto de vencer os desafios que a si próprio impõe.

Por isso, o Zé Miguel, quando amigo, é inexcedível na doação e praticante compulsivo da amizade. O que, não raras vezes, conduz a atitudes que violam o politicamente correcto. Violação que, aliás, pratica com especial gosto e provocação, em benefício de uma solidariedade desinteressada que espíritos mesquinhos - e invejosos – gostam de, na cobardia do sussurro, insinuar ser, muitas vezes, com intenção contrária. São conhecidas as suas posições públicas, como cidadão comprometido e amante do espírito livre e irreverente. À revelia, se necessário, de fidelidades ideológicas ou partidárias. São expressões de um carácter que traz à tona, em qualquer um dos personagens que encarna, a marca mais notória da sua alma de advogado: a defesa, sempre e em qualquer circunstância, da liberdade. Por isso, também, o Zé Miguel, como cidadão interventivo, não se acomoda no conforto intelectual dos que, por se julgarem superiores, se reservam, apenas, à teorização das problemáticas com que o povo se debate. O Zé Miguel mergulha no que, em concreto, perturba, incomoda e obriga à sempre ingrata tomada de posições. O Zé Miguel é


um lutador incansável pelas causas em que acredita. E fá-lo, como sempre, provocando os espíritos pachorrentos de todos – ricos, pobres, novos, velhos, homens, mulheres, gordos, magros, altos, baixos, etc - que teimam em olhar, apenas, para os seus umbigos. A essa luta o Zé Miguel acrescenta a preocupação constante, e diria, até, ansiosa, pelos que não tem capacidade reivindicativa. Por isso, o José Miguel Júdice advogado, e ainda antes do Bastonário, já era um militante atento e empenhado na causa da Justiça. Numa visão moderna e integrada desta com as outras realidades sócio-económicas. De uma justiça que impõe um conceito de advogado que se situa muito para lá das fronteiras curtas do corporativismo, no que este tem de mesquinho e redutor. Que impõe o advogado como homem de cultura global, que o consagra como a primeira instância no acesso ao direito e como uma parede mestra da defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias das pessoas. Diz Lionville ao caracterizar a natureza do ser advogado: “Somos instituídos para dizer tudo o que é útil ao bom direito, tudo o que é hostil à opressão, tudo o que é favorável ao fraco e ao oprimido contra o forte, o poderoso e o opressor: tudo, e não metade”. Assim é o dever do advogado. O Zé Miguel tem honrado sempre essa matriz maior de ser advogado: dizer sempre tudo e não metade, em qualquer circunstância, por mais adversa que seja. Por isso, também, no Zé Miguel, a dialéctica com os arcaísmos que bloqueiam a nossa sociedade é quase uma necessidade tão natural como a de respirar. Lutar contra os arcaísmos é uma luta que não tem fim. É pugnar por viver sempre na crista da actualidade e ter um olhar permanente no que está para lá do horizonte do quotidiano da rotina. É uma luta que distingue os homens: os que se refugiam na segurança do adquirido, ainda que ultrapassado, dos que teimam em acreditar que o progresso dos povos se faz sempre questionando o “status quo”, obrigando à permanente actualização das nossas verdades. O Zé Miguel pertence à categoria destes últimos. O que me faz socorrer, novamente, de Agustina, que bem sintetiza, em mais um dos seus aforismos, o que podemos concluir em relação ao Zé Miguel: “um grande homem é sempre um homem actual” (Aforismos, pág. 81). Como tu és, Zé Miguel!

José Pedro Aguiar Branco


Os Apontamentos do Zé Miguel Era Outubro de 1966, nem sei que dia. Depois de uma noite de poker e cerveja no Tiro e Sport, na Cruz de Celas, arrastei-me até à sala de aulas da Faculdade de Direito para onde tinha sido encaminhado pelo Bedel da Faculdade (futuro cúmplice das minhas escapadas às aulas durante os dois anos que se seguiram). Sentei-me no lugar indicado e logo adormeci, para acordar de quando em quando com umas cotoveladas de um menino imberbe que tirava apontamentos. Em vez de me zangar com o menino, até pela diferença da idade (dois-três anos mais novo que eu), apresentei-me educadamente “José Pedro Paço d’ Arcos”. “José Miguel Alarcão Júdice, como está?”, resposta pronta e respeitosa do menino de 16-17 anitos, ainda com o acne da adolescência.

JosÉ PEdro Paço d’Arcos

Deve ser esperto, pois precoce é, pensei. “ O menino é bom aluno? O menino tem boa letra?”, perguntei.

Como a letra fosse duvidosa - conquanto a inteligência não - pedi-lhe então para caprichar e escrever mais redondinho, de modo a que eu pudesse ler os seus apontamentos sem estar sempre a chateá-lo, e logo ali fiz-lhe uma proposta que selou a nossa amizade futura: condenados a sermos vizinhos nesse ano lectivo, ele prometia caprichar na letra e facultar-me os apontamentos sempre que eu precisasse; assim dispensado de prestar atenção às aulas, eu comprometia-me a ficar acordado (evitando adormecer por cima dele) e a ler de fio a pavio durante aquelas aulas maçadoras os romances de Jorge Amado e relatar nos intervalos (com todo o ênfase possível, gemidos e tudo) as vezes que o Seu Nacib punha a perna por entre as da Gabriela ou que o Vadinho aparecia nu à D. Flor. As Lágrimas cimentaram este nosso proveitoso pacto. Depois de horas de estudo, repousavamos em qualquer cena mais escabrosa dos romances de Jorge Amado. A Sra. D. Maria do Carmo, mãe do Zé Miguel, uma senhora de imensa bondade e sabedoria, se calhava ver-me nas Lágrimas a horas tardias, logo me aprontava um quartito para pernoitar, por mais que eu protestasse que morava ali pertinho (em Celas) e que tinha um carro (o Cortina das Buzinas, como lhe chamava o Zé Miguel) para me deslocar. E com este apontamento - e graças aos apontamentos do Zé Miguel - fica a história de um princípio de uma forte amizade com mais de 40 anos. PARABÉNS, menino, pelos 60!!! E ainda bem que deixaste crescer a barba para esconder as borbulhinhas de adolescente.

