Olá, tagger
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Quando um livro nos arrebata, não cansamos de falar sobre ele e de indicá-lo aos nossos amigos, não é mesmo? Foi com esse espírito que decidimos enviar neste mês o romance Migrações, da autora australiana Charlotte McConaghy, uma obra que conquistou a nossa equipe a ponto de optarmos por ela sem a indicação de nenhum curador. Em outras palavras, a curadoria deste mês vem da própria TAG! Migrações é um livro profundo — une distopia ambiental e jornada psicológica de maneira única. De modo a iluminar as diferentes camadas desse romance, publicamos nas páginas a seguir uma série de conteúdos complementares: você encontra análises da obra, uma reportagem sobre as questões ecológicas presentes na narrativa, assim como um perfil da autora. Boa leitura!
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QUEM FAZ
RAFAELA PECHANSKY
Publisher
JÚLIA CORRÊA Editora
BRUNO MIGUELL Designer
LIZIANE KUGLAND Revisora
ANTÔNIO AUGUSTO Revisor
Impressão Gráfica Ipsis Capa TAG Página da loja Lais Holanda
Preciso de ajuda, TAG!
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VAMOS LER MIGRAÇÕES
OUVIR PLAYLISTCriamos esta experiência para expandir a sua leitura. Entre no clima de Migrações colocando a playlist especial do mês para tocar. É só apontar a câmera do seu celular para o QR Code ao lado ou procurar por “taglivros” no Spotify. Não se esqueça de desbloquear o kit no aplicativo da TAG e aproveitar os conteúdos complementares!
Leia até a página 77
Após muita insistência, Franny finalmente consegue embarcar no Saghani. Enquanto ela lida com as desafiadoras tarefas do navio, fragmentos de seu passado revelam-se pouco a pouco para nós.
Leia até a página 162
Na ilha de Terra Nova, no Canadá, as memórias de Franny a perturbam e intensificam o seu comportamento autodestrutivo. Sigamos, pois as próximas páginas prometem momentos de muita tensão.
Leia até a página 210
Há muito amor entre Franny e Niall, mas as últimas páginas deixam evidente quão difícil é para ela lidar com a sensação de estar acorrentada. O que você achou das últimas páginas? Conte lá no app!
Leia até a página 265
Os laços entre Franny e Ennis estão cada vez mais fortes, e a aventura deles no mar se revela agora ainda mais eletrizante. O que será que vem pela frente?
Leia até a página 337
Um final emocionante, com um reencontro inesperado, vem nos lembrar que as pistas da vida estão escondidas em toda parte. Abra o app e compartilhe as suas impressões sobre o desfecho da trama.
projeto gráfico
Reproduções de obras de J. M. W. Turner, considerado um dos principais artistas ingleses do século XIX, estão presentes na capa e na luva desta edição. Com efeitos resultantes de um tratamento inovador da luz, suas pinturas representam de forma dramática a força da natureza, como se pode notar na fúria do mar em contraste com a fragilidade das embarcações. São características que se revelam alinhadas com o nosso livro deste mês, em que a protagonista parte em uma jornada em alto-mar e precisa lidar constantemente com as adversidades do mundo natural, a partir do qual busca se conectar consigo mesma.
mimo
No Brasil, fevereiro vem acompanhado de altas temperaturas. Pensando nisso, além de convidá-lo para ler junto com a gente, queremos que você “beba da fonte” de grandes nomes da literatura: o mimo é um copo que irá homenagear autores presentes em nosso imaginário. São itens com capacidade para 330ml e imagens sortidas de Gabriel García Márquez, Agatha Christie ou Machado de Assis. Fique de olho e siga as recomendações: hidrate-se muito e não se esqueça de conferir a “informação ficcional” contida no rótulo!
Migrações pode ter terminado, mas a experiência não! Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ao lado e escute o episódio de nosso podcast dedicado ao livro do mês. No aplicativo, confira também a nossa agenda de bate-papos.
MIGRAÇÕES
Harper’s BazaarLiterary
Washington Post
“Numa época em que parece que estamos no fim do mundo, esse romance sobre um tipo diferente de fim de mundo serve tanto como catarse quanto como fuga.”
