"Os vulneráveis" TAG Curadoria - Junho/2024

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JUN 2024 Os vulneráveis

TAG — Experiências Literárias

Tv. São José, 455 – Porto Alegre, RS (51) 3095-5200 (51) 99196-8623

contato@taglivros.com.br www.taglivros.com @taglivros

Publisher Rafaela Pechansky

Edição e textos Ana Lima Cecilio

Colaboradoras Laura Viola e Sophia Maia

Designer Bruno Miguell Mesquita

Capa Bruno Miguell Mesquita

Revisores Antônio Augusto e Liziane Kugland

Impressão Impressos Portão

Olá, tagger

Aliteratura é mais do que um reflexo do mundo: ela também nos ajuda a compreender tudo que se passa ao nosso redor, das mínimas alegrias às tragédias mundiais, das dores compartilhadas por todos os seres humanos às pequenas manias que nos fazem cheios de defeitos, mas também podem ser as fontes das nossas maiores qualidades.

Este livro, tão delicado e humano, provavelmente abre alas para uma série de produções que refletem sobre um acontecimento mundial que atingiu a todos nós: a pandemia de Covid-19, que fechou as portas do mundo inteiro, adiou planos, levou pessoas queridas, mudou o modo de nos relacionarmos com nossa casa, nossa saúde, nossas esperanças.

Sigrid Nunez, brilhante ensaísta, nos ensina que o mundo inteiro, com medo e luta, esperança e amor, pode caber num apartamento. Ou num espaço ainda melhor: no livro que você tem em mãos. Basta saber olhar.

Experiência do mês

JUNHO 2024

Seu livro além do livro: para ouvir, guardar, expandir, crescer. os vulneráveis

Sigrid Nunez retorna com sua escrita singular para contar uma história ambientada em Nova York nos primeiros dias do confinamento em razão da pandemia de covid. A narradora, escritora com idade suficiente para se qualificar como “vulnerável”, concorda em passar o início da quarentena no apartamento da amiga de uma amiga (presa pelo mesmo motivo em outro estado), para cuidar do papagaio Eureca, desamparado desde o sumiço repentino de outro hóspede, um universitário da Geração Z. O jovem retorna sem avisar, e os dois — ou os três, contando com a ave — tornam-se companheiros de casa, não sem antes atravessar certas tensões. A evolução desses relacionamentos, interpessoais e interespécies, torna-se a base sobre a qual a narrativa se desenrola.

Ganhadora do National Book Award em 2018 com o romance O amigo, também autora de O que você está enfrentando e Sempre Susan, Sigrid Nunez volta seu olhar para o mais terrível e recente trauma coletivo e elabora, com o humor e a sensibilidade costumeiros, situações e personagens que refletem sobre a vulnerabilidade humana; a impermanência; a tênue beleza das conexões afetivas; a natureza da memória — ou seja, a vida em sua mais plena essência. Em meio a essa busca por significado despertada pela tragédia, Nunez nos traz uma faísca de esperança: é na literatura que podemos encontrar algum sentido quando o mundo em que habitamos vira de cabeça para baixo.

Mimo

O mimo do mês é um estojo de algodão feito em parceria com a Ideia Crua, empresa familiar que busca construir uma cadeia de trabalho sustentável, sem plástico e com responsabilidade social. A estampa é um convite para pensar o espaço que a leitura tem nas nossas vidas. Seja carregando lápis e canetas ou itens de higiene pessoal, o mimo é um lembrete daquilo que levamos sempre com a gente: livros existem porque a vida não basta.

Para quem sabe que o livro sempre rende boas conversas

Projeto gráfico

Sigrid Nunez

Por muitos aspectos, Eureca, o papagaio, é o centro do romance, ou pelo menos seu motor. É por ele que as personagens se encontram, é seu comportamento que provoca tantas emoções. Nada mais justo do que botá-lo na capa para a gente namorar esse animal tão cheio de manias e que é capaz de nos ensinar tanto.

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Dor de amor? Dúvidas na vida? Nosso consultório literosentimental responde com dicas de livros 04 06 10 16 20 22 24 27 28

Bons motivos para você abrir as primeiras páginas e não parar mais

A autora

O que ela escreve é ficção ou ensaio? Entenda um pouco mais sobre o estilo irresistível de Sigrid Nunez.