José Pedro Paço d ’Arcos


Foi em 1999, momento em que pela primeira vez passei a fazer parte da grande família Relais & Chateaux, quando conheci José Miguel Judice. Quem poderia dizer que esse encontro mudaria significativamente a minha vida? Naquele primeiro instante em que era e continua sendo o proprietário do magnífico Quinta das Lágrimas , propôs-me assesorar a cozinha deste precioso hotel. Seu porte, sua cortesia e sua perfeita maneira me impressionaram. Em nenhum momento duvidei aceitar esta relação que para mim é enriquecedora pessoalmente e profissionalmente.

KoerPer

Num Congresso em Lyon de Relais & Chateaux que Jose Miguel falou-me pela primeira vez de sua vontade em abrir um restaurante em Lisboa e queria que fizesse parte daquele projeto.

Senti-me elogiado e também impressionado pela magnitude daquela aventura. Expressei meu profundo agradecimento e também tristeza e preocupação por não poder naquele instante participar financeiramente desta aposta de tão grande envergadura. Minha tristeza se foi quando Jose Miguel explicou-me que conhecia 9 amigos que fariam parte dessa assinatura e que eu seria o décimo primeiro sócio do restaurante. Fez-me participar de uma maneira despretenciosa do que hoje é o Eleven, a peça mestra do meu brilho profissional . Jamais esquecerei do momento em que Jose Miguel deu-me a honra de confiar em minhas mãos a organização culinária de seu casamento com sua esposa Cristina. Nossa amizade , em todo esse tempo, não deixou de crescer. Grande gourmet, amante dos bons vinhos e sobretudo meu amigo. Não tenho palavras para expressar minha enorme gratidão à Jose Miguel. Não entenderia Minha vida profissional sem sua presença. E hoje, me encontro num doce momento de voltar a fazer parte dessa grande família Relais & Chateaux como chefe do Eleven, só encontro em meu coração palavras de carinho e agradecimento ao que considero meu verdadeiro mentor profissional : Jose Miguel Judice. Muito Obrigado!

Koerper



The only service a friend can really render is to keep up your courage by holding up to you a mirror in which you can see a noble image of yourself. Bernard Shaw


Conheci o Zé Miguel – que desde logo me habituei a tratar por Judicus, dadas as nossas afinidades jurídicas – no início de 1975. Era então um “ex-presidiário” de Caxias ! Foi-me apresentado pelo António Maria Pereira, também ele um famoso preso político do 28 de Setembro. A relação que o António Maria e o Zé Miguel criaram ao partilhar a cela (com mais uma dúzia de ilustres fascistas) marcou a vida profissional do Zé Miguel e influenciou o desenvolvimento do Escritório que o António Maria fundara no final da década de 60 e no qual me reservara – então jovem advogado – uma pequena participação. Essa Sociedade viria a transformar-se na maior e mais dinâmica Sociedade de Advogados de Portugal, então já com o contributo do Francisco de Oliveira Martins e do Zé Miguel, também eles fundadores à posteriori da PLMJ, e com a colaboração de uma geração de brilhantes Advogados que são hoje os garantes do futuro da Instituição.

LuIs SáraGa

A admissão do Zé Miguel no escritório, que o António Maria muito acarinhava, terá sido selada num jantar que tivemos na barra do Gambrinus, depois de um longo dia de trabalho, entrecortado por uma ruidosa manifestação dos SUV (descodificando para os mais novos que não viveram a Revolução : Soldados Unidos Vencerão). Imagem irrepetível dos contrastes de um período inesquecível das nossas vidas. Confesso que não me recordo desse marco, que o Zé Miguel por várias vezes evoca, mas os resultados ainda perduram. Desde então passei a partilhar com o Zé Miguel a Amizade paternalista do António Maria, pelo que a nossa relação tem por isso também algo de fraternal.

Nos anos 75 / 78 ter um escritório com dois ex-presos políticos, com fama de perigosos fascistas e contrarevolucionários, não era nada fácil. Acresce que o Zé Miguel aceitara escrever uma coluna de análise politica no Diabo, semanário então acusado de estar conotado com a extrema direita reaccionária, capitalista e colonialista a soldo do imperialismo norte-americano e outros epítetos que não contribuíam para a afirmação profissional da nossa incipiente sociedade de advogados. Numa conjuntura marcada pela ameaça de um regime comunista e pela permanente agitação social e contestação laboral, o facto de sermos Advogados de alguns grupos económicos – todos eles apodados de monopolistas – e de várias multinacionais estrangeiras – todas elas acusadas de exploradoras da classe operária - foi uma experiência marcante para todos, tendo contribuído para a coesão pessoal e profissional dos Sócios Fundadores que ainda hoje marca fortemente a cultura de PLMJ.