“Uma história sobre ser humano em um mundo onde não apenas o oceano é traiçoeiro.”
Hub “Um livro doloroso e comovente.”
Por que ler o livro
Sucesso entre a crítica e best-seller instantâneo, o livro de estreia da australiana Charlotte McConaghy ambienta habilmente a jornada de redenção de uma mulher em um futuro distópico, quando diversas espécies de animais já foram extintas. Emocionante, a trama vai e volta no tempo e, conforme avançamos na leitura, somos fustigados por uma série de reviravoltas e revelações, assim como por poderosas reflexões sobre a nossa relação com a natureza.
Do íntimo ao global
PAULA SPERB
Livro de Charlotte McConaghy une a busca por redenção e a luta para salvar aves da extinção
Poucos romances dão conta de tratar de temas que são pessoais e globais ao mesmo tempo. Nesse sentido, Migrações, da escritora australiana Charlotte McConaghy, é exitoso. Isso porque o leitor acompanha a jornada da protagonista para solucionar dilemas individuais enquanto tenta salvar animais que estão muito próximos de entrar em extinção — um assunto que interessa a todo o planeta.
Embora não seja um livro de suspense, Migrações consegue prender a leitura com essa mistura de histórias. A cada página, sabe-se um pouco mais sobre a protagonista. Afinal, ela própria está tentando se conhecer melhor e busca redenção. Simultaneamente, a narradora vai entregando informações e pistas sobre o que está acontecendo com o meio ambiente nesse futuro distópico sem demarcações temporais, mas, aparentemente, nem tão distante do agora.
RECEPÇÃO DA OBRA
Migrações já foi traduzido para mais de vinte idiomas ao redor do mundo. Em 2020, o romance foi escolhido como o melhor livro do ano pela revista norte-americana Time e também foi eleito como melhor ficção do ano pelos editores da Amazon. O New York Times Book Review chamou a obra de “visceral e assombrosa”, enquanto o Washington Post definiu o livro como “esperançoso, verdadeiro e comovente”. Todo esse sucesso fez com que os direitos para adaptação fossem vendidos aos atores e produtores Claire Foy (estrela de The Crown, da Netflix) e Benedict Cumberbatch (o Sherlock Holmes na adaptação da BBC). Migrações ganhará uma versão de peso para o cinema.
PERSONAGENS PRINCIPAIS
Franny Stone: A protagonista é uma jovem faxineira irlandesa que embarca em um navio pesqueiro para acompanhar a derradeira migração de andorinhas para a Antártida. Ela cresceu sem pai e perdeu a mãe cedo, episódios que marcaram sua personalidade.
Niall Lynch: Renomado professor na Universidade Nacional da Irlanda, ele pesquisa sobretudo aves migratórias. Niall investiga o que acontecerá com as andorinhas do Ártico diante das mudanças climáticas.
Ennis Malone: É o comandante do navio pesqueiro batizado de Saghani. Ele convive com o dilema de precisar pescar para sobreviver e a consciência de que está colaborando para acabar com os peixes do oceano. Saghani significa corvo na língua dos inuítes, indígenas do extremo norte.
Basil: É o responsável pela cozinha na embarcação. Antes de se dedicar ao mar, participara de um programa de culinária em Sydney.
Samuel: Homem de quase setenta anos de idade. Sua família vive em Terra Nova. Adora recitar poesia.
Anik: Homem inuíte. Mal-humorado, ele é quem está há mais tempo no Saghani com Ennis, de quem é imediato.
Léa: Além de Franny, é a única mulher no Saghani. Tem um temperamento difícil.
Malachai: Crescido em Brixton, adora conversar. Foi parar em barcos de pesca ao ir atrás de uma garota, mas acabou se envolvendo com Daeshim.
Daeshim: Namorado de Malachai, é quem se comunica com Ennis pelo rádio, transmitindo tudo o que está acontecendo.
Iris Stone: Mãe de Franny Stone. Teria partido e deixado a filha sozinha.
Quem é Charlotte McConaghy?