A curadora

Conheça Natalia Timerman, que escolheu seu livro do mês

Cenário

De onde veio, do que fala, o que é o livro que você vai ler

Universo do livro

Livros, séries, filmes que orbitam o livro do mês

Da mesma estante

Livros que poderiam ser guardados na mesma prateleira do livro do mês

Leia. Conheça. Descubra.

Natalia Ginzburg e a invenção da literatura que conversa

Vem por aí

Para você ir preparando seu coração

Madame TAG responde

“Estou

comprometido, até que um de nós morra, com os romances de Nunez. Eu os acho ideais. Eles são curtos, sábios, provocadores, engraçados – uma boa e poderosa companhia.”

Dwight

Garner, The New York Times

“Com a intimidade e o humor de uma ótima conversa, este romance faz você se sentir mais inteligente e vivo.”

People Magazine

Por que ler este livro
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Por que ler este livro

Como conciliar nossa profunda consciência de um mundo doloroso, absurdo, desigual com a mais genuína necessidade de enxergar as coisas com leveza e humanidade? Talvez seja essa resposta tão valiosa que salta das linhas deste delicioso livrinho, tão curto e tão cheio de vida. Com a ternura de uma conversa entre amigos, ele desdobra a vida com humor e sinceridade, e ajuda, e muito, a gente a compreender o mundo.

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Uma escritora armada até os dentes de humor e inteligência

Luto, medo, pandemia e solidão: tudo é posto à prova do olhar aguçado e amoroso de Sigrid Nunez

A literatura contemporânea é um mundo vasto e repleto de talentos brilhantes que nos fazem rir, chorar e, às vezes, simplesmente coçar a cabeça em confusão. Entre esses talentos está Sigrid Nunez, uma autora que desafia as convenções literárias com seu estilo único, repleto de humor e inteligência afiada.

Sigrid Nunez é como aquela amiga espirituosa que você sempre quer ao seu lado em um jantar, pronta para contar uma história que vai te deixar pensando e rindo ao mesmo tempo. Ela nasceu com o dom da palavra, e seus livros são como uma conversa envolvente com uma pessoa inteligente.

Em sua obra, Nunez brinca com temas complexos de uma maneira que faz você se perguntar se deve rir ou chorar. Seus personagens são tão vívidos que você pode jurar que os encontrou no supermercado da esquina. E suas histórias? Bem, elas são uma mistura perfeita de observações perspicazes sobre a vida e situações absurdas que só poderiam acontecer na mente de uma escritora verdadeiramente genial.

A autora 6

©Marion Ettlinger/Editora Instante

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Só quando era jovem eu acreditava que era importante lembrar o que acontecia em cada romance que lia. Agora sei a verdade: o que importa é o que você experimenta durante a leitura, os estados de sentimento que a história evoca, as questões que surgem em sua mente, muito mais do que os eventos ficcionais descritos.

Os vulneráveis

Entre os tesouros literários de Nunez, encontramos O amigo, um romance que conquistou corações e mentes com sua narrativa emocionante e, claro, seu protagonista canino. Quando a narradora herda o imenso dogue alemão de um amigo querido que morreu, ela passa a conviver com ele em seu minúsculo apartamento e, a partir dessa relação, passa a refletir sobre solidão, perda e, acima de tudo, o amor.

O amigo talvez seja a melhor porta de entrada para embarcar na obra de Sigrid. Mas você pode seguir conhecendo seus livros, sempre tão inteligentes, bem-humorados e extremamente humanos. No entanto, um aviso: não se engane pela aparente leveza, que conta com tanta delicadeza sobre as relações mais profundas: Sigrid é um cérebro incansável, uma leitora voraz e especialíssima e uma pensadora refinada. Em seus livros, ficamos mais inteligentes, mais fortes, mais sábios, mas talvez o mais importante é que nos tornamos mais humanos.

Sigrid Nunez é uma daquelas autoras que você não pode deixar de conhecer. Com sua escrita perspicaz, personagens inesquecíveis e histórias que desafiam as expectativas, ela conquistou um lugar especial nos corações dos leitores em todo o mundo. Então, da próxima vez que você estiver procurando por uma leitura que vai te fazer pensar e sorrir ao mesmo tempo, não procure mais. Pegue um livro de Sigrid Nunez e embarque em uma jornada literária que é tão divertida quanto edificante.

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A construção literária entre a solidão e a memória

Natalia Timerman desenrola os fios dessa narrativa tão sutil, que é sobre a vida de todos nós, mas também é sobre a invenção da literatura.