Mas as nossas relações não eram só profissionais. Vivi alguns períodos (alias inesquecíveis) em casa do António Maria e depois acolhi também o Zé Miguel em momentos de “reflexão sentimental”. É dessa época a expressão “sub-Judice” maliciosamente usada pelo nosso Zé Maria, personagem único que marcou gerações de Advogados em PLMJ e cuja “desenvoltura jurídica” o fazia ser frequentemente confundido com os próprios Sócios ! Apesar de termos personalidades e perfis profissionais marcadamente distintos, sempre conseguimos compatibilizá-los e potenciar as nossas complementaridades em prol do colectivo de PLMJ, muito por mérito do Zé Miguel que, embora mais impulsivo e aparentemente menos tolerante, sempre soube contribuir para soluções de consenso em alguns momentos mais críticos de redefinição, que inevitavelmente marcam a vida das Sociedades de Advogados. Muitas vezes discordámos, mas nunca divergimos no essencial, razão pela qual a nossa Amizade, velha de mais de 30 anos, nunca teve rupturas ou sobressaltos apesar duma convivência diária intensa, por vezes mesmo tensa.

Luis Sáraga


Escrevo a um Domingo, no gabinete de trabalho de minha casa. Dou-me conta que, entre muitas fotografias de família, só tenho a de um amigo – a do Zé Miguel. Tal como ali, ele há-de estar presente nas casas, nos espíritos e nos corações dos muitos e muitos que ao longo de décadas têm sido marcados, um pouco por todo o lado, pela sua extraordinária personalidade, pela sua excepcional inteligência e cultura, pela sua capacidade única de agir, de realizar, de fazer fazer. Ele está, certamente, entre os cidadãos portugueses que, desde sempre, mais se expôs. Não se tem limitado a estar presente quando o convocam. Muito mais do que isso, acorreu sempre à primeira linha de todos os combates cívicos onde pudesse fazer sentido a sua presença, a sua contribuição, a sua liderança. Conhecemo-nos em Coimbra, nos finais dos anos 60. Na altura, o importante era resistir à arrogância dominante e asfixiante do esquerdismo politicamente correcto. Respirar cultural e politicamente fora do marxismo era quasi fisicamente inviável. Coimbra, como todos os centros universitários europeus, vivia um quasi unanimismo, que apenas consentia alguma pluralidade dentro dos vários socialismos e que recusava, com brutalidade censória, qualquer manifestação cultural ou ideológica fora dos quadros em moda. O Zé Miguel teve, dentro desse contexto, que comportou períodos de verdadeiro terrorismo físico e psicológico, um papel liderante, nas várias formas de organização da resistência e da vertebração de um pensamento coerente – em relação à renovação e reforma da Universidade, em relação à fermentação de uma cultura plural e livre, em relação ao País e à necessidade de repensar e reformar o regime. O nosso grupo concentrava, muito particularmente, as suas energias e o juvenil radicalismo das convicções num projecto nacional que integrasse as diferentes parcelas, europeia e africanas, do território constitucionalmente nacional, atacando o colonialismo marcelista e recentrando geograficamente o Estado a partir de Angola.

Manuel CavaLeIro Brandão

Sonhos que definitivamente se inviabilizaram em 2 de Julho de 1974. E ainda aí, de novo aí, o Zé Miguel acorreu e combateu – a partir do politicamente incorrecto, mas sempre pela liberdade. Que os novos senhores logo lhe cassaram. Foi preso. E teve, de seguida, que se exilar em Madrid. Continuando a lutar. Escrevendo e agindo. Lembro--me particularmente de, por duas vezes, o ter ido visitar, no meu Citroën 2CV – antes de eu próprio ter sido preso, no 11 de Março de 1975. Permanecerá, em mim, indelével a memória da convicção com que todos os seus e, em particular, a Mãe, Senhora Dona Maria do Carmo, enfrentaram as dificuldades e ansiedades do exílio.


Lembro-me particularmente bem da prosaica felicidade vivida, depois do seu regresso ao País, nas primeiras férias gozadas, em liberdade, no Algarve – apenas possível à custa de amigos favores, que os recursos eram então muito escassos. Lembro-me também das razões que invocou e das explicações que fraternalmente deu aos seus companheiros de pensamento sobre a sua adesão, consciente e racional, ao PPD – de Francisco Sá Carneiro e, sobretudo, do que sobrava de vontade e de dinamismo num povo, em geral, entorpecido e inabilitado para se auto-desenvolver. E nunca mais parou, nem, penso eu, parará, enquanto a Providência o deixar andar. Seguiram-se anos muito intensos de intervenção pública e de realização pessoal e profissional. Voltámos a viver, solidários e fraternos, o seu Bastonato na Ordem dos Advogados. Reuniu uma equipa com alguns elementos de grande valor. Para além de plural, como devia ser, acabou por se revelar demasiado heterogénea. Mas, apesar das dificuldades e de alguns erros, o Zé Miguel e os seus próximos mais activos elevaram a Ordem, e a sua intervenção na reestruturação e reequilíbrio do Sistema da Justiça, a níveis nunca antes alcançados. O seu Bastonato fica, seguramente, como um grande marco na história da Ordem e da Justiça Portuguesa. A amizade, a solidariedade, a lealdade. O charme militante. Destemido, frontal, corajoso. Generoso e sempre disponível. Tantas vezes provocador e excessivo. À beira dos limites, até dos do bom senso, aferidos pela sensibilidade média do homem comum. O irreprimível prazer de um bom combate, de uma controvérsia que o justifique. A irrecusável volúpia do confronto intelectual e cívico. A alma da toga, na sua mais pujante expressão. O paradigma de um grande Advogado – para quem olho e a quem quero como a um irmão. Porto, Maio de 2010