Nascida em Darwin, na Austrália, em 1988, Charlotte McConaghy estudou roteiro audiovisual na Australian Film Television and Radio School. Vive em Sydney com seu filho e seu companheiro. Apaixonada pela natureza, tem transformado esse amor pelo meio ambiente em ficção. Migrações é o seu primeiro livro, mas já lançou uma segunda obra que também fala sobre ecologia. Em Once There Were Wolves, ainda sem tradução para o português, trata sobre biólogos que tentam reintroduzir lobos em uma floresta da Escócia, em busca de retomar o equilíbrio natural. McConaghy faz questão de que suas obras tenham mulheres fortes como protagonistas. Em entrevista à Amazon Book Review, descreve Franny, protagonista de Migrações, como “andarilha” e “selvagem”. “Adoro a ideia de que algumas pessoas são guiadas pela vida mais por instinto do que por qualquer outra coisa”, explica a autora. “Franny é um pouco migratória como os pássaros que tanto ama, mas sofre muita culpa por isso. Passou a maior parte de sua vida procurando por uma família, por um lar, por um lugar ao qual pertencer, mas os pés que coçam e a necessidade de estar sempre partindo dificultam que ela sustente essas coisas”, detalha. Ao portal BookPage, a escritora falou ainda que, após passar tanto tempo envolvida com a construção da personagem e ter se conectado tanto com ela, a ama "como se fosse uma grande amiga ou familiar".
Sobre seus rituais de escrita, McConaghy revela ao mesmo portal preferir escrever entre a tarde e a noite, dedicando suas manhãs a atividades que a inspiram, como ler e caminhar, até a hora de se sentar para trabalhar. A criatividade, no entanto, envolve muito mais uma questão de humor: “Você faz o que for preciso para entrar no clima certo, para explorar esse poço mais profundo de emoção e pensamento. E isso pode ser ouvir uma música específica ou ler um poema que ama”. Entre seus autores favoritos, ela lista Mary
Oliver, Lily King, Richard Powers, Cormac McCarthy e Jeanette Winterson.
Especificamente sobre a concepção de Migrações, a autora explicou ao site que não lhe agradava a ideia de construir a história em uma estrutura linear. A proposta de intercalar o momento presente com episódios do passado de Franny lhe parecia mais apropriada para que os leitores se envolvessem intimamente com a personagem. “Você pode semear informações lentamente e usar revelações para criar catarse. E você pode destacar a transformação de um personagem mostrando quem ele é agora versus quem costumava ser, e criar um mistério sobre o que o fez mudar.”
Concebido após uma viagem à Islândia, Migrações demandou uma ampla pesquisa da autora sobre oceanos, embarcações, ecologia, geografia e mudanças climáticas. “Houve momentos em que senti que nunca saberia o suficiente para começar a escrever”, declarou ela à Amazon Book Review. Em conversa com o Los Angeles Times Book Club, a escritora disse ainda que gostaria que seu livro mobilizasse as pessoas a passarem do desespero e da apatia para a esperança, o amor e a ação.
Uma aposta da TAG
Entenda as razões pelas quais acreditamos que Migrações merece ser lido e vai conquistar nosso clube
Se você costuma acessar o aplicativo da TAG, deve ter visto uma enquete que fizemos há alguns meses na seção “Cafezinho”. Empolgados com a possibilidade de enviar ao clube Migrações, um livro que nos encantou por completo, decidimos consultar os associados para saber o que pensavam de uma edição em que não houvesse a tradicional figura do curador. A recepção nos surpreendeu! A confiança expressa em nossa própria avaliação — e na dos nossos testers (pessoas que atuam como pareceristas para a TAG) — nos deixou ainda mais seguros para apostar no romance da australiana Charlotte McConaghy. Aqui neste espaço da revista, normalmente publicamos uma entrevista com o curador ou a curadora do mês. Desta vez, expondo um pouquinho de nossos bastidores, trazemos no lugar depoimentos de nossa publisher, a Rafaela Pechansky, e de uma de nossas testers, Sandra Natalina Tonon. Elas revelam os detalhes que motivaram a nossa escolha.