Em Copo vazio, o romance de estreia de Natalia Timerman, o que mata é a esperança. Ao contar a jornada comovente de uma mulher pelo sentimento do abandono — e uma jornada, aliás, que é exterior e interior, pelos labirintos da mente dessa mulher —, Natalia cria uma narrativa que é uma linha tênue entre o desespero e a esperança, caminho construído cuidadosamente com uma sinceridade devastadora. Foi assim que ela criou um romance que é praticamente a odisseia do ghosting e botou seu tijolo na construção da imagem que teremos por muitos anos do que são as relações líquidas da nossa era. Já As pequenas chances, seu romance mais recente, faz, na confusão entre narradora e personagem, um inventário doloroso e belíssimo sobre a dor, ou melhor, as dores do luto, ao narrar a morte do pai e tudo que vem com ela: o sentimento de perda, a saudade, a construção da memória.

Há muitas boas hipóteses para justificar o imenso sucesso dos dois romances de Natalia Timerman, Copo vazio e As pequenas chances: a escrita contemporânea, ágil, mas carregada de sentimento; a força das imagens ao descrever dores profundas e comuns a muitos de nós, como se lêssemos nossos próprios diários; a capacidade de criar tensões entre o absurdo de sentir e a racionalidade de compreender. Tudo isso vem de uma vasta capacidade de observar, claro, mas também de botar em imagens, e o resultado é uma literatura profunda, caudalosa, repleta de reflexões, complexidades e emoções.

Conversamos com ela sobre a escolha de Os vulneráveis para o livro do mês, mas também sobre como ela enxerga a literatura.

Entrevista com a curadora
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©Renato Parada

Se este é um livro com vários temas, um deles tratado com muita profundidade é a solidão. A solidão também parece ser um dos temas dos seus livros — ao menos, tipos de solidão. Como a autora aborda esse tema, principalmente considerando a relação entre solidão e escrita?

Uma mulher que vive só se depara com o isolamento imposto pela pandemia do coronavírus: esse é o fio que conduz Os vulneráveis , um fio que segue adiante como numa caminhada e vai visitando diversas situações, percorrendo vários microenredos que vão muito além do contexto da pandemia. Se há um motor que move esse fio é o da solidão daquela mulher, amplificada pelo momento em que o mundo como ela conhecia — como todos nós conhecíamos — estava em suspenso, com as certezas todas movediças. E o motor às vezes emperra: a escrita está bloqueada pelo medo, pela incerteza, pela ansiedade, pela própria solidão, agora aguçada — e sabemos disso pelo ardil de Sigrid não em afirmar esse bloqueio, mas as maneiras de superá-lo, porque estamos lendo, ou seja, houve a escrita. A solidão da narradora, ainda que dolorosa, refletida em uma cidade de Nova York desértica, não é indesejada, pelo contrário: quando, por uma combinação de circunstâncias, passa a viver em um apartamento enorme com um rapaz que ela não conhecia, ela se mostra imensamente perturbada. O fio que conduz a história, porém, vai aproximando aqueles dois seres tão diferentes mas igualmente vulneráveis, proporcionando a ambos uma transformação sutil que não é dita pela escrita, mas é a própria escrita.

A obra trata da condição humana em um mundo cada vez mais impessoal e isolado. Como você vê essa manifestação no livro?

O contexto do livro aprofunda uma insegurança existencial que já estava dada, que é dada, na verdade, desde sempre. O que Sigrid consegue fazer é transmitir isso ao leitor ao fazer estremecer o chão de um enredo tradicional, no qual o leitor poderia se apoiar. Esse procedimento não provoca, no entanto, uma sensação de desamparo, pelo contrário: é aí que nos sentimos amparados, porque compreendidos, identificados com esse fluxo que, em Os vulneráveis, vai tomando diversas formas e investigando, a cada vez, questões caras ao nosso tempo, como consentimento, senciência, crise climática, sem jamais simplificá-las. Karl Ove Knausgård, no ensaio “A importância do romance” (ainda não traduzido para o português), propõe que o romance vê o mundo desde dentro e o mantém aberto. A prosa de Sigrid Nunez é um belo exemplo.

A presença constante da literatura na vida dos personagens é notável. De que maneira a literatura serve como um refúgio ou como um espelho para eles?