Manuel Cavaleiro Brandão


Ah o Zé Miguel....tão antigo já no meu tempo. E tão amigo, tão generoso, tão sobretudo sempre presente que a nossa amizade é como os muito bons vinhos: amadureceu bem. Conheci-o primeiro através dos jornais quando ele, nos idos de setenta, pontificava como ninguém sobre os caminhos da PREC mas muito depressa o conheci pessoalmente. Foi na saudosa Dóris, ali perto de Olhos de Água, onde tínhamos a nossa morada algarvia. A Dóris era um pequeno bistrot onde todas as noites o Zé Miguel e a Luisa e um grande grupo – uns vindos de Coimbra, outros, do Porto, outros, de Lisboa – e todos nós de nossa casa, nos encontrávamos. E à roda de waflles e bicas refazíamos mundo e a vida.Faziamo-lo com o jubilo da expectativa, o viço da idade e o mundo á nossa frente. E ríamos muito, o que é sempre bom sinal, rir em conjunto, e com o mesmo e afinado toque de humor. Inesquecíveis verões esses! Depois, muito simplesmente como costuma acontecer quando há sintonia de almas e cumplicidades de olhares sobre o essencial, nunca mais deixámos de nos ver. Concordei e discordei, irritei-me ou emocionei-me, enfureci-me ou aplaudi-o, mas o Amigo saiu sempre incólume. E que melhor presente de anos lhe posso hoje oferecer senão chamá-lo de meu Amigo e de caminho agradecer-lhe a partilha dessa amizade e o modo como ele a foi regando, tempo fora? Dos seus talentos, e tantos são, da sua lucidez, do seu brilho intelectual, da sua permanência em diversos palcos nacionais, outros falarão melhor que eu. Da Amizade, como aquela que praticamos um em relação ao outro, prefiro falar eu: não foi senão ela o que mais avultou e marcou e moldou: encontro após encontro, ano após ano, vida atrás de vida. E por isso, muito fui sempre falando com ele: sobre a politica, o jornalismo, a pátria, a vida, sobre nós mesmos, tantas vezes. Um dia pediu-me para colaborar com ele num jornal que então dirigia chamado “Espaço T”. Fartei-me de escrever para lá e bem, porque o Zé Miguel sabe do que as pessoas são capazes, sabe orientá-las, fazê-las render e fazê-las luzir, o que ainda é mais. Pedi-lhe opiniões muitas vezes, deu-me sempre as melhores, pedi-lhe conselho, deu-me os mais avisados. Pedi-lhe ajuda, também ma deu. De modo que se eu olhar para trás, vejo sempre o Zé Miguel. Mas vejo com esse raro e também por isso maravilhoso sentimento de que o vejo porque ele está lá. Faz integralmente, inteiramente, absolutamente parte da minha paisagem humana privativa. Gostaria de estar agora na Quinta das Lágrimas, local da minha eleição onde tantas vezes volto, paciência, não estou. Mas ele e eu sabemos que é exactamente como se estivesse. E talvez seja afinal melhor assim: se eu começasse a dizer-lhe tudo o que aqui ficou, o Zé Miguel nunca me deixaria chegar até ao fim... Parabens meu querido, mil dias destes, já tenho saudades, quando nos vimos?

MarIa João AvILeZ van ZeLLer

Maria João Avillez van Zeller


Tenho com o Zé Miguel __ aliás, conhecendo-lhe a tendência (de que também sofro) para alguma promiscuidade afectiva e vendo-o ser tão assediado, não sei bem se serei só eu a tê-la __ uma relação especial, muito feita de afectos, mais que de intelectos.

MarIo EsTeves dE oLIVeIRA

O que, sendo os dois emotivos e carentes (ou emotivamente carentes, é indiferente), considero natural e muito me apraz, por ter, admito, eu que sou lento e algo desatento, certa dificuldade em acompanhar-lhe os raciocínios, os argumentos, os pressupostos, as entrelinhas, tudo aquilo em que as suas inquietas e ginasticadas células cinzentas se movem supersonicamente. Prova disso é que, sempre que penso na barra de um tribunal, é nele que vejo o advogado ideal, aquele que gostaria me defendesse, rapidíssimo, frio __ ele que é a quentura em pessoa __ temido e manhoso, perante quem os adversários se assustam, enervam e deixam arrear.

É verdade, o Zé Miguel e eu damo-nos muito mais nos afectos __ até de o abraçar eu gosto, confesso __ que nos intelectos. Já estivemos em barreiras políticas opostas __ ele, coitado, corajosa e sofridamente, mas sempre altivo, num grupo minúsculo, eu, com as costas quentes, num batalhão enorme __, já o vi arrostar com imprecações severas do establishment político ou profissional, convencidos que dobrariam a sua incurável liberdade de pensamento e de expressão, já o vi amar quem todos desamam e desprezar quem todos lisonjeiam, e foi sempre, em todas as situações, o “meu” Zé Miguel, amigo urgente, companheiro irreverente, enfim, muito, muito “boa gente”.

Mario Esteves de Oliveira

NabIL Ahuad José Miguel Júdice, un illustre avocat que j’ai drolement connu ( lui sait pourquoi) depuis vingt ans a mon arrivée au Portugal, n’est plus seulement com avocat aujourd’hui mais mon grand ami, en fait un frére! Brillant, fougueux, drôle, genereux et desinteressé dans l’âme, normal dans sa folie, stable dans som instabilité, fidéle dans ses amities et toujours prêt à aider ses amis, aimant la paix,masi toujours prêt à faire la guerre et la polemique si necessaire. Jose Miguel Judice, un de ces personnages hors du commun que j’ai eu la chance de rencontrer dans le parcours de ma vie.