RAFAELA PECHANSKY, publisher da TAG
Migrações é uma história sobre o futuro da humanidade. No enredo de Charlotte McConaghy, o ser humano ainda não chegou em Marte, mas lobos e gorilas estão extintos. Assim como no livro, em que a protagonista tem um sentimento de urgência por preservar os últimos exemplares de espécies condenadas, nós, do editorial da TAG, tivemos a urgência de apresentar essa história poderosa e dramática aos nossos associados.
Já falamos muitas vezes por aqui: recomendar um livro é muito parecido com o ato de presentear alguém. Ao dizer “leia este livro”, estamos, na verdade, esperando que a pessoa seja tocada por aquela obra como
“Recomendar
nós mesmos o fomos. Em sua essência, nosso trabalho na TAG é encontrar as melhores leituras possíveis, o que sempre começa com a indicação de curadores, salvo exceções, como nos aniversários da TAG, em julho. Neste mês, vamos quebrar o protocolo com a melhor das intenções, uma vez que Migrações não chegou até a nossa equipe através de nenhum curador, mas, sim, pela recomendação certeira da editora Alta. Migrações chega aos nossos associados puramente por ser extraordinário: trata-se de uma leitura urgente, que questiona o que restará do planeta quando já tivermos partido. Uma leitura que também é um presente.
SANDRA NATALINA TONON, tester da TAG
Migrações é aquele livro arrebatador, inteligente, atual, desconcertante, aconchegante, selvagem, amigável — e que me envolveu e me dominou até o fim. Aproveitei cada segundo da leitura, me joguei na narrativa e não me arrependi. A autora não dá tempo nem espaço para julgamentos. Fui abduzida para um mundo mágico, frenético, rico de sensações e experiências instigantes, em que senti o vento no rosto, o cheiro do oceano, o frio da neve, o cálido toque do sol… Cada página traz uma revelação que não termina ali, pois sempre fica um gancho com aquele gosto de quero mais.
O romance é leve e profundo, filosófico e atual. É, principalmente, uma verdadeira história de amor. Amor entre homem e mulher, entre mãe e filha, filha e pai, amor pela natureza, pelos animais. Tudo muito lindo.
Como tester da TAG, sempre fico atenta ao quanto as obras mexem com minhas emoções, me fazendo pensar de maneira diferente, conhecendo pessoas, lugares e situações que nunca vivi e possivelmente não viverei, me tirando da minha zona de conforto. Lendo esse livro, imaginei que seria uma leitura inesquecível para os associados. Super-recomendo! Para dar um gostinho, concluo com a epígrafe do livro:
“Esqueça a segurança. Viva onde teme viver.”
Ilustração do mês
Gabriel Renner é ilustrador freelancer e designer. Passou pelas redações de Zero Hora, Diário Gaúcho, ND Notícias e Grupo Editorial Sinos, além de ter ilustrado para as revistas Superinteressante, Mundo Estranho e Sexy. @rennergabriel
A pedido da TAG, o artista interpretou uma passagem do livro do mês: “Samuel, que está com Ennis, gira o holofote para onde Dae está apontando, e todos nós vemos, claro como o dia. Uma enorme tartaruga marinha, presa na rede. [...]
A rede balança acima do oceano, seu peso colossal balançando o barco. Ennis dispara pela sacada em direção à balaustrada.
— Abra a rede! — ordena Ennis a Basil.
— O quê? Chefe, é uma carga enorme!
— Abra!
O choque me faz agarrar o corrimão com uma das mãos com tanta força que tenho cãibras. Massageio a mão dolorida com a outra enquanto observo a pobre criatura, suas nadadeiras movendo-se ligeiramente sob o peso sufocante dos peixes. Partes dela se projetam para fora da rede e estou com medo de que fique emaranhada demais para conseguir se libertar.
O cabo que prende a bolsa começa a se soltar, abrindo o fundo para libertar os peixes. Eles caem na água, milhares deles de uma vez, criando uma ondulação que balança o barco. Muitos ficam presos na rede, se contorcendo inutilmente. E junto com eles está a tartaruga, incapaz de se libertar”.
