Delight #10

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fanzine curated by Ricardo Cruz aka SUNNY


FLASH “O grandeINTERVIEW mistério da vida é viver o presente” ETELVINA CRUZ

Professora

“Nunca é tarde para mudar” Trending

Interest Arco-Íris sobre o Rio, 1936

Kurt Neumann

Bedside

Equador

Miguel Sousa Tavares

Color


EC “Nós aprendemos por experiência. A criança aprende por ela própria perante a realidade da vida”


02

Baden Powell

Os Afro-Sambas

1990

Roberto Baden Powell de Aquino foi co-autor, a meias com Vinicius de Moraes, de um álbum consensualmente considerado um dos mais importantes da história da música brasileira. Não se sentia, porém, plenamente satisfeito com o resultado: "A gravação feita em 1966 era de péssima qualidade sonora, pois na época só existiam dois canais estéreo. Além do mais, no dia em que gravámos teve um tremendo temporal, a chuva inundou o estúdio. Os músicos tocavam sentados em caixas de cerveja e uisque que nós tinhamos bebido. Estávamos bastante inspirados, mas também muito bêbados. Pouco profissionais, a bem dizer". Em 1990, Baden refez os arranjos e regravou o álbum na íntegra, já sem Vinicius, mas repetindo a participação do Quarteto em Cy. Após uma edição de 3 mil cópias, patrocinada pelo Banco BMC, Afro-Sambas foi lançado comercialmente na Europa e no Japão, e só depois no Brasil. Já sem o parceiro Vinicius, Baden canta em quase todas as faixas. Acrescenta 3 músicas a esta nova versão, uma das

quais "Labareda" (que conheci através do álbum de Vinicius com Odette Lara). O resultado é fabuloso e tudo ganha uma nova dimensão: conseguimos perceber cada um dos instrumentos que compõe a secção rítima, nomeadamente no "Canto de Ossanha" e no "Canto da Pedra Preta". Quando as vozes do Quarteto e Cy surgem, bem altas, completam a frágil voz de Baden, como acontece nos versos "vou me casar com o meu lindo amor no fundo mar", da música "Bocoché". Para mim, o ex-libris do álbum é a nova versão de "Canto de Xangô". A guitarra dobrada de Baden e a percussão parecem descompassadas e a deixarem fugir o ritmo, o que nunca chega realmente a acontecer. O instrumental que acompanha a frase vocal "salve xangô meu rei senhor, salve meu orixá ..." é de outro mundo. Pensei em algo que me deixou triste: nunca ouvi Baden Powell na rádio. Acho que deveriam passar mais vezes as músicas dele. por Indivíduo | projectoindividuo@gmail.com





Obscuridade animal larvas rastejam pelo chão imundo insetos varejam no alçapão fundo percevejos fedorentos sugam o sangue do defunto morcegos sobrevoam sobre o poço sujo cadáveres podres infestam o santuário bebes decapitados caminham pelo calvário fantasmas saiem das campas em mantas brancas assombram e aterroziam crianças no mortuário lavaredas incendeiam as portas do inferno macabro lesmas e minhocas nojentas sugam o esterno do diabo hienas farejam os ossos dos restos dos mortos amorfos porcos badalhocos no fosso do calabouço petrificado monstros animalescos manifestam raiva aprisionada gorgorejos brutescos libertam uma vida atormentada gritos funestos assombram os céus em trovoada cenário sombrio no limbo da podridão enfezada
















O futuro das artes: Unir e Organizar Vivemos um momento histórico. A bem dizer, fomos atropelados pela História ao volante da pandemia. Lambemos as feridas e usámos a dor para criar, o isolamento para reinventar, mantivemos a criatividade a crepitar mesmo quando o mundo ficou silencioso. Agora que saímos às ruas, podemos duvidar do novo normal. Porque nos mantêm "em análise" durante três meses? Que fizemos nós para competirmos contra colegas em troca de apoios? Onde está a lógica de sermos eternos precários? Quantos males originámos para merecermos trabalhos odiosos para sustentar a arte que amamos? A nossa região é uma potência cultural. Esta publicação é prova viva disso. Mas cabe-nos fazer uma arte nova: Unir e Organizar. É assim que despertaremos. Saibamos procurar as respostas que tornem a Cultura um bem essencial. Para que outros e outras se encontrem sob a nossa arte. Para que os territórios assumam as identidades escondidas. Para que a consciência individual alavanque as mudanças. Para que a vida não seja só uma competição fútil. Luís Grilo



SUNNY | Indivídui | Edna Vidigal | Pepä Ivanoff | Fakaz | Zita



viii

assisto ao nascimento de uma trilha: o homem ir e voltar na cadência das marés, a água cavar canais como o sangue veias num corpo, o sal transformar a terra numa senhora de cabelos caiados de branco. decoro a boca dos passos comendo a terra, os corpos deixados para trás, as oito emoções básicas do vento. algumas vidas são feitas de vidro, alguns países de cravos – também nós. privada de luz demonizo o mundo para te crer iluminado. nos bolsos trago dois papéis dobrados: num o teu nome, noutro um comprovativo de morada; dentro de mim um mar. perdoa meu (a)mar, ele me trouxe aqui. aqui, onde a tua presença sobressai mesmo na tua demorada ausência. aqui, na parte mais profunda do oceano onde moram ondas quebradas à espera de arranjo e a aragem gelada do anoitecer. aqui, onde as ossadas dos afogados vivem delírios românticos e os crânios vazios de olhos espiam os visitantes. aqui, à luz das águas-vivas onde tudo vejo: tateio os nós do estômago, encontro a lua asfixiada em seus mistérios, os corpos mutilados, os astros tiritando de frio. e lembro-me, meu amor, de quando tu eras um lençol tentando cobrir o meu corpo, de quando éramos uma edição bilíngue. costumava encostar meu ouvido ao teu peito e escutar a cadência das ondas, o marulhar das folhas, o ferver do chá, as orações dos deuses, o gps dos astros, as narrativas das fórmulas cheias de letras, a música entre as canções, o silêncio, meu eu. [risco um fósforo para devolver ao sol o alaranjado, começo um incêndio no mar. ardo até ser branca]. poesias líquidas.










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