Nabil Ahuad



O QUADRO DA MALUDA

Nos idos de 76, época de ressaca da bebedeira revolucionária e em que o Parque Mayer, já decrépito mas ainda longe de fazer primeiras páginas dos jornais pelas partidocráticas razões hoje do domínio publico, no Retiro da Amadora, vulgo a “Tininha”, diminuta tasquinha escondida por detrás do Teatro Variedades, formou-se, quase espontaneamente, um grupo almoçante que chegou a reunir, às sextas-feiras, uma dúzia de comensais. À partida não nos conhecíamos todos. Mas, um amigo desafia outro e, num ápice, as comezainas alcançaram a rotina, a velocidade de cruzeiro e aquele ”numerus clausus” informal. O que nos ligava? Por um lado as vicissitudes revolucionárias sofridas na carne e no espírito por todos nós e, por outro, um cimento ideológico – com excesso de componente arenosa, mostrou-o o tempo – que, metaforicamente, estava nos antípodas dos humores então em voga . Comia-se malzote, o tasco não servia café e a única sobremesa disponível era queijo com marmelada apodada, já não sei por quem, de “um Vasco Gonçalves com Rosa Coutinho”. Esta confraria parecia não incomodar o Jorge Amado que, quando em Lisboa, numa mesa próxima almoçava quase sempre em “tête à tête” cúmplice com sua mulher, Zelia Gattai. Devo a estes almoços o embrião da minha amizade com o José Miguel. Retornado de fresca data mas em versão madrilena, o Miguel e a Rita, mínimos, falavam uma algaraviada luso-castelhana e moravam todos em Benfica, em diminuto apartamento. Dava os primeiros passos num escritório de advogados que iria ajudar a levar ao Olimpo e juntava dinheiro para comprar um quadro da Maluda. Fui sendo posto ao corrente do advento da obra, os fundos já disponíveis bem antes de a pintora a concluir . Um convite para um café foi o pretexto para testemunhar o entusiasmo pela chegada do quadro que, de reduzidas dimensões, ao seus olhos, enchia uma parede antes completamente vazia: era mais uma variação sobre o tema dos recantos lisboetas, um simples cruzamento em que um espelho côncavo de ajuda ao tráfego distorcia o zigue-zague dos rectângulos azuis, amarelos e brancos pintados no painel de azulejos da parede fronteira, um motivo recorrente pela cidade. Nunca mais voltei a ver o quadro, deixado para trás numa qualquer curva da estrada da Vida. Mas sou forçado a lembrar-me dele todos os dias. Saído de casa, na esquina oposta à do meu prédio, um painel igual ao daquele quadro da Maluda, os motivos geométricos, tersos e rectos na sua individualidade, em conjunto são forçados a ziguezaguear. Só lá não está o espelho côncavo. Mas também não faz falta – apenas nos permitiria ver o que o nosso campo de visão não lobriga e não serviria para retrovisor.

nuno anTas de camPOS

Nuno Andtss de Campos


Procurar definir a vida profissional do Zé Miguel é um desafio. Não é em vão que, por mais que se tente definir PLMJ como instituição, esta é sistematicamente reconhecida como “O escritório de Júdice”. Recordo-me como se fosse hoje, desse dia de Setembro de 87, em que, chegado à rua Silva Carvalho, ainda desconfortável no meu único fato, fui recebido pontualmente pelo meu futuro Patrono, Dr. José Miguel Júdice. Quando esperava que me fosse explicado como se iria desenvolver o meu estágio e qual o dia em que me deveria apresentar no escritório, deu-se precisamente o inverso. Passados 15 minutos de reunião saia do gabinete carregado de dossiês e já com tarefas bem definidas. Senti um certo pânico, pois para além de conhecimentos escolásticos, nada mais tinha. Com este pequena história defino duas características fortíssimas do Advogado José Miguel Júdice.

Nuno LÍbano MoNTeIro

A primeira, que parece menor mas não o é e que continuo a constatar depois de decorridos mais de 20 anos, é a pontualidade. O Zé Miguel, apesar de ser solicitado por inúmeros clientes, assuntos, reflexões estratégicas, entrevistas, está sempre presente na hora certa. Como a pontualidade não caracteriza os portugueses, esta sua faceta tem uma consequência: o Zé Miguel deixa sempre um encontro à hora certa, independentemente de quem esteja presente, pois de outro modo não pode cumprir a l´heure com o compromisso seguinte. A segunda qualidade é a da sua enorme aposta nas pessoas e em especial nos mais novos. O que o Zé Miguel fez comigo, continua a fazê-lo com as sucessivas gerações de jovens Advogados. Acredita no potencial e puxa por ele, dando responsabilidade e naturalmente, exigindo que quem a recebe corresponda. Quando no início dos anos 90 o Zé Miguel constituiu uma equipa própria, o rigor, a juventude e a irreverência eram tónica, pois a idade média da equipa estava muito longe dos 30 anos. E refiro o rigor porque uma outra característica de Júdice é a profundidade. Diria quem estivesse desatento que a quantidade prejudica a qualidade. Puro engano! Só quem esteve com o Zé Miguel em julgamento percebe o cuidado que ele coloca em cada assunto, o pormenor com que brilhantemente consegue demonstrar a verdade por trás da encenação teatral da audiência, ou a subtileza com que responde aos argumentos jurídicos. Como por vezes refere: é a escola de Coimbra. Homem de combates, sem medos ou preconceitos, nunca se furta a uma luta quando entende ter razão. Não se verga às conveniências nem aos interesses mesquinhos. Porém, a sua arena de eleição é a bancada do tribunal. Respeitador das magistraturas, é incapaz de se atemorizar por legitimações adjectivas ou por verdades formais. “Morra Alberto dos Reis”, costuma dizer, para procurar na adequação dos processos à realidade de cada caso, a justiça material. Não sei se concordo com ele, mas reconheço que pratica em cada dia este ideal.