A literatura dizendo de si mesma é o meio por onde passa o fio narrativo de Os vulneráveis. O que outros escritores disseram acerca de diferentes questões e da própria escrita; os meandros do meio literário; o ensino da escrita em oficinas; o processo de escrever: Nunez se serve de tudo isso para contar sua história enquanto conta ao mesmo tempo a história do livro que está sendo escrito e o inclui na história da literatura.

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A curadora do mês

Nome:

Natalia Timerman

Nascimento:

São Paulo, 10 de fevereiro de 1981.

Profissão:

Médica psiquiátrica e escritora.

Obra:

Dois livros de contos, Desterros e Rachaduras, dois romances, Copo vazio e As pequenas chances, e um delicioso livro infantil, Os óculos do Lucas.

Duas ou três coisas sobre ela:

1 GHOSTING

Copo vazio, o romance de estreia, foi um imenso sucesso de vendas por falar com sinceridade arrebatadora sobre o sentimento de abandono que um ghosting pode nos causar.

2 ENCARCERAMENTO

Durante 8 anos, trabalhou como psiquiatra no Centro Hospitalar do Sistema

Penitenciário de São Paulo, experiência da qual extraiu as histórias de Desterros, seu primeiro livro de contos.

3 PSIQUIATRIA

Médica psiquiatra, vai muito a fundo nos sentimentos humanos, seja o amor, seja o luto. A força da narrativa vem tanto da experiência profissional como de uma sensibilidade à flor da pele.

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Se o motor de Os vulneráveis é a solidão, o tecido do fio narrativo é a memória, que se confunde, como acontece quase sempre, com a invenção, com a ficção.

A morte é um tema recorrente na narrativa e também no seu livro mais recente, As pequenas chances . Você vê semelhanças entre as abordagens?

Gosto de pensar que tanto As pequenas chances como Os vulneráveis debruçam-se sem constrangimentos no medo e na proximidade da morte, na tristeza e na perplexidade que a rodeiam. A descrição dos últimos momentos da amiga da narradora que, no meio de uma dança, tomba como um tronco cortado é de uma beleza enternecedora e absurda. Uma cena que, como Nunez considera o mais importante numa leitura, vai ficar marcada em mim como se eu mesma a tivesse visto, nítida, transcorrer.

O livro apresenta uma mistura de elementos de ficção e não ficção. Como essa mescla de gêneros contribui para a profundidade e o impacto da história?

É preciso um esforço para não identificar a narradora em primeira pessoa deste romance (talvez de todos os romances de Sigrid Nunez) com a autora, que, assim como sua personagem, vive sozinha nos Estados Unidos, é escritora e professora de escrita criativa. Conhecemos bem o panorama da pandemia em que se desenrola o livro, e a dicção de Nunez, que questiona a si mesma e no entanto flui, constrói um notável efeito de espontaneidade. Mas aqui, como em outros livros, a autora empreende um esforço ético de não expor as pessoas em que porventura suas personagens se baseiam. Declarando escolher para cada uma delas um nome de flor, ela no entanto gira mais uma vez o parafuso, pois não é possível saber se as histórias que ela conta são mesmo reais, vividas por amigas suas; não é possível — e talvez não importe — saber se tudo é realidade ou se estamos diante de mais um artifício para esconder o artifício que levanta o toldo da ficção.

Outro elemento fundamental é a memória, que, claro, é a base da literatura, mas que aqui desempenha um papel crucial. Um dos exercícios que a narradora de Os vulneráveis propõe a seus alunos é escrever textos que comecem com “Eu me lembro”, baseando-se no

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livro homônimo de Joe Brainard, um de seus preferidos. Ela mesma parece aplicar o exercício para superar o bloqueio para escrever e conclui que memórias individuais são muitas vezes também coletivas. Mas, se lembrar é importante, há que se ter a medida, pois — ela não se lembra quem disse (mais uma vez a marca da insuficiência em sua dicção, aqui a da própria memória) — a insônia é a incapacidade de esquecer. Se o motor de Os vulneráveis é a solidão, o tecido do fio narrativo é a memória, que se confunde, como acontece quase sempre, com a invenção, com a ficção.

O título do livro, Os vulneráveis , sugere uma exploração da fragilidade humana. Como essa vulnerabilidade se manifesta?