POSFÁCIO
Se você ainda não leu o livro, feche a Revista nesta página.
A seguir, você confere conteúdos indicados para depois da leitura da obra.
As andorinhas e as mudanças climáticas
PAULA SPERBSeres incríveis, que vivem até 30 anos e fazem a maior migração entre os seres vivos, as andorinhas também podem sofrer as consequências da ação humana
“Os animais estão morrendo. Em breve estaremos sozinhos”, diz a narradora e protagonista Franny Stone na abertura de Migrações. A afirmação tem um duplo efeito: o de segurar a atenção do leitor e o de fazer um alerta sobre um risco que, se não é de todo real, tampouco é impossível.
O meio ambiente é um tema caro à autora, Charlotte McConaghy. A australiana declara seu amor pela natureza ao final do livro: “quero reconhecer as criaturas selvagens desta terra e dizer que este livro foi escrito para elas com tristeza e pesar por aqueles que foram exterminados e por amor aos que permanecem”, escreve. A escritora ainda acrescenta: “Eu realmente, profundamente espero que o mundo sem animais retratado em Migrações não chegue a acontecer”.
Para escrever o romance, McConaghy pesquisou informações e costumes das andorinhas do mar, mais especificamente daquelas que pertencem à espécie Sterna paradisaea. Existem muitos tipos de andorinhas, mas as descritas no livro fazem algo diferente de outras. Como diz o título do romance, elas migram.
“Existem espécies que são residentes e ficam o tempo todo na mesma área. Outras fazem migrações. A Sterna paradisaea é originária do Hemisfério Norte, onde se reproduz, e migra para o Hemisfério Sul em um período não reprodutivo”, explica Leandro Bugoni, professor do Instituto de Ciências Biológicas da FURG (Universidade Federal do Rio Grande), onde lidera o LAATM (Laboratório de Aves Aquáticas e Tartarugas Marinhas).
Há algo de muito peculiar nessa espécie, diz Bugoni: “Elas migram em alto-mar, percorrendo cerca de 80 mil quilômetros, fazendo a maior migração de qualquer organismo vivo do planeta”. Como são seres longevos, chegando a viver 30 anos, e considerando que a migração é anual, são mais de 2 milhões de quilômetros percorridos somente em migração. “A distância que elas percorrerão ao longo de suas vidas equivale a voar para a Lua e voltar três vezes”, compara, no livro, a personagem Franny Stone.
O caminho até o sul não é fácil. Mesmo que aproveitem as correntes de vento para gastar menos energia no voo, elas encaram trajetos desconhecidos e predadores. Por que, então, arriscam-se tanto? “Quando as condições não estão adequadas, os organismos têm alternativas: resistir no local, hibernar ou sair em busca de melhores condições ambientais, com alimento e clima favorável. Essas andorinhas se reproduzem no verão do norte e migram para o verão do sul, fugindo do inverno. Sempre estão nos polos, que são frios, mas em climas mais amenos”, explica Bugoni.
A trajetória sobre o oceano Atlântico lembra o desenho do número oito — passando tanto pela costa da África como da América —, e elas sobrevoam até mesmo o Brasil. Mas não é comum se deparar com elas nas praias, porque seus voos ocorrem em grandes altitudes.
Realidade x ficção
Em Migrações, Franny decide acompanhar três andorinhas anilhadas por ela no Ártico e monitoradas desde o seu computador. De carona em um navio pesqueiro, a personagem acredita seguir a última migração, já que elas estão à beira da extinção. Quanto há de verdadeiro nessa premissa?
O professor da FURG explica que a população de andorinhas no mundo, de fato, está decrescendo. “A população está diminuindo, mas elas ainda não estão listadas como ameaçadas de extinção. Essa redução, porém, exige atenção. Isso porque está relacionada tanto às mudanças climáticas como à instalação de eólicas offshore [em alto-mar], que tomam conta da Europa, dos EUA e há planos para o Brasil”, diz Bugoni. O professor alerta para outro ponto. É melhor buscar meios de preservá-las antes que sejam ameaçadas definitivamente, porque conservar animais migratórios é mais complicado. “Não tem como criar um parque ou uma reserva e mantê-las lá dentro”, diz Bugoni. No livro, o navio pesqueiro em que Franny viaja é apontado como um dos vilões por acabar de forma predatória com a vida marinha. É algo que já vem acontecendo. Tanto a pesca quanto a poluição afetam o ecossistema marítimo e, consequentemente, as andorinhas que se alimentam de peixes.