A sua passagem pela ordem, mais uma vez, foi intensa e marcante. Foi o melhor Bastonário que conheci nos meus mais de 20 anos de profissão. Tive o privilégio de participar no seu conselho Geral e aí verificar, mais uma vez, as suas capacidades de iniciativa e inovação, num período de profunda conturbação das diversas classes dos profissionais da justiça. Se olharmos para trás, podemos ver que o que de importante se construiu especificamente para a nossa profissão foi durante o seu mandato. Mas a característica pessoal e profissional que mais lhe admiro e que tenho podido comprovar ao longo destes anos é a sua total dedicação aos assuntos de quem está em dificuldade ou em queda. Neste mundo de obsessiva perseguição do sucesso em que vivemos, é sempre com admiração que o vejo dizer – e praticar – esta regra, mesmo que aparentemente se prejudique ou seja incompreendido pelos seus pares. Advogado de resposta rápida e certeira, cedo se converteu às novas tecnologias. Já vão longe os tempos em que o Zé Miguel se fechava no gabinete levando consigo a IBM da secretária, onde furiosa e rapidamente escrevia os textos que enviava para o Semanário, conseguindo articular a direcção e a redacção do jornal com as exigentes obrigações do escritório. Hoje não passam 30 minutos sem que recebamos um email do Zé Miguel, divulgando uma notícia jurídica, uma refeição gourmet ou um contributo para reflexão interna. Há Advogados – poucos – que marcam de forma indelével uma geração. O José Miguel Júdice é um sem dúvida um destes Advogados. Muitos Parabéns!

Nuno Líbano Monteiro


Tenho o privilégio de ser afilhado de baptismo do tio Zé Miguel, um homem admirável e um grande amigo. Posso fazer uma lista das qualidades que lhe conheço e admiro: 1. O eterno curioso e trabalhador, que aborda novos temas sem quaisquer complexos, desde as finanças à arte; 2. A mente analítica brilhante, que possui a faculdade de desmontar problemas complexos, como fazem os grandes cientistas; 3. O estratega virtuoso, que antecipa vários cenários, por exemplo na forma como faz análise política. Mas certamente o que me vem primeiro à memória é a sua alegria contagiante quando entra pela sala na noite de Natal ou em qualquer outra festa. Em casa da tia Assunção, senta-se muitas vezes à cabeceira onde estão a tia e o pai, e aí os três irmãos brincam durante o jantar todo.

Pedro JÚdIce

E que admirável é ver o percurso das Lágrimas! Enquanto a avó viveu, tinha a grande preocupação de manter a casa na família. O tio teve a coragem de assumir o enorme risco que foi o hotel, mais tarde com o Miguel. Nos dias de hoje é bonito ouvir falar na estrela do Guia Michelin, mas posso testemunhar o esforço de vários anos para se atingir este patamar. E aqui também vemos o tio no seu melhor, com a capacidade de se tornar uma referência na hotelaria sem ter qualquer experiência prévia nesta área. Para mim, as Lágrimas representam o regresso à minha infância. Nos jantares da sala ainda consigo ver onde estava a avó e cheirar o arroz doce da Rosa; no jardim, lembrar a foto de família nas escadas, ou os arcos e flechas que o jardineiro amavelmente nos ensinava a fazer; na fonte das Lágrimas, fazer corridas de barcos com as folhas caídas de Outono. E o tio deu-nos esse presente de, sempre que quisermos, voltarmos às nossas raízes, ou seja, a nós próprios. O tio é um exemplo, através da obra que já realizou e vai realizando ao longo dos anos, e da sua bondade. Um grande abraço de parabéns!

Pedro Judice


Que bom Cristina esta oportunidade de poder testemunhar a enorme gratidão que todos nós, manos e primos, devemos ao Zé Miguel pela inteligência , determinação e coragem com que levou por diante o sonho do nosso querido Avô Miguel. Sonho que, convenhamos, não era fácil, manter as Lágrimas na família!! Foi em Janeiro de 1990, 22 anos depois da morte do Avô, quando todos tínhamos desistido, pelas mais óbvias razões, a que não era indiferente o desgaste dos pequenos problemas do dia a dia, decorrentes da gestão em comum da Quinta e da casa: ” meninos, chove na sala de jantar grande”, “meninos, não vão brincar para o corredor dos Albuquerques”. Enfim, a decisão de vender a Quinta era irreversível. Foi então que o Zé Miguel, determinado como nunca, decidiu levar a cabo uma das mais belas iniciativas da sua vida, liderar a compra, entre nós manos e primos (juntaram-se uns, não o fizeram outros), da Quinta que 5 anos mais tarde viria a ser o Hotel Quinta das Lágrimas.

Teresa CosTa Neves

Magnifico !!! uma enorme alegria para todos nós e muito especialmente para a Tia Carminho que teve a graça de viver connosco este sonho fantástico que o “seu filho”como sempre chamava ao Zé Miguel, com toda a generosidade do mundo tornou numa realidade. Por tudo isto, meu querido Zé Miguel, um grande obrigada. As Lágrimas onde todos nascemos, crescemos, brincamos e aprendemos a ser felizes continuam ali, agora mais cuidadas que nunca, com os jardins restaurados, a mata limpa, um anfiteatro bonito de morrer e até Inês saiu reforçada, das mãos do Sousa, cicerone, passou a Fundação, cheia de ambições, tem já mesmo um Festival de Artes !!! Que orgulho teria o Avô em tudo isto que fizeste !!!! Confesso que de todos os êxitos da tua vida e não são poucos, este é o que mais me toca, por isso me fico por aqui desejando-te do coração mil parabéns e as maiores felicidades do mundo!! Um beijo grande da

Teresa Costa Neves


Sobre um improviso de John Coltrane Para José Miguel Judice

JosÉ ToLenTIno de MEndonça

Ainda espero o amor Como no ringue o lutador caido Espera a sala vazia Primeiro vive-se e não se pensa em nada Não me digam a mim Com o tempo apenas se consegue Chegar aos degraus da frente: È didficil É cada vez mais dificl entrar em casa Não discuto que fizeram de nós estes anos A verdade é de outra importancia Mas hoje anuncio que me despeço À procura de um país de árvores E ainda se me deixo ficar Um pouco além do razoável Não ouvem ? o amor é um cordeiro Que grita abraçado à minha canção.