Um marido que perde repentinamente a esposa; amigas que se encontram depois do enterro dessa mulher e relembram, e conversam, e repartem; o enteado de uma delas, que está sendo acusado, talvez injustamente, de um crime sexual; um rapaz que foi expulso de casa; a própria narradora, que tem a incumbência de cuidar de um papagaio e — outra marca de Sigrid Nunez — olha muito de perto a relação dos humanos com os animais; a própria pandemia, o isolamento, tudo isso vira história dentro da história. É bonito como a narradora vai empregando a palavra “vulnerável” nesses diferentes contextos, mudando sutilmente seu significado, como se a estivesse girando, mostrando todos os seus ângulos, num caleidoscópio feito de estilhaços em que cada pedaço é um espelho e onde a figura que vemos a cada vez é a do nosso próprio rosto. A nossa própria vulnerabilidade.

MINHA ESTANTE

O primeiro livro que eu li: Algum gibi da Turma da Mônica.

O livro que estou lendo: O céu para os bastardos, de Lilia Guerra.

O livro que mudou minha vida: A chave de casa, de Tatiana Salem Levy.

O livro que eu gostaria de ter escrito: Afetos ferozes, de Vivian Gornick.

O último livro que me fez rir: Sobre os ossos dos mortos, de Olga Tokarczuk.

O último livro que me fez chorar: O corpo interminável, de Claudia Lage.

O livro que dou de presente: O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques.

O livro que não consegui terminar: Moby Dick, de Herman Melville.

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Aquele tempo em que o mundo parou

O que fazer com a pandemia e com o tempo em que não podíamos fazer nada?

Poucos acontecimentos mundiais tiveram tanto impacto — econômico, psicológico, social, humanitário, sanitário, filosófico, sob todos os aspectos, afinal — quanto a pandemia de Covid-19. Nós todos que estamos vivos, assinando a Tag vivemos, de um jeito ou de outro, esse período de incerteza, medo, ameaças. Sob governos diferentes, com restrições variadas, nas diferenças das várias profissões, todos nós, humanos, fomos atingidos pela violenta estatística e perdemos empregos, vidas amadas, oportunidades, tempo. Alguém já disse que, quando uma tamanha tragédia atinge uma sociedade, não temos nem tempo de completar nosso luto, pois, assim que comunicamos nossa dor, a pessoa com quem conversamos já emenda a dela, e seguimos assim, desolados e com nosso luto incompleto, tentando esquecer o tempo de sofrimento e nos virando como podemos para superar o trauma, transformar em experiência, em vida, em arte.

Cenário
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A pandemia trouxe desafios e transformações incontornáveis, muitas vezes definitivas, e não é exagero dizer que ela foi o motor de um novo desenho de sociedade: o trabalho mudou, as empresas passaram a pensar diferente a nossa relação com o tempo e o espaço produtivos, nossa casa ganhou novos significados, aprendemos a cozinhar, os sistemas de entrega se alteraram completamente e hoje é difícil encontrar alguém que não faça compras pela internet — tudo isso para não falar em novos traumas desbloqueados, paranoias de contaminação e a sensação profunda — estranha e transformadora — de estar vivendo de fato, enfim, uma distopia. Havia caos e incerteza a cada esquina, não há dúvidas, mas qualquer um que não estivesse envolto num pessimismo profundo podia enxergar que, ao lado das fissuras do sistema, da incerteza, era possível vislumbrar a esperança, a resiliência e a gigantesca capacidade de adaptação da humanidade.

O isolamento nas grandes cidades tornou-se uma realidade inegável para milhões ao redor do mundo. O que antes era o pulsar constante de metrópoles movimentadas agora deu lugar a ruas desertas e a uma atmosfera de quietude desconcertante — cenas de grandes cidades, como São Paulo, Nova York, Paris e Londres, com suas ruas desertas, sinais que abriam e fechavam para ninguém são o retrato de uma distopia que nem imaginávamos experimentar. Esse isolamento forçado desafiou nossa noção de conexão e nos confrontou com a fragilidade da vida urbana. Nos confinamos em nossos lares, separados fisicamente mas unidos em uma experiência coletiva de solidão.

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©Paulo Silva/Unsplash

Enquanto muitos de nós nos fechávamos, assistindo diariamente às coletivas dos governantes, nos acostumando de um dia para outro com repórteres e políticos aparecendo nas nossas tvs vestindo máscaras, também vimos o mundo se digladiar com cientistas, duvidando, negando, transformando uma emergência sanitária em disputa ideológica. Enquanto isso, o vírus que não vê ideologia nenhuma a se proliferar, fazendo subir os gráficos de morte, em um desenho mórbido, todas as noites nas nossas TVs.