É uma cadeia alimentar que funciona perfeitamente. As andorinhas chamadas de trinta-réis, comuns na costa brasileira, alimentam-se de peixes pequenos encurralados por peixes maiores, como o atum, por exemplo. Com a pesca predatória do atum, a alimentação das andorinhas fica prejudicada. Sendo assim, explica Bugoni, o conflito com a pesca que aparece na obra é real.
É importante lembrar que essas mudanças climáticas causadas pelos humanos levam a extremos climáticos que afetam potencialmente a todos os seres vivos. Todavia, explica o professor, os efeitos mais imediatos são vistos onde há gelo.
Mapa da distribuição e migração da Sterna paradisaea
Crédito: Andreas Trepte
Futuro melhor
O secretário-geral da ONU, António Guterres, chegou a afirmar que o planeta caminha para um desastre e pode se tornar inabitável. “Isso não é ficção ou exagero. É o que a ciência nos diz que resultará de nossas atuais políticas energéticas. Estamos no caminho para o aquecimento global de mais que o dobro do limite de 1,5 grau Celsius que foi acordado em Paris em 2015”, disse na ocasião da divulgação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em abril de 2022. Apesar de todos os percalços que Franny e as andorinhas enfrentam no romance, a história termina com um tom otimista e de esperança. Mas, para a Terra não se tornar inabitável, como alertou Guterres, algumas atitudes devem ser tomadas com urgência pelos países e populações.
“A ação do indivíduo é pequena, mas o somatório é que causa o problema. Se falarmos de poluição do oceano por plástico, cada um pode usar menos plástico, reaproveitar, reciclar e fazer o descarte correto. Se falarmos de emissão de gás carbônico, usar menos carro e optar por transportes menos poluentes. São ações pontuais, mas que, juntas, podem fazer a diferença", diz o professor. Cada um precisa fazer sua parte para que, em breve, não estejamos sozinhos no planeta.
Tudo que habita quer viver
TATIANA CRUZAo lermos Migrações, empreendemos também nossa migração particular, conectados ao ritmo nervoso da trama, fustigados pelas arrebatadoras paisagens descritas de forma magistral
Não é de hoje que o homem mira o oceano como metáfora para uma travessia mais profunda: o mistério de sua própria psiquê. Moby Dick, obra-prima de Herman Melville, tornou-se um dos romances mais célebres da língua inglesa promovendo algo assim. Temos, a bordo da última viagem do Pequod, o capitão Ahab e sua obsessão por dar fim à baleia que havia causado a perda de sua perna. Uma missão não apenas suicida, mas também arriscada para toda a tripulação. Temos ainda um enredo simbólico — e filosófico — sobre as forças da natureza e a sobrevivência humana na Terra. Temos, talvez, uma centelha parecida para outra jornada em alto-mar, na qual somos convidados a embarcar no livro deste mês da TAG. Se tramas marítimas são pano de fundo de viagens de autodescoberta quase exclusivas dos homens ao longo da história da literatura, o grande trunfo de Migrações, da australiana Charlotte McConaghy, é dar nova voz a essa sondagem, uma voz feminina, perscrutando as profundezas oceânicas da alma de uma mulher em um cenário atualizado: o da crise climática global. Migrações nos apresenta Franny Stone, uma mulher na casa dos 30 anos que vive em um futuro distópico — ou apocalíptico — no qual várias espécies da fauna entram em extinção. “Os animais estão morrendo. Em breve estaremos sozinhos”, entrega o livro, logo no começo. A protagonista é uma mulher apaixonada por pássaros que consegue convencer o sisudo capitão de uma embarcação de pesca a atravessar o planeta
de polo a polo para acompanhar o que pode ser a última migração das andorinhas do Ártico que ela está rastreando, desde a Groenlândia, rumo à Antártida. Nesse percurso que mais parece uma jornada existencial, o leitor vai conhecendo aos poucos vários traumas de Franny e como esses traumas elucidam sua obsessão pelas andorinhas do Ártico, e a de vários outros personagens da tripulação, cada qual com sua Moby Dick particular.