José Tolentino de Mendonça


Falar do advogado, do bastonário (o último Bastonário), do intelectual, do homem de cultura, do político, do general guerrilheiro ou do estadista que ele nunca quis ser até talvez não fosse difícil, mas outros o farão com mais legitimidade que eu e seguramente com talentos que não tenho. Para escrever sobre o José Miguel teria forçosamente que falar de afectos, o que para mim é penoso, patologicamente constrangedor. É uma espécie de impotência que nem Freuds nem Lacans sabem explicar.Tenho para mim que vem do aperto pélvico da minha avó paterna, responsável pela morte de 8 nascituros e que - dizia ela e eu, que não sou religioso, acredito - só a Rainha Santa (essa mesmo, a da Quinta das Lágrimas) impediu que o 9º e último tivesse a mesma sorte. Isto pode parecer-lhe desvario meu mas não é. O aperto fez da minha avó o que era, do meu pai o que foi e de mim o que sou: incapazes de falarmos dos nossos afectos, como se fazê-lo fosse uma vergonha, um despudor. Creia que é com raiva contra mim mesmo que escrevo este mail em vez do depoimento que me deu oportunidade de, para honra minha, deixar num livro seu e, ainda por cima, sobre o Zé Miguel. Ainda tentei falar só do Bastonário, de quanto deu dele por uma justiça digna desse nome; da sua luta pelo prestígio da advocacia; da fidelidade “canina” aos compromissos assumidos; do quanto se bateu pela defesa dos direitos humanos; da naturalidade com que encarava as divergências de opinião e fazia a síntese delas, mesmo que cedendo aqui e além na sua, mas sempre sem se desviar dos princípios que prometera defender se fosse eleito, etc, etc, mas, como a minha serôdia amizade por ele nasceu na Ordem, pois só então conheci o verdadeiro Zé Miguel (malefícios do PREC...), acabava, mais parágrafo menos parágrafo, por falar de afectos e os textos saiam pífios, impublicáveis.

VICTor MIraGaYa

Peço que me desculpem. Um abraço para ambos.

Vitor Miragaia


O valioso tempo dos maduros Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. ‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa... Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!

Mário Andrade




Depois da reforma, imagina-se a fazer o quê? A escrever livros, a passear, a conhecer sítios que não conheço para levar para o outro mundo imagens bonitas que me entretenham. Imagino que no céu não há paisagens nem monumentos como aqui.

Não é muito cedo para falar do outro mundo? Não sei. A morte pode chegar a qualquer momento sem me consultar.



Le goût est le meilleur juge. Il est rare. Cézanne


Princípio da relação. Um texto de duvidas e certezas de amor. Ze Miguel Eu estou a arriscar loucamente mas não consigo fazer de outra maneira. Não sei fazer de outra forma, além de que contigo tem que ser a medida cheia, sempre. A dar-te não há meios termos. Quizeste e conseguiste despertar “o lúcido terraço exacto e branco, /docemente cortado/ pelo rio das noites” Sophia Mello Breyner.

Estamos de facto assim, mas demo-nos a cada um, o tempo da construção de um jardim e quando chegarmos ao fim medimos tudo outra vez e já conheceremos melhor a solução. Deuses e mortais por vezes mudam de papeís e até às vezes se transformam em plantas...Daphne virou loureiro. As respostas que deste às minhas questões e dúvidas enchem-me de paz. O Luís Pinto Coelho não fez o teu retrato e a tua confissão lúcida é linda. O D. Juan é só aquilo que os outros que não andaram rente pensam de ti...


quem andou perto como os seus filhos conhece a tua fidelidade e o empenho total. Deixe, que já percebi que é só a máscara do Carnaval de Veneza...umm que vontade de lá estar consigo. Há que ler com atenção a Agustina sobre Inês, a quantidade de informação histórica e as opiniões inesperadas merecem reflexão antes de restaurar o jardim. O Garcia de Resende e o Fernão Lopes têm que ser lidos. Gosto que seja sensível ao facto dos lugares acumularem a felicidade e manterem uma vibração positiva através dos

séculos. Na sua quinta vibra o amor e não a morte. Mas claro “que não seja CRISTINA porque ao morrer foi para ali que vogou a sua saudade e a sua vontade” que bonito, quem bem escrito. As quintas em Portugal foram locais de prazer, de amor, do bom uso da lentidão...e nos seus jardins, onde cresceram as crianças once os velhos contaram as suas vidas, onde os amores à noite se encontraram, onde os adultos retempraram e onde os jardineiros prepararam flores e recantos frescos...fez-se muito deste país de brandos costumes. As suas declarações de chegada são muito impressionantes e eu acredito que as diz do fundo, resta-me saber se duram...se eu com os meus muitos pontos fracos não irei emaranhar uma tua certeza de amor tão clara. Não tenho senão metade da confiança em mim...e aí trocamos de papeís e eu passo a mortal e tu a Deus. Um beijo Cristina




LéGi on d’Honneur


la légion d’honneur est la première haute décoration instituée après la révolution française. elle récompense, en un grand brassage national, les mérites acquis par les citoyens, en dehors de toute considération sociale ou héréditaire et ce, dans tous les secteurs d’activité du pays.