Nesse cenário, os profissionais de saúde emergiram como verdadeiros heróis modernos, enfrentando o inimigo invisível de frente, muitas vezes às custas de sua própria saúde e bem-estar. Médicos, enfermeiros e outros trabalhadores da linha de frente se tornaram os pilares sobre os quais nossa sociedade se sustentou durante tempos de crise. Sua dedicação e sacrifício personificam a resiliência humana diante da adversidade, inspirando-nos e lembrando-nos da importância da empatia e da solidariedade em tempos de necessidade. É para uma dessas heroínas que a protagonista deste livro cede a casa e, assim, vai morar no apartamento para cuidar de Eureca.

É assim que começa o processo de compreender que, enquanto a solidão se tornava uma companheira constante para muitos, uma nova compreensão desse estado emocional complexo começou a surgir. A solidão não é apenas a ausência de companhia física, mas também uma experiência profundamente pessoal e subjetiva. Em meio ao silêncio ensurdecedor de nossos lares, fomos confrontados com nós mesmos, obrigados a enfrentar nossos medos, ansiedades e desejos mais profundos. No entanto, também descobrimos a resiliência do espírito humano, encontrando maneiras criativas de nos conectarmos uns aos outros virtualmente apesar da distância física.

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Para muitos, a convivência com os animais de estimação tornou-se um refúgio bem-vindo em meio à tempestade. Nossos amigos peludos não apenas nos ofereceram companhia constante, mas também nos ensinaram lições valiosas sobre amor incondicional e presença no momento presente. Em suas lamúrias e brincadeiras, encontramos conforto e alegria, lembrando-nos da importância de valorizar as pequenas coisas da vida mesmo em tempos turbulentos.

À medida que as restrições começaram a diminuir e as vacinas se tornaram amplamente disponíveis, testemunhamos o gradual reencontro entre as pessoas. Abraços calorosos substituíram acenos virtuais, risadas preencheram o vazio do distanciamento social e a esperança brilhou mais uma vez no horizonte. Embora o caminho à frente ainda seja incerto, a pandemia nos lembrou da importância de valorizar os laços humanos e de nos apoiarmos mutuamente em tempos de dificuldade.

Em última análise, a pandemia de Covid-19 deixará um legado duradouro em nossas vidas, moldando a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos uns com os outros. No entanto, também nos desafiou a encontrar significado em meio ao caos, a buscar conexão em um mundo cada vez mais distante e a cultivar a esperança mesmo nos momentos mais sombrios. À medida que nos recuperamos e nos reconstruímos, que possamos aprender com as lições do passado e abraçar o futuro com determinação e compaixão. ©Shahin

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Khalaji/Unsplash

Universo do livro

Livros, séries, filmes que orbitam o livro do mês

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OS VULNERÁVEIS

trata de uma escritora em uma crise criativa como Mais estranho que a ficção

Um burocrata ouve uma voz em sua cabeça e descobre que é o protagonista de uma história em que ele morre no final. Ele precisa, então, encontrar a autora.

3 que retrata a delicada relação entre uma pessoa e um animal como Marley e eu

Um jovem casal adota um cachorro, que acabará ocupando um espaço imenso de afeto na relação entre eles.

2

que conta a história de uma pessoa bastante solitária como

After life

Um viúvo vive sozinho numa cidadezinha, esbanjando senso crítico, acidez e um humor talvez involuntário — ainda que com grandes momentos de ternura.

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que traz protagonistas absolutamente perdidos, mas que acabam se encontrando como OS VULNERÁVEIS, de Sigrid Nunez

que é uma história em que a salvação vem de onde menos se espera como Up: Altas aventuras

em que o encontro de duas gerações é precioso para os dois como

Lost in translation

No Japão, dois desconhecidos norte-americanos de gerações diferentes experimentam a intimidade imediata que a solidão traz.

Um senhor solitário e rabugento encara uma grande aventura quando precisa fugir do mundo em que ele parece não caber.
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Da mesma estante

Livros que poderiam estar na mesma prateleira que o livro do mês

MULHERES INCRÍVEIS

Do relato pessoal delas, a gente aprende sobre nossa sociedade e sobre o mundo como se conversássemos com uma amiga mais sábia.