Uma migração não é uma simples viagem, é uma jornada, e presume estar com todos os sentidos ligados no presente, sensorialmente conectado ao agora e aos truques e às armadilhas do movimento. Enquanto atravessa o oceano e seus perigos, Franny nos coloca dentro de sua jornada e, portanto, aprendemos com ela a fazer nós até sangrar nossos dedos, manejamos cordas, soltando ou prendendo velas, e somos açoitados, como ela, pelo vento. Lemos no silêncio que fala pelos olhos do capitão Ennis Malone a delicadeza e a beleza dos compromissos acertados de forma não verbal, o que temos do outro que não precisa ser dito, as relações que se criam em uma certa reverência ao que descobrimos apenas com o tempo. Não tocar, não falar e observar com reverência parece ser o que falta ao ser humano em relação à fauna e à flora da Terra, e o romance navega nos mares quentes da
McConaghy inteligentemente nos oferta uma narradora em primeira pessoa quebrada e inconstante.”
nova safra de obras de ecoficção literária sem cair na avalanche da literatura-manifesto. Todo o discurso está envolto no intrincado e complexo — e universal — drama da existência humana: ancestralidade, amor, maternidade e morte.
Nessa travessia, McConaghy inteligentemente nos oferta uma narradora em primeira pessoa quebrada e inconstante. Somos lançados ao passado da protagonista aos poucos, como golfadas do mar em tempo de tempestade, somos jogados não só ao palco da trama, uma embarcação e seus perigos constantes, ao vaivém das ondas, como somos lançados ainda à deriva da personagem, física e emocionalmente. Vamos conhecendo quem é verdadeiramente Franny em caudalosas doses de água salgada, ficamos sem ar, nadamos rumo ao oxigênio, criamos fôlego e permanecemos. Migrações nos faz também obcecados, queremos saber o final, queremos saber os segredos e, assim, empreendemos também nossa migração particular, conectados ao ritmo nervoso da trama, fustigados pelas arrebatadoras paisagens descritas de forma magistral.
Ler Migrações não é um passeio, uma distração; ler Migrações é uma jornada sensorial que produz efeito no que somos e abre muitas reflexões que seguem reverberando pós-leitura, especialmente as que tocam na relação do ser humano com os outros habitantes do planeta — bichos, plantas, tudo que habita quer viver. E se, por um lado, a obra da australiana pede olhos sensíveis — quase poéticos — para a leitura, contemplando todas as formas de vida na Terra, as mais mínimas, talvez mesmo quem não os tenha se veja vendo tudo de outra maneira. Migrar, para as aves, é condição de sobrevivência: alimento e reprodução. Para as pessoas, o movimento migratório, de certa forma, também. Instintivamente, somos alertados a despertar sentidos para não sucumbir, para restar. Se nos faltam olhos de ver, que os criemos. No livro, Franny aprende com a mãe que é preciso seguir as pistas da vida. De algum jeito, todo o livro da australiana Charlotte McConaghy é assim, um rastro de pistas. É a ficção, brilhantemente, cumprindo sua vocação mais pura: a da educação sentimental, dentro das forças de seu tempo.
Pensar o Antropoceno
PAULA SPERB E JÚLIA CORRÊAConheça outras obras que abordam a relação entre a natureza e o ser humano
Migrações, de Charlotte McConaghy, é uma literatura que ficcionaliza o Antropoceno, termo que remete ao tempo recente em que as mudanças sofridas pela Terra são consequência da ação humana. A seguir, confira sugestões de livros que discutem o tema.
Gelo, da romancista britânica Anna Kavan (1901–1968), é um livro onírico em que a protagonista foge em busca de abrigo em um planeta que está sendo completamente coberto por gelo e neve. A obra acaba de chegar ao Brasil pela editora Fósforo.