CÉRIMOINE DE L’ATTRIBUTION DE LA LÉGION D’HONNEUR Ambassade de France 16 Décembre 2009 Monsieur l’Ambassadeur Chers Amis : La France a été pour moi, avant tout, l’orgueil et la langue. J’avais 9 ans. Ma mère - malgré ses difficultés financières de veuve - avait décidé que j’aurais des classes de français. Ça m’a permis – entre autres merveilles - de réciter « bijou, caillou, chou, genou, hibou, joujou, pou »; et me sentir un peu privilégié. Après l’orgueil, vient l’émotion. Jules Verne et Alexandre Dumas. Entre mes 10 et 13 ans, mon grandpère (mon vrai père, dès mes 3 ans) me racontait leurs romans avec beaucoup de détail. Je me rappelle de le voir pleurer d’émotion avec le refus de Athos d’accepter la succession de d’Artagnan (« pour Athos c’est trop, pour le Comte de La Fère c’est peu»). Plus tard, c’était la volonté de tout connaître par des romans que existaient à la bibliothèque de Quinta das Lágrimas : Toujours Verne, encore Dumas – père et fils -, mais aussi Emile Zola, Pierre Benoît, Henri Bordeaux, Pierre Loti, Stendhal, Balzac. Et, jeunesse en fleur, petit à petit, arrive la volonté d’aimer. Saint Exupéry, Paul Géraldy, Aragon, Brasillach, Prévert, Brel, Brassens, tous les poètes de l’Amour. Les auteurs français ont été mon inspiration, mon école buissonnière, ma formation aux délices et tristesses des amours. Bientôt arriva l’université, les combats politiques, l´espoir d’un monde meilleur, la formation idéologique et son syncrétisme confus et romantique. Et toujours la langue française: Albert Camus (l’Homme Révolté qui m’a bouleversé), Romain Rolland, Pareto, René Dumont, Jacques Maritain, Marcuse, Edgar Faure, surtout Raymond Aron, dont je crois que j’ai lu presque toute l’œuvre.


En même temps, la découverte du théâtre: Molière, Racine, Corneille, bien sur; mais aussi Rostand (dont la maxime « il est plus beau lorsqu’est inutile » pourrait être un peu l’explication de ma vie), Monterlhant (et « ma » Reine Morte), Ionesco, Anouilh, même Sartre. Et le cinéma, toujours le cinéma (Catherine Deneuve avant tout, bien sur, mais quelques d’autres quelques fois). Et, de nouveaux autres auteurs, autres romans: Chateaubriand, Proust, Roger Vailland, Drieu la Rochelle, Sagan, Mauriac, Nimier, Michel Déon, Peyrefitte, Orsenna et tants d’autres pendant des années et des années. Et, surtout, Jean d’Ormesson et son « Au Plaisir de Dieu ». En Sosthène de Plessis-lesVaudreuil j’ai vu l’image de mon grand-père. J’ai décidé de garder et de sauver la Quinta das Lágrimas, en l’achetant à ma famille, à cause des deux. Plus récemment, c’est déjà le mérite de Cristina, j’ai commencé à parcourir les magnifiques jardins, paysages et petits coins, dès les Pyrénées jusqu’au Nord. J’ai aimé la France et j’ai aimé en français toute ma vie. Je crois connaître l’histoire et la culture française mieux que l’histoire de mon pays. J’aime la liberté. La France, terre de Liberté, est ma deuxième Patrie. Je peux, donc, aussi dire « Patrie et Honneur ». Je crois que la bonté et le prestige des Ambassadeurs Patrick Gautrat et Denis Delbourg a été essentielle pour la décision de Son Excellence le Président de la République Française de me combler – à moi et aussi à ma Famille et Amis, à qui je remercie de tout mon cœur d’être présents – je dirai me combler de joie, orgueil et surtout de responsabilité. Merci beaucoup pour ça, chers Amis, aussi par tout ce que vous avez déjà fait, comme représentants de la France, pour le Portugal. Mais Mr. le Président de la République Française ne pourrai jamais admettre que la « Légion d’Honneur » fusse attribuée sans une justification réputée suffisante. Dire « non sum dignus » sentirai la blasphème et serai offensive pour tous que la France a honoré avant moi, et que je salue dans la personne de mon vieux ami et associé, José Luis Vilaça, ici présent.

J’ai donc besoin de trouver une justification pour l’honneur que je reçois. J’ai eu peut-être une vie de travail digne et réussi, et j’ai servi mon pays comme Bâtonnier. Mais combien d’autres l’ont fait sans recevoir cet honneur. Je sais – et Mr l’Ambassadeur a eu l’amabilité de le dire – que pendant plus de 30 ans comme avocat (et dés très jeune avec António Maria Pereira, qui a mérité avant moi l’honneur aujourd’hui reçu) j’ai aidé l’Ambassade et le Consulat de France, les agences et les établissements français comme le Lycée et l’Église de St. Louis. J’ai appuyé beaucoup d’entreprises françaises. Et, si ça m’est permis, surtout des ressortissants français, quelques fois sans les moyens de se trouver un avocat. Mais ça c’est le devoir de n’importe quel avocat et, comme ancien Bâtonnier, je le sais très bien. J’ai pu trouver en tout cas une bonne raison. J’ai aimé la France, sa langue et les français dès très, très jeune. Je persiste et signe. Je suis sure que je vais mourir amoureux de la France éternelle. Et la France est le pays au monde plus capable de célébrer l’amour. Merci beaucoup






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