PAIXÃO SIMPLES, Annie Ernaux

Fósforo 64 pp.

Tradução de Marilia Garcia

A ganhadora do Prêmio Nobel ensina que todas as paixões são iguais, mas sempre se dão de jeitos muito diferentes. Para se apaixonar.

UMA MULHER

SINGULAR, Vivian Gornick

Todavia 144 pp.

Tradução de Heloisa Jahn

Grandes passeios pela cidade com olhos atentos embalam uma visão de amigo doce e ácida, esperta e extremamente humana.

O CUSTO DE VIDA, Deborah Levy

Autêntica contemporânea

120 pp.

Tradução de Adriana Lisboa

Espirituoso, complexo e original: um retrato da feminilidade contemporânea em transformação.

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PARA CONHECER MAIS SOBRE A AUTORA

Os outros livros de Sigrid Nunez são desdobramentos da sua escrita comovente, poderosa e humana

O AMIGO, Sigrid Nunez

Instante 216 pp.

Tradução de Carla Fortino

Um apartamento minúsculo, um cão gigantesco. Essa é a configuração que a narradora tem de enfrentar depois de herdar o dogue alemão do amigo.

O QUE VOCÊ ESTÁ

ENFRENTANDO, Sigrid Nunez

Instante 176 pp.

Tradução de Carla Fortino

Certamente, um dos livros mais bonitos que você vai ler, sobre pessoas que estão tão perdidas quanto nós mesmos e como é importante saber olhar para elas.

SEMPRE SUSAN, Sigrid Nunez

Instante 128 pp.

Tradução de Carla Fortino

O relato cheio de graça e respeito sobre a convivência com Susan Sontag, uma das maiores intelectuais do século 20 e que foi sogra de Sigrid.

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LEIA. CONHEÇA.

DESCUBRA:

Das primeiras autoras a botar a fragilidade da vida da mulher em destaque, ela nos conta de um mundo doméstico cheio de afeto e incertezas, que nos torna mais humanos e, para conversar com a potência de Sigrid Nunez, muito mais vulneráveis. Guerra, maternidade, filhos, amizade e leitura, tudo é matéria-prima para uma das prosas mais transparentes e emocionantes do século 20.

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© Francesco Gattoni

Nome

Natalia Ginzburg, nascida Natalia Levi

Nascimento

14 de julho de 1916

Palermo, Itália

Morte

7 de outubro de 1991

Roma, Itália

Nacionalidade

Italiana

Filha caçula de uma família numerosa e agitada, Natalia passou a infância numa casa cheia de intelectuais, artistas e professores. Seus pais, ele judeu, ela católica, educaram os cinco filhos como ateus. Essa espécie de calor italiano — mesas grandes, gente reunida — está muito presente em seus livros, principalmente em Léxico familiar, que pode ser lido como um relato autobiográfico.

Anarquista, a família inteira logo passou a fazer parte da resistência antifascista. Seus irmãos se envolveram com a política e montaram uma rede que ajudava outros membros da resistência a se esconder e a sair da Itália.

Em 1938, ela se casou com Leone Ginzburg, editor e jornalista antifascista, com quem teve três filhos. Um deles, Carlo Ginzburg, é um importante historiador. Em 1941, Leone foi preso em Roma por sua militância — sobretudo pela publicação de um jornal que os dois editavam juntos. Depois de sofrer tortura severa, incluindo crucificação, morreu em 1944, na prisão.

O posicionamento político sempre foi essencial para ela, que, depois de filiada durante anos ao Partido Comunista Italiano, chegou a ser eleita para o Parlamento de Roma como política independente.

Natalia passou grande parte da década de 1940 trabalhando para a Einaudi em Turim, uma das mais importantes editoras do mundo, como publisher e tradutora. Giulio Einaudi, notadamente um antifascista, acolhia e publicava escritores que hoje estão entre os maiores do mundo, como Primo Levi, Cesare Pavese e Italo Calvino.

Leia. Conheça. Descubra.
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Em seus livros, Natalia trata das relações familiares, de política durante e após os anos fascistas, do espanto sobre a Segunda Guerra Mundial e de filosofia. Escreveu romances, contos e ensaios, pelos quais recebeu o Prêmio Strega e o Prêmio Bagutta, os mais importantes da Itália.