Banzeiro òkòtó, lançado em 2021 por Eliane Brum, é uma narrativa de não ficção que une relato pessoal e investigação jornalística para falar sobre os impactos da exploração indevida da Amazônia. Vale destacar que, desde 2017, a autora vive em Altamira, tida como epicentro da destruição da floresta.
A terra inabitável: uma história do futuro, de David Wallace-Wells, é uma grande reportagem sobre os problemas que o aquecimento global traz para o século XXI. Com uma escrita sensível, o autor defende que as mudanças climáticas ocorrem em um ritmo mais acelerado do que muitos imaginam.
Grande pensador indígena brasileiro, Ailton Krenak é autor de uma série de ensaios sobre a nossa relação com a natureza. São textos reunidos em livros como Ideias para adiar o fim do mundo, A vida não é útil e Futuro ancestral, todos lançados pela Companhia das Letras.
Depois do fim: conversas sobre literatura e Antropoceno, organizado pela pesquisadora Fabiane Secches, traz ensaios de grandes autores, como Maria Esther Maciel, Daniel Munduruku e Itamar Vieira Junior, que discutem desde catástrofes climáticas até ameaças aos povos originários. Como se lê na apresentação do livro, “é na literatura sempre ela que essas dores ganham corpo e contornos capazes de nos tirar da zona de conforto [...]”.
Em Nós somos o clima: salvar o planeta começa no café da manhã, Jonathan Safran Foer sugere maneiras práticas para encararmos a crise climática, incluindo mudanças de hábitos que a humanidade naturalizou ao longo de gerações, de modo a garantir o futuro das próximas.
Sob um céu branco: a natureza no futuro , de Elizabeth Kolbert, fala das possibilidades de salvação do planeta a partir de entrevistas com biólogos e outros especialistas. A autora foi vencedora do Pulitzer por A sexta extinção: uma história não natural, no qual aborda a responsabilidade humana nas alterações sofridas pelo planeta.
O mar que nos cerca, premiado livro da bióloga Rachel Carson (1907–1964) — também conhecida por Primavera silenciosa, tido como o primeiro alerta mundial sobre o uso de pesticidas na agricultura —, propõe reflexões dotadas de lirismo sobre os oceanos e os perigos que os rondam diante da exploração indevida do meio ambiente. Mais um ótimo complemento para quem gostou de acompanhar a jornada em alto-mar dos personagens de Migrações, nosso livro do mês.
vem aí
encontros TAG:
Guia de perguntas sobre Migrações
1. Quais são as suas impressões sobre a protagonista e sua jornada psicológica? Como você interpreta o comportamento dela ao longo da trama?
2. Comente o relacionamento entre Franny e Niall Lynch. O que você achou do modo como a história de amor entre os dois foi construída?
3. Boa parte da narrativa se passa no navio Saghani. Discuta a trajetória dos personagens da embarcação, suas contradições e o modo como eles se relacionam.
4. Leia a matéria da página 18 e reflita sobre as questões ambientais levantadas pelo livro. Você acredita que o futuro distópico mostrado na obra está mais perto do que se imagina?
5. O que você achou do final da história? Ficou satisfeito com o tom dado pela autora ao desfecho?
março abril
Indicado pela escritora luso-brasileira Tatiana Salem Levy, o livro de março é assinado por uma autora francesa contemporânea. Contemplando temas como imigração, feminismo, escândalos sexuais e midiáticos, a trama mostra uma grave acusação que paira em torno de uma família aparentemente perfeita.
Para quem gosta de: ficção contemporânea, literatura francesa, sátiras sociais Não se engane com o nosso livro de abril! Por trás da aparência de autoajuda, há uma narrativa profunda e impactante que nos lança para uma localidade da Ásia emergente. O autor é um paquistanês radicado na Inglaterra que já figurou na tradicional lista de indicações de Barack Obama.
Para quem gosta de: narrativas inventivas, outras culturas, ficção contemporânea
“Talvez a memória não seja mais do que olhar as coisas até o limite.”