A literatura de Natalia é cheia de som e de afeto. Com um talento imenso para retratar as pessoas, ela cria personagens contraditórios, capazes das ações mais heroicas e por vezes medrosos e mesquinhos; e é essa a força inapelável da sua prosa — a vida real.

Com tudo isso, Natalia se declarava como uma “pequena escritora”, mas não por modéstia: era um modo particular de se posicionar na recusa da grandiloquência fascista e na escolha do gesto menor diante de um mundo assolado pela guerra, pela injustiça e pela morte.

AS PEQUENAS

VIRTUDES

Um livrinho tão pequeno que vai te acompanhar pela vida inteira: amor, casamento, filhos, como educar crianças, o que fica da vida — tudo que é mais importante, escrito com uma delicadeza inesquecível.

LÉXICO FAMILIAR

Romance lindíssimo sobre família, sobre pessoas que amamos, sobre resistência à guerra e sobre história pessoal. Prosa monumental que nos lembra, a cada linha, de como a literatura é feita, afinal, de pessoas verdadeiras. Humano e inesquecível.

NÃO ME

PERGUNTE JAMAIS

Outra seleção de ensaios com o mesmo clima íntimo e confessional, mas sem deixar de apontar para um levantamento dos pensamentos mais profundos e, por que não?, filosóficos. Um livro sobre a vida.

PARA COMEÇAR PARA SE APAIXONAR DE VEZ OBRA-PRIMA
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No próximo mês

Encontre as 9 PALAVRASque dão dicas do spoiler do próximo mês.

Múltiplos narradores contam a história do livro de julho da TAG Curadoria, incluindo uma árvore ancestral que observa, com um olhar quase antropológico, uma jovem família em uma lavoura de tabaco no sul do Brasil.

Vem por aí
árvore - tabaco - lavoura - veneno - família - sul do brasil - espelho - irmãs - sobrevivência 27

Madame TAG responde

Querida Madame TAG, preciso da sua ajuda. Desde que assinei a TAG, já percebi como é bom ler. Mas às vezes a vida me engole e eu não consigo nem ler o livro do mês, que sempre chega tão bonito. O vilão? O celular. Uma olhadinha no Instagram vira duas horas de rolação de tela, e, quando eu vejo, estou exausta e com zero página lida. Os livros vão se acumulando, e a frustração é imensa. O que fazer?

Ass: Uma leitora viciada em telas.

Querida leitora,

Mas quanta angústia! A vida corre e não há tempo para você se agarrar com as páginas de um bom livro? A solução está mais fácil do que você imagina. Veja bem que, na sua própria assinatura, já tem a sua essência: ser leitora. Você já tem a chama que nos liga à literatura. Muita gente passa a vida inteira sem experimentar a delícia inenarrável de mergulhar num livro. Quem tem essa chama, querida, vai sempre ser leitor, por mais que não consiga ler o tanto que gostaria.

As telas dão uma angústia sem fim. Todo o esquema é feito para a gente ter a sensação de que aquilo não acaba nunca, tem sempre mais um vídeo, um meme, uma notícia. Tudo é projetado como um buraco de coelho de Alice, em que você se joga e não sai mais. E, acredite, você não está sozinha.

Mas imagino que o celular te acompanhe em muitas horinhas de bobeira, não? No transporte público, nas salas de espera, antes de dormir, esperando a água ferver. Se você trocar apenas um desses momentos pela leitura, bingo!, você garante pelo menos 10, 15 minutinhos de estar com seu livro por dia.

TAG — Experiências Literárias

Tv. São José, 455 – Porto Alegre, RS (51) 3095-5200 (51) 99196-8623 contato@taglivros.com.br www.taglivros.com @taglivros

Publisher Rafaela Pechansky

Edição e textos Ana Lima Cecilio

Colaboradoras Laura Viola e Sophia Maia

E mais: livro, ao contrário das redes sociais, acaba. E quer coisa mais tranquilizadora do que terminar um bom livro? Ele segue com a gente, e a gente fica pensando nele, mas dá aquela sensação deliciosa de acabar algo — certamente, o melhor antídoto da angústia.

Designer Bruno Miguell Mesquita

Capa Bruno Miguell Mesquita

Revisores Antônio Augusto e Liziane Kugland Impressão Impressos Portão

Quer um conselho de Madame TAG? Escreva para madametag@taglivros.com.br

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“A solidão é boa, mas a gente precisa de alguém que diga que a solidão é boa.”

– HONORÉ DE BALZAC

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